EXECUÇÃO
EXTINÇÃO
INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
OBRIGAÇÃO DE REMESSA DO PROCESSO
Sumário

I – A extinção da instância executiva prevista no artigo 779º, nº 4 do Código do Processo Civil, sem prejuízo da sua consagração legal, não assume, na prática, um carácter definitivo por força da adjudicação de prestações que são ainda vincendas e como decorrência do disposto no mesmo preceito legal quanto à faculdade de requerer a renovação da instância executiva “para satisfação do remanescente do seu crédito” (vide artº 779º, nº 5, do CPC).
II – Uma vez decretada a incompetência territorial, deve o tribunal em causa abster-se de proferir qualquer decisão sobre o mérito da causa, remetendo-a para o tribunal por si julgado competente.

Texto Integral

Processo n.º 19954/19.7T8PRT.P1

Acordam os juízes do Tribunal Colectivo da Relação do Porto

I – Relatório
B… intentou a presente acção executivo, junto do Juízo de Execução do Porto, no valor de 8.000,00Eur. Tramitada a execução, veio o mesmo exequente requerer uma cumulação sucessiva de execuções.
Em 29.06.2020, o tribunal “a quo” proferiu o despacho que ora se reproduz:
“A decisão proferida pela Srª AE não se pode manter na medida em que este tribunal é territorialmente incompetente para a requerida cumulação sucessiva de execuções.
Com efeito, apesar de ser execução cumulada a mesma submete-se precisamente à mesma regra que a execução inicial.
Sucede que, indevidamente, a execução inicial deveria ter feito com que a Srª AE lançasse a dúvida ao juiz do processo quanto á incompetência territorial deste tribunal.
Com efeito, por força da regra prevista no art. 89º, nº 1, do CPC e dado que o executado tem domicílio na área do concelho de Penafiel, o tribunal territorialmente competente é o Juízo de Execução de Lousada e não este Juízo de Execução do Porto.
Nesta medida, indefiro a requerida cumulação sucessiva de execuções dado que este tribunal é territorialmente incompetente para o efeito, devendo ainda manter-se a decisão de extinção proferida pela Srª AE quanto à execução inicial.”
Nesta sequência, o exequente requereu que o processo fosse remetido ao tribunal competente, por força do n.º 3 do artigo 105.º do CPC.
Em 01/07/2020, o Tribunal profere novo despacho, alvo do presente recurso, indeferindo a remessa dos autos nos seguintes termos:
Indefiro o requerido, devendo a exequente diligenciar pela instauração da execução em causa junto do tribunal competente na medida em que nem sequer foi admitida tal execução cumulada.

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Inconformado o exequente deduziu o presente recurso no qual apresenta as seguintes conclusões:
A) Nos termos do disposto no artigo 89.º, nº 1, do C. P. Civil – na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, há que admitir que, o Juízo de Execução de Lousada é o Tribunal territorialmente competente (na medida em que o domicílio do executado se situa em Penafiel).
B) A infração das regras de competência determinam a incompetência relativa do tribunal – artigo 102º do CPC -, excepção de conhecimento oficioso – artigo 104º do CPC –
C) Pese embora as amplas funções que o novo código de processo civil deixou a cargo do agente de execução, certo é que o conhecimento de questões formais não lhe está acometida.
D) Constituindo a incompetência territorial, excepção dilatória, a respectiva procedência implica, meramente a “translatio judicii”, quer dizer, a remessa do processo para o tribunal territorialmente competente (art. 111º/3 e 576º/2 2ª parte)
E) O legislador processual quis que a apreciação da incompetência territorial se sobrepusesse às demais excepções de tal modo que apenas o tribunal que se afirme territorialmente competente, possa, afinal, apreciar a matéria.
F) Como o concluía Lebre de Freitas a propósito da norma do nº 3 do art. 110º, actual 104º do NCPC (Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” anotado, I, 203), o legislador pretendeu que “se julgar o tribunal (territorialmente) incompetente, o juiz deve evitar proferir ao mesmo tempo, qualquer outra decisão, reservando-a para o juiz competente”.
G) O número 1 do artigo 608º do CPC refere que “1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.”.
H) A supremacia do conhecimento da incompetência em razão do território, resulta da solução acolhida no art. 278º/2 do CPC, pelo que o juiz deverá abster-se de conhecer do pedido, antes deverá - porque deve remeter o processo para outro tribunal - apreciar em primeiro lugar a incompetência em razão do território.
I) O tribunal incompetente em razão do território não pode ter-se (aparentemente) por competente para apreciar e indeferir a cumulação, com esse mesmo fundamento, pois será o Tribunal competente, o único competente para decidir sobre a admissibilidade da cumulação.
J) Ao contrário do que faz parecer o tribunal a quo, a execução não se encontra verdadeiramente extinta, na medida em que a penhora continua a correr, pelo que não só o requerimento de cumulação, mas toda a execução ab initio, teria de ser remetida aos Juízos de Execução de Lousada.
Termina o apelante peticionando que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, seja revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que ordene a remessa dos autos aos Juízos de Execução de Lousada.
O executado C… veio responder ao presente recurso alegando, em síntese breve, que o processo executivo estaria já extinto antes da prolação de qualquer despacho a admitir a cumulação sucessiva de execução sendo, por isso, “inócuo remeter para um tribunal uma execução que está extinta pela adjudicação.”

