EXECUÇÃO
EXECUÇÃO DE DECISÃO PROFERIDA NOUTRO ESTADO-MEMBRO
FORMA DE PROCESSO
Sumário


I- O processo de execução de decisões proferidas noutro Estado-Membro, rege-se pela lei do Estado Membro requerido, devendo nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro – Regulamento n.º 1215/2012 do PE e do Conselho.
II- Nos termos do artigo 550.º, n.º 2 do CPC, aplica-se o processo sumário nas execuções baseadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória.
III- Assim, devendo a decisão proferida noutro Estado-Membro – injunção a que foi aposta fórmula executória, num tribunal italiano - ser executada em Portugal em condições iguais às de uma decisão aqui proferida, deve ser empregue a forma de processo sumário.
IV- O que o artigo 43.º, n.º 1 do Regulamento 1215/2012 impõe é que o devedor tenha conhecimento, antes do processo executivo, que a sentença que contra ele foi proferida está em condições de ser executada em qualquer Estado-membro.
V- Só assim não fica em causa a regra da equiparação das ações executivas que têm por base um título executivo nacional e das que têm por base um título executivo formado noutro Estado-Membro.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

“Têxtil A. F., SA” veio, por apenso à execução sumária que lhe é movida por “X – Banca Di Crédito Cooperativo … Soc. Coop.” (com base em injunção de tribunal italiano), deduzir embargos de executado, invocando, como questão prévia, a nulidade por erro na forma de tramitação da execução, entendendo que a execução deve ser tramitada sob a forma ordinária (e não sumária), dando-se sem efeito todos os atos praticados a partir da verificação de tal irregularidade, procedendo-se a nova distribuição na forma correta e declarando-se nulos todos os atos praticados posteriormente, incluindo as penhoras realizadas.
A embargante suscita, ainda, a incompetência absoluta (internacional) do tribunal italiano, a nulidade do decreto injuntivo (nulidade da citação e violação do princípio do contraditório), a nulidade do título executivo (absoluta invalidade da certificação como título executivo europeu), bem como analisa os fundamentos para a recusa da execução, concluindo pela alegação da inexistência do direito de crédito da exequente.
A exequente contestou, pugnando pela validade da forma de processo utilizada e salientando que a execução da injunção italiana se rege pela lei portuguesa e deve ser executada em Portugal em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro, sendo que, apenas deve ser avisado o destinatário de que uma ação executiva poderá estar iminente noutro Estado-Membro, o que a exequente fez, enviando à executada a carta junta ao requerimento executivo como doc. 2.
A exequente respondeu, ainda, a todas as outras questões suscitadas na petição de embargos.
Teve lugar a audiência prévia e, após foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada procedente a exceção de erro na forma de processo e, em consequência, determinou-se que a execução siga a forma de processo ordinário e declarou-se a nulidade de todos os atos praticados após o requerimento executivo, ordenando, designadamente, o levantamento das penhoras que tenham sido efetuadas.

