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ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DO PRAZO
SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS
Sumário
1. Tendo o acidente ocorrido em 1998/10/19 é-lhe inaplicável o regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/2008 de 16.04, por força do seu art.º 2.º, n.º 2, ao excluir do seu âmbito os sinistros que tenham ocorrido entre a entrada em vigor desse diploma e a data da sua aplicação ao respetivo contrato de seguro. 2. Neste caso, ao exercício do direito de reclamar o capital seguro é aplicável o prazo ordinário de vinte anos previsto no citado art.º 309.º do C. Civil. 3. O legislador adotou, na letra do n. º 1 do artigo 306.º do C.C, a conceção objetiva de início do decurso do prazo de prescrição, nos termos da qual este último começa a correr quando o direito puder ser exercido, independentemente do seu conhecimento por parte do titular. (sumário do relator)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I- Relatório: I…, com domicílio na Rua … Rio Maior, instaurou a presente ação declarativa comum contra a O…, S.A., com sede na Av. …, pedindo a condenação desta no pagamento de € 9.975,95, acrescido de juros de mora vincendos.
Alegou, em síntese, ter celebrado com a Ré, em 1997/01/14, um contrato de seguro de acidentes pessoais, sofreu um acidente de viação em 1998/10/19, na sequência do qual sofreu múltiplos ferimentos, que lhe importaram uma incapacidade parcial permanente de 67%, risco que se encontra coberto pelo contrato.
Citada, contestou a Ré, defendendo-se por exceção, alegando que o direito invocado pelo Autor ao prémio do seguro se encontra prescrito, uma vez que se lhe aplica o prazo de prescrição de 5 anos previsto pelo Regime Jurídico do Contrato de Seguro instituído pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, por se tratar de contrato de seguro renovável, prazo que teve o seu termo em 2003/10/18, mas ainda que lhe fosse aplicável o prazo geral de prescrição de 20 anos, sempre se verificaria igualmente prescrito o direito invocado pelo Autor, na medida em o termo do mesmo se verificou em 2018/10/18, antes da propositura da presente ação.
Foi proferido despacho saneador no qual se decidiu julgar improcedente a invocada exceção de prescrição, identificado o objeto do litígio e fixado os temas da prova.
Desta decisão veio a Ré interpor o presente recurso, apresentando alegações e terminando com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem por objeto o despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, e que indeferiu a exceção de prescrição invocada pela Apelante em sede de Contestação;
2. O presente recurso é processualmente admissível, ao abrigo do disposto na alínea b) do n. º 1 do artigo 644.° do CPC, na medida em que o despacho recorrido incide sobre o mérito em causa, uma vez que se pronuncia sobre a exceção perentória de prescrição, ainda que no sentido da sua improcedência;
3. O Apelado intentou a presente ação peticionando a condenação da Apelante no pagamento da quantia de € 9.975,95 (nove mil, novecentos e setenta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros vencidos e ainda nas custas de parte e demais custas e encargos judiciais;
4. O sinistro dos autos ocorreu em 19.10.1998; 5. independentemente de qual o prazo de prescrição aplicável - 5 ou 20 anos - o certo é que, no momento em que o Apelado intentou a presente ação, o seu direito ao pagamento do capital seguro encontrava-se já prescrito;
6. O legislador adotou, na letra do n. º 1 do artigo 306.° do C.C, a conceção objetiva de início do decurso do prazo de prescrição, nos termos da qual este último começa a correr "quando o direito puder ser exercido", independentemente do seu conhecimento por parte do titular;
7. O Apelado celebrou com a Apelante um contrato de seguro de Acidentes Pessoais designado "Seguro Atlântico Renda", nos termos do qual ficou assegurada a cobertura de "lesões corporais sofridas pela pessoa segura, em consequência de acidente emergente de risco profissional e extraprofissional, incluindo a utilização de meios de transporte regular e prática acidental de desportos como amador";
8. Desde o momento do sinistro, em 19.10.1998, tinha o Apelado todas as condições, quer fácticas, quer jurídicas, de exercer o seu direito;
9. O Apelado passou 15 longos anos sem tomar qualquer diligência, quer extrajudicial, quer judiciai, tendo em vista o exercício do seu direito;
10. O Apelado não se encontrava perante nenhum estado de incapacidade, física ou psíquica, fáctica ou jurídica, que o impedisse de exercer o seu direito.
