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CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
DECISÕES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
DEVER DE ACATAMENTO
Sumário
A 1.ª instância deve acatar a decisão do respetivo Tribunal da Relação, por força do disposto no artº 4.º, n.º 1, da LOSJ, dispositivo fundamental na orgânica judiciária.
Além de que o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação, só por força do caso julgado, obriga ao seu acatamento.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
DECISÃO:
No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de Loures - Juiz 1, os Mmos. Juízes que haviam de compor o coletivo para julgamento, determinado em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, divergem quanto à sua competência para o efeito. Assim, o Exmo. Sr. Juiz Dr. R_______, como a Exma. Sra. Dra. Juíza S_______, declararam-se impedidos, isto é, incompetentes para a realização da audiência de discussão e julgamento, ao contrário da posição assumida pela 1.ª adjunta Exma. Sra. Juíza T_______, que se considera competente para a realização da audiência de discussão e julgamento.
Vejamos a argumentação aduzida por cada um dos aludidos magistrados judiciais para o efeito:
«Em mui douta decisão, as juízas que compõem a 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa acordaram em: “-Declarar provido o recurso intercalar deduzido pelo arguido, declarando-se nulo todo julgamento e o acórdão recorrido, nos termos do disposto no artº 120 nº 2 al. d) do C.P.P. por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, e mais se determinando a realização de novo julgamento na sua totalidade ( pelo mesmo Tribunal e juízes que proferiram a decisão ora recorrida) onde entre o mais, seja admitida a renovação da prova requerida no pretérito pelo arguido conforme resulta da acta de folhas 841 a 853, sendo depois proferido novo acórdão na sua globalidade e também relativamente aos factos que estavam ausentes da primeira decisão proferida pelo Tribunal recorrido” (sublinhado do signatário). Dispõe o artº 426º-A nº 1 do Código do Processo Penal que “Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.”. Por sua vez dispõe o artº 40º al. c) do Código do Processo Penal que “Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: (...) c) Participado em julgamento anterior; Como é bom de ver no caso concreto existe uma contradição que urge resolver: por um lado, o acórdão proferido pelo Tribunal Superior ao qual a 1ª instância deve obediência determina que sejam os mesmos juízes que realizem nova audiência de julgamento relativamente a todo o objecto processual e, por outro lado, a Lei determina o impedimento do juiz que haja realizado julgamento anterior para realizar novo julgamento quanto à mesma matéria. Considerou-se no parecer do Ministério Público de 04.04.2014 no Tribunal da Relação de Lisboa, em anotação ao artº 40º do C.P.P., acessível em www.pgdlisboa.pt “(...)Não é isenta de dúvidas a interpretação da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 426.º, n.º 1, do CPP. É evidente que o legislador de 2007 quis deixar claro que a competência para o novo julgamento pertence ao tribunal que efectuou o julgamento anterior e daí a ratio legis desta disposição, como se extrai da história do preceito (trabalhos preparatórios). Com efeito, como consta da Proposta de Lei n.º 109/X, que lhe esteve na origem, «nos casos de reenvio do processo, admite-se que o novo julgamento seja realizado pelo tribunal anterior (artigo 426.º-A). Apenas se exige que seja respeitado o regime geral de impedimentos, não podendo o juiz que haja intervindo no anterior julgamento participar no da renovação (artigo 40.º)». O sentido da 2.ª parte desta justificação é de difícil compreensão.
Efectivamente, se o Governo, que apresentou a Proposta de Lei, quis dizer que o juiz ou juízes que fizeram o julgamento anterior não podem fazer o novo julgamento, é legítimo questionar o sentido da 1.ª parte da justificação.
Parece evidente que o sentido verbal da segunda parte contraria a primeira: a final, o sentido útil da norma seria o de que o tribunal competente seria o da condenação anterior com diferente composição, uma vez que os juízes que o constituíam não poderão intervir no novo julgamento por estarem impedidos. Ou seja, a expressão «sem prejuízo do disposto no artigo 40.º» esvaziaria a previsão da norma, impossibilitando que, contrariamente á sua intenção, o novo julgamento fosse feito pelo tribunal que, com a mesma composição, fez o anterior e proferiu a decisão. E, se assim for, então parece ser legítimo afirmar que a redacção do preceito poderia e deveria ser diferente - o legislador deveria ter tido, pura e simplesmente, que a competência para o novo julgamento seria a do mesmo tribunal, com diferente composição.