A embargada interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

A. O título executivo sub judice é um requerimento de injunção italiano a que um tribunal italiano apôs fórmula executória, tendo o Recorrente indicado como forma de processo a forma de processo sumário, nos termos conjugados do disposto no artigo 41.º, n.º 1 e artigo 2.º, al. e) do Regulamento n.º 1215/2012, com o artigo 550.º, n.º 2, al. b) do C.P.C..
B. Antes da instauração da execução sub judice o Recorrente, nos termos do disposto no artigo 43.º do Regulamento 1215/2012 e através da carta datada de 05.09.2018 e recebida pela Executada no dia 06.09.2018, notificou a Recorrente da certidão prevista no artigo 53.º desse Regulamento e fez prova dessa notificação ao juntar cópia da carta enviada à Recorrida com o respetivo AR assinado como Doc. 2 do requerimento executivo.
C. O presente Recurso vem interposto do despacho saneador-sentença de 27.03.2020, através do qual o Exmo. Juiz a quo julgou procedente a exceção de erro na forma de processo e (i) determinou que a execução sub judice siga a forma de processo ordinária; (ii) declarou a nulidade de todos os atos praticados após o requerimento executivo, ordenando, designadamente, o levantamento das penhoras efetuadas; (iii) e ordenou que após o trânsito, se procedesse à retificação na distribuição e autuação e se abrisse conclusão a fim de se ordenar a nova citação da Recorrida / Executada.
D. A decisão do Juiz a quo baseou-se no entendimento segundo o qual uma ação executiva cujo título é uma injunção com fórmula executória aposta por um tribunal de outro Estado-Membro deve ser tramitada segundo a forma sumária (nos termos que decorrem do artigo 550.º, n.º 2, al. b) do C.P.C.), colide com o princípio da efetividade do direito comunitário, uma vez que a citação do executado apenas se efetua após a penhora, o que implica que dificilmente se possa cumprir o preceituado no artigo 43.º do Regulamento 1215/2012.
E. Segundo o Juiz a quo, o princípio do primado do Direito comunitário sobre o Direito nacional, impõe que se conforme o Direito nacional ao Direito comunitário, o que, no caso concreto e no entendimento do Juiz a quo, corresponderia a tramitar a execução sub judice segundo a forma ordinária e, consequentemente, com citação prévia do executado, assim se cumprindo o que o Juiz a quo entende decorrer do artigo 43.º do Regulamento 1215/2012.
F. A decisão do Juiz a quo é ilegal, e assenta numa incorreta interpretação dos artigos 41.º, n.º 1 e 43.º do Regulamento n.º 1215/2012, conjugados com o artigo 550.º, n.º 2 al. b), e ainda numa errada interpretação e aplicação do artigo 193.º do C.P.C..
G. O Tribunal de Justiça da União Europeia consagrou o princípio do primado no acórdão do caso “Costa contra Enel” de 15.07.1964, declarando o direito proveniente das instituições europeias se integra nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros, sendo estes obrigados a respeitá-lo. O direito europeu tem assim o primado sobre os direitos nacionais. Deste modo, se uma regra nacional for contrária a uma disposição europeia, as autoridades dos Estados-Membros devem aplicar a disposição europeia. O direito nacional não é nem anulado nem alterado, mas a sua força vinculativa é suspensa.
H. No presente caso não existe qualquer contrariedade entre o artigo 550.º, n.º 2 al. b) do C.P.C. e o artigo 43.º do Regulamento 1215/2012 que permitam a tramitação dos presentes autos sob a forma ordinária.
I. Com efeito, resulta do disposto nos artigos 39.º e 41.º, n.º 1 do Regulamento 1215/2012, conjugados com o Considerando (26) do mesmo Regulamento que as decisões proferidas num Estado-Membro devem ser reconhecidas em todos os Estados-Membros da União Europeia sem que seja necessária qualquer declaração de executoriedade ou qualquer procedimento específico, devendo a execução reger-se pela lei do Estado-Membro requerido (i.e. Estado-Membro da execução) e ser tratada em condições iguais / como se se tratasse de execução de decisão proferida no Estado-Membro requerido.
J. Conforme referido por Rui Torres Vouga no Caderno do CEJ intitulado “Reconhecimento e execução de decisões no âmbito do Regulamento Bruxelas I-Bis”, estas normas consagram o princípio da execução automática de decisões proferidas pelos tribunais de outros Estados-Membros – v. página 186.
K. Conforme já referido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia “(…) [A] aplicação do direito processual interno do Estado-Membro requerido deverá ser feita de modo a não prejudicar nunca o «efeitoútil» do Regulamento BruxelasI-bis” –v.Acórdãode06.12.1994 (caso “Theownersof thecargo lately laden on board the ship "Tatry” contra “The owners of the ship "Maciej Rataj", processo C-406/92680; acórdão de 15.05.1990 (caso “Kongress Agentur Hagen GmbH” contra “Zeehaghe BV”, processo C-365/88681) e o parágrafo 69 do Acórdão de 28.04.2009 (caso “Meletis Apostolides contra David Charles Orams e Linda Elizabeth Orams”, processo C-420/07682).
L. Assim, nos termos do disposto nos referidos artigos 39.º e 41.º, n.º 1 do Regulamento n.º 1215/2012, a execução de uma injunção italiana a que foi aposta fórmula executória por um tribunal italiano rege-se pela Lei Portuguesa e deve ser executada em Portugal em condições iguais às que seriam aplicáveis se se tratasse de execução de requerimento de injunção português a que foi aposta fórmula executória.
M. Apesar de o artigo 43.º do Regulamento 1215/2012 se referir a uma “notificação da certidão emitida nos termos do artigo 53.º”, o Considerando (32) deste Regulamento refere expressamente que semelhante notificação é efetuada “a fim de informar” o devedor.
N. O Professor Miguel Teixeira de Sousa no blogue da sua autoria disponível na página de internet do INSTITUTO PORTUGUÊS DE PROCESSO CIVIL clarifica que essa norma visa efeitos meramente informativos e que tal circunstância resulta claramente de algumas outras versões linguísticas do Regulamento 1215/2012 (nomeadamente da versão inglesa), concluindo que “(…) o que o art. 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 impõe é que o devedor tenha conhecimento de que a sentença que contra ele foi proferida está em condições de ser executada em qualquer Estado-membro. Assim, nada impede que a execução dessa sentença em Portugal siga a forma sumária do processo para pagamento de quantia certa (cf. art. 550.º, n.º 2, al. a), CPC) e que o executado só seja citado para a execução depois da penhora de bens (cf. art. 856.º, n.º 1, CPC). Aliás, esta solução é a única que é compatível com o princípio da equiparação imposto pelo artigo 41.º, n.º 1 2.ª parte, Reg.1215/2012: "Uma decisão proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro".
O. No mesmo sentido se pronunciou o CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS no Caderno acima referido, em que acrescenta que o artigo 43.º do Regulamento 1215/2012 “(…) assegura, ou pelo menos procura assegurar, que o devedor tenha conhecimento formal do conteúdo integral da decisão e da intenção do credor de avançar para tomar medidas de execução noutro Estado-Membro que não no Estado-Membro de origem. Esse conhecimento facilita, indubitavelmente qualquer contestação à execução por parte do devedor, nos termos do artigo 46.º, e também possibilita que sejam tomadas medidas para suspender ou limitar a execução nos termos do artigo 44.º. Todavia, esta proteção revela-se imperfeita. Desde logo, a informação fornecida ao devedor não lhe possibilita determinar em que lugar, dentro da UE, e em que momento o credor irá solicitar medidas de execução. Se a decisão concede garantias ao credor, será necessário ao devedor formular um pedido de recusa de execução em todos os Estados-Membros, que não no Estado-Membro de origem, onde existem ou podem existir bens penhoráveis.”
