ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Sumário

1 – O titular do direito a alimentos é o descendente, sendo que durante a menoridade é representado pelo progenitor e após a maioridade compete ao filho maior accionar os mecanismos para a cobrança dos alimentos, ainda que a lei confira igualmente legitimidade ao progenitor que suporta as despesas do filho para agir judicialmente contra o devedor.
2 – As alterações introduzidas pela Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro, são meramente interpretativas do disposto no artigo 1880º do Código Civil, aplicando-se em todos as obrigações de alimentos já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
3 – A sentença que homologa o acordo de regulação das responsabilidades parentais constitui título executivo para cobrança de prestações de alimentos vencidas anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 01/09 (que deu nova redacção ao artigo 1905º do Código Civil), no caso de o beneficiário atingir a maioridade antes, e completar os 25 anos depois, da entrada em vigor dessa mesma lei.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo nº 416/17.3T8FAR-E.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Família e Menores de Faro – J1
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente oposição à execução deduzida por (…) contra (…), uma vez proferida sentença, o exequente veio interpor recurso daquela decisão.
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O oponente invocou a ilegitimidade do exequente e a cessação da obrigação de alimentos por força da maioridade e por irrazoabilidade.
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O exequente deduziu contestação, pugnando pela improcedência da oposição.
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O Tribunal «a quo» decidiu julgar procedente a presente oposição à execução e consequentemente, declarou extinta a execução.
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Inconformado com tal decisão, o recorrente apresentou recurso de apelação e as alegações continham as seguintes conclusões:
1ª A Mmª. Juiz a quo mal andou ao decidir conceder provimento à oposição e, consequentemente, declarar extinta a execução, com o fundamento de se encontrar cessada a obrigação de alimentos.
2ª A Mmª. Juiz a quo faz, s.m.o, uma incorrecta interpretação do nº 2 do artigo 1905º do Código Civil, restringindo injustificadamente a sua aplicação e não reconhecendo, como tal, o direito do exequente à pensão de alimentos.
3ª Diz o nº 2 do artigo 1905º do Código Civil que “Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
4ª Clarificando a interpretação do artigo 1880º do Código Civil, que diz que se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo 1879º (prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação) na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.
5ª Na sequência do que já constava no artigo 1880º C.C., o nº 2 do artigo 1905º veio esclarecer que, nos casos em que tenha havido fixação de pensão de alimentos durante a menoridade, a mesma se mantém até aos 25 anos de idade do filho, se este ainda estiver em processo de educação ou formação profissional, que não tenha sido livremente interrompido, e desde que não seja comprovadamente irrazoável essa exigência.
6ª Não é imposto pelo nº 2 do artigo 1905º C.C. qualquer limite de aplicabilidade, nem se restringe a mesma apenas a quem, na data da sua entrada em vigor, não tivesse ainda atingido a maioridade.
7ª Nem sequer se projecta a sua eficácia apenas para o futuro e quanto a jovens então ainda menores.
8ª A redacção do nº 2 do artigo 1905º C.C. estatui sem margem para dúvidas que, a partir da sua entrada em vigor, que ocorreu a 1 de Outubro de 2015, jovens com mais de 18 anos e menos de 25, com o seu processo de educação ou formação em curso, mantêm o direito à pensão de alimentos fixada a seu favor durante a menoridade.
9ª Não sendo feita qualquer distinção quanto aos jovens que, à data de entrada em vigor da alteração legislativa, ainda eram menores e os que já eram maiores.
10ª Como já decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, numa situação em que a maioridade tinha sido atingida muito antes da entrada em vigor do nº 2 do artigo 1905º C.C., “O direito e o dever de educação dos filhos mantém-se, mesmo depois de atingida a maioridade, durante o tempo em que tal for necessário para que o filho complete a sua formação profissional, na medida em que seja razoável exigir dos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete, conforme decorre do disposto no artigo 1880º do Código Civil“ e “Dispõe o artº 1880º do CC, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete. Por sua vez o artº 1905.º, n.º 2, do CC dispõe que para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência. De tal decorre que os progenitores são responsáveis pelo pagamento de alimentos aos filhos mesmo após os 18 anos, desde que estes ainda não tenham completado a sua formação profissional e pelo tempo normalmente necessário para o fazer, desde que seja razoável exigir ao progenitor aquela obrigação (cfr. também art. 1874.º, n.º 2, 1878.º, n.º 1, ambos do CC).” (processo nº 1362/16.3T8PTG.E2, em 28/06/2018, e disponível no site da DGSI através do link http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39 bf2802579bf005f080b/5fc0ade9de8b8e 83802582c200571b 6a).
