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RECURSO PENAL
EFEITO DEVOLUTIVO
EFEITO SUSPENSIVO
CONSEQUÊNCIAS
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
APLICAÇÃO RETROACTIVA DE LEI PENAL MAIS FAVORÁVEL
COMPETÊNCIA
ÂMBITO DE APLICAÇÃO
Sumário
I – Os recursos podem ter efeito devolutivo ou suspensivo. II – O efeito suspensivo pode implicar a execução da decisão recorrida ou sustar o andamento do processo. III – Actualmente, em sede processual penal, só o recurso da decisão final condenatória e o recurso do despacho de pronúncia sustam o andamento do processo. IV – Independentemente da sua ulterior e eventual apreciação vir a ser da competência de tribunal singular ou de tribunal colectivo, é ao juiz titular do processo que compete pronunciar-se sobre a admissibilidade de reabertura da audiência prevista no artigo 371º-A do C.P.P., bem como proferir todas as decisões destinadas a regular e ordenar o desenvolvimento dos respectivos trâmites. V – O direito de requerer a reabertura da audiência para eventual aplicação retroactiva de lei penal mais favorável não é conferido a todos os condenados sempre que ocorrer alguma alteração da lei penal, mas apenas àqueles cuja situação possa, em abstracto, ser favorecida pela alteração introduzida.
Texto Integral
Processo nº 362/08.1JAAVR-DH.P1
1ª secção
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
Nos autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo que correm termos no Juízo Central Criminal de Aveiro – Juiz 2, Comarca de Aveiro, após o trânsito do acórdão condenatório, foi proferido despacho que, além do mais, indeferiu o requerimento de reabertura da audiência para aplicação retroativa da lei penal mais favorável, formulado pelo arguido B….
Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
«Da nulidade da decisão:
A. O pedido de reabertura da audiência para aplicação retroativa da lei penal mais favorável está prevista no art. 371.º-A do CPP, logo a seguir ao art. 371.º, que define o regime da reabertura da audiência para a determinação da sanção, e imediatamente antes do art. 372.º do CPP, que regula a elaboração e assinatura da sentença.
B. Desde logo pela sua inserção sistemática, se compreende que o regime da reabertura da audiência para aplicação retroativa da lei penal mais favorável foi estruturado em termos similares ao da reabertura da audiência para a determinação da sanção, devendo a sentença subsequente ser subscrita pelos juízes que compõem o coletivo do julgamento (tratando-se naturalmente de processo julgado por tribunal colectivo).
C. Por outro lado, em substância, tratando-se de verificar se a aplicação retroativa da lei penal mais favorável conduz ou não a uma alteração da decisão penal proferida, é manifesto que a lei pretendeu que a nova decisão a proferir seja acometida a um tribunal da mesma natureza (tribunal coletivo se, nos termos do art. 14.º do CPP, a competência for do tribunal coletivo; tribunal singular se, nos termos do art. 16.º do CPP, a competência for do tribunal coletivo; tribunal de júri se, nos termos do art. 13.º do CPP, a competência for do tribunal coletivo).
D. Tendo a decisão ora recorrida sido proferida por tribunal singular, e não por tribunal coletivo como se impunha que tivesse sido, ocorreu uma violação das regras da competência do tribunal, o que gera uma nulidade insanável, nos termos do art. 119.º, e), do CPP, o que se deixa arguido. Do mérito da decisão:
E. De qualquer forma, mesmo que a decisão pudesse ter sido tomada pelo tribunal singular, a verdade é que, ressalvado o devido respeito, assenta em fundamentação errónea, que não aplica adequadamente à situação dos autos o regime do art. 371.º- A do CPP.
F. A suspensão da execução da pena de prisão é um instituto processual-penal que visa favorecer os arguidos condenados numa pena de prisão, uma vez que a suspensão da sua execução é, obviamente, mais favorável para os arguidos condenados do que uma pena de prisão efetiva.
G. A lei nova, que em 2017 veio alterar o regime do art. 50.º, n.º 5 do CP, estabelece que o período de suspensão da pena de prisão deve ser fixado entre um e cinco anos, ao passo que a lei antiga previa que o período de suspensão tinha duração igual à da pena de prisão determinada na sentença.
H. Deste modo, com a nova redação do n.º 5 do artigo 50.º, o legislador permitiu, inter alia, que o julgador possa fixar um período de suspensão da execução da pena superior ao período da duração da pena de prisão fixada na sentença. Isto é, num caso em que, v.g., foi determinada uma pena de prisão inferior a 5 anos, o legislador passou a permitir que o julgador fixe um período de suspensão da execução dessa pena até 5 anos, não estando, por isso, e como sucedia ao abrigo da lei antiga, adstrito ao limite da pena de prisão determinada na sentença.
I. É precisamente este o caso do ora Recorrente, uma vez que o mesmo foi condenado numa pena de prisão de 4 anos, tendo o presente Tribunal decidido, ao abrigo da lei antiga, não aplicar a figura da suspensão da execução da referida pena porque, segundo o entendimento do Tribunal, isso não se revelaria adequado às necessidades da prevenção e às finalidades da punição, tal como previsto no art. 50.º do CP.
J. Poderia, contudo, ter sido outra a decisão deste Tribunal se proferida ao abrigo da lei nova, ou seja, se proferida ao abrigo de uma lei que não estabelece como limite para o período da suspensão a duração da pena de prisão determinada na sentença, antes permitindo a extensão daquele período até um limite de 5 anos.
K. Afigura-se-nos, pois, evidente que a lei nova prevê um regime mais favorável para os arguidos e, em particular, para o ora Recorrente, pelo que se impõe a reabertura da audiência para que seja aplicado ao Recorrente o regime mais favorável, nos termos que foram requeridos.
L. Porém, a decisão recorrida nem chega a apreciar se a lei nova estabelece ou não um regime mais favorável ao Arguido, afastando liminarmente a reabertura da audiência por entender que a mera alteração do regime do prazo de suspensão apenas relevaria em caso de ter sido decidida a suspensão da execução da pena. Ou seja, tendo já sido decidido que a execução da pena não seria suspensa, não se poderia agora vir a pôr esse juízo em crise, uma vez que a alteração legislativa teria o seu âmbito circunscrito ao regime do prazo de duração do período da suspensão.
M. Salvo melhor opinião, tal argumentação é insustentável.
N. Quando decide suspender a execução da pena, o julgador tem naturalmente de ter em conta o concreto regime da pena de substituição potencialmente aplicável, designadamente o prazo de duração, a possibilidade de aplicação de regras de conduta de conteúdo positivo, a existência de um regime de prova, etc…
O. Parece incontornável que um juiz poderá mais facilmente suspender a execução da pena de prisão se o puder fazer por um período mais longo (como admite a lei nova) do que se a suspensão tiver duração igual à da pena da prisão determinada na sentença (como previa a lei antiga), uma vez que a dilatação do prazo pode assegurar mais adequadamente as necessidades de prevenção que se fazem sentir no caso concreto.
