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OBRIGAÇÃO EXEQUENDA
DIVIDA LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
NECESSIDADE DE INTERPELAÇÃO
Sumário
I - Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no artigo 781º, do Código Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas as prestações que ainda se mostrem por liquidar. II - Assumindo, contudo, a aludida norma natureza supletória, nada obsta a que as partes, ao abrigo da liberdade contratual, regulem a situação em termos diversos, convencionando o vencimento automático (rectius, a exigibilidade imediata) das prestações vincendas. III - Na ausência de expressa previsão contratual que afaste o referido regime supletivo, caberá ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade do crédito ainda não liquidado, ou seja, interpelá-lo para a antecipação das prestações vincendas. IV - Por via de regra, quando a inexigibilidade da obrigação exequenda derive apenas da falta de interpelação, vale como qual (isto é, como interpelação judicial) a citação do executado para os termos da ação executiva contra si proposta. V - No entanto, nas situações em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efectivação da penhora (ou seja, nas execuções que sigam a forma sumária) terá o credor de proceder à interpelação extrajudicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva, posto que não é processualmente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido.
Texto Integral
Processo nº 2227/17.7T8AGD-B.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Águeda – Juízo de Execução, Juiz 1 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I- RELATÓRIO
B… e C… deduziram os presentes embargos de executado por apenso à ação executiva sumária que lhes é movida por D…, S.A. invocando, desde logo, a sua ilegitimidade passiva na medida em que a exequente não alegou no requerimento executivo os factos relativos à sucessão hereditária dos ora embargantes.
Adiantaram terem procedido ao pagamento das prestações que levaram à instauração da ação executiva, o que fizeram por remessa ao fiador D… e após a morte deste para I…, sua procuradora, de forma a dar continuidade ao referido pagamento.
Alegam, por último, que nunca foram interpelados para o pagamento da quantia exequenda.
Admitidos os embargos de executado, foi notificada a exequente para deduzir contestação, o que fez, sustentando que não se verifica a invocada ilegitimidade passiva dos embargantes; impugnou a realização dos alegados pagamentos, adiantando ainda ter procedido oportunamente à interpelação dos embargantes para efectuarem o pagamento da quantia em dívida.
Realizou-se audiência prévia com as finalidades previstas no artigo 591º, nº 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, vindo a ser proferido saneador/sentença no qual se decidiu julgar procedentes os presentes embargos de executado por inexigibilidade da prestação (por ausência de interpelação dos executados/embargantes para procederem ao pagamento da totalidade das prestações vencidas), declarando-se, consequentemente, extinta a execução.
Não se conformando com o assim decidido, veio a exequente/embargada interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES:
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Os executados/embargantes não apresentaram contra-alegações.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a única questão solvenda traduz-se em saber se a obrigação exequenda é, ou não, exigível.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
A)- Foram dados à execução os dois contratos constantes de fls. 5v a 21v dos presentes autos.
B)- Através do primeiro contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, celebrado em 25.03.2003, entre a D…, SA entregou aos mutuários B… e C… o montante de 58.410,00€.
C)- No referido contrato, E… e mulher F… figuraram como outorgantes e declararam o seguinte: “Que se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à “D…” credora em consequência do empréstimo aqui titulado, dando já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim, às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora, renunciando ao benefício de excussão prévia e aceitando que a estipulação relativa ao extrato da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança.
D)- Através do contrato de mútuo com hipoteca e fiança celebrado na mesma data entre a D…, SA e os mutuários B… e C…, aquela entregou a estes o montante de 26.390,00€.
E)- No referido contrato, E… e mulher F… figuraram como outorgantes e declararam o seguinte: “Que se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à “D…” credora em consequência do empréstimo aqui titulado, dando já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim, às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora, renunciando ao benefício de excussão prévia e aceitando que a estipulação relativa ao extrato da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança.”
F)- As cláusulas 13ª e 12ª, alíneas d) de cada um dos documentos complementares dos contratos supra referenciados prevêem o seguinte:
“À credora fica reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido se (...) a parte devedora deixar de cumprir algumas das obrigações resultantes deste contrato.”
G)- F… faleceu em 01.10.2007.
H)- E… faleceu em 18.12.2013.
I)- Por carta datada de 03.11.2016 enviada pela exequente aos ora embargantes para a R. …, .., Edifício …, …, ….-… …, a mesma informava-os do seguinte:
“(...)
ASSUNTO: Empréstimos: nº…………. e ………….
(...)
Como é do conhecimento de V. Exas, os empréstimos acima identificados encontram-se em incumprimento desde 2014-07-25 e 2014-06-25 respetivamente.
Dado que as diligências efetuadas com vista à regularização da dívida não surtiram o desejado efeito, informamos que a D… irá instaurar em Tribunal a competente ação judicial para cobrança da totalidade da dívida.
Caso V. Exa. pretenda, todavia, obviar aos incómodos e despesas que uma ação judicial acarretará, poderá contactar esta Direção pelos meios já comunicados anteriormente.
(...)”
J)- O embargantes regularizaram o pagamento dos valores que se encontravam em incumprimento.
K)- Em 20.07.2017, a exequente enviou nova carta para os ora embargantes, para a mesma morada indicada em H), do seguinte teor:
“(...)
ASSUNTO: Alteração de Direção de Acompanhamento
Incumprimento
Empréstimo nºs …………. e ………….
(...)
Comunicamos que, em virtude do incumprimento ocorrido nos empréstimos supra referenciados, o Órgão Gestor de V. Exas. passou a ser a Direção de Acompanhamento de Particulares – G…, gestora H…, a qual, doravante, será a interlocutora de V. Exas.
Mais informamos que os referidos empréstimos apresentam, nesta data, incumprimento no valor de € 552,30 correspondente a 2 prestações em atraso a que acrescem juros de mora diários.
Face ao exposto, convidamos V. Exas a proceder à regularização deste incumprimento, no prazo tão breve quanto possível, não superior a 10 dias.
(...)”
L)- Após a morte de E…, os embargantes procederam à transferência de valores para I…, mais concretamente a partir de dezembro de 2017 a novembro de 2018 e a última em janeiro de 2019.
M)- E em janeiro de 2019 exequente deduziu incidente de habilitação de herdeiros por óbito dos fiadores falecidos, que correu por apenso à ação executiva sob o apenso A.
N)- Por sentença proferida em 30.09.2019 e já transitada em julgado, foi habilitado o herdeiro dos falecidos, a saber B….
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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
Como emerge dos autos, a exequente/embargada instaurou a ação executiva de que o presente enxerto declaratório constitui apenso dando à execução os dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança que celebrou com os embargantes que, enquanto mutuários, estariam adstritos quer à obrigação (principal) de restituir idêntica quantia/capital à emprestada, quer à obrigação (acessória) de pagar uma retribuição (os juros) pelo capital emprestado (cfr. arts. 1142º e 1144º, ambos do Cód. Civil).
Em virtude da falta de pontual pagamento das prestações referentes aos ajuizados contratos, a exequente, invocando o vencimento antecipado de todas elas, veio peticionar, no requerimento executivo, o pagamento da totalidade do capital em dívida e dos respectivos juros.
Assumindo as obrigações dos mutuários natureza de obrigações fraccionadas ou repartidas[2] (rectius, de dívida fraccionada, liquidável em prestações), o tribunal a quo considerou que, na ausência de expressa previsão contratual a afastar a regra supletiva vertida no art. 781º do Cód. Civil, não estaria a exequente dispensada de interpelar os executados/mutuários para procederem ao pagamento da totalidade do seu crédito, pelo que, na falta dessa interpelação, «[v]erifica-se a inexigibilidade da prestação, por força do que se dispõe no artigo 817º do Código Civil, já que não se mostra vencida a dívida exequenda», concluindo, mais adiante, que «não sendo exigível, falha um dos pressupostos do artigo 713º do Código de Processo Civil para a cobrança coerciva da obrigação, pelo que há que considerar procedentes os embargos de executado».
A embargada e ora apelante rebela-se contra o aludido segmento decisório sustentando que para além de ter sido contratualmente derrogada a aludida norma supletória, sempre se terá de considerar que interpelou os executados para realizaram o pagamento da totalidade da dívida através das missivas que lhes enviou em 3 de novembro de 2016 e em 20 de junho de 2017.
Que dizer?
Estando em causa escrituras públicas de mútuo com hipoteca (ambas outorgadas em 25 de março de 2003), dúvidas não se colocam que as mesmas constituem título executivo à luz do disposto no art. 46º, nº 1 al. b) do pretérito diploma adjectivo[3], isto é, enquanto “documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.
No entanto, para fazer despoletar a démarche executória – para além da existência de título executivo (que se erige como seu requisito formal específico) - torna-se igualmente mister que a obrigação exequenda se revista de determinadas características que funcionam como requisitos de exequibilidade intrínseca (rectius, como pressupostos materiais específicos da ação executiva), quais sejam a certeza, liquidez e exigibilidade (cfr. art. 713º).
No caso vertente interessa-nos particularmente determinar se a obrigação exequenda é (ou não) exigível, sendo que, como se vem entendendo, a exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deve ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação do devedor.
Como se referiu, no ato decisório sob censura considerou-se que a obrigação exequenda não é dotada da aludida característica porquanto a exequente não evidenciou ter ocorrido o vencimento do conjunto das prestações, mormente por não ter tido lugar uma interpelação dando nota do incumprimento e da correspondente exigibilidade imediata.
Dúvidas não subsistem que, dada a já assinalada natureza das prestações assumidas pelos executados/mutuários, será de convocar, in casu, a aplicação do regime vertido no citado art. 781º do Cód. Civil, no qual, sob a epígrafe dívida liquidável em prestações, se dispõe “[s]e a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Conforme vem constituindo entendimento dominante quer na doutrina[4], quer na jurisprudência[5], a consequência estabelecida no transcrito inciso normativo não é a automática constituição do devedor em mora pela totalidade das prestações em falta. Trata-se, antes, de uma hipótese de perda do benefício do prazo em que se concede ao credor a possibilidade/faculdade de exigir antecipadamente o cumprimento de todas as prestações, isto é, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda se não tenha vencido.
Consequentemente, se o credor quiser usar o benefício que a lei lhe concede terá de manifestar ser essa a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir imediatamente todas as prestações em falta, sendo que sem essa interpelação o devedor não fica constituído em mora.
No entanto, não se estando em presença de uma norma cogente, nada obstaculiza que as partes contratantes convencionem, à luz da sua liberdade contratual e autonomia da vontade (cfr. art. 405º do Cód. Civil), o vencimento automático das prestações vincendas, independentemente de ter havido interpelação.
Essa é, precisamente, uma das linhas argumentativas desenvolvidas pela apelante, sustentando que nas cláusulas 12ª e 13ª de cada um dos documentos complementares dos ajuizados contratos foi consagrado um regime diferente do que resulta da aplicação do princípio definido no art. 781º do Cód. Civil.
As referidas cláusulas têm a seguinte redação: «À credora fica reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido se (...) a parte devedora deixar de cumprir algumas das obrigações resultantes deste contrato».
Ora, o mero confronto entre o teor dessa cláusula contratual com a redacção do art. 781º do Cód. Civil revela, indelevelmente, que aquela estipulação não passa de uma cláusula de estilo, meramente rappel do regime jurídico vertido neste normativo, já que nela se consagra um benefício a favor da credora mutuante em moldes em tudo análogos aos que emergem dessa disposição legal, benefício esse que esta poderá exercer ou não consoante entender mais conveniente à satisfação do seu interesse; não decorre, pois, da mencionada cláusula a desnecessidade de realização de interpelação caso a credora pretenda exigir a totalidade das prestações vincendas.
Como assim, na ausência de afastamento do regime (supletório) acolhido no art. 781º do Cód. Civil, importa avançar para a análise da argumentação que a apelante esgrime no sentido de - em resultado do não pagamento das prestações convencionadas por parte dos executados/mutuários - os ter oportunamente interpelado exigindo-lhes a liquidação integral do débito.
Conforme tem sido enfatizado na doutrina[6], esta faculdade que o legislador concede (mas não impõe) ao credor de exigir imediatamente e de forma antecipada a totalidade do crédito encontra o seu fundamento na quebra da relação de confiança em que assenta o plano de pagamento escalonado no tempo, justificando a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações futuras.
Daí que caberá unicamente ao credor a decisão de exercer ou não o seu direito, competindo-lhe avaliar as circunstâncias do caso concreto para concluir do interesse no seu exercício (mormente em resultado do anterior comportamento do devedor no que tange ao pontual cumprimento do contrato), pois casos existem em que esse inadimplemento é temporário ou ocasional, retomando o devedor, num curto espaço de tempo, o regular pagamento das prestações a cujo cumprimento se mostra adstrito. Feita essa ponderação, caso aquele pretenda fazer uso da referida faculdade deverá, então, fazer sabê-lo ao devedor, interpelando para proceder ao pagamento da totalidade da dívida. A interpelação surge, neste contexto, como o meio pelo qual o credor transmite ao devedor a decisão de exercer a aludida prerrogativa legal e lhe reclama o pagamento de todas as fracções da dívida única parcelada cujo pagamento não foi ainda realizado.
Efetivamente só com a interpelação do devedor é que o credor consegue demonstrar que pretende beneficiar da antecipação do vencimento imediato das prestações, cujo prazo ainda não se venceu, constituindo, assim, o devedor em mora da totalidade da dívida, conforme dispõe o art. 805º, nº 1 do Cód. Civil.
Isto posto, revertendo ao caso sub judicio, resta dilucidar se – como advoga a apelante – operou essa interpelação dos executados/embargantes através das cartas que lhes enviou em 3 de novembro de 2016 e em 20 de junho de 2017.
Vejamos, então, o teor dessas missivas de molde a apurar se das mesmas se pode extrair o apontado efeito interpelatório.
Na carta datada de 03.11.2016, no que à questão releva, consta o seguinte:
“(...) ASSUNTO: Empréstimos: nºs …………. e …………. (...) Como é do conhecimento de V. Exas, os empréstimos acima identificados encontram-se em incumprimento desde 2014-07-25 e 2014-06-25 respetivamente. Dado que as diligências efetuadas com vista à regularização da dívida não surtiram o desejado efeito, informamos que a D… irá instaurar em Tribunal a competente ação judicial para cobrança da totalidade da dívida. Caso V. Exa. pretenda, todavia, obviar aos incómodos e despesas que uma ação judicial acarretará, poderá contactar esta Direção pelos meios já comunicados anteriormente. (...)”.
Já a carta datada de 20.07.2017 tem o seguinte teor:
“(...) ASSUNTO: Alteração de Direção de Acompanhamento Incumprimento Empréstimo nºs …………. e …………. (...) Comunicamos que, em virtude do incumprimento ocorrido nos empréstimos supra referenciados, o Órgão Gestor de V. Exas. passou a ser a Direção de Acompanhamento de Particulares – G…, gestora H…, a qual, doravante, será a interlocutora de V. Exas. Mais informamos que os referidos empréstimos apresentam, nesta data, incumprimento no valor de € 552,30 correspondente a 2 prestações em atraso a que acrescem juros de mora diários. Face ao exposto, convidamos V. Exas a proceder à regularização deste incumprimento, no prazo tão breve quanto possível, não superior a 10 dias. (...)”.
Defende a apelante que as duas missivas devem ser lidas conjuntamente, sendo que dessa conjugação resulta, na sua perspectiva, que os executados foram interpelados para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.
Não lhe assiste, contudo, razão.
Com efeito, como emerge do substrato factual apurado, após o envio da missiva datada de 3 de novembro de 2016 os executados regularizaram o pagamento dos valores em débito, o que significa, pois, que puseram termo à situação de mora debitoris em que se encontravam, não podendo, nesse contexto, daí extrair-se qualquer elemento significante que suporte o posicionamento adrede preconizado pela recorrente.
Já em relação à carta datada de 20 de julho de 2017, nela a exequente/mutuante limita-se a exigir dos executados a regularização, no prazo de dez dias, de duas prestações em atraso, não contendo a mesma qualquer interpelação que corresponda a uma efectiva manifestação de vontade no sentido de querer aproveitar o benefício conferido pelo art. 781º do Cód. Civil – exigindo, portanto, dos executados a totalidade do capital mutuado ainda não restituído -, sendo que para esse efeito se tornaria mister concretizar esse montante e bem assim manifestar ser seu propósito que essa restituição fosse feita imediatamente e na íntegra.
Poder-se-ia, é certo, discutir se essa interpelação ocorreu com a citação dos executados para os termos da ação executiva, posto que, neste conspecto, se vem sustentando[7] que quando a inexigibilidade da obrigação derive apenas da falta de interpelação vale como qual (isto é, como interpelação judicial) a citação para a execução[8].
Haverá, no entanto, que atentar que - de acordo com o que se postula no art. 550º, nº 2 al. c) - o presente processo executivo segue a forma sumária, o que significa que a citação do executado apenas se realiza depois de concretizada a penhora (art. 855º, nº 3), ato processual esse que, in casu, apenas se concretizou cerca de dois anos após a instauração da presente ação executiva.
Ora, nessas circunstâncias, tem-se entendido[9] que sempre que ocorra diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efectivação da penhora terá o credor de proceder à interpelação extrajudicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva, porquanto não é processualmente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido.
Consequentemente, por ausência de interpelação nesse sentido, não pode considerar-se exigível a totalidade da dívida nos moldes impetrados pela exequente, sendo que essa interpelação é constitutiva do direito a que se arroga.
Carecendo, assim, a obrigação exequenda da apontada característica de exigibilidade, impõe-se, pois, a improcedência do recurso.
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V- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).
Porto, 12.10.2020
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
________________ [1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem. [2] As quais, conforme tem sido sublinhado na doutrina (cfr., por todos, ANTUNES VARELA, in Direito das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª edição, págs. 51 e seguinte e ALMEIDA COSTA, in Direito das Obrigações, 5ª edição, págs. 866 e seguinte), se caraterizam por ter o objecto globalmente fixado, mas cujo cumprimento, normalmente por conveniência do devedor, se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, a pagar em datas diferidas escalonadas ao longo do tempo até que o montante da dívida se encontre completamente saldado. [3] Sendo que, na esteira do acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015, de 23.09 (publicado no DR nº 201/2015, I série, de 14.10.2015), se tem firmado o entendimento de que a exequibilidade de um dado documento deve ser aferida à data da sua constituição/elaboração. [4] Cfr., inter alia, ANTUNES VARELA, ob. citada, págs. 52 e seguinte, BRANDÃO PROENÇA, in Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, págs. 85 e seguinte e PINTO OLIVEIRA, in Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, págs. 391 e seguinte, onde advoga uma interpretação correctiva do art. 781º do Cód. Civil, de molde a entender-se que o “vencimento” imediato a que aí se alude significa, neste caso, exigibilidade imediata de todas as prestações em falta. [5] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 19.06.95 (CJ, Acórdãos do STJ, ano III, tomo 2.º. pág. 131), de 21.11.2006 (CJ, Acórdãos do STJ, ano XIV, tomo 3.º. pág. 129), de 15.03.2005 (processo n.º 05B282), de 25.05.2017 (processo n.º 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2) e de 12.07.2018 (processo nº 10180/15.5T8CBRT-A.C1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt. [6] Cfr., inter alia, ANTUNES VARELA, ob. citada, pág. 52, onde refere quese o credor permitiu que o devedor pagasse por prestações, foi para lhe facilitar o pagamento, de maneira que, se este deixa de pagar uma prestação, o credor perde a confiança que nele tinha, e portanto desaparece a base de que o credor partiu ao fazer a concessão, bem se justificando que o credor possa exigir o total pagamento da dívida. [7] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 19.06.2018 (processo nº 1418/14.7TBPVZ.A.P1.S1), de 11.07.2019 (processo nº 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1) e de 25.05.2017 (processo nº 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2), acessíveis em www.dgsi.pt. [8] Isso mesmo dispunha o art. 804º do pretérito Código de Processo Civil (na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 329-A/95, de 12.12), que no seu nº 3 preceituava que “[q]uando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”. [9] Cfr., por todos, LOPES DO REGO, Requisitos da obrigação exequenda, in Revista Themis, ano IV, nº 7, págs. 70 e seguinte e, do mesmo autor, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, 2ª edição, pág. 37 e acórdão do STJ de 11.07.2019 (processo nº 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1), acessível em www.dgsi.pt.