II – Fundamentação Aplicável
O dissídio a dirimir nos autos prende-se com apurar se o tribunal “a quo” deve remeter a presente execução aos Juízos de Execução de Lousada ou se tal ónus impende sobre o próprio exequente.
Como vimos acima, o tribunal recorrido decidiu não fazer sentido ordenar a remessa dos autos para um outro tribunal por força de uma execução cumulada que não foi sequer admitida.
A montante deste tópico, mas com óbvia repercussão na solução a dar ao litígio, existe ainda a questão de saber se a execução estaria já extinta aquando do requerimento do exequente para a cumulação sucessiva. Caso assim seja, aventa-se não fazer sentido remeter estes autos de execução porque já findos.
A solução decorre do disposto no n.º 4 do artigo 779.º do Código de Processo Civil que expressamente refere operar a extinção da execução. Senão, leia-se:
“Findo o prazo de oposição, se esta não tiver sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente, caso não sejam identificados outros bens penhoráveis, o agente de execução, depois de assegurado o pagamento das quantias que lhe sejam devidas a título de honorários e despesas:
(...)
b) Adjudica as quantias vincendas, notificando a entidade pagadora para as entregar diretamente ao exequente, extinguindo-se a execução. (sublinhado nosso)
Da sua leitura, desde logo, resulta, salvo melhor opinião, que, no nosso caso, não existe qualquer penhora da pensão do executado ao contrário do afirmado não só pelo exequente como indevidamente pela própria administradora de execução.
Aliás, vale a pena reproduzir, neste contexto, a notificação desta ao executado feita a 22 de Junho de 2020 feita ao executado:
Fica Vossa Excelência notificado, na qualidade de Executado, da extinção da presente execução nos termos do disposto no artigo 779.º do Código Processo Civil - Adjudicação de Quantias Vincendas ao Exequente, sem prejuízo de renovação nos termos do disposto no artigo 850.º do CPC. Recordo que de acordo com a nossa notificação remetida no passado dia 15/04/2020, pese embora a instância executiva seja declarada extinta nos termos do CPC, prossegue a penhora de pensão realizada à ordem dos autos até perfazer o valor calculado à data de 6114.26 €.
No rigor jurídico, o preceito acima citado prescreve que o agente de execução “adjudica” ao credor as quantias vincendas. Ora, a adjudicação do direito de crédito é um meio adequado de pagamento ao exequente conforme decorre expressamente do artigo 795.º do CPC e faz necessariamente cessar a penhora.
Mas, embora tecnicamente incorrecta, percebe-se a inexactidão da notificação operada pela agente de execução.
É que a presente extinção da execução, imposta pelo legislador, em boa medida, pela repercussão positiva na estatística processual das denominadas pendências, está longe de ocorrer na prática; os descontos mantém-se, daí a confusão com a penhora, e as vicissitudes associadas podem sempre acontecer. Ademais, o exequente, mesmo nesta situação, tem a faculdade de requerer a renovação da instância executiva, “para satisfação do remanescente do seu crédito”, nos termos do artº 779º, nº 5, do CPC; e, em geral, a renovação de execução extinta é também possível “para pagamento de prestações que se vençam posteriormente”, conforme decorre do artº 850º, nº 1, do CPC.
Note-se que, no caso concreto, os descontos ordenados mantém-se ainda hoje, apenas terminando no final do corrente mês de Outubro, segundo a nota discriminativa elaborada. Esta é uma realidade que deve ser ponderada em linha com uma orientação jurisprudencial presente nos tribunais superiores (vg. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de Setembro de 2016, processo nº261/09.0TBARL-A.E1, em dgsi.pt).
Deste modo, detectada a incompetência territorial deste tribunal para tramitar a execução que ora se pretende cumular e, por isso, negada a pretendida cumulação sucessiva, não se justificará negar a remessa dos autos por estes estarem findos.
Determina-o a natureza particular da presente extinção da execução que não será definitiva, como procuramos explicar acima, mas também a circunstância de os autos não se encontrarem findos, no sentido literal do termo, atenta a manutenção dos descontos efectuados pela Segurança Social na pensão de reforma do executado que continuam actualmente operantes e activas.
Resta o único argumento aduzido pelo tribunal “a quo” no despacho apelado segundo o qual, recusada a cumulação, não faria sentido ordenar a remessa dos autos pois estes nunca se irão cumular aos ora intentados.
Porém, sobre esta sequência, salvo o devido respeito, julgamos dever faze-la operá-la de forma inversa.
Como aventa o recorrente, a apreciação da excepção da competência territorial precede (diríamos, prejudica) a decisão sobre uma eventual cumulação de processos.
Ou seja, o tribunal que se julga incompetente em razão do território não poderá, num mesmo despacho, apreciar, imediatamente a seguir, questões pendentes no processo, seja sobre a extinção da execução, seja sobre a admissibilidade de uma requerida cumulação como se, afinal, permanecesse competente para o fazer; numa sequência lógica, uma vez declarada a incompetência, cessa o poder jurisdicional e, inelutavelmente, todas as questões pendentes terão que ser dirimidas pelo tribunal agora julgado competente.
Tal determinação decorre da própria lógica processual e encontra-se, nomeadamente, consagrada no número 1 do artigo 608º do CPC quando estatui que uma decisão judicial deve conhecer, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância o que valerá, por maioria de razão, para as situações de conhecimento oficioso da incompetência relativa do tribunal (vide 104º do CPC).
Neste sentido, o motivo invocado para justificar a não remessa dos autos para o tribunal tido como territorialmente competente – a recusa da cumulação – não poderá proceder quer pela natureza especial da extinção decretada que não assume um carácter definitivo quer porque a recusa em causa foi posterior à decisão de declaração da incompetência territorial, esta sim aceite pelas partes e não posta em causa no presente recurso, e que necessariamente prejudicaria a possibilidade de este tribunal tido como incompetente vir depois declarar aquela recusa.
Finalmente, uma nota final. O princípio estruturante da cooperação previsto no artigo 7º igualmente justificaria plenamente a decisão de remessa dos autos para o tribunal competente. Com essa decisão permitir-se-á uma maior “brevidade e eficácia”, para usar a terminologia presente neste artigo legal; anote-se que a excepção em causa foi conhecida oficiosamente apenas pelo tribunal, nada tendo arguido as partes nesse sentido e foi-o numa fase avançada do processo executivo o que mais aconselharia esta postura cooperativa do órgão jurisdicional.
Procederá, portanto, o recurso deduzido.
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Resta proceder à sumariação conforme decorre do disposto no artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil:
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III – Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro que ordena a remessa dos autos aos Juízos de Execução de Lousada.
Custas pelo executado/respondente.

Porto, 13 de Outubro de 2020
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues