APENSAÇÃO DE PROCESSOS
ACÇÕES EXECUTIVAS
Sumário


I- A apensação de processos é um instituto de natureza eminentemente prática, que visa obter a maior economia processual possível, e, ao mesmo tempo, promover a uniformidade de julgamentos.
II- O campo principal de aplicação desta figura da apensação é a acção declarativa, pois é nesta que todas as vantagens do ponto de vista da economia processual e da uniformidade de julgados se tornam evidentes. E é sobretudo na actividade probatória que mais se manifesta a vantagem de reunir no mesmo processo várias acções sob a figura do litisconsórcio, da coligação, da oposição e da reconvenção, figuras estas que são mais vistas como apanágio da acção declarativa que da executiva.
III- Mas também pode ser aplicada à acção executiva.
IV- No caso dos autos estamos perante acções executivas recíprocas, numa situação bastante semelhante à reconvenção. A apensação neste caso tem sempre a cobertura jurídica do artigo 710º CPC.
V- Tudo se resume em saber se existe alguma utilidade prática na junção destas duas acções executivas no mesmo processo.
VI- E considerando que a sentença que serve de título executivo a estas duas execuções considerou o negócio jurídico celebrado entre as partes como nulo e daí extraiu o direito dos compradores de exigir a restituição integral do preço pago, e o direito dos vendedores à restituição dos bens vendidos, por força do disposto no art. 289º,1 CC, obrigações que, por força do art. 290º CC devem ser cumpridas simultaneamente, é evidente que a apensação ordenada se mostra não só lícita como mesmo essencial, para permitir que as duas obrigações exequendas possam ser cumpridas simultaneamente.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

A. R. e N. F. intentaram acção executiva contra H. S. e N. L., para a cobrança coerciva da quantia de € 24.000,00, acrescido de juros de mora.

Para tanto oferecem como título executivo uma sentença condenatória, ainda não transitada em julgado, proferida no processo nº 3799/16.9T8BRG, do Juízo Central Cível de Braga - Juiz 3, onde foram autores os ora executados, e sendo que os ora exequentes foram os dois primeiros réus. Nessa sentença o Tribunal julgou totalmente improcedente a acção e absolveu os Réus do pedido; mas, julgou procedente a reconvenção e, em consequência: a) declarou nulo o negócio jurídico de compra e venda identificado no ponto 8º dos factos provados; b) e ordenou a restituição pelos Autores aos 1º e 2º Réus da quantia de € 24.000,00; c) e pelos 1º e 2º Réus aos Autores dos bens móveis objecto do mesmo identificados também no ponto 8º dos factos provados.”

Por requerimento com a referência Citius 34577567, os exequentes vieram alegar que no dia 13.11.2019 deu entrada nesse mesmo Tribunal de uma acção executiva à qual foi atribuído o nº de processo 7187/19.7T8VNF, que corre neste mesmo Juiz. Tal acção executiva tem como título executivo o mesmo que o existente nos presentes autos, sendo certo que as partes são as mesmas. Nas duas acções executivas as partes pretendem o cumprimento da sentença proferida no Proc. 3799/16.9T8BRG.
E por os pedidos serem os mesmos em ambas as acções executivas, tendo como título executivo a mesma sentença, requerem que seja determinada a apensação da acção executiva sob o nº 7187/19.7T8VNF aos presentes autos.

Os executados responderam, alegando não haver conexão entre os dois processos, e defendendo que a requerida apensação de processos deve ser indeferida.

Foi então proferido o seguinte despacho:

Vieram os aqui exequentes, A. R. e N. F. requerer que seja determinada a apensação, da acção executiva sob o número 7187/19.7T8VNF, que corre termos neste mesmo Tribunal e juiz, por estarem verificados os requisitos e pressupostos da coligação, conforme artigo 36.º do Código de Processo Civil, à presente acção, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 267.º do mesmo diploma legal.
Para tanto alegam que a referida acção executiva tem como título executivo o mesmo que o existente nos presentes autos, sendo certo que as partes são as mesmas.