P. Resulta, assim, que a notificação prevista no artigo 43.º do Regulamento 1215/2012 é apenas isso mesmo: uma notificação que é feita de forma extrajudicial e antes da instauração de qualquer ação executiva pelo credor titular da certidão do artigo 53.º do mesmo Regulamento.
Q. Mais, a notificação do artigo 43.º do Regulamento 1215/2012 não visa substituir-se às normas nacionais (cuja aplicação é ordenada pelo artigo 41.º, n.º 1 do mesmo Regulamento) de forma a “transformar” essa notificação numa citação, em resultado que, a ser observado nos termos defendidos pelo Juiz a quo, ditaria que se discriminasse entre injunções com fórmula executória “nacionais” (a tramitar sob a forma sumária à luz do artigo 550.º, n.º 2, al. b) do C.P.C.) e injunções com fórmula executória “de outros Estados-Membros” (a tramitar sob a forma de processo ordinário sem que o artigo 550.º do C.P.C. o permita, atenta a residualidade da forma de processo ordinária perante a forma de processo sumária).
R. Consequentemente, o regime nacional resultante do artigo 550.º, n.º 2, al. b) do C.P.C. não contraria, nem viola ou de alguma forma afronta o artigo 43.º do Regulamento 1215/2012, não existindo qualquer necessidade de, ao abrigo do princípio do primado, “transformar” a ação sub judice numa ação executiva forma ordinária.
S. Decorre, assim, do exposto, que a obrigação imposta pelo artigo 43.º do Regulamento 1215/2012 se encontra cumprida se o credor, ao instaurar a ação, demonstrar ter anteriormente notificado o devedor da certidão mencionada no artigo 53.º e entre essa notificação e a instauração da ação decorrer um período de tempo razoável, não determinado pelo Regulamento n.º 1215/2012.
T. A Recorrente cumpriu o que lhe era imposto pelo artigo 43.º do Regulamento 1215/2012 conforme resulta do Doc. 2 do requerimento executivo.
U. Apenas através de uma ação executiva sob a forma sumária se cumpre o imposto pelo artigo 41.º, parte final do Regulamento n.º 1215/2012 (e consequentemente se observa plenamente o princípio da execução automática das decisões de outros Estados-Membros), e se executa em Portugal uma injunção italiana em condições iguais às que se executaria uma injunção portuguesa a que tivesse sido aposta fórmula executória e que, nos termos do artigo 550.º, número 2, alínea b) do C.P.C. seria também tramitada sob a forma sumária.
V. Ao exposto acresce que se entendesse que os autos sub judice padecem de erro na forma do processo (o que se equaciona sem conceder), sempre haverá que concluir que a decisão do Juiz a quo é ilegal por exceder os limites impostos pelo artigo 193.º do C.P.C..
W. É entendimento unânime e resulta expressamente do artigo 193.º do C.P.C. que o erro na forma de importa somente a inatendibilidade dos atos que não possam ser aproveitados e dos quais não resulte uma diminuição das garantias do réu, obrigando a uma convolação dos autos.
X. Não foi isto que o Juiz a quo fez quando (i) declarou a nulidade de todos os atos praticados após o requerimento executivo; (ii) ordenou o levantamento das penhoras efetuadas; (iii) ordenou que se procedesse à retificação na distribuição e autuação; (iv) ordenou nova citação da executada, assim declarando a “perda de validade” da primeira citação efetuada e dos embargos de executado apresentados pela Recorrida e em que esta, ao longo de 158 artigos, exerceu contraditório quanto a todas as demais questões que entendeu relevantes argumentar em sua defesa nos (primeiros) embargos de executado apresentados.
48. De facto, a Recorrida não foi em nada lesada com a citação dos presentes autos para uma ação sob a forma sumária, uma vez que nos 20 dias para apresentar embargos (prazo que sempre seria o mesmo caso a ação fosse tramitada sob a forma ordinária – cfr. artigo 728.º do C.P.C), a Recorrida, além de arguir a exceção de erro na forma de processo, arguiu: (i) a inexistência do crédito da Recorrente; (ii) a incompetência dos tribunais italianos para o procedimento de injunção sub judice; (iii) a nulidade do decreto ingiuntivo italiano sub judice; e (iv) a recusa da execução com fundamento na violação do artigo 45.º, n.º 1, als. a) e b) do Regulamento 1215/2012.
Y. A decisão do Juiz a quo foi, assim, totalmente indiferente ao facto de a Executada não ter tido qualquer diminuição de garantias (que para os efeitos do artigo 193.º do C.P.C. são garantias de defesa e não, conforme erroneamente entendido pelo Juiz a quo, garantias patrimoniais que, no entendimento do Juiz a quo foram “lesadas” com a penhora feita pela Exequente antes da citação da Executada) porque usou amplamente de todos os meios de defesa ao seu dispor, tanto que até requereu a prestação de caução e, depois, não a constituiu (v. Apenso B dos presentes autos), apresentou oposição à penhora e, depois, da mesma desistiu, tendo também apresentado embargos de executado com defesa fundamentada e “ponto por ponto” a todas as questões que entendeu pertinentes.
Z. Assim, na prática, o Juiz a quo não só manda efetuar nova citação para que a Executada apresente uns “segundos” embargos de executado que previsivelmente mais não serão que uma cópia dos anteriormente apresentados, como permite a criação de um hiato temporal não previsto pelo artigo 193.º do C.P.C. e coincidente com o período de tempo que decorrerá entre a Secretaria retificar a distribuição e autuação, abrir conclusão para nova citação da Executada, o Juiz a quo proferir despacho liminar (também não previsto pelo artigo 193.º do C.P.C.) para ordenar a citação da Executada para dedução de embargos, a Executada apresentar embargos nos 20 dias previstos por Lei e o Juiz a quo apreciar os embargos e permitir a realização das penhoras.
AA. É fácil antever que no total o Juiz a quo criou a possibilidade de a Executada “ganhar” o espaço de 1 ano até ser alvo de novas penhoras, em situação claramente inaceitável e absolutamente lesiva dos interesses do Recorrente!
BB. O Juiz a quo, considerando existir erro na forma de processo, deveria ter mantido a citação já feita (e, consequentemente, com aproveitamento dos embargos de executado apresentados pela Recorrida), ter mantido as penhoras já efetuadas, ter ordenado à Secretaria que alterasse a forma do processo sub judice para a forma de processo ordinário, e, no limite, ter convidado a Recorrida a aperfeiçoar o articulado de embargos de executado em matérias que considerasse relevantes.
CC. Ao ter decidido como decidiu, o Juiz a quo, embora aplicando a figura jurídica do erro na forma de processo, excedeu clara e inaceitavelmente o disposto no artigo 193.º do C.P.C. e determinou a produção de consequências processuais próprias da falta de citação, figura que, esta sim e conforme previsto no artigo 187.º do C.P.C., determina a anulação de todo o processado posterior ao requerimento executivo.
DD. O Juiz a quo, ao decidir como decidiu, interpretou e aplicou erradamente os artigos 39.º, 41.º, n.º 1 e 43.º do Regulamento n.º 1215/2012, 550.º, n.º 2, al. b) e 193.º do C.P.C..

Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a conformidade da forma de processo sumário para a execução, em Portugal, de um requerimento de injunção com fórmula executória aposta noutro Estado-Membro, só assim se fazendo JUSTIÇA!

A embargante contra alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido, como de apelação, com efeito meramente devolutivo, subida imediata e nos próprios autos.
Foram colhidos os vistos legais.

A única questão a resolver traduz-se em saber se a execução de uma injunção italiana a que foi aposta fórmula executória segue a forma de processo ordinário ou sumário.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Os factos com relevo para a decisão da causa são os constantes do relatório supra.

O título executivo que serve de base à execução de que estes embargos são apenso, é um requerimento de injunção que a exequente propôs contra a executada/embargante, ao qual, por decisão do Tribunal Ordinário de Brescia (Itália), foi aposta, em 13/04/2018, fórmula executória.
Como bem se refere na sentença recorrida “as partes não dissentem que o requerimento de injunção assim formado, constitui título executivo nos termos previstos no artigo 39.º do Regulamento (UE) 1215/2012”.
Contudo, na decisão recorrida entendeu-se que o disposto no artigo 43.º, n.º 1 do citado Regulamento não é compatível com a forma de processo sumário, sendo que a execução de decisão proferida ao abrigo deste Regulamento deve ser tramitada seguindo a forma de processo ordinário, só esta permitindo que o executado seja notificado, previamente, da injunção emitida, possibilitando-lhe alegar os fundamentos de recusa.

Vejamos.

Dispõe o artigo 39.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 (relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial) que:

“Uma decisão proferida num Estado-Membro que aí tenha força executória pode ser executada noutro Estado-Membro sem que seja necessária qualquer declaração de executoriedade”,

acrescentando o artigo 41.º, n.º 1 do mesmo Regulamento:

“1. Sem prejuízo do disposto na presente secção, o processo de execução de decisões proferidas noutro Estado-Membro rege-se pela lei do Estado-Membro requerido. Uma decisão proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro”.