P. Pelo exposto, por força da aplicação do princípio da lei penal mais favorável, previsto no art. 2.º, n.º 4, do CP, a alteração introduzida em 2017 ao art. 50.º, n.º 5, do CP, impõe a reabertura da audiência requerida pelo Arguido, ao abrigo do art. 371.º-A do CPP, preceitos legais que a decisão recorrida aplicou erroneamente no caso dos autos.
Q. Acresce que o sentido atribuído às normas conjugadas dos arts. 2.º, n.º 4, e 50, n.ºs 1 e 5, ambos do CP, na interpretação segundo a qual a lei penal nova que altere o prazo de duração da suspensão da pena de prisão não releva para aplicação do regime penal mais favorável, quando à luz da lei anterior o tribunal tenha decidido não suspender a pena de prisão aplicada, é inconstitucional, porque o princípio da aplicação da lei penal mais favorável tem consagração constitucional, nos termos previstos no art. 29.º, n.º 4, da CRP, como resulta da explicação supra efetuada quanto à circunstância de que a alteração legal introduzida consubstancia efetivamente um regime mais favorável para o arguido.
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Na 1ª instância, o Mº Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que o mesmo não merece provimento.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.Penal, não foi apresentada, tempestivamente, qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO A decisão sob recurso é do seguinte teor: transcrição
« ... Desceram, entretanto, recursos que se encontravam pendentes no Tribunal Constitucional e no Tribunal da Relação do Porto, com importantes reflexos no desenrolar do processo, conforme assinalámos em despachos anteriores, pelo que importa, antes de mais, efetuar uma breve resenha processual que nos permita contextualizar as questões que de seguida iremos decidir.
No decurso dos autos, os arguidos C…, D…, B…[1] e E… formularam requerimentos no sentido da reabertura da audiência, nos termos do artigo 371º-A do Código de Processo Penal, para aplicação retroativa de lei penal posterior mais favorável, e o último, também nos termos do art. 371º do mesmo diploma, para determinação da sanção.
Tais requerimentos foram apresentados primeiramente perante o Tribunal da Relação do Porto:
- Pelo arguido C…, em 29.01.2018, a fls. 78940 e ss. (vol. 221º) – requerimento esse que mereceu o despacho da Sra. Desembargadora Relatora de fls. 79044 e ss. (vol. 222º), no sentido do seu indeferimento;
De tal decisão recorreu o arguido para o STJ, recurso esse que não foi admitido (cf. fls. 79202 e ss. e 79291 – vol. 222º);
- Pelo arguido D…, em 29.03.2018, a fls. 79173 e ss. (vol. 222º) – requerimento esse que mereceu o despacho da Sra. Desembargadora Relatora de fls. 79197 (vol. 222º), no sentido do seu indeferimento;
Com tal decisão conformou-se o arguido;
- Pelo arguido E…, em 03.07.2019, a fls. 79453 e ss. (vol. 223º) – requerimento esse que mereceu o despacho da Sra. Desembargadora Relatora de fls. 79463 (vol. 223º), no sentido do seu indeferimento;
Com tal decisão conformou-se o arguido;
- Pelo arguido B…[2], em 30.10.2018, a fls. 79685 e ss. (vol. 224º) – requerimento esse que mereceu o despacho da Sra. Desembargadora Relatora de fls. 79692/79693 (vol. 224º), no sentido do seu indeferimento;
Com tal decisão conformou-se o arguido.
As preditas decisões de indeferimento da Sra. Desembargadora Relatora, que acabaram por remeter os seus fundamentos para a decisão proferida a propósito do requerido pelo arguido C… (o primeiro a ser objeto de apreciação), tiveram como fundamento a circunstância de, estando pendentes ainda os recursos por aqueles interpostos para o Tribunal Constitucional, a decisão condenatória não ter ainda adquirido carácter definitivo (ou seja, por ser ainda suscetível de eventual reforma caso tais recursos viessem a merecer provimento).
Em tais decisões, remeteu-se o conhecimento do que assim vinha requerido para esta 1ª instância, após baixa dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional.
Depois do assim decidido naquela instância superior, vieram reiterar tais requerimentos neste Juízo Central Criminal:
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- O arguido B…, mediante requerimento de refª 8268563, de 30/01/2019.
Por despacho datado de 25.03.3019, a fls. 83747 (vol. 235º), ordenou-se que se aguardasse a baixa dos autos de recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, ocasião em que seriam apreciadas as assinaladas pretensões dos arguidos.
...
Em 25.11.2019 e 26.11.2019 baixaram os Traslados 362/08.1JAAVR-DA e 362/08.1JAAVR-DE, respetivamente, referentes aos recursos interpostos pelos arguidos E…, B…, D… e C… para o Tribunal Constitucional, mostrando-se transitada em julgado a decisão condenatória dos identificados arguidos, nos termos resultantes do acórdão de 1ª instância, de 05/09/2014 e constante de fls. 60.300 e ss. (dispositivo a fls. 61.672 e ss.), e do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/04/2017, constante de fls. 76.618 e ss. (dispositivo a fls. 77188 e ss.).
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Estão, pois, reunidas as condições para se conhecer das assinaladas pretensões dos mencionados arguidos, que assim se resumem:
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- Do arguido B…: requerimento de 30/10/2018, junto a fls. 79.685 e ss. (vol. 224°); requerimento de refª 8268563, de 30/01/2019;
Mediante tais requerimentos, veio invocar a entrada em vigor, após prolação do acórdão do TRP de 05/04/2017, da Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto, a qual, no que ao peticionado pelo mesmo interessa, veio alterar o prazo de duração da suspensão da pena de prisão (artigo 50º, nº 5, do Código Penal).
Mais invoca, em suma, que tal alargamento de prazo resulta num regime mais favorável à aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, por permitir ao julgador formular um juízo de adequação às finalidades da punição que o prazo antigo, mais restrito, poderia não permitir; que deve ser tida em consideração tal possibilidade de suspensão da execução da pena única fixada em prazo até cinco anos.
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Em síntese, pretendem os arguidos:
- A reabertura da audiência, nos termos do artigo 371º-A do Código de Processo Penal, para aplicação retroativa de lei penal posterior mais favorável, peticionada pelos arguidos D…, B…, E… e C…, sendo que este entende que essa finalidade pode ser alcançada na audiência para formação de novo cúmulo jurídico de penas;
- A reabertura da audiência para determinação da sanção, com fundamento no disposto no artigo 371º do Código de Processo Penal, peticionada pelo arguido E….