11ª A Lei 122/2015 é interpretativa, aplicando-se às situações já constituídas e existente à data da sua entrada em vigor.
12ª A questão em apreço foi já apreciada e decidida pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, que, em acórdão de 08/02/2018, define a Lei 122/2015 como lei interpretativa, na parte em que altera o nº 2 do artigo 1905º C.C. (processo nº 1092/16.6T8LMG.C1.S1, disponível no site da DGSI através do link
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4528134c55578a268025822e0060cd30?OpenDocument), e conforme fundamentação tão doutamente explanada, que supra se transcreveu e se dá por reproduzida.
13ª E sendo nesse mesmo acórdão, que, de forma clara e sem margem para dúvidas, se termina
“Concluindo:
I - A Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, é lei interpretativa, conforme disposto no artigo 13.º/1 do Código Civil, na parte em que alterou o artigo 1905.º do Código Civil que passou a prescrever no aditado n.º 2 que "para efeitos do disposto no artigo 1880.º entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade […]".
II - Assim sendo, o n.º 2 abrange todos aqueles que viram a sua pensão de alimentos fixada durante a sua menoridade, ainda que tenham atingido a maioridade em data anterior a 1 de outubro de 2015”.
14ª O direito à pensão de alimentos fixada na menoridade, nos casos previstos no nº 2 do artigo 1905º do Código Civil, existe até aos 25 anos de idade, mesmo que maioridade tenha sido atingida antes da entrada em vigor da alteração legislativa, que ocorreu a 1 de Outubro de 2015.
15ª A obrigação de alimentos em causa nestes autos permanecia no período a que respeita o pedido, devendo reconhecer-se e declarar-se a mesma como não cessada.
16ª Merecendo o presente recurso provimento, e devendo ordenar-se o prosseguimento dos embargos em que foi proferida a sentença recorrida para apreciação das demais questões suscitadas e não apreciadas, bem como o prosseguimento da execução até final.
Nestes termos, nos mais de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser a Douta Sentença recorrida revogada, substituindo-se a mesma por outra que considere como não cessada a obrigação de alimentos, considerando improcedente a oposição quanto a este fundamento e ordenando o prosseguimento dos embargos para apreciação das demais questões suscitadas e não apreciadas, bem como o prosseguimento da execução onde os mesmos foram deduzidos.
Sendo certo que, com a decisão de V. Exas., se fará a costumada Justiça».
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O executado progenitor contra-alegou e apresentou recurso subordinado, que, na parte que interessa, se transcreve nos seguintes termos:
« (…) i) Sendo uma sentença condenatória o título que serviu de base à execução, é na própria sentença que se deverá aferir a legitimidade adjectiva das partes enquanto pressuposto processual da acção executiva, atento o disposto no art. 53.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil, o qual determina que a execução tem de ser promovida por aquele que no título executivo figure como credor, contra aqueloutro que no mesmo tenha a posição de devedor, que in casu, era a mãe do embargado e agora recorrente, (…) e o seu pai, o embargante e agora recorrido, respectivamente como credora e devedor.
j) Não é relevante quem possa figurar no título como titular do direito aos alimentos, ou seja, titular efectivo do direito de crédito conferido pelo mesmo, prevalecendo em sede de execução especial por alimentos a legitimidade formal, é o que resulta ex professo do disposto no artigo 53.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil, pelo que, o exequente, embargado e agora recorrente não tem legitimidade para promover e fazer prosseguir a acção executiva por si deduzida em juízo.
k) A ilegitimidade é fundamento legal de oposição à execução, ex vi art. 729º, c), do Cód. de Proc. Civil, por se traduzir na falta de um pressuposto processual de que depende a regularidade da instância executiva, e constitui uma excepção dilatória, ex vi art. 577º, e), do Cód. de Proc. Civil, a qual deve ter como consequência que o Tribunal não conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, ex vi art. 576.º, n.º 2, do Cód. de Proc. Civil.
L) Uma vez declarada a ilegitimidade do exequente, tal facto deverá determinar a procedência dos embargos de executado, cuja consequência é a extinção da execução, ex vi artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, requer que seja julgado improcedente o recurso deduzido pelo embargado e agora recorrente (…), mantendo-se na integra a douta decisão proferida em primeira instância que julgou procedente o fundamento de oposição à execução deduzido pelo embargante, fundado na cessação da obrigação de alimentos em virtude do embargado ter já atingido a maioridade quando a Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro entrou em vigor.
Mais requer, porém a título subsidiário, na eventualidade de vir a ser julgado procedente o pedido deduzido pelo embargado e agora recorrente na sua alegação, que, ampliando-se o âmbito do presente recurso, seja julgado procedente o fundamento de oposição à execução, consubstanciado na falta de um pressuposto processual de que depende a regularidade da instância executiva, que se traduz na excepção dilatória de ilegitimidade do exequente, e por força disso seja revogada a douta sentença recorrida nessa parte, com a legal consequência de o Tribunal não conhecer do mérito da causa e absolver o embargante da instância, ex vi artigo 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, declarando-se extinta a execução em virtude da procedência dos embargos, ex vi artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil».
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O exequente (…) exerceu o contraditório relativamente ao recurso subordinado.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de erro na apreciação do direito.
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III – Dos factos apurados:
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. No âmbito do processo de regulação do poder paternal apenso, foi em 19 de Janeiro de 2001 proferida decisão homologatória de acordo de regulação do poder paternal, que fixou em 50.000$00 o montante dos alimentos devidos mensalmente pelo progenitor a favor do filho (então) menor (…).
2. (…) nasceu em 28/03/1994.
3. (…) intentou acção executiva (apensa) para pagamento de prestações de alimentos desde Outubro de 2015 até 28/3/2019.
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IV – Fundamentação:
Os embargos de executado são uma verdadeira acção declarativa e que visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da acção executiva[1].
Em sede de oposição à execução, o executado invocou a cessação da obrigação dos alimentos por força da maioridade do exequente, atingida em 28/03/2012 e considera assim que não é aplicável a disciplina contida na Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro, que alterou o artigo 1905º do Código Civil.
O Juízo de Família e Menores de Faro sufragou aquele entendimento e manifestou posição no sentido de que não se está perante uma lei interpretativa. Neste horizonte contextual, a decisão está estruturada sob a máxima hermenêutica que a referida legislação não é aplicável (retroactivamente) aos casos em que, fixada pensão de alimentos para o então menor, este haja atingido a maioridade antes da entrada em vigor daquela lei.
A este respeito, ficou assim consignada a tese que, quando ocorreu a alteração da lei já o exequente era maior de idade e assim a obrigação de alimentos fixada na menoridade tinha cessado. Por isso, conclui que não era «admissível fazer renascer uma obrigação que se tinha extinto, sob pena de uma evidente aplicação retroactiva da lei sem estar a coberto de qualquer normativo legal e ao arrepio do princípio geral plasmado no art. 12º do C. Civil (v. acórdãos da RL de 2/6/2016 e 11/12/2019).
É forçoso concluir, como faz o ora oponente/executado, no sentido de que com a maioridade cessou a obrigação de alimentos, pelo que quando a lei entrou em vigor, já não subsistia a relação jurídica, julgando-se verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 729.º, a), do CPC».
Segundo a prescrição normativa actualmente contida no nº 2 do artigo 1905º[2] do Código Civil, na nova redacção, para efeitos do disposto no artigo 1880º[3], entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
A primeira questão judicanda é apurar se esta constelação normativa corresponde a uma norma interpretativa, tal como oportunamente foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no aresto datado de 08/02/2018[4], pensamento que encontra também apoio no sentido decisório de acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 21/06/2018[5], do Tribunal da Relação de Évora proferidos em 09/03/2017[6] e 28/06/2018[7] e do Tribunal da Relação de Lisboa de 03/03/2020[8] ou, se pelo contrário, prevalece a compreensão hermenêutica presente no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/10/2016[9], para além das outras decisões convocadas pela Meritíssima Juíza de Direito.
A lição de Baptista Machado sobre esta temática continua válida. Diz este autor que «para que a lei nova possa ser interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.
Se o julgador ou o intérprete em face de textos antigos não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova veio a consagrar, então a lei é inovadora»[10].
Idêntico entendimento é perfilhado por Pires de Lima e Antunes Varela[11] que pugnam que a lei interpretativa é «aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado».
E, na realidade, a questão já era controvertida no domínio da anterior legislação, como bem assinala o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 08/02/2018, cujo texto afirma que «constata-se assim que a Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, surge no quadro de uma controvérsia jurisprudencial não resolvida definitivamente sendo certo que a lei expressamente assinala a sua natureza interpretativa quando refere que " para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém[…] a pensão fixada […] durante a menoridade"».
Antes da entrada em vigor da alteração legislativa de 2015, uma das correntes jurisprudenciais defendia que, para efeitos do artigo 1880º do Código Civil, a prestação de alimentos determinada na menoridade por decisão judicial caducava automaticamente quando o filho atingisse os 18 anos, data a partir da qual este devia requerer contra o(s) progenitor(es) os alimentos devidos até à conclusão da sua formação profissional[12].
A linha concorrente de pensamento defendia que a pensão de alimentos se prolongava para além dos 18 anos de idade, enquanto o beneficiário não completasse a sua formação profissional, não aceitando, por conseguinte, a cessação automática da obrigação estabelecida na menoridade[13], invocando razões de Justiça e humanidade, baseado no argumento que a maior parte dos jovens prossegue os estudos depois da maioridade.
Esta última posição tinha claro respaldo na visão de Rita Lobo Xavier que referia que «tendo em conta a incerteza que existe quanto à interpretação da norma do artigo 1880.º, será de sugerir uma clarificação no sentido de que a pensão de alimentos fixada para o filho durante a menoridade continua a ser devida após a maioridade, cabendo ao progenitor obrigado a iniciativa de fazer cessar tal obrigação e o ónus de alegar e provar os factos que constituem os pressupostos dessa extinção»[14]. Idêntica posição era doutrinariamente assumida por Remédio Marques[15], Maria Clara Sottomayor[16] e Helena Bolieiro e Paulo Guerra[17]. Na actualidade esta resposta é adoptada por Delgado de Carvalho[18]. A consulta da monografia de Daniela Pinheiro da Silva também tem elementos de grande utilidade para a compreensão do sistema e da questão da sucessão de leis no tempo[19].
Os critérios hermenêuticos de interpretação, nomeadamente ao nível dos trabalhos preparatórios, a mens legislatoris e o elemento racional ou teleológico, levam-nos a concluir que o nº 2 do artigo 1905º tem natureza interpretativa, abrangendo todos os beneficiários de pensão de alimentos fixada durante a menoridade, ainda que tenham atingido a maioridade em data anterior a 1 de Outubro de 2015[20].
Deste modo, somos compelidos a concluir como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2018[21], quando este aresto assume que «esta regra, aplicável após a entrada em vigor da lei que a instituiu – art.º 12.º do Código Civil –, abrange todos os que se encontrem nas condições que prevê, ou seja, os jovens beneficiários de pensão de alimentos fixada na sua menoridade que, tendo atingido já a maioridade, ou vindo a atingi-la depois, não tenham ainda completado os 25 anos de idade, nem concluído o seu processo de educação ou de formação profissional».
Ou seja, a sentença que homologa o acordo de regulação das responsabilidades parentais constitui título executivo para cobrança de prestações de alimentos vencidas anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 122/2015, de 01/09 (que deu nova redacção ao artigo 1905º do Código Civil), no caso de o beneficiário atingir a maioridade antes, e completar os 25 anos depois, da entrada em vigor dessa mesma lei[22], por via do accionamento da regra contida no nº 2 do artigo 12º[23] do Código Civil.
Impõe-se assim uma interpretação diversa daquela que está impressa na decisão de Primeira Instância, a qual, no entanto, merece o nosso acolhimento na parte em que se pronuncia sobre a questão da legitimidade. A este propósito diz a sentença recorrida que «o titular do direito a alimentos é o descendente (…) após a maioridade, compete ao filho maior accionar os mecanismos para a cobrança dos alimentos, embora, mesmo após a maioridade do filho, a lei confira legitimidade ao progenitor residente (que suporta as despesas do filho) para accionar judicialmente o progenitor devedor (art. 989º/3 do CPC)».
Esta resolução tem suporte no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/02/2018. E também na doutrina que defende que, nos casos em que a prestação de alimentos já se encontrar fixada e quando ocorra um incumprimento, se deve entender que o exercício do direito do progenitor ter um «carácter subsidiário relativamente ao exercício daquele direito»[24] por parte do credor maior de alimentos.
Nestes termos julga-se procedente o recurso interposto e improcedente a impugnação subordinada, revogando-se assim a decisão recorrida.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se:
i) julgar parcialmente procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos embargos para apreciação das demais questões suscitadas e não apreciadas e consequentemente da execução para cobrança das prestações alimentares vencidas.
ii) julgar improcedente o recurso subordinado.
Custas a final a cargo do recorrente e recorrido na proporção do respectivo decaimento, atento o disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 05/11/2020
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Maria Peixoto Imaginário

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[1] Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 143.
[2] Artigo 1905.º (Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento):
1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.
2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
[3] Artigo 1880.º (Despesas com os filhos maiores ou emancipados):
Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.
[4] De acordo com esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça, publicada em www.dgsi.pt, «a Lei n.º 122/2015, de 01-09, é lei interpretativa, conforme disposto no art. 13.º, n.º 1, do CC, na parte em que alterou o art. 1905.º do CC que passou a prescrever no aditado n.º 2 que para efeitos do disposto no artigo 1880.º entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade. II - Assim sendo, o n.º 2 abrange todos aqueles que viram a sua pensão de alimentos fixada durante a sua menoridade, ainda que tenham atingido a maioridade em data anterior a 1 de outubro de 2015».
[5] Refere o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/06/2018 que «com a alteração introduzida no art. 1905.º do Cód. Civil, mediante o aditamento do n.º 2 pela Lei n.º 122/2015, os filhos passam a ter automaticamente direito a pensão de alimentos que lhes foi fixada durante a menoridade, e até que completem 25 anos. II - Para possibilitar a concretização desta modificação ao regime substantivo, a referida Lei n.º 122/2015 procedeu à correspondente alteração no âmbito processual, atribuindo agora também ao progenitor que suporta o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores a legitimidade para exigir do obrigado a alimentos a respetiva contribuição. III - O art. 989.º, n.º 3, do CPC, introduzido pela referida lei, remetendo para os termos dos nºs 1 e 2 do mesmo artigo, reconhece legitimidade ao progenitor com quem o filho maior coabita, quando se torne necessário providenciar judicialmente (seja para prosseguir, no confronto com o outro progenitor, a ação destinada à fixação da pensão iniciada durante a menoridade, seja para, depois desta, intentar ação com a mesma finalidade ou recorrer aos procedimentos necessários à efectivação do direito anteriormente acertado) sobre alimentos aos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional».
[6] Sustenta o acórdão do tribunal da Relação de Évora de 09/03/2017, disponível em www.dgsi.pt, que «atenta a redacção introduzida pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, que acrescentou o n.º 2 no artigo 1905.º do CC, considerando a referida divergência de entendimentos, e o teor do segmento inicial da alteração introduzida, sublinhando o legislador que, para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, deve concluir-se que estamos perante lei que é interpretativa do artigo 1880.º do CC, quanto à extensão da obrigação de alimentos a cargo dos progenitores durante a menoridade, e até que o filho complete 25 anos».