11. Apenas no passado ano de 2013 o Apelado procurou exercer o seu direito, sendo que, para o efeito, nem sequer contactou diretamente a Apelante, mas sim o Instituto de Seguros de Portugal;
12. Desde a resposta que lhe foi endereçada pela Apelante, em maio de 2013, o Apelado deixou passar 5 longos anos sem nada fazer, apenas intentando a competente ação em 2018.
13. A Cláusula 8.a, constante das Condições Especiais do Contrato de Seguro celebrado entre as Partes não pode, em caso algum, ser qualificada como um termo inicial para o exercício do direito ao capital seguro, mas tão somente como cláusula que tem por função fixar o momento a partir do qual será pago o capital seguro. 14. O artigo 306.° do C.C assume, sempre e em qualquer caso, carácter imperativo, não podendo, assim, o seu regime ser derrogado por convenção das Partes nesse sentido.
15. A possibilidade de exercício de um determinado direito - ou, dito de outro modo, a sua impossibilidade deve, sempre e qualquer caso, ser aferidas no quadro das regras constantes dos artigos 306.° e ss, do C.C e, bem assim, de forma objetiva e exigente, sob pena de, na prática, se esvaziar de sentido o regime jurídico- substantivo da prescrição.
16. Ao ter decidido como decidiu, violou o Tribunal a quo os artigos 306.°, n. ºs 1 e 2 do C.C e, bem assim, o artigo 121.° do RJCS e os artigos 576.°, n. ºs 1 e 3 e 595.°, ambos do CPC.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho saneador recorrido, e substituído por um outro que absolva a Apelante do pedido.
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O Autor não contra-alegou.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que a única questão a decidir consiste em saber se decorreu, ou não, o prazo a prescrição do direito à indemnização reclamado pelo Autor.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
No saneador consignou-se:
“Prescrição do direito de crédito do Autor. É pacífico entre as partes que o contrato de seguro em causa foi celebrado em 1997/01/14, estando sujeito a renovação periódica, e que o sinistro sofrido pelo Autor teve lugar em 1998/10/19. À luz destes factos, a primeira questão a decidir é qual o prazo de prescrição aplicável ao caso vertente, mormente se o prazo ordinário de 20 anos, fixado no art.s 309.º do Código Civil, ex vi art.º3.º do Código Comercial, ou o prazo curto de 5 anos, fixado pelo Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS, doravante), instituído pelo Decreto-Lei n.9 72/2008, de 16 de abril. A Ré entende que se aplica in casu o prazo de 5 anos previsto pelo art.º 121.º, n.º2, do RJCS aprovado pelo Decreto-Lei n.9 72/2008, de 16 de abril, por tal regime legal ser aplicável ao contrato de seguro em apreço, de natureza renovável. Não lhe assiste razão, porém, como veremos. O art.º 2..º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, sob a epígrafe "aplicação no tempo", dispõe o seguinte: "1 - O disposto no regime jurídico do contrato de seguro aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes. 2-O regime referido no número anterior não se aplica aos sinistros ocorridos entre a data da entrada em vigor do presente decreto-lei e a data da sua aplicação ao contrato de seguro em causa". Conforme vem notando a jurisprudência nacional que sobre o tema se vem pronunciando[1], o n.º2 do citado artigo (na parte em que prevê que o novo regime não se aplicava aos sinistros ocorridos entre a data de entrada em vigor do novo regime e a data da sua aplicação ao contrato de seguro em causa) justifica-se na medida em que o artigos 3.2 e 4.2 do mesmo diploma legal continham disposições aplicáveis aos contratos renováveis e a contratos não sujeitos a renovação. … Assim, tendo o sinistro ocorrido em 1997/01/14, é aplicável o prazo de 20 anos previsto pelo art.º 309.º do Código Civil ao direito invocado pelo Autor. A segunda questão decidenda é a de se determinar se se verificou já o termo final deste prazo de 20 anos, o que depende da determinação da data em que pôde o direito do Autor ser exercido, defendendo a Ré que tal direito pôde ser exercido pelo Autor a partir da data do sinistro, ocorrido (e isto é pacífico entre as partes) em 1998/10/19, ao invés que o Autor defende que tal direito apenas pôde ser exercido a partir do seu conhecimento do relatório clínico realizado pelo médico da Ré (em 2013/05/27), ou do novo relatório clínico por si solicitado (elaborado em 2013/12/18). Também aqui entendemos não assistir razão à Ré. Senão vejamos. É inequívoco que o Autor conhece o seu direito desde a data do sinistro; porém, conhecimento do direito e possibilidade de exercício do direito não são realidades coincidentes. Neste âmbito, dispõe o art.º 306.º, n.º1, do Código Civil, no que ao caso releva, que "[o] prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido {...)". Conforme observa Ana Filipa Morais Antunes, "(...) A expressão "quando o direito puder ser exercido" tem de ser interpretada no sentido de a prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular o poder atuar, portanto, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação. O critério consagrado é, pois, o da exigibilidade da obrigação (...)", acrescentando ainda que "(...) A solução justifica-se à luz do fundamento da prescrição: penalizar o não exercício do direito, fundado na inércia do seu titular. Na verdade, "não pode dizer-se que haja negligência da parte do titular dum direito em exercita-lo enquanto ele o não pode fazer valer por causas objetivas, isto é, inerentes à condição do mesmo direito" (v. Manuel de Andrade, Teoria Geral, vol. II, cit., 448) {...)"[2]. Ora, conforme resulta da alínea a) da cláusula 8.ª com a epígrafe "critérios de indemnização", constante das condições especiais do contrato de seguro celebrado entre as partes e junto aos autos pela Ré com a sua contestação, "em caso de morte ou invalidez permanente igual ou superior a 50%, o capital seguro será pago imediatamente após a emissão do parecer médico". Nos termos desta cláusula contratual, a Ré faz depender a atribuição da indemnização devida ao Autor da emissão de parecer médico que se pronuncie sobre a desvalorização por ele sofrida. Deste modo, a cláusula em causa funciona como um termo inicial para o exercício do eventual direito ao capital seguro, não sendo possível imputar ao Autor a inércia no exercício do direito justificativa do inicio da contagem do prazo de prescrição de 20 anos. Bastaria pensar que, caso o Autor tivesse recorrido à via judicial antes da elaboração do relatório clínico que fixasse a desvalorização para efeitos de acionamento da apólice do seguro bastaria à Ré invocar a citada alínea a) da cláusula 8.ª para obter a absolvição do pedido por exercício prematuro do eventual direito[3]. E, mesmo admitindo não estarmos perante um termo inicial em sentido próprio, sempre seria possível aplicar por interpretação extensiva o n. º 2 do citado art.s 306.º do Código Civil, segundo o qual "[a] prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer". Em suma, a Ré não se encontrava em incumprimento quanto ao pagamento da indemnização devida ao Autor até à realização do exame clínico em 2013/05/27 que lhe viria a fixar a desvalorização por incapacidade, o que se traduz na inexigibilidade da obrigação e, consequentemente, do início do decurso do prazo apenas a partir deste momento, prescrevendo o direto do Autor apenas em 2033/05/27”.
Ora, não podemos acompanhar a interpretação seguida na decisão recorrida.
Com efeito, estabelece o art.º 309.º do C. Civil que o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos.
Este prazo, “começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo de prescrição” – art.º 306.º, n.º1 do C. Civil.
Como ensina Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª ed., pág. 1120, “A prescrição consiste no instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este não se verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos”.
Assim também escreve Pedro Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 2005, 3.ª ed., pág. 756: “A prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita”.
E acrescenta: “O regime da prescrição é de ordem pública e não pode ser modificado por estipulação negocial. O artigo 300.º do Código Civil estatui a nulidade dos negócios jurídicos destinados a modificar os prazos da prescrição ou a facilitar ou dificultar por outro modo as condições em que opera os seus efeitos”.
Ora, no caso concreto, quanto ao exercício do direito de reclamar a indemnização prevista no contrato de seguro celebrado entre o Autor e a Ré, dúvidas não se podem colocar estar sujeito ao prazo ordinário de vinte anos, previsto no citado art.º 309.º do C. Civil.
E assim é porque tendo o acidente ocorrido em 19 de outubro de 1998, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril ( diploma que aprovou o novo regime jurídico do contrato de seguro - RJCS) é-lhe inaplicável o prazo prescricional de cinco anos previsto no seu art.º 121.º, n.º2, pois que quanto à sua aplicação no tempo estabeleceu expressamente no seu art.º 2.º, n.º2 que “ O regime referido no número anterior não se aplica aos sinistros ocorridos entre a data da entrada em vigor do presente decreto-lei e a data da sua aplicação ao contrato de seguro em causa” (nosso sublinhado).
Destarte, e face ao que se dispõe no art.º 2.º, n.º 2, deste diploma legal, o sinistro ocorrido em 19/10/1998 e que constitui a causa de pedir nestes autos, continua a regular-se pela lei em vigor ao tempo da sua ocorrência, em particular os arts. 425.º a 462.º do Código Comercial, e o art.º 309.º do Código Civil, por remissão do seu art.º 3.º/2 e art.º 4.º do RJCS.
Assim também se pronunciou, em caso idêntico ao dos presentes autos, esta Relação no seu Acórdão de 23/11/2017, proc. n.º 2081/16.6T8FAR.E1 (Mário Coelho), disponível em www.dgsi.pt, podendo ler-se no seu sumário: “1. Um sinistro coberto por um contrato de seguro, ocorrido em 1999, continua a beneficiar do prazo geral de prescrição de 20 anos estabelecido no art. 309.º do Código Civil. 2. O prazo de prescrição de cinco anos previsto no art. 121.º n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de abril, não é aplicável a tal sinistro, pois a tanto obsta o art. 2.º n.º 1 deste último diploma, prevendo a aplicação da nova lei apenas aos contratos de seguro celebrados após a sua entrada em vigor”.
E como se menciona neste acórdão, “Na jurisprudência, pugnando pela sujeição ao anterior regime dos sinistros ocorridos antes da aplicação legal do novo regime jurídico aprovado pelo DL 72/2008, vejam-se os seguintes arestos, todos publicados na página da DGSI:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.01.2011 (Proc. 79/10.7T2GDL.E1): «1 – O regime jurídico estabelecido pelo DL 72/2008 de 16.04, só é aplicável ao contrato celebrado entre apelante e apelada a partir de 14.12.2009 por ser nesta data que ocorreu a primeira renovação posterior à data de entrada em vigor daquele diploma; 2 – Tendo o sinistro ocorrido em 16.11.2009, não lhe é aplicável o regime jurídico estabelecido pelo DL 72/2008 de 16.04, mas as normas dos arts. 425º a 462º do Código Comercial.»
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.04.2014 (Proc. 6659/09.6TVLSB.L1.S1): «Ao contrato de seguro celebrado em 16-02-2004 e cujo sinistro ocorra antes de 01-01-2009, não á aplicável o regime do DL n.º 72/2008, de 16-04 (artigo 2º, n.º 2).»
E mais recentemente o STJ, no seu Acórdão de 30/05/2019, proc. n.º 2081/16.6T8FAR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, reafirmou este entendimento, aí exarando: “V – O regime referido em I - nomeadamente o prazo prescricional estabelecido no art. 121º da LCS - não pode aplicar-se a contratos a respeito dos quais se ignore se ainda estavam em vigor quando teve lugar o início de vigência do mesmo regime. VI – Ainda que pudesse afirmar-se a subsistência do contrato de seguro à data da entrada em vigor da LCS e, bem assim, a sua renovabilidade, tendo o sinistro ocorrido no ano de 1999, nunca lhe seria aplicável aquele regime jurídico. VII – O nº 2 do art. 2º do referido DL, ao excluir a aplicação desse regime jurídico aos sinistros que tenham ocorrido entre a entrada em vigor desse diploma e a data da sua aplicação ao respetivo contrato de seguro, está naturalmente a excluir a sua aplicação a sinistros que tenham tido lugar antes dessa data.”