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A Ex.ma Sra. Procuradora pronunciou-se no sentido do indeferimento de tais pretensões, pelas razões amplamente aduzidas na promoção datada de 10.01.2020, que aqui damos por inteiramente reproduzidas e que, em síntese, assentam na circunstância de não se verificarem em concreto os pressupostos de que depende a reabertura da audiência nos termos peticionados.
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Atentemos, agora, na pretendida abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável.
O artigo 371º-A do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável”, prevê o seguinte: “Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime”.
É indubitável, em face do teor do normativo legal transcrito, que a reabertura da audiência ali prevista apenas poderá ocorrer após o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Essa reabertura tem como pressuposto que, posteriormente ao trânsito em julgado de decisão condenatória, tenha entrado em vigor lei penal mais favorável ao condenado.
Estabelece o artigo 29º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa que “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”.
A respeito deste comando fundamental, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Se é proibida a aplicação retroativa da lei penal desfavorável, já é obrigatória a aplicação retroativa da lei penal mais favorável (n.º 4, 2.ª parte). Se o legislador deixa de considerar criminalmente censurável uma determinada conduta, ou passa a puni-la menos severamente, então essa nova valoração legislativa deve aproveitar a todos, mesmo aos que já tinham cometido tal crime. Este princípio compreende também duas vertentes: (a) que deixa de ser considerado crime o facto que lei posterior venha despenalizar; e (b) que um crime passa a ser menos severamente punido do que era no momento da sua prática, se lei posterior o sancionar com pena mais leve.
Não estabelecendo a Constituição qualquer exceção, a aplicação retroativa da lei penal mais favorável (despenalização, penalização menor, etc.) há de valer, ao menos ao princípio, mesmo para os casos julgados, com a consequente reapreciação da questão (…)”.
Em concretização do referido princípio estabelecido pela lei fundamental, o artigo 2º, n.º 4, do Código Penal estabelece que “Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”.
A aplicação retroativa de lei de conteúdo mais favorável é, pois, suscetível de conduzir à modificação de decisão condenatória transitada em julgado.
Ora, o caso julgado material mostra-se igualmente tutelado constitucionalmente através da consagração do princípio ne bis in idem (cfr. n.º 5 do citado art. 29º).
Assim, à primeira vista, parece haver incompatibilidade entre a aplicação retroativa de lei penal, ainda que mais favorável, e a alteração de decisão judicial que se tornou definitiva.
O caso julgado material assume dupla dimensão: do ponto de vista objetivo, visa proteger a segurança e a certeza da decisão judicial que, esgotados os meios processuais próprios, se tornou definitiva e com força obrigatória geral, caraterizando-se pela intangibilidade; do ponto de vista subjetivo, tem como desiderato a proteção do condenado, prevenindo a possibilidade de ser julgado por mais que uma vez pelo mesmo facto, proibindo, assim, um duplo julgamento e, eventualmente, uma injusta ação punitiva do Estado.
No contexto descrito, a aplicação de lei penal de conteúdo mais favorável ao condenado, mais não constituindo que a correção de decisão que, face a posterior diferente valoração legislativa se tornou desajustada, em nada colide com a dimensão subjetiva do princípio ne bis in idem, com ele se mostrando inteiramente consonante (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência, de 21.10.2009).
Ademais, a lei adjetiva penal faz depender a aplicação retroativa de lei penal mais favorável de pedido do próprio condenado.
Contudo, o direito de requerer a reabertura da audiência não é conferido a todos os condenados sempre que ocorrer alguma alteração da lei penal, mas apenas àqueles cuja situação possa, em abstrato, ser favorecida pela alteração legal introduzida ex novo.
Sendo esse o caso, o apuramento do regime mais favorável ao condenado em face da sucessão de leis penais terá que ser feito através do cotejo da lei vigente à data da condenação e da lei que, entretanto, e após o trânsito em julgado daquela, entrou em vigor. Tal confronto tem que ser efetuado em concreto, isto é, tendo em consideração as circunstâncias específicas do caso em apreciação, visto que o texto legal, ao estabelecer que é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável, apenas admite a aplicação de um dos regimes.
No caso vertente, todos os arguidos fazem radicar a sua pretensão de reabertura da audiência na entrada em vigor, em data posterior à da condenação, da Lei n.º 94/2017, de 23.08, que alterou a redação do n.º 5 do art. 50º do Código Penal e modificou os pressupostos de que depende o cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação, para ponderação do regime mais favorável.
Conforme se extrai do seu art. 14º, a mencionada Lei entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, ou seja, em 23 de novembro de 2017.
Os acórdãos proferidos em 1ª instância e no Tribunal da Relação do Porto remontam a datas anteriores, mais concretamente a 14.09.2014 e 05.04.2017, respetivamente.
Tendo os identificados arguidos interposto recursos para o Tribunal Constitucional, veio a decisão condenatória a transitar em julgado em data posterior à entrada em vigor da lei a que vimos aludindo sem que, porém, aquele Tribunal se pronunciasse sobre tal questão (que não era objeto dos recursos e não era da competência do mesmo).
Ora, a circunstância de o trânsito em julgado da decisão condenatória ter ocorrido depois da entrada em vigor da lei nova em consequência da pendência de recurso dessa decisão, no qual nada foi referido sobre a aplicação da lei penal mais favorável ao arguido, não pode obstar a que se lance mão da reabertura da audiência para ponderação de aplicação de lei mais favorável, pois por força desse concreto circunstancialismo os arguidos ficaram privados de espaço processual próprio para exercer essa faculdade (neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24.09.2018, disponível para consulta no sítio da internet www.dgsi.pt).
A possibilidade de requerer a reabertura da audiência para aplicação de lei mais favorável não é, pois, arredada no caso em apreço pela circunstância de a decisão condenatória ter transitado em julgado em data posterior à da entrada em vigor de lei nova cuja aplicabilidade se pretende ver analisada.
Ocorre, porém, que a alteração legislativa em causa não releva para a situação dos arguidos ora requerentes, sendo absolutamente inócua.
Vejamos.
A invocada Lei n.º 94/2017, de 23.08, introduziu diversas alterações no Código Penal.
Assim, além do mais que para o caso não interessa, ampliou o limite da pena de prisão passível de ser executada em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância de 1 para 2 anos.
Dispunha a alínea a) do n.º 1 do art. 44º do Cód. Penal que “se o condenado o consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano”.
Dispõe atualmente o art. 43º do Cód. Penal, com a versão que lhe foi introduzida pela Lei 94/2017, de 23.08, que: “1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80º a 82º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no nº 2 do artigo 45º”.
Porém, tal regime, em caso de concurso de penas, não é aplicável às penas parcelares fixadas. Verificando-se a existência de tal relação de concurso de penas que importe a realização de cúmulo jurídico, aquele limite de dois anos de prisão reporta-se à pena única que assim for achada. Quando, depois de determinada a pena única, tal limite seja ultrapassado, já não há que ponderar a possibilidade daquela de execução em regime de permanência na habitação.