[7] Disponível em www.dgsi.pt.
[8] Acórdão do Tribunal de Lisboa de 03/03/2020, disponibilizado na plataforma www.dgsi.pt, que salienta que «após as alterações introduzidas pela Lei 122/2015, aqueles que entendiam que o art. 1880º permitia que a pensão de alimentos se estendesse para lá da maioridade até à completude da formação profissional do filho, não aceitando a cessação automática da obrigação de alimentos, entendem que a nova redação do art. 1905 é meramente interpretativa do art. 1880º, aplicando-se em todos os casos».
[9] Dispõe o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/10/2016, consultável em www.dgsi.pt, que «o n.° 2 do artigo 1905°, do Código Civil, aditado pela Lei n.° 122/2015, de 01/09, não é aplicável aos casos em que, fixada pensão de alimentos para o então menor, este haja atingido a maioridade antes da entrada em vigor daquela Lei.
II - Nessas hipóteses, cessada a pensão de alimentos com a maioridade do alimentado, não podem ser ordenados descontos na remuneração do anteriormente obrigado a alimentos, em incidente de incumprimento deduzido pela progenitora a cuja guarda o menor fora confiado.
III - A decisão homologatória de acordo abrangente de pensão de alimentos para o então menor, servirá como título executivo relativamente aos alimentos para o filho maior vencidos após a entrada em vigor da mesma Lei.
IV - Em caso de inércia daquele – traduzida no simples facto de não recurso à ação executiva – poderá a progenitora com quem o mesmo é convivente recorrer à providência tutelar cível regulada nos artigos 45.º a 47.º do RGPTC.
V - Caso o progenitor a quem o filho agora maior, e com aquele convivente, deduza incidente de incumprimento, nos quadros do artigo 48º do RGPTC, em vez de recorrer ao sobredito procedimento, e sem alegar o pressuposto formal de tal inércia, deverão mandar seguir-se os termos do referido procedimento, convidando-se do mesmo passo o progenitor requerente a esclarecer aquele ponto».
[10] João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pág. 247.
[11] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição revista e actualizada (reimpressão, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, nota l ao art. 13°.
[12] Neste sentido, podem ser consultados os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/09/2011 e do Supremo Tribunal de Justiça de 23/01/2003 e de 12/01/2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[13] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2005, do Tribunal da Relação do Porto de 21/02/2008, 09/03/2006, 16/12/2003, do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/06/2012, 20/09/2011 e 03/05/2011 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/06/2012, todos em www.dgsi.pt.
[14] Rita Lobo Xavier, in Responsabilidades Parentais no Seculo XXI, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 5, nº 10, 2008, pág. 17-23.
[15] Remédio Marques, Algumas Notas Sobre alimentos (Devidos a Menores) «Versus» O dever de assistência dos pais para com os filhos (Em Especial Filhos Menores), Universidade de Coimbra, Centro de Direito de Família, Coimbra Editora, 2000.
[16] Maria Clara Sottomayor, Regulação do exercício do poder paternal nos casos de divórcio, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, págs. 215 e seguintes.
[17] Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a família, Uma Questão de Direitos, Coimbra Editora, Coimbra, 2ª edição, 2014, págs. 275-279.
[18] H. Delgado de Carvalho, in “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9”, disponível no Blog do IPPC, acessível in http://blogippc.blogspot.pt/2015/09/o-novo-regime-de-alimentos-devidos.html.
[19] Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a Filho Maior. Natureza, âmbito e extensão das normas previstas no art. 989º, nº 3 e 4, do Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2019.
[20] No mesmo sentido pode ser consultado o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/09/2017, cuja leitura pode ser concretizada em www.dgsi.pt.
[21] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2018, disponível em www.dgsi.pt.
[22] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2018, in www.dgsi.pt.
[23] Artigo 12.º (Aplicação das leis no tempo. Princípio geral):
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
[24] Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a Filho Maior. Natureza, âmbito e extensão das normas previstas no art. 989º, nº 3 e 4, do Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 107-108.