Decorrentemente, acompanha-se, nesta parte, a orientação seguida na decisão recorrida, o mesmo é reafirmar que o prazo prescricional aplicável no caso concreto é o ordinário de 20 anos.
Mas não se acompanha a decisão recorrida quanto ao início da contagem desse prazo.
Com efeito, como flui expressamente do art.º art.º 306.º, n.º1 do C. Civil, o prazo de prescrição “começa a correr quando o direito puder ser exercido”.
Sobre esta concreta questão refere Paulo Manuel Leal Lacão [4]: “O critério geral coloca, deste modo, dois requisitos para que o prazo de prescrição inicie a sua contagem: a existência do direito e a possibilidade do seu exercício. De acordo com um setor da doutrina, este princípio tem a sua justificação última no próprio fundamento do instituto daprescrição, o qual se considera assente na inércia injustificada do titular do direito. A determinação do que seja uma impossibilidade relevante para o diferimento do início da prescrição, nos termos doart.306º, não pode, porém, fazer-se por simples apelo àquele fundamento, devendo articular-se com impedimentos, constrangimentos ou circunstâncias que a lei tenhadotado de relevância como pressupostos de um efeito prescricional distinto. Assim, importa notar que a possibilidade de exercício do direito como critério geral de início da prescrição (art. 306º, n.º 1), se encontra estreitamente ligada ao regime de suspensão da prescrição por causa de força maior (art. 321º, n.º 1), podendo mesmo dizer-se que os dois preceitos se contrapõem mutuamente”.
Quanto ao início da contagem deste prazo prescricional escreveu-se no Acórdão do STJ, de 22/09/2016, proc. n.º 125/06.9TBMMV-C.C1.S1, consultável em dgsi.pt: “V - O inicio do prazo é «fator estruturante do próprio instituto da prescrição, existindo, a tal propósito, no Direito comparado dois grandes sistemas: o objetivo e o subjetivo». VI - O primeiro «é tradicional, dá primazia à segurança e o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o respetivo credor, sendo compatível com prazos longos». O segundo privilegia, porém, a justiça, iniciando-se o prazo apenas «quando o credor tiver conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito e joga com prazos curtos». VII - Nesta matéria, o art.º 306º, n.º 1, do Cod. Civil, adotou o sistema objetivo, que dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição «quando o direito puder ser exercido. VIII – Tal expressão constante dessa disposição (art.º 306º, n.º 1, do Cod. Civil) deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular o poder atuar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação, o que, no caso de obrigações puras, ocorre a todo tempo. IX - Uma vez iniciado o prazo de prescrição de qualquer direito, a respetiva contagem prossegue a menos que ocorra qualquer suspensão ou interrupção (art.ºs 318º e ss do Cód Civil), não relevando sequer a sua transmissão (art.º 308º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil)”.
Assim, o início do prazo de prescrição verifica-se a partir do momento em que o direito puder ser exercido, isso é, “a partir do momento o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida, o que ocorre a todo o tempo nas obrigações puras ou com prazo em benefício do credor, e após o decurso do prazo nas obrigações com prazo estipulado em benefício do devedor” – cf. Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Vol. II, 2011, 8.ª ed. Pág. 117.
Importa realçar que o início da contagem do prazo de prescrição a que alude o art.º 306.º do C. Civil, é distinto do estabelecido para o exercício do direito de indemnização por facto ilícito e contemplado no art.º 498.º/1 do C. Civil.
Com efeito, relativamente à prescrição do direito de indemnização, dispõe o n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”,
Por sua vez estabelece o seu n.º 3 que “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo é este o prazo aplicável.”.
Inicia-se a contagem do prazo de prescrição do direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual, art. 498°, n.º1 CC, no momento em que o lesado teve conhecimento « do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos (..)»- cf. o Prof. António Meneses Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, 1, Parte Geral, Tomo IV, 2005, Almedina.
A propósito deste prazo prescricional, refere Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 4ª edição, Coimbra, pág. 551, “fixou-se o prazo de prescrição em três anos, a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu”.