É precisamente esse o caso dos autos – algumas das penas parcelares são inferiores a 2 anos de prisão, como sucede relativamente ao arguido C….
Contudo, estando tais penas em relação de concurso com outras, nos termos do art. 77º, n.º 1, do Código Penal haverá que proceder ao cúmulo jurídico de penas, por forma a determinar-se uma pena única, observando os critérios estabelecidos no n.º 2, dentro de uma moldura que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo o somatório dessas penas, sem exceder os 25 anos.
Após a absolvição e a declaração de prescrição de alguns dos crimes, o arguido C… encontra-se condenado nas seguintes penas parcelares:
- 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea a), do Código Penal (Parte VI da matéria de facto fixada);
- 3 (três) anos de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº 1, e 218º, nº 2, alínea a), do Código Penal (Parte X da matéria de facto fixada);
- 1 (um) ano e 9 (nove) de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº 1, e 218º, nº 1, do Código Penal (Parte X da matéria de facto fixada);
- 1 (um) ano de prisão, pela prática de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, do Código Penal (Parte XI da matéria de facto fixada).
Tais penas encontram-se numa relação de concurso entre si que importa a reformulação do cúmulo jurídico anteriormente realizado. A pena única a determinar, face ao disposto no artigo 77º, nº 2, parte final, do Código Penal, sempre terá que ter como limite mínimo a medida de 3 anos e 6 meses de prisão.
O referido circunstancialismo exclui, desde logo, a possibilidade de a pena (única) de prisão ser executada em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, independentemente de qualquer juízo concreto sobre a eficácia deste para satisfazer as finalidades da punição.
Aliás, tanto assim é que, existindo, à data da condenação, penas parcelares não superiores a 1 ano – que nos termos do art. 44º, n.º 1, do Código Penal, na redação então vigente, já eram passíveis de serem executadas em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância –, não foi tal determinado.
A mesma conclusão se extrai do seguinte excerto do já anteriormente mencionado acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.09.2018: “Assim, a menos que existam outras penas de prisão em que o arguido tenha sido condenado e que importe englobar através da realização de cúmulo jurídico em que o limite dos 2 anos de prisão seja ultrapassado, importa ponderar sobre a possibilidade daquela pena de 18 meses de prisão efetiva ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, de acordo com o previsto no artigo 43º, nº 1, al. a), do CP, na redação decorrente da entrada em vigor da Lei nº 94/97, de 23.08, através da abertura da audiência, nos termos do disposto no artigo 371º - A do Código de Processo Penal”.
Também o art. 50º do Código Penal viu a sua redação alterada pela mencionada Lei n.º 94/2017, de 23.08, mas apenas o seu n.º 5, que versa exclusivamente sobre o período de suspensão da execução da pena de prisão.
Com efeito, na redação anterior à citada lei, dispunha tal preceito: “O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Na redação atual, o mesmo preceito passou a dispor: “O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”.
Como é bom de ver, a alteração introduzida pelo invocado diploma circunscreve-se unicamente à questão do prazo de suspensão, mantendo-se inalterados todos os demais segmentos normativos do artigo 50º do Código Penal, nomeadamente o seu n.º 1, que define os pressupostos, objetivos e subjetivos, de suspensão da execução da pena de prisão – o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As finalidades da punição são, de acordo com o estabelecido no artigo 40º, n.º 1, do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Ou seja, estão em causa exigências de prevenção geral e exigências de prevenção especial.
Assim, na decisão acerca da suspensão da execução de uma pena de prisão, há que ponderar se é possível a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido – ou seja, de que ele não praticará novos crimes – assente na consideração da personalidade do agente, das suas condições de vida, da sua conduta anterior e posterior ao facto e das circunstâncias do mesmo.
Mas, além disso, o tribunal tem também que ponderar se a suspensão da execução da pena de prisão permite satisfazer, não só as finalidades de prevenção especial – facilitando e promovendo a reinserção social do condenado – mas igualmente as finalidades de prevenção geral – ou seja, de confirmação da validade das normas jurídico-penais violadas, na perspetiva de que a comunidade não entenda a suspensão, no caso concreto, como um sinal de impunidade.
O legislador, neste âmbito, claramente dá primazia a considerações de prevenção especial – quer pela sua vertente positiva (favorecer a reintegração social do condenado), quer pela sua vertente negativa (afastando a efetiva execução da pena de prisão quando os seus efeitos possam promover o desenquadramento social do condenado).
Mas igualmente opõe a tais finalidades de prevenção especial o limite insuperável da necessidade de efetivo cumprimento da pena, em face das exigências de prevenção geral que no caso se façam sentir.
Tais são os únicos critérios configurados pelo legislador para se aferir da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão – não entrando em tal equação qualquer outro, nomeadamente o período de tempo pelo qual a pena pode ser suspensa, como pretendido pelos requerentes.
Mantém-se, pois, absolutamente inalterada a filosofia político-criminal subjacente ao instituto da suspensão da execução da pena de prisão e os pressupostos de cuja verificação em concreto depende para que dele se lance mão.
Assim, a mera alteração do regime do prazo de suspensão apenas relevará em caso de suspensão da execução da pena, o que não sucedeu no caso em apreço uma vez que as penas de prisão em que os requerentes foram condenados não foram suspensas.
A fixação do prazo de suspensão tem como condição sine qua non a decisão de suspender a execução da pena. Se assim não for decidido, não há que fixar qualquer prazo e, como tal, ponderar qualquer sucessão de regimes nesse concreto âmbito.
Trata-se de decisões distintas, que se desenvolvem em duas operações seguidas mas em que a primeira constitui pressuposto indispensável da segunda. Só no caso de se decidir suspender a execução da pena é que se avança para a segunda operação de determinação dos concretos termos em que decorrerá a suspensão.
Como decorre dos demais números do citado artigo 50º (mormente, os respetivos nºs 2, 3 e 5), conjugados com os artigos 51, nºs 1, 2 e 4, 52º, nºs 1 a 3, 53º, nºs 1 a 4, todos do Código Penal, na arquitetura do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, apenas após concluir pela possibilidade de suspensão é que o julgador terá que aferir se e que deveres e/ou regras de conduta oporá ao condenado, se o sujeitará a regime de prova e em que termos e que duração terá a suspensão da execução da pena, sendo que tal imposição de deveres e/ou regras de conduta, a sujeição a regime de prova e a duração da suspensão se regem igualmente por critérios de prevenção especial e de prevenção geral, mas como reforço de tais dimensões da punição e não como critérios aferidores da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.