Ou então, uma vez que a justificação da proposta de lei se refere ao julgamento da «renovação» - conceito que não tem expressão normativa quando referido a novo julgamento da 1.ª instância, na sequência do reenvio, mas que só poderá entender-se como referindo-se á repetição de provas -, o impedimento do juiz para participar no novo julgamento limitar-se-ia aos casos em que o tribunal de 1.ª instância conclui que é necessário produzir prova que não é nova mas que tem de ser renovada, isto é, repetida.
Não se desconhece o sentido da jurisprudência e das decisões dos tribunais da Relação a propósito da interpretação do artigo 426.º-A, n.º 1, do CPP.
Só que esta interpretação - que defende que o juiz que julga no anterior julgamento está sempre impedido para fazer o novo - parece não extrair todas as consequências que se impõem, da unidade e coerência do sistema e, salvo respeitável melhor opinião, parece conduzir a resultados de difícil aceitação, fragmentando o conhecimento do objecto do processo em decisões separadas, proferidas por juízes diferentes no âmbito da competência do mesmo tribunal, com manifesto prejuízo para uma solução global, unitária e coerente e para a realização da justiça do caso concreto, com base em argumento de natureza puramente literal apoiada num argumento histórico de interpretação, ele mesmo desprovido de suficiente clareza.
A interpretação das normas penais - incluindo as de processo penal - relaciona-se intrínseca e naturalmente com o princípio da legalidade, assegurando a função de garantia da lei penal escrita (salientando esta íntima e co-natural conexão, JESCHEK, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Editorial Comares, Granada, 1993, p. 112ss, 119 e 120).
O princípio da legalidade impõe-se ao legislador, dele exigindo o recurso a técnicas legislativas de qualidade que garantam a efectividade da função de garantia da lei penal (idem, ibidem, p. 114).
Ao juiz cabe aplicar a lei feita pelo legislador, nunca podendo aquele substituir-se a este, num processo dialéctico determinado pela relação entre o problema de facto juridicamente relevante e a determinação da norma aplicável cuja previsão se há-de encontrar por via da utilização de todos os critérios legitimamente admissíveis no processo de interpretação que, tendo a norma por objecto, nela busca o critério adequado á solução do caso sub judice.
É indiscutível que toda a norma jurídica carece de interpretação mesmo nos casos em que é evidente um «claro teor literal» (JESCHEK, loc. cit, p. 137; sublinhando este ponto, o acórdão do STJ de 14.3.3013, no proc. 287/12.6TCLSB.L1.S1).A interpretação há-de levar-se a efeito seguindo uma metodologia hermenêutica que, levando em conta todos os elementos de interpretação - gramatical, histórico, sistemático e teleológico (este a impor que o sentido da norma se determine pela ratio legis) -, permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao «sentido possível» do texto (letra) da lei, enquanto limite da própria interpretação (artigo 9.º do Código Civil).
Porém, como adverte CASTANHEIRA NEVES (Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais, Studia Iuridica I, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 118), «a determinação do sentido verbal possível como determinação já do sentido juridicamente possível é indiscernível no continuum da interpretação jurídica, e assim o que haveria de pré-determinar essa interpretação pela definição dos limites intencionais revela-se afinal um seu resultado - e dizer isto, é dizer que o critério verbal não pré-determina efectivamente a interpretação, que o sentido intencional desse critério não é um prius, e sim também ele um posterius interpretativo».
Esta compreensão das coisas determina que à letra da lei (ao enunciado linguístico do texto, elemento gramatical) não possa ser atribuído um valor hermenêutico autónomo - o legislador usa palavras e expressões para «prescrever uma intenção jurídica através dessas palavras e expressões - e então um sentido jurídico é o imediato referente do texto legal, pois só na relação a esse sentido o texto legal é prescritivo de uma intenção jurídica e, portanto, ele próprio texto jurídico» -, o que «postula uma unidade (seja significativa, seja hermenêutica, seja normativa) entre palavra/expressão e sentido - a palavra/expressão é-o de um sentido jurídico, o sentido jurídico deverá ler-se naquela palavra/expressão (CASTANHEIRA NEVES, op. cit., p. 118, 119).