Este princípio da confiança mútua na administração da justiça na União vem plasmado no Considerando n.º 26 do Regulamento que vimos citando (1215/2012), nos seguintes termos:
“A confiança mútua na administração da justiça na União justifica o princípio de que as decisões proferidas num Estado-Membro sejam reconhecidas em todos os outros Estados-Membros sem necessidade de qualquer procedimento específico. Além disso, o objetivo de tornar a litigância transfronteiriça menos morosa e dispendiosa justifica a supressão da declaração de executoriedade antes da execução no Estado-Membro requerida. Assim, as decisões proferidas pelos tribunais dos Estados-Membros devem ser tratadas como se se tratasse de decisões proferidas no Estado-Membro requerido”.
Ora, nos termos do disposto no artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, que é a lei do Estado-Membro requerido – Portugal – emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, bem como – alínea a) - se aplica o processo sumário em execução baseada em decisão judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo.
A diferença entre a forma ordinária e sumária tem a ver, essencialmente, com a solenidade e segurança que rodeia o título executivo, com o valor da quantia exequenda e com a maior ou menor complexidade da fase introdutória. No processo executivo comum para pagamento de quantia certa, a forma ordinária tem natureza residual (ver n.º 3 do artigo 550.º do CPC) – cfr Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, vol. I, Almedina, pág. 601 e 602.
Daí que, devendo a decisão proferida noutro Estado-Membro ser executada no Estado-Membro requerido em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro, não há dúvidas que, ao abrigo do disposto naquele artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, deve ser empregue a forma de processo sumário.
A questão suscitada pela embargante e que teve acolhimento na decisão recorrida é a de saber se tal forma de processo é compatível com o estipulado pelo artigo 43.º do Regulamento 1215/2012, que estabelece que “Se for requerida a execução de uma decisão proferida noutro Estado-Membro, a certidão emitida nos termos do artigo 53.º (A pedido de qualquer interessado, o tribunal de origem emite uma certidão utilizando o formulário que se reproduz no Anexo I) é notificada à pessoa contra a qual a execução é requerida antes da primeira medida de execução. A certidão deve ser acompanhada da decisão se esta ainda não tiver sido notificada a essa pessoa”.

Veja-se, a este propósito, o considerando 32 do mencionado Regulamento:

“A fim de informar da execução de uma decisão proferida noutro Estado-Membro a pessoa contra a qual tal execução é requerida, a certidão passada ao abrigo do presente regulamento, se necessário acompanhada da decisão, deverá ser notificada a essa pessoa em tempo razoável antes da primeira medida de execução. Neste contexto, deverá entender-se por primeira medida de execução a primeira medida de execução após aquela notificação”, sendo que, de acordo com o considerando 29, “A execução direta, no Estado-Membro requerido, de uma decisão proferida noutro Estado-Membro sem declaração de executoriedade não deverá comprometer o respeito pelos direitos de defesa” No caso dos autos, a decisão do Tribunal de Brescia foi notificada à executada em 13/10/2017 (antes de ser aposta a fórmula executória) e, no pressuposto de que estaria a cumprir o que estipula aquele artigo 43.º do Regulamento, a exequente, em 05/09/2018 (antes de intentar a execução, que foi instaurada em 18/09/2018) notificou a executada da certidão prevista no artigo 53.º, acompanhada da decisão do Tribunal de Brescia (apesar desta já lhe haver sido notificada, como vimos), sendo que, qualquer dos documentos foi notificado à executada em língua italiana e portuguesa.
Ou seja, tudo foi feito para dar a conhecer à executada a existência da injunção do tribunal italiano e de que iriam ser tomadas medidas de execução dessa decisão. Em face do ritualismo seguido não pode concluir-se pelo desrespeito pelos direitos de defesa da executada.
Ao contrário do que se decidiu em primeira instância, pensamos que não é necessário, para acautelar o disposto no artigo 43.º do Regulamento, fazer uso do processo ordinário em detrimento do processo sumário que sempre seria utilizado para executar uma injunção de um tribunal português. Não só o tribunal italiano deu a conhecer à executada a existência da injunção, antes de ter aposto a fórmula executória, que, assim, não foi proferida à sua revelia, como a exequente, antes de requerer a execução da decisão, notificou a executada da certidão emitida nos termos do artigo 53.º, acompanhada da decisão.
Não podemos esquecer que o Regulamento n.º 1215/2012 consagra, expressamente, a regra da equiparação das ações executivas que têm por base um título executivo nacional e das que têm por base um título executivo formado noutro Estado-Membro, conforme decorre do disposto no Considerando 26 e artigo 41.º, já supra citados (“as decisões proferidas pelos tribunais dos Estados-Membros devem ser tratadas como se tratasse de decisões proferidas no Estado-Membro requerido”; “Uma decisão proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro”).
A este propósito veja-se, no sentido aqui defendido, a opinião do Professor Miguel Teixeira de Sousa, no blog da sua autoria IPPC - https://blogippc.blogspot.com/2016/06/o-reg-12152012-e-execucao-de-decisoes.html - em resposta ao texto de Carla Machado publicado na revista Julgar online 2016, texto em que se sustentou a decisão recorrida:
“1. Num artigo recentemente publicado na Julgar Online, Maio de 2016, C. Machado "propugna[...], por um lado, pela tramitação sob a forma ordinária de todas as execuções de decisões proferidas ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 e, por outro, uma interpretação correctiva e extensiva do disposto no n.º 6 do artigo 726.º do Código de Processo Civil, devendo o juiz, nesta fase, proceder igualmente à citação do devedor nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 43.º e 46.º do Regulamento."
Salvo melhor opinião, esta posição assenta num pressuposto muito discutível: o de que a notificação da certidão emitida nos termos do art. 53.º Reg. 1215/2012 que é imposta pelo art. 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 deve coincidir com a citação para a execução, ou melhor, que aquela notificação e esta citação devem ser o mesmo acto.
2. O consid. (32) Reg. 1215/2012 dispõe o seguinte:
"A fim de informar da execução de uma decisão proferida noutro Estado-Membro a pessoa contra a qual tal execução é requerida, a certidão passada ao abrigo do presente regulamento, se necessário acompanhada da decisão, deverá ser notificada a essa pessoa em tempo razoável antes da primeira medida de execução [...]".
Importa, neste contexto, chamar a atenção para que, no âmbito do Reg. 1215/2012, a palavra "execução" é utilizada num duplo sentido:
-- No de processo de execução, ou seja, no de processo destinado a executar uma decisão; é neste sentido que a palavra "execução" é empregada, por exemplo, no art. 42.º Reg. 1215/2012;
-- No de procedimento de obtenção da exequibilidade da decisão, ou seja, no de procedimento destinado a tornar uma decisão proferida num Estado-membro exequível num outro Estado-membro; é nesta acepção que a palavra "execução" é utilizada na Subsecção 2 ("Recusa de execução", art. 46.º a 51.º) da Secção 3 do Capítulo III Reg. 1215/2012; o que se regula nesta Subsecção 2 não é o procedimento de recusa de uma execução, mas o procedimento de recusa da atribuição de exequibilidade a uma decisão proferida num Estado-membro diferente do Estado requerido; é por isso que, por exemplo, o disposto nos art. 49.º a 51.º Reg. 1215/2012 em matéria de recursos nada tem a ver com os recursos admissíveis quando o executado se opõe à execução, mas antes com os recursos que são cabíveis quanto a uma decisão que reconhece ou que não reconhece uma decisão proferida num outro Estado-membro como título executivo.
Esta duplicidade de sentidos da palavra "execução" aparece, com clareza, no consid. (32) Reg. 1215/2012: a "execução" de que o devedor deve ser informado "antes da primeira medida de execução" é a atribuição de exequibilidade a uma decisão proferida num Estado-membro. A versão inglesa do consid. (32) Reg. 1215/2012 é muito explícita sobre esta duplicidade de sentidos da palavra "execução", tanto que impõe que a pessoa contra quem o "enforcement" é pretendido seja avisada do "enforcement of a judgment given in another Member State", ou seja, impõe que a pessoa contra quem se pensa vir a intentar uma "execução" (= processo executivo) seja avisada da "execução" (= reconhecimento de exequibilidade) da decisão proferida num outro Estado-membro: (…)
3. Isto permite concluir que a notificação da "execução" (= reconhecimento de exequibilidade) de uma decisão não tem de coincidir com a citação para a "execução" (= processo executivo). Esta conclusão é bastante clara em algumas versões linguísticas do art. 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, dado que as mesmas levam a entender que, quando se realiza a notificação da "execução" (= reconhecimento da exequibilidade) ao devedor, a "execução" (= processo executivo) pode ainda nem sequer estar pendente: (…)
4. A conclusão de que o que o art. 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 impõe é que, antes do processo executivo, seja notificado ao devedor o reconhecimento da exequibilidade da decisão estrangeira é também aquela que decorre do seguinte comentário:
"O n.º 1 [do art. 43.º Reg. 1215/2012] impõe um dever de notificação. [...]. O n.º 1 corresponde a uma imposição do Estado de direito: para se poder defender de modo efectivo, o devedor deve saber, antes do mais, que tem de se defender [...]. A notificação fornece-lhe (indirectamente) o conhecimento de que está iminente uma execução forçada do título do Estado de origem no Estado requerido [...]. Em todo o caso, o n.º 1 não impõe que o devedor também deva ser notificado do pedido de execução forçada formulado pelo credor no Estado requerido" (Rauscher, EuZPR-EuIPR (2016)/Mankowski, Art. 43 Brüssel Ia-VO 1).
A distinção temporal entre a notificação da "execução" (= reconhecimento da exequibilidade) e a citação para a "execução" (= processo executivo) também é clara no seguinte comentário:
"Segundo o n.º 1 [do art. 43.º Reg. 1215/2012], a execução directa da decisão estrangeira exige a sua prévia notificação ao devedor, em conjunto com a certidão emitida segundo o art. 53.º e Anexo I" (Schlosser/Hess, EuZPR (2015), Art. 43 EuGVVO 3).
5. Em suma: o que o art. 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 impõe é que o devedor tenha conhecimento de que a sentença que contra ele foi proferida está em condições de ser executada em qualquer Estado-membro. Assim, nada impede que a execução dessa sentença em Portugal siga a forma sumária do processo para pagamento de quantia certa (cf. art. 550.º, n.º 2, al. a), CPC) e que o executado só seja citado para a execução depois da penhora de bens (cf. art. 856.º, n.º 1, CPC).
Aliás, esta solução é a única que é compatível com o princípio da equiparação imposto pelo art. 41.º, n.º 1 2.ª parte, Reg. 1215/2012: "Uma decisão proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro".