Concretizando, num primeiro momento, o Tribunal pondera e decide se se mostram reunidas as condições para que a pena de prisão seja suspensa na sua execução. Só no caso de concluir positivamente, ou seja, que a suspensão satisfaz as finalidades da punição – quer as de prevenção especial, quer as de prevenção geral –, haverá que, numa segunda fase, definir os seus concretos moldes – nomeadamente, se mediante sujeição a regime de prova e/ou a subordinação a deveres e/ou regras de conduta e o período pelo qual há de perdurar a suspensão, designadamente tendo em conta essas concretas condicionantes e o tempo previsivelmente necessário à concretização das mesmas.
E foi apenas nesta sede que ocorreu alteração legislativa – no regime anterior tal período tinha duração necessariamente igual ao da pena de prisão; atualmente, tal período é fixado entre um e cinco anos.
Conforme antes se sinalizou, a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos já decorria do n.º 1 daquele artigo 50º na redação resultante da Lei n.º 59/2007, de 04.09, que se mantém absolutamente inalterado, tendo essa questão sido objeto de apreciação, quer no acórdão de primeira instância, quer no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.04.2017, nomeadamente quanto aos ora requerentes, aí se decidindo no sentido de não lhes aplicar tal pena não privativa da liberdade. Aliás, essa foi, refira-se, uma questão nuclear nos diversos recursos interpostos pelos requerentes, tendo sido profusamente debatida, ponderada e analisada em várias sedes, como deflui das peças recursivas e dos acórdãos dos vários Tribunais que sobre tal matéria se pronunciaram.
Foi, pois, definitivamente decidido não suspender a execução das penas de prisão em que os ora requerentes foram condenados, antes se impondo o seu cumprimento efetivo, pelo que não há que ponderar qualquer período de suspensão. Como resulta linear, arredada a suspensão da execução das penas de prisão fica prejudicada a apreciação do regime mais favorável previsto para o prazo de suspensão.
No fundo, o que os arguidos pretendem é, a pretexto da entrada em vigor, em data posterior à da decisão condenatória, de alteração do regime do prazo de duração da suspensão da execução da pena de prisão, voltar a discutir a possibilidade de suspensão, questão sobejamente apreciada e sindicada e cuja reanálise lhes está definitivamente vedada pela via da reabertura da audiência de julgamento para esse concreto efeito.
Diferente é a audiência para a reformulação de cúmulo jurídico de penas, por força da extinção do procedimento criminal por alguns dos crimes, nos casos em que aquela se impõe, como sucede relativamente ao arguido C…, que se irá determinar de seguida.
Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, decide-se indeferir os requerimentos apresentados pelos arguidos B…, D…, C… e E… com vista à abertura a audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável, nos termos do ar. 371º-A do Código de Processo Penal, e pelo arguido E…, visando a reabertura da audiência para determinação da sanção ao abrigo do disposto no art. 371º do mesmo diploma.
Notifique.»
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[4].
Impõe-se, porém, apreciar previamente a reclamação deduzida pelo recorrente contra a decisão singular por nós proferida em 17.09.2020, que alterou o efeito atribuído ao recurso na 1ª instância.
Entendemos, então, que ao recuso interposto deveria ter sido atribuído efeito meramente devolutivo, com os seguintes fundamentos, que aqui deixamos reproduzidos:
«Antes de mais importa referir que uma coisa é o regime de subida (se o recurso sobe nos próprios autos ou em separado), outra o momento da subida (se sobe imediata ou diferidamente) e outra são os efeitos que a interposição do recurso produz na decisão recorrida ou na marcha do processo.
Como referia o Prof. Alberto dos Reis[5] “os recursos podem ter dois efeitos, devolutivo ou suspensivo. Têm sempre efeito devolutivo; podem, além deste, ter efeito suspensivo. Diz-se que o recurso tem efeito meramente devolutivo, quando ao efeito devolutivo não acresce o efeito suspensivo. O efeito devolutivo consiste em devolver ou deferir ao tribunal superior o conhecimento da questão ou questões postas pelo recorrente e, secundariamente, pelo recorrido. O efeito suspensivo pode traduzir-se em duas manifestações: 1ª O recurso susta a execução da decisão recorrida, obsta a que a decisão constitua título executivo enquanto não transitar em julgado; 2ª O recurso susta o andamento do processo em que foi proferida a decisão de que se recorre”.
No caso em apreço, o despacho que admitiu o recurso refere-se a esta segunda manifestação (em concordância com a pretensão do recorrente) – a sustação do andamento do processo - ao atribuir efeito suspensivo ao recurso interposto.
Entendemos, porém, que o efeito atribuído não tem qualquer apoio na letra da lei.
Com efeito, por sentença já transitado em julgado, o recorrente B… foi condenado na pena de quatro anos de prisão efetiva. O presente recurso tem por objeto o despacho proferido em 20.01.2020 (após o trânsito da sentença condenatória), no âmbito do qual o tribunal indeferiu o requerimento por ele formulado de reabertura da audiência para aplicação retroativa da lei penal mais favorável, nos termos do artº 371º-A do C.P.P.
Sob a epígrafe “Recurso com efeito suspensivo” dispõe o artigo 408.º do C.P.P.: “1 - Têm efeito suspensivo do processo: a) Os recursos interpostos de decisões finais condenatórias, sem prejuízo do disposto no artigo 214.º; b) O recurso do despacho de pronúncia, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º 2 - Suspendem os efeitos da decisão recorrida: a) Os recursos interpostos de decisões que condenarem ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, se o recorrente depositar o seu valor; b) O recurso do despacho que julgar quebrada a caução; c) O recurso de despacho que ordene a execução da prisão, em caso de não cumprimento de pena não privativa da liberdade; d) O recurso de despacho que considere sem efeito, por falta de pagamento de taxa de justiça, o recurso da decisão final condenatória. 3 - Os recursos previstos no n.º 1 do artigo anterior têm efeito suspensivo do processo quando deles depender a validade ou a eficácia dos atos subsequentes, suspendendo a decisão recorrida nos restantes casos”.
Da análise do preceito pode concluir-se que, em princípio, só o recurso da decisão final condenatória e o recurso do despacho de pronúncia sustam o andamento do processo.
Dissemos “em princípio” porque o nº 3 do preceito também atribui o mesmo efeito aos recursos cuja retenção os torne absolutamente inúteis, a que alude o nº 1 do artº 407º do mesmo diploma, quando deles depender a validade ou a eficácia dos atos subsequentes.
Ora, os recursos cuja retenção os torna absolutamente inúteis, são apenas os recursos proferidos no decurso do processo, antes da decisão que vier a pôr termo à causa (como resulta da conjugação dos artºs. 406º e 407º nºs 1 e 3).
Assim, se for interposto recurso de uma decisão proferida posteriormente à decisão final condenatória ou a qualquer outra decisão que ponha termo à causa (nestas se incluindo, v.g. a que julga prescrito o procedimento criminal), naturalmente que já não estamos a falar de um recurso cuja retenção o torna absolutamente inútil, porque estes, como se disse, pressupõem que a decisão final ainda não foi proferida.
A lei prevê expressamente na al. b) do nº 2 do artº 407º do C.P.Penal, que o recurso interposto de decisões posteriores à decisão que pôs termo à causa, têm subida imediata.
E ao aludir no nº 2 do preceito “também sobem imediatamente”, o legislador pretendeu apenas referir que, tal como acontece com o recurso cuja retenção o torna absolutamente inútil (previsto no nº 1), os recursos previstos no nº 2 têm igualmente subida imediata. E não que os recursos aí previstos sejam igualmente recursos cuja retenção os torna absolutamente inúteis. Não se entende, assim, como é possível efetuar qualquer remissão (analógica) do nº 3 do artº 408º para as situações previstas no nº 2 do artº 407º.
Conclui-se, assim, que só aos recursos previstos no nº 1 do artº 407º do C.P.P. é extensível o efeito suspensivo da marcha do processo, quando deles depender a validade ou a eficácia dos atos subsequentes.
Aliás, relativamente às decisões proferidas posteriormente à decisão que põe termo à causa, não há que salvaguardar a validade ou eficácia de quaisquer outros atos, pela simples razão de que, por norma, não haverá mais atos processuais a praticar, a não ser os que se destinem ao cumprimento do julgado.
Alega-se, no despacho que admitiu o recurso e lhe fixou o efeito e modo de subida, que “na eventualidade de vir a ser decretada a suspensão da execução das penas de prisão, por mais remota que seja essa possibilidade, as decisões dos recursos tornar-se-iam absolutamente inúteis caso os arguidos já tivessem iniciado o cumprimento de tais penas, sendo o tempo (total ou parcial) de privação da liberdade irrecuperável”.
Entende-se tal objeção.
Com efeito, quando se impugna uma decisão por via de recurso, tem-se em vista um certo efeito útil, que se traduz, em primeira linha, na fiscalização da decisão pelo Tribunal superior e, em segunda, na respetiva modificação. Ora, no caso em apreço, compreende-se que o efeito útil do recurso, na hipótese de modificação da decisão, só tenha interesse para o recorrente se o efeito do recurso for suspensivo pois, de contrário, pode vir a perder qualquer interesse, na medida em que terá de iniciar o cumprimento do julgado antes de o recurso ser decidido.
Trata-se, porém, de argumento só atendível “de jure constituendo” para uma eventual alteração legislativa, não tendo, “de jure constituto” qualquer apoio legal. Acima do interesse particular do recorrente, o legislador colocou a certeza e a segurança jurídicas relativamente à exequibilidade das decisões condenatórias, em especial daquelas que, como no caso em apreço, há muito transitaram em julgado.[6]
Por isso, não se incluindo a decisão recorrida em nenhuma das previsões dos nºs 1 e 3 do artº 408º do C. P. Penal – únicas suscetíveis de suspender a marcha do processo – é, para nós, manifesto que o recurso interposto pelo arguido tem efeito meramente devolutivo – artº 408º a contrario.
Pelo exposto, considerando que a decisão que atribuiu o efeito ao recurso não vincula este Tribunal (artº 414º nº 3 do C.P.P.), nos termos do artº 417º nº 7 al. a) do mesmo diploma, altera-se aquela decisão, atribuindo ao recurso interposto pelo arguido B… o efeito meramente devolutivo».
Os argumentos que o reclamante agora invoca nada de novo trazem, suscetível de alterar o entendimento que, então, deixámos expresso, limitando-se a manifestar a sua discordância e a reproduzir o que já alegara aquando da interposição do recurso para sustentar o respetivo efeito suspensivo.
Sobre a interpretação feita pelo reclamante relativamente à disposição legal contida no artº 408º nº 3 do C.P.Penal, diremos apenas que nem todos os recursos previstos no nº 1 do artº 407º (aqueles cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis) têm efeito suspensivo do processo, mas apenas quando deles depender a validade ou eficácia dos atos subsequentes e que, nos restantes casos, apenas suspendem a decisão recorrida.
Ou seja, não estando em causa a validade ou eficácia de quaisquer atos subsequentes, são irrelevantes para a questão do efeito do recurso sobre a marcha do processo “os restantes casos” a que alude o artº 408º nº 3 do C.P.P.
Acresce que “a inutilidade total ou parcial da sua apreciação imediata” (artº 7º da reclamação) contende apenas com os recursos retidos e não com aqueles que, como o presente, têm subida imediata.
É óbvio que o tribunal compreende que o pretendido “efeito suspensivo é fundamental para evitar a prisão do arguido”. Contudo, não foi essa a preocupação do legislador quando determinou que deviam subir imediatamente (artº 407º nº 2 al. b)), em separado (artº 406º nº 2) e com efeito meramente devolutivo (artº 408º a contrario), os recursos interpostos de decisões posteriores às que ponham termo à causa.
Não se verifica ainda a inconstitucionalidade normativa apontada no entendimento supra expendido, na medida em que o legislador constitucional também consagra os princípios da celeridade, da confiança e da eficácia das decisões judiciais, em especial daquelas que já transitaram em julgado, devendo por isso ser cumpridas pelos respetivos destinatários a quem, ao longo do processo foi sempre reconhecida a tutela jurisdicional efetiva e o direito à liberdade.
Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação, mantendo-se o efeito meramente devolutivo atribuído na decisão singular.
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Das conclusões de recurso é possível extrair a ilação de que as questões que importa apreciar consistem em saber:
a) se a decisão recorrida padece de nulidade insanável nos termos do artº 119º al. e) do C.P.P., por ter sido proferida por tribunal singular e não pelo tribunal coletivo.
b) se a alteração introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23.08 ao art. 50.º n.º 5, do CP, impõe a reabertura da audiência requerida pelo Arguido, ao abrigo do art. 371.º-A do CPP, por força da aplicação do princípio da lei penal mais favorável, previsto no art. 2.º, n.º 4, do CP.
a) Da nulidade insanável do artº 119º al. e) do C.P.Penal:
Alega o recorrente que, ao apreciar o requerimento que apresentou para reabertura da audiência ao abrigo do disposto no artº 371º-A do C.P.Penal, o tribunal a quo violou as regras de competência do tribunal, o que gera a nulidade insanável prevista no artº 119º al. e) do C.P.P., uma vez que a decisão deveria ter sido proferida pelo Tribunal Coletivo e não pelo Juiz singular.
Em conformidade com o disposto no artº 371º-A do C.P.P. “se após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.»
A questão colocada resume-se em saber se, nos casos em que o tribunal coletivo for legalmente competente para o julgamento, o juiz titular do processo pode apreciar o requerimento formulado pelo arguido para “reabertura da audiência”. De realçar que o está aqui em causa é apenas a decisão de reabertura, que não implica, nem sequer indicia, que o tribunal (competente para a realização da audiência) venha efetivamente a aplicar ao arguido a lei nova alegadamente mais favorável. Esse é um juízo da competência do tribunal que, de acordo com a lei de processo, deva efetuar o julgamento, que pode não coincidir com o juiz singular, titular do processo.
No caso em apreço, não há dúvida que, caso venha a ser admitida a reabertura da audiência (ou já o tivesse sido pelo juiz titular do processo), é ao tribunal coletivo que compete a realização dessa audiência, por já ter sido esse tribunal a realizar a primitiva audiência de julgamento, em conformidade com o disposto no artº 14º do C.P.P..
Contudo, da conjugação do disposto nos artºs 118º nº 1, 133º nº 1, 134º al. a) e 135º nºs 1 e 2 al. f) da LOSJ (aprovado pela Lei nº 62/2013 de 26.08) resulta que será ao juiz titular do processo que compete pronunciar-se sobre a admissibilidade de reabertura da audiência prevista no artº 371º-A do C.P.P., assim como é da competência do juiz titular a prolação de todas as decisões destinadas a regular e ordenar o desenvolvimento dos respetivos trâmites, a exemplo do que sucede com os despachos preliminares previstos no artº 311º, com a designação de dia para a audiência (artº 313º do C.P.P.), com a admissão da contestação e dos meios de prova requeridos (artºs. 315º e 316º), bem como a admissão do recurso do acórdão final (artº 414º) e das questões relacionadas com a liquidação da pena e com o cumprimento do julgado.
Como se refere no Ac. Rel. Évora de 27.05.2008[7] “a exigência de intervenção de tribunal de composição colegial está vocacionada para a realização de julgamentos e à luz da gravidade e/ou da natureza dos ilícitos e das suas decorrentes garantias de solenidade e de defesa, e não para a prolação de despachos que tão-só disciplinem a regular tramitação e que apenas apreciem questão suscitada, tida como interlocutória, porque anterior ou posterior à audiência de julgamento realizada. ...
No caso em apreço, a Srª. Juiz titular decidiu acerca do requerimento do arguido/recorrente, tendo-se limitado a apreciar a verificação dos pressupostos para a reabertura da audiência e, entendendo não se mostrarem preenchidos, indeferiu a pretensão daquele.
Acaso a sua conclusão tivesse sido diversa então, sim, a intervenção do tribunal coletivo para apreciação em audiência (reaberta) da situação do condenado tinha de ser respeitada, em obediência às garantias de defesa constitucionalmente consagradas, em que se inclui o respeito pelo contraditório, sem prejuízo de que a designação de data para o efeito coubesse à juiz titular do processo.
Não se verifica, assim, qualquer nulidade por preterição do tribunal competente, improcedendo por isso este fundamento do recurso.
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b) Da reabertura da audiência para aplicação da lei nova mais favorável:
Alega o recorrente que a lei nova, que em 2017 veio alterar o regime do art. 50.º n.º 5 do CP, estabelece que o período de suspensão da pena de prisão deve ser fixado entre um e cinco anos - ao passo que a lei antiga previa que o período de suspensão tinha duração igual à da pena de prisão determinada na sentença - é mais favorável pois permite que o julgador possa fixar um período de suspensão da execução da pena superior ao período da duração da pena de prisão fixada na sentença. Pretende assim a reabertura da audiência para que lhe seja aplicada a lei nova.
O artº 371°-A do Código Processo Penal constitui uma das principais alterações do ordenamento processual penal introduzidas pela Lei nº 48/2007 de 29/8. Com esse normativo, confere-se execução à prevalência da garantia constitucional de aplicação retroativa do regime penal mais favorável sobre o caso julgado decorrente da nova redação do nº 4 do artº 2° do Código Penal e, ao mesmo tempo, delimita-se a sua concretização.
Tal regime apresenta vários pressupostos, a saber: manifestação do condenado no sentido da reabertura da audiência para aplicação da lei nova; trânsito em julgado da condenação; pendência de execução da pena ou possibilidade de vir a ser executada; e entrada em vigor de lei penal abstratamente mais favorável.
O pressuposto da entrada em vigor de lei penal, em abstrato mais favorável, supõe a determinação prévia da sucessão de regimes penais, sem o que não existe, verdadeiramente, um thema decidendo para a nova audiência nem fundamento material para postergar o caso julgado, o que deixaria o ato sem conteúdo útil.
Assim, não basta que tenham existido alterações na lei penal geral, sendo necessário que o novo regime contenha, pelo menos, uma qualquer norma que permita conjeturar que, se já existisse no momento da condenação, poderia ter levado a uma decisão concretamente mais favorável ao arguido.
Por isso, o direito de requerer a reabertura da audiência previsto no artº 371º-A do C.P.P. não é conferido a todos os condenados sempre que ocorrer alguma alteração da lei penal, mas apenas àqueles cuja situação possa, em abstrato, ser favorecida pela alteração introduzida.
Nestes termos, para podermos aferir se ao arguido/recorrente assiste o direito à pretendida reabertura da audiência, importa analisar a concreta situação do condenado face à lei nova alegadamente mais favorável.
À data da prolação do acórdão condenatório e do acórdão desta Relação do Porto que, nessa parte, o confirmou, a pena de 4 anos de prisão aplicada ao recorrente, caso tivesse sido suspensa na sua execução, teria de o ser por período igual ao da pena de prisão aplicada, ou seja, teria de ser suspensa pelo período de quatro anos, uma vez que o nº 5 do artº 50º na redação introduzida pela Lei nº 59/2007 de 04.09 dispunha que «o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão».
Após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2017, de 23.08, o referido nº 5 do artº 50º do Cód. Penal passou a ter a seguinte redação: “5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”.
Ou seja, a atual redação do preceito permite que o tribunal alargue até um máximo de cinco anos o período de suspensão de execução da pena de prisão independentemente do quantum da pena de prisão concretamente aplicada.
Assim, para sabermos se a nova lei (esta concreta nova lei) é mais favorável ao condenado, imprescindível é, em nossa opinião, que estejamos perante uma pena de prisão suspensa na sua execução. Só perante uma pena de prisão suspensa na sua execução, poderemos discutir se é mais favorável uma suspensão por igual período de tempo da prisão ou se pode apresentar-se como mais favorável um período de suspensão superior.
Como bem se refere na decisão recorrida, «num primeiro momento, o Tribunal pondera e decide se se mostram reunidas as condições para que a pena de prisão seja suspensa na sua execução. Só no caso de concluir positivamente, ou seja, que a suspensão satisfaz as finalidades da punição – quer as de prevenção especial, quer as de prevenção geral –, haverá que, numa segunda fase, definir os seus concretos moldes – nomeadamente, se mediante sujeição a regime de prova e/ou a subordinação a deveres e/ou regras de conduta e o período pelo qual há de perdurar a suspensão, designadamente tendo em conta essas concretas condicionantes e o tempo previsivelmente necessário à concretização das mesmas».
No caso em apreço, o acórdão condenatório proferido em 1ª instância em 05.09.2014, condenou o recorrente pela prática de um crime de tráfico de influência p. e p. no artº 335º nº 1 al. a) do Cód. Penal, na pena de 4 anos de prisão efetiva.
O recorrente interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, suscitando, além de outras questões, a questão da redução da pena aplicada e da possibilidade da suspensão da respetiva execução.
Por acórdão proferido em 05.04.2017, este Tribunal da Relação manteve o quantum da pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente. E sobre a eventualidade da suspensão da sua execução, refere-se nesse acórdão cfr. fls. 646 e 647: «No caso em apreço, a pena em que o arguido foi condenado não impede a suspensão da sua execução. Pode dizer-se, por um lado, que as exigências da prevenção especial não reclamam a execução da pena de prisão; que esta não será necessária para evitar a prática de futuros crimes pelo arguido ora recorrente. Mas o mesmo não poderá dizer-se quanto às exigências de prevenção geral. Estas reclamam a execução da pena de prisão e não se satisfazem com a suspensão dessa execução, mesmo que associada à imposição de deveres e regras de conduta. A consciência jurídica comunitária exige o combate firme e decidido aos crimes cometidos no exercício de funções públicas, crimes de corrupção e crimes de tráfico de influência. Há uma perceção generalizada de que a prática desses crimes assume entre nós uma dimensão muito superior ao da sua efetiva punição (sobre a perceção de corrupção, a que o tráfico de influência muitas vezes se associa, pode consultar-se, por exemplo, os estudos regularmente publicados pela organização “Transparency International” – www.transparency.org). O presente processo é, a esse respeito, paradigmático: revela uma situação em que a prática de crimes e corrupção, tráfico de influência, no exercício de funções públicas e contra bens públicos, se verificou durante um largo período de tempo, de forma recorrente, múltipla, ostensiva e em total impunidade. ... Neste contexto, a suspensão de execução da pena em que o arguido ora recorrente vai condenado seria interpretada pela consciência jurídica comunitária como sinal de desvalorização dos bens jurídicos atingidos pela sua conduta e de desvalorização da importância do combate aos crimes em apreço».
Conclui-se assim que foram, exclusivamente, razões de prevenção geral positiva, “de reforço da confiança comunitária na validade da ordem jurídica e na proteção que esta assegura aos bens que estruturam a vida social” que determinaram a opção pelo afastamento da suspensão da execução da pena de prisão.
O acórdão foi perentório na conclusão de que se impunha o cumprimento de pena de prisão efetiva, concluindo que, ainda que se verificassem os pressupostos formais do artº 50º nº 1 do Cód. Penal, essa forma de cumprimento da pena não realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, a esse respeito não ocorreu qualquer alteração legislativa.
O legislador não deixou de considerar entre os pressupostos materiais da suspensão da execução da prisão as finalidades da punição, ou seja, a defesa do ordenamento jurídico (para além, naturalmente, do prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do delinquente). O legislador da Lei nº 94/2017 de 23.08 limitou-se a alargar o período máximo de suspensão de execução da pena de prisão para cinco anos.
Da leitura do excerto do acórdão desta Relação, acima transcrito, nada permite concluir que, se o novo regime já existisse no momento da condenação, o tribunal tê-lo-ia aplicado suspendendo a pena de prisão de 4 anos pelo período de cinco anos.
Antes pelo contrário, o que resulta é que, independentemente do período, maior ou menor, da suspensão, o tribunal manteria a pena de prisão efetiva imposta ao arguido por a tal se imporem razões de prevenção geral e, nesse aspeto, são coincidentes as redações da anterior e da nova lei.
A interpretação feita pelo recorrente só poderia ter êxito se a razão de ser do afastamento da suspensão da pena de prisão tivesse assentado no período legalmente previsto no nº 5 do artº 50º do Cód. Penal. Como vimos, não foi o que aconteceu no caso presente.
Admitir agora a reabertura da audiência para se equacionar uma suspensão da pena de prisão (ainda que pelo período previsto na nova lei), suspensão essa que já foi expressamente afastada por decisão transitada em julgado, traduzir-se-ia numa intromissão proibida no julgado, criando-se a situação absurda de a 1ª instância alterar uma decisão definitiva proferida por um tribunal superior, para a qual carecia manifestamente de competência.
De referir ainda que não se descortina a invocada (através de simples, genérica e abstrata afirmação conclusiva) inconstitucionalidade, na medida em que o princípio da aplicação da lei penal mais favorável, com consagração constitucional, tem a sua aplicação apenas aos casos em que a sucessão de leis penais se traduz num tratamento efetivamente mais favorável ao condenado, o que, como vimos, não acontece no caso em apreço.
Não se verificando os pressupostos para a reabertura da audiência nos termos do artº 371º-A do CPP., improcede também este fundamento do recurso.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em:
- julgar improcedente a reclamação quanto ao efeito do recurso interposto, mantendo-se o efeito meramente devolutivo atribuído na decisão singular da relatora de 17.09.2020;
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, confirmando consequentemente a douta decisão recorrida.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 U’sC – artº 8º nº 9 do RCP e tabela III anexa.
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Porto, 14 de outubro de 2020
(Elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários)
Eduarda Lobo
Castela Rio
__________ [1] Negrito nosso. [2] Negrito nosso. [3] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada). [4] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95. [5] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 396, em anotação ao artº 692º. [6] De realçar que, se um arguido estiver já a cumprir uma pena de prisão quando entra em vigor a LNMF e requerer a reabertura da audiência nos termos do artº 371º-A do C.P.P, o recurso que viesse a ser interposto da decisão de indeferimento dessa pretensão não teria efeito suspensivo, nem determinaria a sua imediata libertação. Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 31.07.2008, Proc. nº 2536/08-3ª, citado pelo Cons. Pereira Madeira, no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1339. Igualmente vem o STJ entendendo que o recurso do despacho que recusa a aplicação do perdão de pena, porque posterior à sentença final condenatória já transitada, não tem efeito suspensivo (cfr. Ac. do STJ de 20.02.2013, Proc. nº 2471/02.1TAVNG-B.S1, Rodrigues da Costa e Ac. do STJ de 07.05.2015, Proc. nº 50/11.1PCPDL-A.S1, Isabel São Marcos, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. [7] Proferido no Processo nº 887/08-1, Des. Carlos Berguete Coelho, disponível in www.dgsi.pt.