Assim, como sublinha o Professor, o elemento básico e decisivo da «letra da lei» viu-se relativizado «por um relevo simplesmente heurístico e a não excluir inclusivamente a sua preterição a favor de uma realização jurídica de intencionalidade prático-teleológica».
Princípio da legalidade em direito penal, na sua dupla vertente material processual, e interpretação da lei penal inter-relacionam-se intrínseca e naturalmente, assegurando a função de garantia da lei penal escrita (salientando esta íntima e co-natural conexão, JESCHEK, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Editorial Comares, Granada, 1993, p. 112ss, 119 e 120).Se esta função de garantia exclui, por um lado, o recurso a normas não escritas, por outro impõe uma inequívoca separação de papéis do legislador e do juiz. O princípio da legalidade impõe-se ao legislador, dele exigindo o recurso a técnicas legislativas de qualidade que garantam a efectividade da função de garantia da lei penal (idem, ibidem, p. 114).Ao juiz cabe aplicar a lei feita pelo legislador, nunca podendo aquele substituir-se a este, num processo dialéctico determinado pela relação entre o problema de facto juridicamente relevante e a determinação da norma aplicável cuja previsão se há-de encontrar por via da utilização de todos os critérios legitimamente admissíveis no processo de interpretação que, tendo a norma por objecto, nela busca o critério adequado ? solução do caso sub judice.
É indiscutível que toda a norma jurídica carece de interpretação mesmo nos casos em que é evidente um «claro teor literal» (JESCHEK, loc. cit, p. 137; sublinhando este ponto, o acórdão do STJ de 14.3.3013, no proc. 287/12.6TCLSB.L1.S1).
A interpretação há-de levar-se a efeito seguindo uma metodologia hermenêutica que, levando em conta todos os elementos de interpretação - gramatical, histórico, sistemático e teleológico (este a impor que o sentido da norma se determine pela ratio legis) -, permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao «sentido possível» do texto (letra) da lei, enquanto limite da própria interpretação (artigo 9.º do Código Civil).
Porém, como adverte CASTANHEIRA NEVES (Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais, Studia Iuridica I, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 118), «a determinação do sentido verbal possível como determinação já do sentido jurídicamente possível é indiscernível no continuum da interpretação jurídica, e assim o que haveria de pré-determinar essa interpretação pela definição dos limites intencionais revela-se afinal um seu resultado - dizer isto, é dizer que o critério verbal não pré-determina efectivamente a interpretação, que o sentido intencional desse critério não é um prius, e sim também ele um posterius interpretativo».
Esta compreensão das coisas determina que à letra da lei (ao enunciado linguístico do texto, elemento gramatical) não possa ser atribuído um valor hermenêutico autónomo o legislador usa palavras e expressões para «prescrever uma intenção jurídica através dessas palavras e expressões - e então um sentido jurídico é o imediato referente do texto legal, pois só na relação a esse sentido o texto legal é prescritivo de uma intenção jurídica e, portanto, ele próprio texto jurídico» -, o que «postula uma unidade (seja significativa, seja hermenêutica, seja normativa) entre palavra/expressão e sentido - a palavra/expressão é-o de um sentido jurídico, o sentido jurídico deverá ler-se naquela palavra/expressão (CASTANHEIRA NEVES,op. cit., p. 118,119). Assim, como sublinha o Professor, o elemento básico e decisivo da «letra da lei» viu-se relativizado «por um relevo simplesmente heurístico e a não excluir inclusivamente a sua preterição a favor de uma realização jurídica de intencionalidade prático-teleológica». Esta conclusão é demonstrada pelos resultados da denominada «interpretação correctiva», pela qual se admite que o intérprete corrija o texto da lei «para realizar a intenção prática da sua norma», «sempre que o respeito pelo teor verbal implicasse a frustração da intenção prático-normativa» (id. ib. p. 108).
Ou, dito de outro modo, e seguindo o mesmo autor, a propósito de «um modelo de realização do direito», seleccionada a norma aplicável há que interpretá-la, compreendê-la, determiná-la no seu «exacto sentido hipotético-normativo», que constitui o «critério normativo» da decisão do caso jurídico que obriga á verificação da «assimilação» da relevância material do caso pela da norma que, não sendo «directa», há-de ainda ser «possível mediante uma correcção (sincrónica ou diacrónica)», numa situação em que o caso concreto revela «uma incoerência» a exigir a «correcção», nos casos em que se revela um «erro do legislador» (correcção por assimilação sincrónica), por contradição entre as prescrições formais e os seus fundamentos normativos (ob. cit. p. 177, 180 e 190).
No mesmo sentido, embora numa lógica argumentativa que assenta numa perspectiva de análise clássica do tema da interpretação da lei em direito penal (material e processual) não coincidente, se pronuncia JESCHEK (op. cit., p. 142), acentuando a necessidade de respeito pelo «sentido literal possível» da norma, que, sendo irrenunciável por razões ligadas aos princípios da segurança jurídica e da legalidade em direito penal, admite a interpretação correctiva em caso de «erro de redacção».
Referindo-se ? necessidade e admissibilidade de interpretação «correctiva» (que inclui no conceito de interpretação «revogatória» ou «abrogante»), diz BAPTISTA MACHADO: «Por vezes, embora raramente, será preciso ir mais além e sacrificar, em obediência ainda ao pensamento legislativo, parte de uma fórmula normativa, ou até a totalidade da norma. Trata-se de fórmulas legislativas abortadas ou de verdadeiros lapsos. Quando a fórmula normativa é tão mal inspirada que nem sequer alude com clareza mínima ás hipóteses que pretende abranger e, tomada á letra, abrange outras que decididamente não estão no espírito da lei, poderá falar-se de interpretação correctiva.
O intérprete recorrerá a tal forma de interpretação, é claro, apenas quando só por essa via seja possível alcançar o fim visado pelo legislador. A interpretação revogatória ou abrogante terá lugar apenas quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável» (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 20.ª reimpressão, 2012, p. 186).
Como é sabido, esta via de interpretação tem acolhimento nas regras gerais que decorrem do artigo 9.º do Código Civil e não sofre qualquer restrição quando a interpretação tem por objecto normas de direito penal, nomeadamente de processo penal (por todos, FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora, 1974, p. 94-95).Esta conclusão é demonstrada, nomeadamente, pelos resultados da denominada «interpretação correctiva», pela qual se admite que o intérprete corrija o texto da lei «para realizar a intenção prática da sua norma», «sempre que o respeito pelo teor verbal implicasse a frustração da intenção prático-normativa» (id. ib. p. 108). No mesmo sentido, embora numa lógica argumentativa que assenta numa perspectiva de análise clássica do tema da interpretação da lei em direito penal (material e processual) não coincidente, se pronuncia JESCHEK (op. cit., p. 142), acentuando a necessidade de respeito pelo «sentido literal possível» da norma, que, sendo irrenunciável por razões ligadas aos princípios da segurança jurídica e da legalidade em direito penal, admite a interpretação correctiva em caso de «erro de redacção».
Como é sabido, esta via de interpretação tem acolhimento nas regras gerais que decorrem do artigo 9.º do Código Civil e não sofre qualquer restrição quando a interpretação tem por objecto normas de direito penal, nomeadamente de processo penal (por todos, FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora, 1974, p. 94-95).
Não parece, todavia, que, neste caso, se imponha uma «interpretação correctiva» do artigo 426.º, n.º 1, do CPP, no sentido exposto. Porém, o argumento da interpretação correctiva, que abrange situações extremas em que não há correspondência entre o texto e o sentido da norma, vale também para situações em que da letra da lei (o enunciado escrito) se pode extrair um significado diverso do seu sentido normativo. Não há dúvida de que o artigo 40.º do CPP enumera situações de impedimento com a finalidade de garantir a efectiva independência do tribunal. O alcance dos impedimentos tem sido objecto de larga discussão doutrinária e jurisprudencial. No caso concreto, a questão é a de saber como funciona o impedimento resultante da «participação em julgamento anterior», o que convoca a questão de determinar o que deve entender-se por «julgamento anterior».
Como resulta da própria sistemática do CPP, o julgamento (Livro VII) compreende dois momentos: a audiência (Título II) e a sentença (Título III). A audiência destina-se á produção da prova (Título II, Capítulo III); no momento da sentença incluem-se a deliberação e votação, com base nas provas produzidas, a eventual produção de prova suplementar e a elaboração da sentença (Título III).
O reenvio do processo para novo julgamento nos termos do artigo 426.º não determina automaticamente a realização de nova audiência para produção de prova suplementar, nomeadamente através da repetição (renovação) de prova anteriormente produzida.
O Tribunal da Relação limita-se apenas a verificar a existência de vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, que não lhe é possível decidir da causa e a identificar as questões que justificam novo julgamento.
Cabe, naturalmente, ao tribunal recorrido verificar e decidir o que, em concreto, deve ser feito para suprir as deficiências da anterior decisão e resolver as questões que são reenviadas para a sua apreciação. Só perante esta avaliação se poderá concluir da necessidade de realizar nova audiência e, sendo caso disso, quais as provas a produzir em audiência. Tratando-se de provas novas - que não de «renovação» de provas anteriormente produzidas (a que alude a exposição de motivos da Proposta de Lei de que resultou o artigo 426.º-A do CPP) - parece que nenhuma questão de impedimento se suscita.
O que sinteticamente se expõe parece, assim - com base nos elementos literal, histórico e sistemático (racional, teleológico) de interpretação do preceito -, razoavelmente justificar a conclusão de que o impedimento resultante da participação em anterior julgamento só se verificará nas situações em que o tribunal recorrido, avaliando as necessidades de prova, conclua no sentido de que se mostra necessária a repetição (renovação) de provas produzidas no anterior julgamento (...).
Ora, no caso vertente, determinando o Tribunal Superior a renovação de toda a prova, produzindo-se um novo julgamento com a repetição da prova, segue-se que o signatário está impedido de nele intervir nos termos do artº 40º do C.P.P.. Após ponderação da questão, tendo presente que as regras dos impedimentos se destinam a assegurar que o arguido recebe um julgamento justo e tal inclui um Juiz imparcial e no caso concreto tal não terá lugar já que o signatário formou a sua convicção, mais não resta do que a declaração de impedimento, o que se faz atento o disposto no artº 40º al. c) do C.P.P. É certo que o acórdão proferido nos autos determina que sejam os mesmos juízes a efectuarem o julgamento mas entre a obediência ao decidido, doutamente, no acórdão e a Lei, na impossibilidade de compatibilização entre ambos, a obediência do signatário recai na Lei.
Por todo o exposto, julgo e declaro-me impedido para realizar o julgamento destes autos nos termos do disposto nos artºs 426º-A nº 1 e 40º al. c) do Código do Processo Penal.»
Em perspetiva divergente:
«Devidamente compulsados os autos constata-se que os presentes autos foram distribuídos a este Juiz 1 da Unidade 1 do Juízo Central Criminal de Loures. Foi realizada a audiência de discussão e julgamento e proferido acórdão em 23.11.2016, foi interposto recurso pelo Ministério Público e pelo arguido, no âmbito do qual foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão proferido em 25 de Maio de 2017 (vide fls. 772 a 798) o seguinte. - “declarar nulo o acórdão proferido nestes autos, por falta de fundamentação, nos termos dos arts. 379°, n°1, al. a) e 374°, n° 2, ambos do Código de Processo Penal, determinando-se que o tribunal “a quo” profira novo acórdão, com recurso à reabertura de audiência, e demais consequências legais daí subsequentes, nos exatos termos atrás exarados, uma vez que não é possível a este tribunal e por motivos óbvios, supri-las nos termos do n° 2 do art. 379° do Código de Processo Penal”.
Foi reaberta a audiência – vide acta de fls. 838 e 839 e acta de fls. 841 a 853 - , na sessão realizada em 21 de Março de 2018, foi invocada, pelo arguido, a nulidade processual prevista no artigo 120.' n.' 2, al. b), do Código de Processo Penal com fundamento na “omissão posterior de diligências que podem reportar-se essenciais para a descoberta da verdade”. Ora, sobre esse requerimento foi proferida decisão, em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo o Colectivo decidido não se verificar a nulidade processual suscitada.
Face a tal decisão, que indeferiu a nulidade, foi interposto recurso, pelo arguido (vide fls. 354 e seguintes). O referido recurso foi admitido por despacho de fls. 1030. Em 23.04.2018 foi proferido novo acórdão pelo Tribunal de primeira instância (vide fls. 861 a 888 e acta de fls. 889 e 890). Deste novo acórdão proferido foi interposto recurso pelo Ministério Público (vide fls. 894 e seguintes) e pelo arguido (vide fls. 903 e seguintes). Os referidos recursos foram admitidos por despacho de fls. 972.
No Acórdão proferido em 14 de Novembro de 2019 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi decidido o seguinte. “Declarar provido o recurso intercalar deduzido pelo arguido, declarando-se nulo todo o julgamento e o acórdão recorrido, nos termos do disposto no art. 120, nº2, al. d) do C.P.P., por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, e mais se determinando a realização de novo julgamento na sua totalidade (pelo mesmo Tribunal e juízes que proferiram a decisão ora recorrida) onde entre o mais, seja admitida a renovação da prova requerida no pretérito pelo arguido conforme resulta da acta de fls. 841 a 853, sendo depois proferido novo acórdão na sua globalidade e também relativamente aos factos que estavam ausentes da primeira decisão proferida pelo Tribunal recorrido”.
Note-se que do Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 14 de Novembro de 2019 extrai-se o seguinte: «...devendo ser deferido o requerido pelo arguido quanto à inquirição das testemunhas e assistente relativamente aos factos que estavam omissos do primeiro acórdão da primeira instância e sobre o qual recaiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 25 de Maio de 2017, e até onde ali e a folhas 797 se referiu explicitamente, "impondo-se a reabertura da audiência para os devidos e legais efeitos para entre o mais, se ajuizar dos factos sobre os quais não incidiu qualquer julgamento", coisa que implicaria certamente a possibilidade de o arguido indicar prova nomeadamente testemunhal, sobre os mesmos, e não, como foi feito pelo tribunal recorrido de, recorrendo à gravação da prova fazer um segundo julgamento, quando tal exorbita a sua competência e deveres, sendo que neste caso tal incumbência está incumbida ao Tribunal Superior, e desta forma, cremos certamente inadvertida não ter obedecido a uma decisão de um Tribunal Superior. Face ao exposto despiciendo se torna por evidente o conhecimento dos demais recursos apresentados pelo Ministério Público e pelo arguido, o que se declara».
Descidos os autos à primeira instância, em Novembro de 2019, o Exmo. Senhor Juiz Presidente do Coletivo que realizou o julgamento nos presentes autos já não se encontrava em funções, na Unidade 1 do Juízo Central Criminal de Loures. Nesse sentido, por despacho de 13 de Janeiro de 2020, foi proferido despacho pela Exma. Senhora Juiz que, à data, exercia funções na Unidade 1 deste Juízo Central Criminal, como Juiz 1, tendo determinado a apresentação do processo ao Exmo. Senhor Juiz Presidente do Colectivo que realizou o julgamento nos presentes autos e relatou o acórdão proferido pelo tribunal de primeira instância.
Aberta conclusão ao Mmo. Senhor Juiz Presidente do Coletivo que realizou o julgamento nos presentes autos, o mesmo declarou-se “impedido para realizar o julgamento destes autos nos termos do disposto nos arts. 426ºA, nº1 e 40º, al. c) do Código de Processo Penal” (vide fls. 1140 a 1144) e determinou que o processo fosse concluso “à Mmª Juíza 1ª Adjunta”. Em 28.05.2020 foram os autos conclusos e decidiu a Exma. Senhora Juiz Primeira Adjunta aguardar “a designação de data para audiência de julgamento, que integrará enquanto 1ª Adjunta, em obediência ao decidido por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa” (vide fls. 1161).
Após, foram conclusos os autos em 09.06.2020 à Sr.ª Juíza 2.ª Adjunta que compôs o colectivo que proferiu o acórdão (vide fls. 1166 e 1167), tendo a mesma assumido a seguinte posição: “... no entender da signatária, em face da declaração de impedimento do M.mo Juiz que presidiu ao tribunal coletivo não se mostra possível dar cumprimento ao determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que determina “(...) a realização de novo julgamento na sua totalidade (pelo mesmo Tribunal e juízes que proferiram a decisão ora recorrida)”. A signatária acompanha a douta argumentação expendida no despacho exarado pelo M.mo Juiz Presidente no que se refere à aplicabilidade ao caso da norma prevista no art. 40º, al. c) do CPP, uma vez que integrou o tribunal coletivo que realizou o julgamento cuja repetição se ordena, e, por via disso, tomou parte em todas as decisões que foram produzidas nos autos, tendo formado convicção sobre os factos e tomado posição quanto à qualificação jurídica a realizar e pena a aplicar. Sem prejuízo do referido, não cabendo ao tribunal de primeira instância sindicar as decisões proferidas pelos Tribunais Superiores em sede de recurso e o bem fundado das mesmas, em cumprimento do dever de obediência que a lei lhe impõe, teria integrado o tribunal coletivo para realização do novo julgamento imposto, nos termos que se deixaram transcritos. Ocorre que, como referido, não se mostra possível dar cumprimento ao ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, única razão que levaria a signatária a realizar novamente o julgamento nos presentes autos, pelo que, liberta do mencionado dever, entende dar cumprimento ao mencionado preceito legal, declarando-se impedida para realizar o julgamento nos autos, ao abrigo do disposto no art. 40º, al. c) do CPP”.
Concluiu a Exma. Senhora Juiz Segunda Adjunta “...ainda que não estejamos perante a situação diretamente visada na ata de reunião realizada entre as Srª.s Juízas que prestam funções no Juízo Central Criminal nº 2/2018, é igualmente entendimento da signatária que, em face da declaração de impedimento do M.mo Juiz Presidente do tribunal coletivo e da decisão ora proferida, se deveria dar aplicação ao ali consignado, remetendo-se os autos para julgamento pela 2ª Unidade, sendo afeto para efeitos de distribuição à J4, obviando-se assim à necessidade de proceder a substituições pontuais, que a ocorrerem nos termos fixados para a substituição legal, obstaculiza o funcionamento de uma das Unidades”. Face às posições tomadas pelo Mmo. Senhor Juiz Presidente do Coletivo que realizou o julgamento nos presentes autos e pela Exma. Senhora Juiz Segunda Adjunta, a Mma. Juíza que exercia funções neste J1 da Central Criminal de Loures em 08.07.2020 decidiu designar data para a realização da audiência de discussão e julgamento, sendo a mesma por ela presidida. Contudo, a partir do dia 1 de Setembro de 2020 a ora signatária tomou posse neste J1 da Central Criminal de Loures e considera não ser competente para presidir à audiência de discussão e julgamento nestes autos. Senão vejamos. O Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão proferido em 14 de Novembro de 2019, decidiu o seguinte. “Declarar provido o recurso intercalar deduzido pelo arguido, declarando-se nulo todo o julgamento e o acórdão recorrido, nos termos do disposto no art. 120, nº2, al. d) do C.P.P., por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, e mais se determinando a realização de novo julgamento na sua totalidade (pelo mesmo Tribunal e juízes que proferiram a decisão ora recorrida) onde entre o mais, seja admitida a renovação da prova requerida no pretérito pelo arguido conforme resulta da acta de fls. 841 a 853, sendo depois proferido novo acórdão na sua globalidade e também relativamente aos factos que estavam ausentes da primeira decisão proferida pelo Tribunal recorrido” (negrito e sublinhado nosso).
Ora, nos termos do disposto no artigo 4.°, n.° 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário. “1- Os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores” (negrito e sublinhado nosso).
Assim, se foi decidido pelo Tribunal superior a realização de novo julgamento, na sua totalidade, pelo mesmo Tribunal e juízes que proferiram a decisão recorrida, dúvidas não restam que, por obediência à decisão proferida pelo Tribunal superior, quem terá de realizar a audiência de discussão e julgamento serão o Exmo. Sr. Juiz Dr. R________, a Exma. Sra. Juíza T______ e a Exma. Sra. Dra. Juíza S_______.
Em face do exposto, e em coerência com o supra consignado, declaro-me incompetente para a realização da audiência de discussão e julgamento nestes autos. Notifique. Assim, e por considerar que a competência para a realização da audiência de discussão e julgamento nestes autos, por obediência à decisão proferida pelo Tribunal superior, bem como em obediência ao disposto no artigo 4.°, n.° 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, será do Exmo. Sr. Juiz Dr. R______, da Exma. Sra. Juíza T______ e da Exma. Sra. Dra. Juíza S______ (“Tribunal e juízes que proferiram a decisão ora recorrida”), mas sendo que tanto o Exmo. Sr. Juiz Dr. R______, como a Exma. Sra. Dra. Juíza S______ se declararam impedidos (vide despachos de fls. 1140 e ss. e 1166 e ss.), nada mais nos resta concluir que estes dois Mmos. Juízes, ainda que implicitamente, se estão a declarar incompetentes para a realização da audiência de discussão e julgamento nestes autos (ao contrário da posição assumida pela 1.ª adjunta Exma. Sra. Juíza T______ que se considera competente para a realização da audiência de discussão e julgamento).