O mesmo entendimento foi seguido pelo S.T.J, no aresto de 18/04/2002, proc. n.º02B950, disponível em www.dgsi.pt, citando vária jurisprudência, dizendo “(…Quando determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito quer o preceito em causa significar que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento”.
Mas repare-se que ainda que esse prazo curto de 3 anos se inicie a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil, a verdade é que não pode ultrapassar o prazo geral de prescrição de 20 anos a contar do facto danoso, como se ressalva expressamente na parte final do n.º1 do art.º 498.º “sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.
Ora, se assim é para um prazo curto de 3 anos, o qual não pode ultrapassar o prazo geral de 20 anos a contar do facto danoso, mal se compreenderia que, no caso concreto, o início da contagem do prazo de 20 anos se iniciasse com a sujeição do autor a uma junta médica, que teve lugar em 27/05/2013, pois o seu direito a reclamar o prémio de seguro podia ser exercido, objetivamente, a partir da data do acidente (1998/10/19).
Acresce que a cláusula 8.ª do contrato de seguro ao prever que “em caso de morte ou invalidez permanente igual ou superior a 50%, o capital seguro será pago imediatamente após emissão do parecer médico”, não configura qualquer condição suspensiva ou termo inicial, nos termos do n.º2 do art.º 306.º do C. Civil, relegando a contagem do prazo para a verificação dessa condição ou do vencimento do termo.
Dessa cláusula resulta apenas que o autor só terá direito a peticionar o valor do prémio, em caso de invalidez permanente igual ou superior a 50%, comprovada esta invalidez, caso em que a recorrente estava obrigada a pagar o capital seguro acordado após a emissão do parecer médico que o atestasse.
Qualquer outra interpretação, com o devido respeito, conduziria ao absurdo de fazer depender o início da contagem do prazo de prescrição á sujeição do autor a exame médico, apesar de decorridos mais de vinte anos sobre o facto danoso/acidente, e desde que não ocorresse qualquer causa de suspensão ou de interrupção previstas na lei.
Aliás, o art.º 300.º do C. Civil estatui a nulidade dos negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar por outro modo as condições em que a prescrição opera os seus efeitos.
Aceita-se, pois, a posição defendida pela recorrente, de que “O legislador adotou, na letra do n. º 1 do artigo 306.° do C.C, a conceção objetiva de início do decurso do prazo de prescrição, nos termos da qual este último começa a correr "quando o direito puder ser exercido", independentemente do seu conhecimento por parte do titular”.
E tendo o acidente ocorrido em 1998/10/19, o termo do prazo de prescrição de vinte anos verificou-se em 18/10/2018, já que inexistem factos concretos que configurem causas de suspensão ou interrupção da prescrição.
Donde, proposta a presente ação em 11 de fevereiro de 2019, deve proceder a invocada exceção perentória de prescrição, enquanto causa extintiva da obrigação e ter sido invocada por aquele a quem aproveita para poder ser eficaz - art.ºs 573.º/1 e 576.º/2 e 3 do C. P. Civil e art.º 303.º do C. Civil.
Procede, pois, a apelação.
***
IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, absolvendo a Ré do pedido contra si deduzido pelo Autor.
Custas da apelação e da ação pelo autor/recorrido.
Évora, 2020/10/22
Tomé Ramião (Relator) (Assinatura eletrónica)
Francisco Xavier (1.º Adjunto) (Assinatura eletrónica)
Maria João Sousa e Faro (2.º Adjunto) (Assinatura eletrónica)
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[1] Cfr. AcTRE de 2017/11/23, proc. n.s 2081/16.6T8FAR.E1, in www.dgsi.pt/.
[2] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2.§ edição, Coimbra Editora, págs. 83-84, em anotação ao art.2 306.2 do Código Civil.
[3] Neste sentido, em caso idêntico, se pronunciou o AcTRL de 2017/07/13, proc. n.º 22343/16.1T8LSB.L1-6, in www.dgsi.pt/.
[4] ) “A Prescrição da Obrigação de Indemnizar: Notas sobre o artigo498º, n.º 1, do Código Civil”, Pág. 19. Tese de Mestrado, junho 2017,DUNL,disponível:https://run.unl.pt/bitstream/10362/35347/1/Lacao_2018.pdf.