Nas duas acções executivas as partes fundamentam o cumprimento da douta sentença proferida no processo n.º 3799/16.9T8BRG, a qual decidiu:
“a) julgar totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolver os Réus do pedido;
b) julgar procedente a reconvenção e, em consequência:
– declarar nulo o negócio jurídico de compra e venda identificado no ponto 8º dos factos provados e ordenar a restituição pelos Autores aos 1º e 2º Réus da quantia de € 24.000,00 e pelos 1º e 2º Réus aos Autores dos bens móveis objecto do mesmo identificados também no ponto 8º dos factos provados.”
Verifica-se assim que os pedidos são os mesmos em ambas as acções executivas, na medida em que o título executivo é elemento comum em ambas as lides.
Foram notificados os executados para que se pronunciem, os quais manifestaram a sua oposição à apensação requerida.
Vejamos.
Dispõe o artigo 267º,1 CPC, que se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação.
O nº 2, subsequente, estipula que os processos são apensados ao que tiver sido instaurado em primeiro lugar (…).
Por sua vez, o nº 3, do normativo em apreço, estatui que a junção deve ser requerida ao tribunal perante o qual penda o processo a que os outros tenham de ser apensados.
Por fim, estabelece-se no seu nº 4 que quando se trate de processos que pendam perante o mesmo juiz, pode este determinar, mesmo oficiosamente, ouvidas as partes, a apensação.
No caso vertente, salvaguardando o devido respeito por entendimento distinto, cremos que os supra identificados 2 (dois) processos poderiam ser reunidos num único, tendo em consideração, o título executivo que é o mesmo, as partes processuais, a causa de pedir e o pedido formulado.
Acresce que as ditas obrigações de restituição são absolutamente recíprocas, estando a exequibilidade de uma e outra está dependente do seu cumprimento simultâneo, ou da prévia oferta - ou realização - da contrária à que seja depois judicialmente exigida.
Em face do exposto, determino que, nos termos previstos no artigo 267º, nº 4, do Código de Processo Civil, o processo com o nº 7187/19.7T8VNF seja apensado aos presentes autos.
Notifique, comunique ao(à) Sr.(a) AE e demais diligências necessárias.
VNF, 27-05-20

Inconformados com esta decisão, os executados dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, (art. 644º,2,h CPC), com subida em separado (art. 645º,2 CPC), e com efeito devolutivo (art. 647º,1 CPC), tudo ex vi do art. 852º CPC.

Findam a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1. No processo executivo nº 4197/18, a sentença dada à execução impõe direitos e obrigações para ambas as partes, Autores e Réus;
2. Ou seja, os direitos e obrigações resultantes daquela sentença têm ser cumpridos, pelas partes, simultaneamente;
3. Para que aquela sentença sirva de título executivo, impende sobre os Exequentes o ónus de alegar e provar que ofereceram o cumprimento simultâneo das prestações;
4. Daí que, por falta dessa alegação e prova, a sentença dada à execução naquele processo não seja um titulo executivo, - al. a) do nº 1 do art. 703 e nº 1 do 715 do CPC;
5. No processo nº 7187/19, a sentença dada à execução é título executivo, uma vez que os Recorrentes cumpriram o ónus de alegar que ofereceram o cumprimento simultâneo das prestações;
6. Assim, apesar da sentença dada à execução ser a mesma nos dois processos executivos, só no processo nº 7187/19 é que serve de título executivo nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 703 do CPC;
7. E isto porque, apesar da sentença ser condição indispensável para servir de título executivo, não é condição suficiente.
8. A decisão em mérito violou, para além daquelas disposições legais, o art. 428 do CC.

Não houve contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se a ordem de apensação proferida pelo Tribunal recorrido viola alguma disposição legal.

III
Para proferir decisão, temos de ter presente que por sentença proferida no P. 3799/16.9T8BRG, o Tribunal decidiu declarar nulo o negócio jurídico de compra e venda identificado no ponto 8 dos factos provados e ordenar a restituição pelos Autores aos 1º e 2º Réus da quantia de € 24.000,00, e pelos 1º e 2º réus aos autores dos bens móveis objecto do mesmo identificados também no ponto 8 dos factos provados (dá-se aqui por reproduzido o teor integral da sentença, junta por certidão aos autos).
Os ali autores são H. S. e N. L., executados nos presentes autos, e exequentes no P. 7187/19.7T8VNF.
Os ali 1º e 2º réus são A. R. e N. F., exequentes nos presentes autos, e executados no P. 7187/19.7T8VNF.
O Tribunal ordenou a apensação dos dois processos de execução ao abrigo do disposto no artigo 267º,4 CPC.

IV
O art. 267º CPC tem por epígrafe “apensação de acções.
E dispõe então no nº 1: “se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação”.
O nº 2 acrescenta que “os processos são apensados ao que tiver sido instaurado em primeiro lugar, salvo se os pedidos forem dependentes uns dos outros, caso em que a apensação é feita na ordem da dependência, ou se alguma das causas pender em instância central, a ela se apensando as que corram em instância local”.
“A junção deve ser requerida ao tribunal perante o qual penda o processo a que os outros tenham de ser apensados” (nº 3).
O nº 4 por seu turno estabelece que “quando se trate de processos que pendam perante o mesmo juiz, pode este determinar, mesmo oficiosamente, ouvidas as partes, a apensação”.
E finalmente o nº 5 dispõe que: “tendo sido penhorados, em execuções distintas, quinhões no mesmo património autónomo ou direitos relativos ao mesmo bem indiviso, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte, ordenar a apensação ao processo em que tenha sido feita a primeira penhora desde que não ocorra nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 709º”.
Podemos dizer sem medo de errar que a apensação de processos é um instituto de natureza eminentemente prática, que visa obter a maior economia processual possível, e, ao mesmo tempo, promover a uniformidade de julgamentos quando estão em causa questões conexas.
Como escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC anotado, volume 1º, em anotação ao art. 267º, “constitui manifestação do princípio da economia processual, que igualmente explica o preceituado nos artigos anteriores, facultar-se a apensação de acções que embora tenham sido propostas separadamente, podiam ter sido reunidas no mesmo processo. Trata-se de permitir que no mesmo processo se resolva o maior número possível de litígios, impedindo a multiplicação evitável de processos judiciais”.
Ou como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, in CPC anotado, “a este instituto subjazem razões de economia processual bem como de uniformidade de julgados. A apensação depende da verificação dos seguintes pressupostos formais ou substanciais: entre as diversas acções instauradas e pendentes devem verificar-se as circunstâncias de que depende o litisconsórcio, a coligação, a oposição ou a reconvenção; a apensação deve ser requerida pelos interessados e só pode ser oficiosamente determinada quando incida sobre processo ou processos adstritos ao mesmo juiz (excluindo-se deste modo as situações em que o processo está pendente no mesmo tribunal ou juízo, mas na titularidade de juiz diferente); deve verificar-se um interesse atendível na junção de processos; o requerimento deve ser apresentado no processo que deva suportar a apensação; a pretensão apenas deve ser deferida depois de respeitado o contraditório e desde que o estado do processo ou outras razões especiais não impeçam a apensação”.

Do que já ficou dito até aqui, é razoavelmente evidente que o campo principal de aplicação desta figura da apensação é a acção declarativa, não a executiva. É na acção declarativa que todas as vantagens do ponto de vista da economia processual e da uniformidade de julgados se tornam evidentes. E é sobretudo na actividade probatória que mais se manifesta a vantagem de reunir no mesmo processo várias acções sob a figura do litisconsórcio, da coligação, da oposição e da reconvenção, figuras estas que são mais vistas como apanágio da acção declarativa que da executiva.
Mas isto não quer dizer que a figura da apensação esteja irremediavelmente afastada da acção executiva.
É a própria lei que, no art. 267º,5 CPC, dispõe que “tendo sido penhorados, em execuções distintas, quinhões no mesmo património autónomo ou direitos relativos ao mesmo bem indiviso, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte, ordenar a apensação ao processo em que tenha sido feita a primeira penhora desde que não ocorra nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 709º”. Aqui estamos perante a figura da apensação subsequente.
Mas nada impede a apensação inicial.
Interessa-nos sobretudo o disposto nos arts. 56º,3 e 709º CPC.

O art. 56º, inserido no Capítulo IV, que contém disposições especiais sobre execuções, dispõe:

1- Quando não se verifiquem as circunstâncias impeditivas previstas no n.º 1 do artigo 709.º, é permitido:
a) A vários credores coligados demandar o mesmo devedor ou vários devedores litisconsortes;
b) A um ou vários credores litisconsortes, ou a vários credores coligados, demandar vários devedores coligados desde que obrigados no mesmo título;
c) A um ou vários credores litisconsortes, ou a vários credores coligados, demandar vários devedores coligados, titulares de quinhões no mesmo património autónomo ou de direitos relativos ao mesmo bem indiviso sobre os quais se faça incidir a penhora.
2 - Não obsta à cumulação a circunstância de ser ilíquida alguma das quantias, desde que a liquidação dependa unicamente de operações aritméticas.
3 - É aplicável à coligação o disposto nos nºs 2 a 5 do artigo 709.º para a cumulação de execuções.

