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SUSPENSÃO A FAVOR DE MENORES
USUCAPIÃO
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
PRÉDIO
MAIORIDADE
Sumário
I – Estando em causa a suspensão do prazo para aquisição por usucapião de prédio pertencente a menor, urge distinguir se este teve ou não quem o representasse ou administrasse os seus bens durante a menoridade, dado que, em caso negativo, o prazo se suspende e, em caso afirmativo, não se suspende, mas só se completa um ano após ter atingido a maioridade; II - Se determinada questão não foi suscitada perante a 1.ª instância, que sobre a mesma se não pronunciou, não se tratando de questão de conhecimento oficioso, não pode ser arguida no recurso de apelação, que visa reapreciar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova. (sumário da relatora)
Texto Integral
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
J… e mulher, M…, intentaram a presente ação declarativa, com processo comum, contra C…, pedindo se reconheça que são proprietários do prédio urbano que identificam e invocando a aquisição do imóvel por usucapião.
Citada, a ré contestou, defendendo-se por exceção – arguindo a litispendência, a preterição do litisconsórcio conjugal e a suspensão do prazo de usucapião – e por impugnação motivada.
Notificados para o efeito, os autores apresentaram articulado, no qual se pronunciam sobre a matéria de exceção deduzida na contestação.
Por despacho de 15-10-2018, foi considerado que, sendo a ré casada com T… sob o regime da comunhão de adquiridos, deveria a ação ter sido intentada contra ambos os cônjuges, tendo os autores sido convidados a suprir a aludida exceção; notificados, os autores requereram a intervenção principal provocada do marido da ré, o que foi admitido por despacho de 06-11-2018.
Citado, o interveniente apresentou articulado, no qual se defende por exceção – invocando a falta de capacidade judiciária do autor – e adere, no mais, à contestação apresentada pela ré.
Foi realizada audiência prévia, na qual foram os autores convidados a emitir pronúncia relativamente à matéria de exceção deduzida no articulado apresentado pelo interveniente, bem como quanto à exceção de suspensão do prazo de usucapião invocada pela ré, tendo-se comunicado que os autos reúnem elementos que permitem conhecer desta questão relativa ao mérito da causa.
Os autores apresentaram articulado, no qual se pronunciam sobre a matéria indicada.
Foi proferido despacho saneador, no qual de considerou não verificadas as exceções de litispendência e falta de capacidade judiciária do autor, bem como improcedente a exceção de suspensão do prazo para usucapião, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
Inconformada com o despacho saneador, na parte em que foi apreciada e considerada improcedente a exceção de suspensão do prazo para usucapião, a ré interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e relegada para final a apreciação da aludida exceção, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1 - Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, na data de 16-10-2019 – notificado à ora recorrente em 18-10-2019 - que decidiu julgar improcedente a invocada exceção perentória da suspensão do prazo de usucapião, considerando, em síntese, que, “(...) no caso em análise, encontrando-se a Ré representada pela sua mãe, titular das responsabilidades parentais, durante a menoridade e sendo certo que nasceu em 14 de Setembro de 1986, tendo-se completado um ano após a sua maioridade do dia 14 de Setembro de 2005, verifica-se que já decorreram, integralmente, os referidos prazos de 15 e 20 previstos para a usucapião (…)
2 - Com o respeito que é devido, não pode a recorrente conformar-se com este entendimento, devendo o douto despacho saneador ser revogado nesta parte, porque nulo.
3 - Desde logo, porque a ora recorrente impugnou expressamente os artigos 20º e 21º, 27º, 30º, 34º, 35º, 36, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º da douta petição inicial que se reportam, justamente, aos efeitos jurídicos de uma suposta anuência conferida aos Autores, por parte da mãe da Recorrente, enquanto alegada legal representante desta (vide artigos 38º e seguintes da contestação para os quais remetemos). Na contestação foi expressamente impugnada a representação legal da recorrente por sua mãe, e qualquer ato por esta praticado com vista aos fins patrimoniais pretendidos pelos Autores.
4 - Saber se já decorreram os prazos de 15 ou 20 anos para efeitos de usucapião, configura matéria de facto ainda não provada nos autos, não se bastando para essa contagem a mera soma aritmética dos anos, nem sendo do conhecimento oficioso do Tribunal o decurso do dito prazo.
5 - Impõe-se a prova do termo inicial do referido prazo de 15 ou 20 anos, ou seja, a prova de quando se iniciou a contagem do prazo relevante para efeitos de usucapião, prova que ainda não está efetuada nos autos, nem existe qualquer meio de prova pré-constituído que permita sem margem para duvida considerar assente que decorreu esse prazo com os efeitos jurídicos pretendidos pelos Autores, já que nada se encontra provado quanto ao ânimus destes sobre o imóvel.
6 - O Tribunal a quo, ao julgar improcedente a suspensão da usucapião, partiu do pressuposto errado que a contagem do prazo se iniciou aquando do nascimento da Ré e, se completou no ano seguinte à sua maioridade, em 14 de setembro de 2005, quando não está minimamente provado que os Autores passaram a agir como proprietários do imóvel desde o nascimento da Ré.
7 - Trata-se de um erro de raciocínio e de decisão, precipitados pela total ausência de atividade probatória destes factos cruciais, cujo ónus da prova compete aos Autores.
8 - Compete aos Autores, para além do mais, provar a data em que se iniciou a contagem do prazo válido para os efeitos que pretendem, sendo que o Tribunal a quo ao considerar desde já provado o decurso do prazo de 15 ou 20 anos, como resulta do despacho saneador ora recorrido, sem essa prova tenha sido feita viola frontalmente os comandos dos artigos 412º, 415º, 595º, nº1 al. b) ex vi artigo 615º, nº1 al. d) do Código de Processo Civil e 342º do Código Civil.
9 - Por conseguinte, a prova do decurso do prazo de 15 ou 20 anos e a invocada suspensão, ou não, do prazo de usucapião é matéria controvertida e, cuja prova, face à ausência de registo da posse, somente pode derivar da instrução da causa, após julgamento, e que o tribunal a quo, erradamente, antecipou no despacho saneador que, por esse motivo é nulo, devendo ser revogado nesta parte.
10 - Foi ainda invocada, em sede de contestação, a inversão do título de posse por parte dos Autores, com inicio no momento em que a recorrente foi citada para a ação por estes proposta contra a recorrente, por via da qual peticionaram a acessão industrial imobiliária (nº 346/13.8TBALR do Juízo Central de Santarém), que foi julgada totalmente improcedente por não provada, decisão que o Tribunal da Relação de Évora confirmou na íntegra.
11 - Logo, o conhecimento da exceção invocada pela recorrente tem necessariamente de ser relegado para a fase da sentença, após instrução da causa, já que também por via da invocada inversão do título de posse (artigos 69º e ss da contestação) se impõe provar a data, momento e circunstâncias em que se iniciou o decurso do prazo de 15 ou 20 anos previsto para a usucapião que constitui a causa de pedir da ação.
12 - Prazo de 15 ou 20 anos que, como dito, por erro de julgamento e decisão o Tribunal a quo considera ter integralmente decorrido, sem que essa prova esteja feita nos autos.
13 - Ao decidir pela improcedência da suspensão da usucapião, considerando que a recorrente se encontrava representada por sua mãe, e considerando que já decorreram integralmente os prazos de 15 e 20 anos previstos para a usucapião, sem empreender qualquer atividade probatória desses factos, que tão pouco estão assente nos autos, o Tribunal a quo, por via do douto despacho saneador, é nulo, violou por erro de interpretação e aplicação o disposto, entre outros, nos artigos 412º, 415º, 595º, nº1 al. b) ex vi artigo 615º, nº1 al. d) do Código de Processo Civil e 342º do Código Civil, devendo ser revogado nesta parte.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar a questão da oportunidade do conhecimento da exceção em causa no despacho saneador.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Fundamentos de facto
Não foi indicada pela 1.ª instância matéria de facto considerada provada.
2.2. Apreciação do objeto do recurso
Vem posto em causa na apelação o despacho saneador, na parte em que, sem pôr termo ao processo, apreciou e considerou não verificada a suspensão do prazo para aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre o bem imóvel identificado nos autos, deduzida pela ré a título de exceção na contestação.
A decisão recorrida tem a redação seguinte: (…) B) Da suspensão do prazo de usucapião: Alicerçando os Autores o seu pedido de reconhecimento de aquisição do direito de propriedade por usucapião, sobre o prédio de sua neta, nascida em 14 de Setembro de 1986 vem, a Ré, suscitar, por excepção, a suspensão do respectivo prazo dessa forma de aquisição, nos termos do disposto nos artigos 320.º e 1292.º, do Código Civil (doravante CC). Vejamos. Nos termos do disposto no artigo 320.º, n.º 1, do CC, “a prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre os seus bens, salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade; e, ainda que o menor tenha representante legal ou que administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade”. Prescreve, por sua vez, o artigo 1292.º, do CC serem aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos artigos 300.º, 302.º, 303.º e 305.º. Por fim, estabelece o artigo 1296.º, do CC, que, “não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos se a posse for de boa fé, em de vinte anos, se for de má fé. No caso em apreço, olhando à forma com os Autores configuraram a acção, inexistindo registo do título nem da mera posse do prédio, poderão estar em causa os prazos de 15 e 20 anos de usucapião previstos no referido preceito, consoante a boa ou má fé do adquirente. Da referida conjugação de preceitos resulta que a prescrição contra menor que se encontre representado por um ou ambos os progenitores começa e corre mesmo durante a menoridade, mas não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade. Ora, no caso em análise, encontrando-se a Ré representada pela sua mãe, titular das responsabilidades parentais, durante a menoridade e sendo certo que nasceu em 14 de Setembro de 1986, tendo-se completado um ano após a sua maioridade do dia 14 de Setembro de 2005, verifica-se que já decorreram, integralmente, os referidos prazos de 15 e 20 previstos para a usucapião. Termos em que improcede, também, a excepção aqui invocada pela Ré. (…).
Discordando deste entendimento, sustenta a apelante que o estado do processo não permite a decisão da aludida exceção sem a produção de prova, pelo que deveria ter sido relegada para final a respetiva apreciação. A justificar tal alegação, afirma a recorrente que a decisão recorrida se baseou em matéria de facto que se encontra controvertida, designadamente respeitante ao início do prazo de 15 ou 20 anos tido em conta para aquisição por usucapião, à representação legal da ré durante a menoridade e à anuência conferida aos autores pela mãe da ré, sobre a qual se impunha a produção de prova.
Vejamos se lhe assiste razão.
Definindo as finalidades do despacho saneador, dispõe o n.º 1 do artigo 595.º do Código de Processo Civil que se destina a: a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
Está em causa a apreciação, no despacho saneador, de exceção perentória, a qual foi declarada improcedente.
Ora, prevê a alínea b) do citado preceito o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, se o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, designadamente, de alguma exceção perentória.
Esta desnecessidade de mais provas verificar-se-á, entre outras situações, quando não existam factos controvertidos, estando em causa unicamente matéria de direito, mas também nos casos em que da factualidade controvertida não resulte o efeito jurídico pretendido pela parte que a alegou, não assumindo tal matéria de facto relevo à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito. Nestes casos, perante a inconcludência do pedido, não se podendo retirar da matéria de facto alegada o efeito jurídico pretendido, esclarece José Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 183) que “é inútil produzir prova sobre os factos alegados, visto que eles nunca serão suficientes para a procedência do pedido”.
Decorre da análise da petição inicial que os autores baseiam a pretensão que deduzem, no sentido da declaração de que adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre imóvel que pertenceu à ré, nascida a 14-09-1986, na prática dos factos que descrevem desde pelo menos o ano de 1989, ocasião em que, com o consentimento da mãe da ré, na qualidade de representante legal de sua filha menor, procederam à demolição de construção aí existente e à edificação de moradia unifamiliar, na qual passaram a residir.
Na contestação apresentada, a ré impugna de forma motivada, além do mais, a factualidade relativa ao invocado consentimento da respetiva progenitora e aos atos de posse alegados autores, indicando factos dos quais entende resultar que os autores são meros detentores no prédio e que tal lhes não faculta a respetiva aquisição por usucapião. A título subsidiário, invoca a ré, ainda, a suspensão do prazo para aquisição por usucapião, nos termos previstos no artigo 320.º, aplicável por força do estatuído no artigo 1292.º, ambos do Código Civil, sustentando que o prazo não começou a correr antes da sua maioridade.
Em sede da invocação da mencionada exceção, a ré alega, na contestação, que os autores afirmam que estão na posse do prédio desde, pelo menos, o ano de 1989 e que integram na contagem do prazo para aquisição por usucapião os anos em que a contestante era menor; discordando desta contagem, a ré sustenta que o prazo de usucapião não corre contra menores e só poderá ter início após ter a contestante atingido a maioridade, a 14-09-2004; conclui que, desde esta data até à citação para a presente ação, efetuada em janeiro de 2018, apenas decorreram 14 anos, o que não permite a aquisição por usucapião.
Dispõe o artigo 1292.º do Código Civil que são aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, entre outras, as disposições relativas à suspensão da prescrição; como tal, estando em causa questão relativa à suspensão a favor de menores, cumpre atender ao estatuído no n.º 1 do artigo 320.º do citado código, com a redação seguinte: A prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre seus bens, salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade; e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.
Prevê esta disposição duas situações relativas a menores: na primeira parte, o preceito reporta-se a menores que não disponham de quem os represente ou administre os seus bens, estatuindo a suspensão do prazo de prescrição – o qual não se inicia ou, caso se tenha já iniciado, não corre –, salvo se respeitar a atos para os quais o menor tenha capacidade; ii) na segunda parte, por seu turno, reporta-se a menores que tenham quem os represente ou administre os seus bens, dispondo que o prazo não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade, isto é, da respetiva maioridade.
Em anotação ao preceito, explica Rita Canas da Silva (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 391-392) o seguinte: “Esta disposição admite a suspensão nos casos em que o credor seja menor (…) e não disponha de representante, salvo se estiverem em causa atos para os quais o menor tenha capacidade. Por conseguinte, quanto a estes (…), o prazo de prescrição não se suspende, ainda que o menor não tenha quem o represente ou administre os seus bens; já relativamente aos demais, após designação de representante, o prazo de prescrição inicia o seu curso e corre normalmente, mas só se completa “um ano a partir do termo da incapacidade” (n.º 1, in fine). Este prolongamento da suspensão explica-se porque o representante legal pode não acautelar devidamente os direitos do menor e o prazo assim estabelecido permite ao representado, uma vez atingida a maioridade, dispor de um período de adaptação, que lhe possibilita inteirar-se da sua situação patrimonial e exercer atempadamente os direitos de que seja titular”.
Sintetizando as regras compreendidas no n.º 1 do citado artigo 320.º, afirma António Menezes Cordeiro (CÓDIGO CIVIL COMENTADO, Coord. António Menezes Cordeiro, I – Parte Geral, Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, Almedina, 2020, p. 906) o seguinte: “No tocante a menores, o 320.º compreende várias regras: (1) a prescrição não começa nem corre enquanto não tiverem quem os represente ou administre os seus bens, salvo se respeitar a atos para os quais o menor tenha capacidade (320.º/1, 1.ª parte); (2) mesmo então, a prescrição não se completa sem ter decorrido um ano sobre o termo da incapacidade (320.º/1, 2.ª parte)”.
Da análise do citado preceito decorre que, tratando-se de menor e não estando em causa atos para os quais tenha capacidade, urge distinguir se teve ou não quem o represente ou administre os seus bens, dado que, em caso negativo, o prazo se suspende e, em caso afirmativo, não se suspende, mas só se completa um ano após ter atingido a maioridade.
Em sede de contestação, a ré não alegou que, durante a sua menoridade, não teve quem a representasse ou administrasse os seus bens, não pondo em causa a representação legal por sua mãe durante a menoridade, antes se limitando a afirmar que o prazo de usucapião não corre contra menores e que só poderá ter início após a maioridade.
A questão da falta de representante legal durante a menoridade, e respetivas consequências, não foi suscitada pela ré perante a 1.ª instância, que sobre a mesma se não pronunciou. Apenas em sede de recurso, nas alegações da apelação, vem posta em causa a representação legal da ré por sua mãe durante a menoridade, baseando a recorrente a suspensão do prazo para usucapião em elementos factuais não apresentados perante a 1.ª instância e de sentido diferente relativamente à alegação constante da contestação, articulado no qual invocou a aludida exceção apenas com fundamento na incapacidade por menoridade.
Se a questão da não representação da recorrente por sua mãe durante a menoridade não foi suscitada perante a 1.ª instância, que sobre a mesma se não pronunciou, e não estando em causa questão de conhecimento oficioso (cf. artigo 303.º do Código Civil), não pode ser arguida no recurso de apelação, que visa reapreciar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova.
Como tal, atenta a novidade da indicada questão, a qual não é de conhecimento oficioso, não será a mesma apreciada.
Nesta conformidade, dispondo o artigo 124.º do Código Civil que a incapacidade dos menores é suprida, em regra, pelo poder paternal, isto é, pelo exercício das responsabilidades parentais, e estatuindo o artigo 1904.º do mesmo código que, por morte de um dos progenitores, o exercício das responsabilidades parentais pertence ao sobrevivo, daqui decorre que, durante a menoridade da ré, perante o falecimento de seu pai, o exercício das responsabilidades parentais terá cabido a sua mãe.
Como tal, face às regras estatuídas no n.º 1 do artigo 320.º, supra analisadas, tendo a ré representante legal, não se vislumbra fundamento legal para a invocada suspensão do prazo para usucapião durante a menoridade, o que só ocorre relativamente a menores sem representante legal.
Não estando em causa menor sem representante legal, mas sim menor representado pelo progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais, o prazo não se suspende, conforme alegado pela ré na contestação, apesar de só se completar um ano após ter atingido a maioridade, pelo que se mostra manifestamente improcedente a exceção deduzida, dado não poder extrair-se da respetiva alegação em sede de contestação o efeito jurídico pretendido.
Verifica-se, em síntese, o seguinte: a questão da não representação da ré por sua mãe durante a menoridade, tratando-se de questão nova e não sendo de conhecimento oficioso, não será apreciada em sede de apelação; a exceção de suspensão do prazo para usucapião, nos termos deduzidos pela ré na contestação, mostra-se improcedente.
Nesta conformidade, mostra-se acertada a decisão recorrida, ao considerar que o estado dos autos permitia o conhecimento do mérito da exceção deduzida sem necessidade de mais provas, por se mostrar manifestamente improcedente, bem como ao declarar a respetiva improcedência.
Improcede, assim, a apelação.
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 22-10-2020
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Cristina Dá Mesquita
(1.ª Adjunta)
José António Moita
(2.º Adjunto)