Sobre esta questão, pode ler-se no caderno do CEJ (ebook) “Reconhecimento e execução de decisões no âmbito do Regulamento Bruxelas I-Bis” da autoria do Juiz Desembargador Rui Torres Vouga http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Decisoes_Bruxelas2019.pdf: “A Proposta da Comissão não incluía uma disposição equivalente a este artigo 43.º. O actual artigo 43.º foi acrescentado durante as negociações, em resultado da reintrodução dos fundamentos de recusa previstos no artigo 45.º e do desejo de conferir uma protecção adequada ao devedor (Cfr., neste sentido, XANDRA KRAMER in The Brussels I Regulation Recast editado por ANDREW DICKINSON e EVA LEIN, nota 13.236).
Esta disposição – ao introduzir o requisito da notificação do requerido como uma précondição para a tomada de medidas de execução – constitui uma inovação do Regulamento n.° 1215/2012, que resulta da abolição do exequatur. Ela assegura que o requerido fica ciente de que foi proferida contra ele uma decisão (noutro Estado-Membro) e que a respectiva execução foi solicitada fora do Estado-Membro de origem, na ausência duma declaração de executoriedade.
Este artigo 43.º pode ser visto, pelo menos parcialmente, como um sucedâneo do artigo 42.º2, do Regulamento n.° 44/2001748, que também exigia a notificação da declaração de executoriedade à parte contra quem fosse pedida a execução, acompanhada da decisão, caso esta não lhe tivesse sido já notificada. Contudo, a protecção conferida pelo Regulamento Bruxelas I-bis ao requerido é muito inferior: uma vez observados os requisitos estabelecidos neste artigo 43.º, o requerente pode lançar mão de medidas de execução logo que esgotado um não especificado “tempo razoável” (citado Considerando (32) do Regulamento) e sem qualquer novo aviso prévio.
(…)
Esta regra assegura, ou pelo menos procura assegurar, que o devedor tenha conhecimento formal do conteúdo integral da decisão e da intenção do credor de avançar para tomar medidas de execução noutro Estado-Membro que não no Estado-Membro de origem. Esse conhecimento facilita, indubitavelmente qualquer contestação à execução por parte do devedor, nos termos do artigo 46.º, e também possibilita que sejam tomadas medidas para suspender ou limitar a execução nos termos do artigo 44.º (Cfr., neste sentido, XANDRA KRAMER in The Brussels I Regulation Recast editado por ANDREW DICKINSON e EVA LEIN, nota 13.238).
(…)
Segundo ARNAUT NUYTS (In La refonte du réglement Bruxelles I (publicado in Revue Critique de Droit International Privé, 2013,pp. 1-63 [pp. 28-29]), isto parece significar que a notificação e a execução não podem ser efectuadas por ocasião duma única e mesma iniciativa da autoridade encarregada da execução. Não é, portanto, possível a esta autoridade proceder à notificação e, acto seguido, tomar medidas de execução. O objectivo do Regulamento é, manifestamente, deixar ao devedor um certo tempo para ele contestar, se for caso disso, a execução antes que esta tenha lugar, por exemplo, instaurando o pedido de recusa de execução previsto pelo Regulamento (artigo 47.º). O prazo concreto que deve ser deixado ao devedor para formular, se for caso disso, este pedido de recusa de execução não é definido pelo Regulamento, para além da exigência (formulada no citado Considerando (32) de que ele seja «razoável» –o que, na opinião de NUYTS – deve ser apreciado «em função das circunstâncias e do tipo de medida de execução em causa»”.
Este autor, contudo, advoga que a tramitação processual na forma sumária é incompatível com a regra do artigo 43.º do Regulamento, face à dispensa do despacho liminar e efetivação da penhora antes da citação do executado.
Como já vimos, e o próprio autor do estudo nos cadernos do CEJ admite, a notificação do artigo 43.º não haverá de ser efetuada na execução. Trata-se de ato prévio à execução, com caráter informativo e que lhe permitirá, por exemplo, pedir a recusa de execução (artigo 46.º do Regulamento).
Ou seja, resulta do exposto que a notificação imposta pelo artigo 43.º do Regulamento 1215/2012, não obriga à instauração de execução com processo ordinário (a fim de ser efetuada citação prévia à penhora), nem sequer deve ser efetuada no âmbito do processo executivo, destinando-se unicamente a informar o devedor de que uma sentença que contra ele foi proferida está em condições de ser executada em qualquer Estado-membro e que o credor irá lançar mão de medidas de execução.

E, em face do que fica dito, haverá que concluir pela procedência da apelação e consequente revogação da decisão recorrida, devendo a execução prosseguir os seus regulares termos.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que a execução prossiga os seus regulares termos.

***
Guimarães, 29 de outubro de 2020

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas (com declaração de voto)
Alexandra Rolim Mendes

Declaração de voto:

a) Sendo o objecto do presente recurso circunscrito à interpretação de uma norma jurídica integrada num instrumento legislativo europeu, o sentido com que a norma deve ser entendido constitui questão prejudicial à decisão do recurso. Posto que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem a competência, única e exclusiva, para a interpretação dos actos legislativos europeus, como decorre do disposto no art.º 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, crê-se que se impunha o reenvio da questão, a título prejudicial, para o Tribunal de Justiça.
b) Assim não tendo sido entendido, cumpre-me justificar o sentido do meu voto, que é restrito à decisão.
O Regulamento (UE) 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12/12/2012 revogou o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro, o qual, na parte respeitante à execução das decisões – art.os 38.º e sgs. – não contém uma disposição semelhante ao art.º 43.º que, por isso, constitui uma inovação tendo em vista “facilitar mais a livre circulação de decisões e continuar a reforçar o acesso à justiça”, como se refere no considerando (1).
O Regulamento (UE) n.º 1215/2012 (ao qual pertencerão as disposições legais e os considerandos infra citados sem menção do respectivo Diploma) visou “unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial” e “garantir o reconhecimento e a execução rápidos e simples das decisões proferidas num dado Estado-Membro” – cfr. parte final do considerando (4).
Depois de nos considerandos (26) e sgs. se referir ao princípio de que “as decisões proferidas num Estado-Membro sejam reconhecidas em todos os outros Estados-Membros sem necessidade de qualquer procedimento específico”, baseado na confiança mútua na administração da justiça na União Europeia, o considerando (29) impõe a regra do não comprometimento do respeito pelos direitos de defesa.
O processo de execução vem regulado nos art.os 39.º a 44.º, nos quais, remetendo, embora, para o ordenamento jurídico interno do Estado-Membro requerido, o legislador europeu estabeleceu regras e princípios que não podem ser derrogados pelo ordenamento jurídico interno, e impôs formalidades que devem ser observadas.
Assim, no n.º 2 do art.º 41.º, mandando aplicar os fundamentos de “recusa” (entre nós, oposição) ou “suspensão” da execução previstos na lei do Estado-Membro requerido, impôs o princípio do primado aos fundamentos enunciados no art.º 45.º.
No art.º 42.º unificou os formalismos a que o requerente (exequente) deve obedecer. E no art.º 43.º impôs a notificação (entre nós, citação) como primeiro acto a praticar no processo de execução.
A linha de força que terá de estar presente na interpretação deste art.º 43.º consta da parte final do considerando (2): “… . Ao mesmo tempo, a abolição do exequatur deve também ser acompanhada de uma série de salvaguardas” e a justificação para o mesmo dispositivo legal encontra-se no considerando (32), que diz: “A fim de informar da execução de uma execução proferida noutro Estado-Membro a pessoa contra a qual tal execução é requerida, a certidão passada ao abrigo do presente regulamento, se necessário acompanhada da decisão, deverá ser notificada a essa pessoa em tempo razoável antes da primeira medida de execução. Neste contexto, deverá entender-se por primeira medida de execução a primeira medida de execução após aquela notificação”.
O conceito de “notificação”, atentos os fins visados, não terá outra significação que não o acto judicial pelo qual se dá a conhecer ao executado que foi proposta contra ele a execução, que no nosso direito interno se designa por citação. Coerentemente, o “tempo razoável” a que alude o considerando (32) é o legalmente previsto para a oposição à execução.
Cometer ao credor (futuro exequente?) a competência para efectuar a notificação será o mesmo que deixar ao seu livre entendimento o que deve ser entendido por “tempo razoável”, o que se não coaduna com o direito de defesa do devedor (futuro executado?).
Impondo o art.º 43.º a “notificação” do requerimento executivo ao executado como primeiro acto a ser praticado, antes de qualquer outro, e impondo o art.º 41.º, 2.ª parte, que “Uma decisão proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro”, atento o disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 550.º do C.P.C., impõe-se seguir a forma do processo sumário.
Simplesmente, em vez de se começar pelas diligências de penhora, nos termos do art.º 855.º do C.P.C., o processo iniciar-se-á pela citação, porque a 1ª parte daquele art.º 41.º atribui o primado de aplicação ao “disposto na presente secção”, na qual se integra o art.º 43.º.
E nada impedirá que durante o prazo de oposição à execução se realizem as diligências a que alude o n.º 3 do art.º 855.º do C.P.C., seguindo-se a penhora imediatamente após a apresentação da oposição, o que se coaduna com o considerando (31) “Em caso de contestação (de oposição) à execução de uma decisão, os tribunais do Estado-Membro requerido deverão poder, durante todo o processo relativo à contestação, incluindo um eventual recurso, permitir a execução, embora restringindo-a ou impondo a constituição de uma garantia” - é o que está previsto, quanto a esta, no n.º 5 do art.º 856.º do C.P.C..
Deste modo, em vez de o agente de execução efectuar a penhora “antes da citação do executado”, como determina o n.º 3 do art.º 855.º do C.P.C., passa a efectuá-la depois da citação do executado, dando cumprimento ao estatuído no art.º 43.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, acima referido, com o que ficam salvaguardados o princípio do primado do direito da União Europeia, que se impõe observar, o direito de defesa do executado, e o direito do exequente a, pelo menos, ver garantido o seu crédito, sem necessitar de recorrer ao art.º 727.º do C.P.C. (que prevê situações, ainda que apertadas, que permitem a penhora antes da citação). O prazo de oposição é de 20 dias, nos termos do n.º 1 do art.º 856.º do C.P.C. (que é igual ao da execução ordinária – n.º 2 do art.º 732.º), e os fundamentos da oposição à execução são, em primeira linha, os referidos no art.º 45.º do Regulamento, ex vi do n.º 2 do art.º 41.º e os compatíveis com estes referidos no art.º 857.º do C.P.C., com a redacção que lhe deu a Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro ou, não sendo esta ainda aplicável aos autos, os referidos no art.º 731.º do mesmo Código, atenta a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral proferida pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015 (in D.R. n.º 110/2015, série I, de 08/06/2015).
Na situação sub judicio, mau grado a penhora ter precedido a citação da Executada, votei a decisão por considerar que os direitos de defesa desta foram e estão suficientemente acautelados.

Fernando Fernandes Freitas