Se formos ver o art. 709º CPC, cuja epígrafe é “Cumulação de execuções fundadas em títulos diferentes”, veremos o seguinte regime:

1- É permitido ao credor, ou a vários credores litisconsortes, cumular execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor, ou contra vários devedores litisconsortes, salvo quando:

a) Ocorrer incompetência absoluta do tribunal para alguma das execuções;
b) As execuções tiverem fins diferentes;
c) A alguma das execuções corresponder processo especial diferente do processo que deva ser empregado quanto às outras, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 37.º;
d) A execução da decisão judicial corra nos próprios autos.
2- Quando as execuções se fundem em títulos de formação judicial diferentes da sentença, a acção executiva corre no tribunal do lugar onde correu o procedimento de valor mais elevado.
3- Quando se cumule execução fundada em título de formação judicial diferente da sentença com execução fundada em título extrajudicial, a acção executiva corre no tribunal do lugar onde correu o procedimento em que o título se formou.
4- Quando as execuções se baseiem todas em títulos extrajudiciais, é aplicável à determinação da competência territorial o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 82.º, com as necessárias adaptações.
5- Quando ocorra cumulação de execuções que devam seguir forma de processo comum distinta, a execução segue a forma ordinária.

Da conjugação destas duas normas resulta que, salvo quando ocorra alguma das circunstâncias previstas no art. 709º,1 CPC (ocorrer incompetência absoluta do tribunal para alguma das execuções; as execuções tiverem fins diferentes; a alguma das execuções corresponder processo especial diferente do processo que deva ser empregado quanto às outras, sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 37º; a execução da decisão judicial corra nos próprios autos), é possível um credor demandar vários devedores, e vários credores demandarem um ou vários devedores, nos vários figurinos previstos no art. 56º,1.
Baixando ao concreto, vemos que a situação que temos nestes autos é diferente de qualquer uma destas acabadas de referir. O que temos nestes autos são acções executivas recíprocas, em que os exequentes no P. 7187/19.7T8VNF são os executados no P. 4197/18.5T8VNF-C, e vice-versa.
Porém, quer-nos parecer que a situação acaba por receber cobertura jurídica do artigo 710º CPC, que dispõe que “se o título executivo for uma sentença, é permitido cumular a execução de todos os pedidos julgados procedentes”.
Em anotação a esta norma, Abrantes Geraldes e outros (ob. cit) escrevem: “o conteúdo da sentença judicial condenatória varia em função das diversas pretensões que tenham sido acolhidas, mas tal não impede que a respectiva execução siga cumulativamente quanto a todas as pretensões, independentemente da sua diversidade, sendo suficiente o poder de gestão processual e de adequação formal para resolver eventuais dificuldades”.
Mais uma vez se vê a preocupação do legislador em fomentar a economia processual, em detrimento da pureza abstracta de alguns princípios processuais, o que quanto a nós é incondicionalmente de aplaudir.
Acrescentam ainda, a propósito, os mesmos autores: “o art. 626º,4 contém um regime preventivo que visa conciliar a tramitação de execuções com diferentes finalidades, sendo título executivo uma sentença”.
E com efeito, resulta desse artigo que a execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária, havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora (nº 2); na execução de decisão judicial que condene na entrega de coisa certa, feita a entrega, o executado é notificado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 860.º e seguintes; e, de acordo com o nº 4, se o credor, conjuntamente com o pagamento de quantia certa ou com a entrega de uma coisa, pretender a prestação de um facto, a citação prevista no n.º 2 do artigo 868.º é realizada em conjunto com a notificação do executado para deduzir oposição ao pagamento ou à entrega.
Dito isto, temos também de dizer que não esquecemos que a situação prevista no art. 710º CPC não é exactamente a situação que temos nestes autos. O que aquela norma faz é permitir que o exequente que tenha na sua posse uma sentença que seja título executivo, possa cumular no mesmo processo a execução de todos os pedidos julgados procedentes.
Aqui temos duas execuções que foram instauradas separadamente, entre as mesmas partes recíprocas, isto é, com as posições jurídicas naturalmente invertidas. No fundo, estamos muito mais próximos da figura jurídica da reconvenção, que como é bem sabido, são duas acções cruzadas que correm termos dentro do mesmo processo.
É certo que a reconvenção, pelo seu próprio figurino, está prevista na lei apenas para a acção declarativa, e não parece fazer sentido, do ponto de vista dogmático, para a acção executiva.
Não obstante, vejamos melhor.
Nos termos do art. 266º,2,a CPC, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; ora, salvo melhor opinião, é exactamente essa a situação destes autos. Quer o pedido (de natureza executiva) dos exequentes, quer o pedido (também de natureza executiva) dos executados na outra acção, emergem do mesmo facto jurídico, ou melhor da mesma sentença proferida no mesmo processo.
E, nos termos do disposto no art. 267º,1 CPC, se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação.
Ou seja, tudo se resumirá no fundo em saber se existe alguma utilidade prática na junção destas duas acções executivas no mesmo processo.
O que nos leva a analisar a sentença de condenação para perceber qual a substância das prestações recíprocas que são devidas.
Na acção declarativa da qual emergiu a sentença que está a ser usada como título executivo nos dois processos cuja apensação agora se discute, o Tribunal considerou estar perante uma venda de bens alheios. Tratou-se de um contrato de compra e venda que teve por objecto os seguintes bens móveis: 30 steps, 1 máquina supino inclinado de placas, 1 máquina supino horizontal discos, 1 máquina puxada peito placas, 1 máquina prensa inclinada discos, 1 máquina press ombros, 1 máquina press ombros discos, 1 conjunto de 2 halteres, 1 máquina supino vertical discos, 1 banco Scott, 1 máquina bíceps, 1 máquina dips, material de pilates, conjunto de 30 pump, 4 sistemas de som, 2 saunas, 2 banhos turcos, 50 caneleiras, 1 caldeira mural, 40 colchões azuis, 90 cacifos, material diverso de fisioterapia, mobiliário de escritório e apoio e 1 frigorífico.
O Tribunal considerou este negócio jurídico nulo.
Mais considerou que os 1º e 2º Réus, como compradores de boa fé têm o direito de exigir a restituição integral do preço pago (art. 894º,1 CC), que ascendeu a € 24.000,00.
Por outro lado, os autores têm direito à restituição dos bens vendidos, por força do disposto no art. 289º,1 CC.
Em suma, os 1º e 2º Réus têm direito, por efeito da declaração de nulidade do contrato, à restituição da importância de € 24.000,00, enquanto que aos Autores assiste
o direito à restituição dos referidos bens móveis.
Sabe-se que por força do art. 289º,1 CC tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
E, quanto ao momento da restituição, dispõe o art. 290º que “as obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou anulação do negócio devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato”.
Esta última referência opera uma remissão para o art. 428º,1 CC, do qual decorre que cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
Perante este regime substantivo, a apensação contra a qual os recorrentes batalham surge aos nossos olhos não só como possível, como até como desejável, se não mesmo essencial, para permitir que as duas obrigações exequendas possam ser cumpridas simultaneamente, como impõe o já referido art. 290º. Assim, a apensação da duas supra referidas acções executivas afigura-se óbvia, de tal forma que nos leva a ter muita dificuldade em entender porque razão os recorrentes não a aceitam.
O argumento que os recorrentes invocam para não aceitar a apensação é o de que para que a sentença servisse de título executivo, impendia sobre os exequentes o ónus de alegar e provar que ofereceram o cumprimento simultâneo das prestações; e na falta dessa alegação e prova, a sentença dada à execução naquele processo não é um titulo executivo (al. a) do nº 1 do art. 703 e nº 1 do 715 do CPC). Daí retiram que no processo nº 7187/19, a sentença dada à execução é título executivo, uma vez que os recorrentes cumpriram o ónus de alegar que ofereceram o cumprimento simultâneo das prestações. Mas que no actual processo assim não sucede.
Ora, parece-nos por demais evidente que nunca o facto de o exequente se ter esquecido de alegar que ofereceu o cumprimento simultâneo da prestação a que está adstrito poderia retirar à sentença em causa a exequibilidade imposta por lei (art. 703º,1,a e 704º CPC).
Acresce que os requisitos de exequibilidade da sentença constam do art. 704º CPC, e nele não se vê qualquer referência à alegação referida pelos recorrentes. A regra geral é imposta pelo nº 1 do artigo em causa, e limita-se a dispor que “a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo”.
A omissão, ou falha, a que os recorrentes se referem, pode levar, quanto muito, a um despacho de convite ao aperfeiçoamento, por força e nos termos do disposto no art. 726º,4 CPC, nunca à perda de exequibilidade do título judicial.
Mas, seja como for, o que realmente interessa é que o regime substantivo supra descrito leva a que a obrigação exequenda no P. 4197/18 e a obrigação exequenda no P. 7187/19 tenham de ser cumpridas simultaneamente, sob pena de qualquer um dos executados se poder recusar a cumprir enquanto a contraparte não oferecer a sua prestação em simultâneo. Assim, salvo melhor opinião, é do interesse de todos os interessados a referida apensação.
E como não se mostra dos autos que a mesma tenha violado qualquer norma jurídica imperativa, deve manter-se a referida apensação.
Com o que o recurso improcede integralmente.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso improcedente, mantendo na íntegra o despacho recorrido.

Custas pelos recorrentes (art. 527º,1,2 CPC).

Data: 29/10/2020

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)