Assim, facilmente se conclui, e nos termos do disposto no artigo 34°, do Código de Processo Penal, que estamos perante um conflito negativo de competência que importa resolver. Para tal, e de acordo com o previsto nos artigos 35° e 12° do Código de Processo Penal, elabore traslado (com certidão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.05.2017 de fls. 772 a 798, das actas de fls. 838 e 839 e 841 a 853, recurso interposto pelo arguido de fls. 354 e ss., do despacho de fls. 1030, do acórdão do Tribunal de primeira instância de fls. 861 a 888 e acta de fls. 889 e 890, do recurso do MP e do recurso do arguido de fls. 894 e ss. e 903 e ss., do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.11.2019, do despacho datado de 13.01.2020, do despacho de fls. 1140 a 1144, do despacho datado de 28.05.2020 de fls. 1161, do despacho datado de 09.06.2020 de fls. 1166 a 1167 e do presente despacho) e remeta-o ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa a quem se suscita a decisão do conflito.»
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Foi observado o disposto no art. 36.º, n.º 1, do CPP
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A Exma. PGA apõe o seu visto.
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A questão suscitada no presente conflito já foi decidida nesta 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo por último no Processo n.º 121/18.3PAAMD.
De forma muito sintética diria que a questão é singela, assim: temos uma decisão proferida pela 2.ª instância, a qual transitou em julgado. A dita decisão determinou face o disposto no artº 426º-A nº 1 do Código do Processo Penal, que o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efetuado o julgamento anterior. Ora, nos termos do disposto no artigo 4.°, n.° 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário: “1 - Os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores”.
Existe, assim, uma decisão transitada em julgado, proferida em via de recurso por tribunal superior que importa ser acatada pela 1.ª instância nos seus precisos termos. O Acórdão do TRL estando transitado em julgado, só por essa razão importava cumprir. Além de que o comando ínsito na aludida decisão é absolutamente claro, não suscita dúvidas ou perplexidades que importasse suprir.
Mesmo que fosse uma decisão de duvidosa legalidade, a 1.ª instância havia de a acatar, sob pena de, não o fazendo, violar a aludida disposição legal, fundamental na orgânica judiciária. Com efeito, não sendo a jurisprudência uma ciência exata, de rigor matemático, sempre será possível discordar das soluções defendidas pelos colegas, independentemente da instância em que se encontrem, razão pela qual sem o disposto no artigo 4.°, n.° 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a possível coerência do sistema judiciário era impossível.
Assim, independentemente das razões aduzidas pelos Exmos. Juízes que discordam da determinação constante do reenvio, o conflito só pode ser decidido no sentido decidido pelo Tribunal superior, isto é, a realização de novo julgamento, na sua totalidade, pelo mesmo Tribunal e juízes que proferiram a decisão recorrida, concretamente, quem terá de realizar a audiência de discussão e julgamento serão o Exmo. Sr. Juiz Dr. R_______, a Exma. Sra. Juíza T______ e a Exma. Sra. Dra. Juíza S________.
Considerando que o Exmo. Sr. Juiz Dr. R_______ se encontra na 2.ª instância, cumpre referir que estando em causa um julgamento que foi por si realizado na 1.ª instância, tal não obsta a que integre o coletivo, pois se trata de uma extensão/continuação do mesmo julgamento.
Pelo exposto, decide-se o conflito no sentido de conferir competência para realizar a audiência de discussão e julgamento, o Exmo. Sr. Juiz Dr. R_______, a Exma. Sra. Juíza T______ e a Exma. Sra. Dra. Juíza S_______.
Cumpra-se o n.º 3 do art. 36.º do CPP.
Lisboa, 27 de Outubro de 2020. Moraes Rocha -(Desembargador Presidente da 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa)