Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ACÇÃO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
Sumário
1.Não se verifica qualquer nulidade da decisão nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC quando a questão colocada pelo Requerente sobre a qual o tribunal não tomou posição fica prejudicada em razão daquela mesma decisão, atento o teor do art.º 608.º n.º 2 do CPC. 2. Não existindo qualquer elemento probatório que permita dizer que as crianças à data da propositura da ação tinham a sua residência habitual e organizada de forma estável no Reino Unido, tem de reconhecer-se a competência internacional dos Tribunais Portugueses para tramitar e decidir a ação de regulação das responsabilidades parentais, à luz do princípio enunciado no ponto 12 do preâmbulo e dos art.º 8.º n.º 1 e n.º 2 e 10.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27 de novembro de 2003. 3. Encontrando-se as crianças em parte incerta e tendo sempre vivido em Portugal desde que nasceram e até se terem deslocado com os progenitores para o Reino Unido, onde ficaram algum tempo com os pais a título provisório, sempre tendo centrada a sua vida em Portugal e aqui se encontrando, para além do progenitor, a sua família alargada, temos de concluir que tendo em conta o critério da proximidade e do superior interesse das crianças, os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
A 16 de janeiro de 2019 veio TF…, intentar a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto aos seus três filhos menores, contra a Requerida LL…, indicando como última residência conhecida da mesma uma morada em Liverpool no Reino Unido.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido, que viveu com a Requerida no concelho de Loures durante 11 anos, em união de facto, até novembro de 2018, tendo nascido 3 filhos do relacionamento de ambos. Em setembro de 2018 foram todos para Inglaterra onde o Requerente aceitou uma proposta de trabalho que por não corresponder às suas expectativas o levou a voltar a Portugal pouco depois, tendo a Requerida dito que permanecia em Inglaterra com as crianças mais uns dias e pouco antes do Natal informou o Requerente que dava a relação por terminada e pretendia ficar com os filhos em Inglaterra. O Requerente não tem tido contacto com os filhos e pretende que os mesmos venham para Portugal residir consigo, sendo aqui que os mesmos têm os seus familiares e as suas raízes.
Foram realizadas diversas diligências com vista ao apuramento do paradeiro da Requerida e das crianças no Reino Unido, sem qualquer resultado.
Por requerimento de 27 de maio de 2019 veio o Requerente solicitar a citação edital da Requerida referindo que a mesma se encontra com paradeiro incerto, mas que estará a residir no Algarve onde terá sido vista em março de 2019 e onde foram tiradas fotografias que pôs no facebook, dando como última residência conhecida da mesma em Portugal a morada em Loures que foi a casa de morada de família e que é também a sua morada.
Foi proferida decisão que julgou verificada a exceção da incompetência internacional do tribunal e absolveu a Requerida da instância, com o seguinte teor:
“Nos termos do artº 9º, nº 7 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, quando, no momento da instauração do processo, a menor residir no estrangeiro, é ainda necessário que o tribunal português seja internacionalmente competente, para conhecer da causa. E assim ocorre quando se verifique alguma das circunstâncias previstas nas diversas alíneas do artº 62º do Código de Processo Civil, ou seja, “a ação possa ser proposta em tribunal português, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa”, quando o facto que serve de causa de pedir ou algum dos factos que a integram tenha sido praticado em território português, ou quando o direito invocado só se possa tornar efetivo por ação proposta em Portugal ou se se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro e haja, entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa um elemento ponderoso de conexão, seja ele pessoal ou real. Ora, residindo os menores em Inglaterra, face ao que dispõe o artº 9º, nº 1 do RPTC, afastada fica a verificação da circunstância prevista na alínea a) do artº 62º do Código de Processo Civil. Como igualmente fica afastada a circunstância prevista na alínea b) do mesmo artigo, por não estar em causa facto ou factos praticados que sirvam de causa de pedir à presente ação. Por último, residindo as crianças em Inglaterra, é evidente que os direitos que se pretendem fazer pela presente ação, só por ação proposta em Inglaterra (e não em Portugal) se podem eficazmente fazer valer (tanto mais que, o requerente nem sabe qual a morada concreta da requerida e dos menores em Inglaterra, impondo-se tal averiguação a ser feita em Inglaterra e pelas autoridades inglesas), pelo que não se verifica a circunstância prevista na primeira parte do artº 62º do Código de Processo Civil. De todo o modo, residindo os menores em Inglaterra, país vinculado ao Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de novembro, tal como Portugal (cfr. 2º, nº 3 do Regulamento), é aplicável ao caso o referido Regulamento, por força do qual é competente para o conhecimento deste tipo de processos, o Tribunal da residência do menor, resultando da conjugação dos critérios da maior proximidade e do superior interesse da criança (ponto 12 do preambulo e arts 8º, nº 1 e 9º, nº1, todos os Regulamento). Por outro lado, não se verifica qualquer das exceções previstas no artº 8º, nº 2 do Regulamento. É quanto basta para se concluir pela incompetência internacional dos Tribunais Portugueses para o conhecimento da presente ação. Ora, sendo este tribunal, como é, internacionalmente incompetente para conhecer da presente causa, ao abrigo do disposto nos arts 96º, al. a), 97º, nº 1, 99º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2, 577, al. a), e 578º, todos do Código de Processo Civil, importa absolver a requerida da instância.”
É com esta decisão que o Requerente não se conforma e dela vem interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra que confirme a competência do tribunal e determine o prosseguimento dos autos, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1ª- O Apelante é pai dos menores BV…, nascida a ….12.2008, MV…, nascida a 2014.04…. e RV… a 2016.09…., em Lisboa, conforme Assentos de Nascimento juntos aos autos.
2ª - Os menores têm nacionalidade portuguesa.
3ª - Os pais dos menores não são casados entre si, mas viveram em união de facto em Portugal entre 2007 e 2018 e a respetiva guarda era exercida conjuntamente pelos seus pais.
4ª - Apelante e Apelada são, portanto, nascidos e criados em Portugal e foi em Portugal, nomeadamente no concelho de Loures, onde viveram em união de facto durante os últimos 11 anos;
5ª - Isto até ao último mês de setembro, quando o Apelante recebeu e aceitou uma proposta de trabalho, aparentemente vantajosa e aliciante, em Inglaterra;
6ª - Ambos acordaram na aceitação da proposta de trabalho ao Apelante e foram com os filhos para Inglaterra.
7ª - Chegados a Liverpool, e logo nos primeiros dias de trabalho, o Apelante constatou que as condições de trabalho não eram as que haviam antes sido acordadas e que assim não teria condições de sustentar a família, ali, naquele país, tendo decidido voltar para Portugal o quanto antes na tentativa de conseguir ainda recuperar o seu antigo emprego.
8ª - Porém, e uma vez que estavam instalados em casa de amigos em Liverpool, a Apelada quis ali ficar com os três menores por mais uns dias, ao que o Apelante deu o seu acordo sempre na expectativa que se confirmasse o regresso a Portugal dias depois e que tudo voltasse à normalidade entre o casal. Mas tal não aconteceu.
9ª - O Apelante acabou por perder o contacto com a companheira e com os três menores, tendo inicialmente a ideia que a mesma teria decidido ficar a viver em
Inglaterra.
10ª - Passou o Natal e a Passagem de Ano sem ver os filhos, e assim continua há meses. Intentou a respetiva ação de Regulação das Responsabilidades Parentais no Tribunal de Loures, em janeiro de 2019, sendo aquele territorialmente competente em relação à última morada de família do casal.
11ª - Os pais dos menores não regularam até à data o exercício das responsabilidades parentais dos três menores.
12ª - No momento em que foi intentada a ação não havia sequer quaisquer laços dos menores com a realidade inglesa, nem nunca outrora tinham aqueles menores pisado em solo inglês.
13ª - O Apelante forneceu ao Tribunal a quo todos os dados de que dispunha e que pudessem servir para localizar a companheira e os menores, fazendo ele fé que estariam em Inglaterra: forneceu moradas, contactos e solicitou ainda que, em última instância, o Tribunal oficiasse o Consulado Português para localizar o paradeiro da Apelada e dos menores e assim poder fazer-se a citação da mesma para a ação.
14ª - Perante toda esta realidade e perante todos estes factos, o Tribunal de Loures não só aceitou o processo, como fez as diligências acima descritas, solicitando inclusive a intervenção do Consulado Português, tendo liquidado os respectivos emolumentos consulares para a diligência de localização da aqui Apelada e dos três menores por meio dos serviços administrativos do consulado.
15ª - Ou seja, perante o facto de alegadamente a Apelada ter ficado a residir com as crianças em território inglês - facto que agora não se dá como confirmado – mesmo assim, o Tribunal português reconheceu-se competente territorialmente ao não ter indeferido liminarmente o Requerimento de Regulação das Responsabilidades Parentais e, bem pelo contrário, ao ter até promovido diligências que visavam a citação da Recorrida para a ação naquele país!
16ª - No último mês de abril, o Consulado informa o Tribunal a quo que não conseguiu localizar a Apelada nem tampouco os menores em território inglês. Isto, já haviam sido frustradas as tentativas de citação daquela nas moradas fornecidas pelo aqui Apelante àqueles autos.
17ª - Entretanto, em maio, o Apelante recebeu informações de amigos em comum de que a ex-companheira estaria em Portugal a viver, crê-se que na zona do Algarve avaliando pelas fotografias publicadas no Facebook pela própria e já pelo novo companheiro da mesma, com os filhos menores.
18ª - Nesse seguimento, no dia 27 de Maio de 2019, o Apelante fez de imediato requerimento aos autos – Refª CITIUS nº 8392338, juntando fotografias recentes publicadas nas redes sociais pela Apelada, pelas quais não restam dúvidas que a mesma está em Portugal, informando devidamente o Tribunal a quo disso mesmo, isto é, que a aqui Apelada estaria a viver em território português, ainda que em morada desconhecida, pelo que se impunha fazer-se a citação edital da mesma, estando preenchidos todos os pressupostos exigidos no art. 225º/6 e no art.236º/1, 2 e 3 C.P.C, visto a citanda estar ausente e em parte incerta e não seja, por isso, possível a realização da citação.
19ª - O aqui Apelante informou ainda aquele Tribunal de que a situação era de facto muito urgente, pois, para não bastar a rutura abrupta e desumana das ligações com os três filhos menores, havia a informação de que a Apelada estará novamente grávida desconhecendo o Apelante o tempo da gravidez e, como tal, não podendo descartar a hipótese de ser ele o responsável pela nova gravidez da Apelada.
20ª- Tal Requerimento foi manifestamente ignorado pelo Tribunal a quo, que dez dias depois do requerimento ter sido junto aos autos, fez o despacho de sentença do qual agora se recorre a absolver da instância a ali requerida considerando o Tribunal português internacionalmente incompetente.
21ª- Todo o exposto na decisão Recorrida parte, com todo o respeito, de um pressuposto equivocado, que nem o próprio Tribunal a quo conseguiu confirmar apesar da intervenção do Consulado: o de que tanto a ali Requerida como os menores residem em território inglês, pois as novas informações trazidas ao processo levam-nos a crer que a Recorrida está em Portugal com os menores.
22ª – Portanto, o Apelante não se conforma com a decisão recorrida por duas ordens de argumentos:
23ª - Primeiro, porque o Tribunal a quo ignorou por completo o requerimento apresentado pelo ali requerente a 25/05/2019, notificando-o dez dias depois, exatamente a 04/06/2019, do despacho de sentença sem dar resposta àquele requerimento; E tal requerimento trouxe novas informações ao processo, muito relevantes, sobretudo para se entender competente o tribunal português, já
24ª que, com a apresentação de prova, o ali requerente informou o Tribunal a quo de ali Recorrida está, afinal, a viver em Portugal, ainda que continue a vedar o acesso dos menores ao pai e vice-versa;
25ª - Segundo, porque, ainda que não tivessem surgido novos factos por superveniência, de que a Recorrida estaria afinal a viver em Portugal e não em Inglaterra, ainda assim o Tribunal português seria internacionalmente competente já que o tempo em que a Recorrida e os menores estariam, nesse cenário, em Inglaterra não seria suficiente para o entendimento de que os elementos de conexão com aquele país, nomeadamente a residência, afastariam a competência do Tribunal português.
26ª - Mesmo nesse cenário, e especialmente ao tempo em que foi intentada a ação no Tribunal a quo – em janeiro de 2019, os elementos de conexão entre a Apelada e os menores e o Estado português existiam em exclusividade.
27ª - A nacionalidade é exclusivamente portuguesa, a residência da Apelada era em território português uma vez que em Inglaterra seria apenas um tempo de estadia temporária em casa de amigos ou conhecidos e sem morada própria. E situação igual para os menores.
28ª - A posição da decisão recorrida viola o direito constitucionalmente consagrado de acesso à justiça por parte do Apelante, previsto no Artº 20º da Constituição da República Portuguesa.
29ª - Bem como viola de forma manifesta o disposto no art. 608ª/2 do Código de Processo Civil que determina que o juíz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras(…), ao que se impõe como consequência legal a nulidade da sentença, de acordo com o art.615º/1-al.D do C.P.C. já que, no caso em concreto, o juíz nem resolveu as questões levantadas no requerimento de 25/05/2019, nem sobre elas se pronunciou já que seriam questões, pela sua enorme relevância, que seriam de apreciação obrigatória.
O Ministério Público veio pugnar pela improcedência do recurso e manutenção a decisão recorrida.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine :
- da nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
- da (in)competência internacional do tribunal.
III. Fundamentos de Facto
Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que resultam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito - da nulidade da decisão por omissão de pronúncia
Alega o Recorrente que a decisão é nula por omissão de pronúncia, pelo facto do tribunal não se ter pronunciado sobre o requerimento por si apresentado em que requer a citação edital da Requerida.
O art.º 615.º n.º 1 do CPC estabelece que a sentença é nula quando: “a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
A alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC invocada pelo Recorrente, comina com a nulidade a decisão em que se verifica a omissão ou excesso de pronuncia por parte do juiz.
Relaciona-se esta norma com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do CPC segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Tal como nos diz o Acórdão do STJ de 6 de maio de 2010, no proc. 197/2002.L1.S1 in www.dgsi.pt - por referência ao art.º 660.º n.º 2 do anterior CPC, que tem no art.º 608.º n.º 2 o seu equivalente - : “A prejudicialidade determina o não conhecimento da parte prejudicada – art.º 660.º n.º 2 do CPC – afirmação esta que se impõe pela evidência face aos contornos do nosso processo civil que visa a justa composição do litígio e não o debruçar sobre questões que para esta não concorram.”
Esta regra pode ser vista como estando relacionada com o princípio da limitação dos atos, previsto no art.º 130.º do CPC, que proíbe a prática de atos inúteis no processo.
Na situação em presença, o tribunal de 1ª instância não se pronunciou sobre o pedido de citação edital da Requerida e não o terá feito precisamente pela circunstância de ter concluindo pela incompetência absoluta do tribunal para a ação. Existindo uma situação de incompetência absoluta do tribunal, o processo não pode continuar a ser tramitado por esse tribunal, pelo que não faz sentido o tribunal estar a pronunciar-se sobre uma qualquer modalidade de citação da Requerida que sempre fica prejudicada no processo em razão da sua absolvição da instância.
Conclui-se que a questão colocada pelo Requerente ficou prejudicada em razão daquela decisão do tribunal em que se declara internacionalmente incompetente, não podendo dizer-se que há uma omissão de pronúncia do tribunal sobre questão que lhe competia apreciar. Uma tomada de posição por parte do tribunal sobre tal questão seria até contraditória com o facto do tribunal se declarar incompetente para a tramitação e decisão do processo.
Estamos, por isso, no âmbito da exceção prevista no art.º 608.º n.º 2 do CPC já que se trata de questão que o juiz não tinha de resolver por estar prejudicada pelo teor da decisão proferida, restando concluir que não se verifica qualquer nulidade da decisão proferida, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC, contrariamente ao defendido pelo Recorrente. - da (in)competência internacional do tribunal
Insurge-se o Recorrente contra a decisão do tribunal a quo que concluiu pela incompetência internacional do tribunal para a tramitação do presente processo.
A decisão recorrida pronunciou-se no sentido da incompetência absoluta do tribunal, por infração das regras de competência internacional, por o tribunal competente ser aquele onde as crianças residem no momento em que o processo é instaurado, que apontou ser no caso o Reino Unido.
O art.º 37.º n.º 2 da Lei 62/2013 de 26 de agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário – LOSJ - estabelece que é a lei de processo que fixa os fatores de que depende a competência internacional do tribunal, prevendo o art.º 38.º do mesmo diploma que a competência se fixa no momento em que a ação é proposta, sendo irrelevantes modificações posteriores, exceto nos casos expressamente previstos na lei.
Sobre a competência internacional do tribunal, estabelece o art.º 59.º do CPC: “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos art.º 62.º e 63.º, ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos do art.º 94.º.”
Esta norma exige a salvaguarda do que se encontra regulado nos tratados e convenções que se impõem ao Estado Português, numa consagração do primado do direito internacional convencional sobre o direito nacional.
No direito interno, o art.º 62.º do CPC prevê nas suas várias alíneas os fatores de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses, aí contemplando logo na al. a) a situação da ação poder ser proposta no tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa.
A Lei 141/2015 de 8 de setembro vem aprovar o Regime Geral das Providências Tutelares Cíveis – RGPTC - nas quais se inclui a regulação do exercício das responsabilidades parentais, conforme expressamente previsto no art.º 3.º al. c).
É o art.º 9.º deste diploma que alude à competência territorial do tribunal, estabelecendo como regra, no seu n.º 1: “Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado”; por seu turno o n.º 7 deste artigo que alude à circunstância da criança residir no estrangeiro à data da propositura da ação confere competência ao tribunal da residência do requerente ou do requerido apenas se o tribunal português for internacionalmente competente.
A Convenção de Haia de 19 de outubro de 1996, aplicável ao reconhecimento, execução e cooperação em matéria de responsabilidade parental e medidas de proteção das crianças, designadamente nos seus art.º 1.º, 3.º e 5.º confere aos tribunais do país da residência habitual da criança a competência internacional para julgar e decidir questões relativas ao exercício das responsabilidades parentais, tomando as medidas necessárias à proteção da criança, adotando desta forma um critério de atribuição de competência idêntico ao da nossa lei nacional.
Diz-nos António Fialho, in Revista Julgar n.º 37, pág. 13 ss., estudo publicado sob o título A Competência Internacional dos Tribunais Portugueses em Matéria de Responsabilidade Parental, numa síntese do que nele expõe: “A competência internacional do tribunal para julgar em matéria de responsabilidade parental é determinada pelo superior interesse da criança e, em particular, pelo critério da proximidade concretizado através do conceito autónomo de residência habitual, conceito esse presente nos principais instrumentos de direito internacional que vinculam o Estado Português.”
Temos de considerar para avaliação desta questão o que estabelece o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27 de novembro de 2003 aplicável ao caso, cuja aplicação é salvaguardado no acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, como consta dos art.º 67.º e 126.º do Acordo do Brexit que pode ser consultado in https://ec.europa.eu/info/european-union
Este Regulamento no ponto 12 do seu preâmbulo, que dedica às responsabilidades parentais, dispõe: “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.”
No que respeita à competência em matéria de responsabilidades parentais, estabelece o art.º 8.º do Regulamento (CE) nos seguintes termos: “1. Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal. 2. O n.º 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.º, 10.º e 12.º”
O n.º 2 deste art.º 8.º vem contemplar os casos em que pode ser afastada a regra prevista no n.º 1, havendo que levar em consideração, designadamente, o que dispõe o art.º 10.º do Regulamento (CE).
Este artigo 10.º estabelece:
“Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro e: a)Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção; ou b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado-Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições: i) não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado-Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida, ii) o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i), iii) o processo instaurado num tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do n.º 7 do artigo 11.º, iv) os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.”
É assim pacífico, não estando também em discussão nestes autos, que o elemento determinante para a aferição da competência internacional do tribunal nesta matéria das responsabilidades parentais é, como regra, o da residência habitual da criança à data da propositura da ação
Assim também o refere, entre outros, o Acórdão do TRL de 24 de Outubro de 2019 no proc. 3682/06.6TBBRR-C.L1, que tanto aqui relatora como a 1ª adjunta subscreveram como adjuntas.
No caso, a questão essencial está então em saber se podemos dizer que a residência habitual das crianças à data em que foi intentada a presente ação pelo seu progenitor, em janeiro de 2019, era no Reino Unido, como considerou a decisão recorrida.
Na situação em presença, o tribunal recorrido partiu do princípio que as crianças tinham a sua residência habitual em Inglaterra quando da propositura da ação. Afigura-se, no entanto, que se tratou de uma conclusão precipitada em face dos elementos que constam no processo, já que a sua avaliação não nos permite retirar essa conclusão.
A propósito co conceito de residência habitual diz-nos o Acórdão do STJ de 27 de junho de 2019, no proc. 1789/18.6T8PTM-A.E1.S1 in www.dgsi.pt : “a “residência habitual” de um menor é o local onde se encontra organizada a sua vida familiar em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, em suma, onde está efectivamente radicado.”
A verdade é que quando da propositura da ação o Requerente não indicou como certa a residência da Requerida e das crianças no Reino Unido, limitando-se a indicar a última morada conhecida à Requerida, quando a deixou no Reino Unido com os filhos e referindo que desde antes do Natal deixou de ter contacto com os filhos e com a Requerida que o informou do fim do relacionamento do casal.
Por outro lado, as diversas diligências levadas a efeito, a pedido do tribunal, para localizar a Requerida e as crianças no Reino Unido não vieram a surtir qualquer resultado, não tendo conseguido apurar-se que tivessem estabelecido a sua residência de forma estável naquele país.
Mesmo a estarem ainda no Reino Unido – o que não se apurou - a sua permanência neste país, para onde se deslocaram a título provisório com os pais, escassos meses antes, sem que existam quaisquer elementos concretos que nos levem a concluir por qualquer opção da Requerida em fixar residência com as crianças naquele país.
Não temos por isso qualquer certeza, nem tão pouco qualquer forte indício que possa levar-nos à conclusão de que à data da propositura da ação as crianças tinham a sua residência habitual e com carater estável no Reino Unido, onde o Requerido as havia deixado cerca de dois meses antes, já que nada obsta a que antes da propositura da ação as crianças tenham regressado novamente a Portugal com a sua mãe, para aqui instalarem outra vez a sua vida.
Além do mais, o que se constata é que mesmo que as crianças se encontrassem com a Requerida no Reino Unido, tal acontece porque esta aí as reteve contra a vontade do Requerente, não podendo dizer-se que aí têm a sua residência habitual há mais de um ano, com referência à data da propositura da ação, tendo de atentar-se na previsão do art.º 10.º do Regulamento (CE) referido, que pode levar ao afastamento da regra do art.º 8.º. no superior interesse das crianças.
Como bem evidencia a respeito da melhor interpretação do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27 de novembro de 2003 o Acórdão do STJ de 26 de janeiro de 2017 no proc. 1691/15.3T8CHV-A.G1.S1 in www.dgsi.pt : “No seu considerando n.º 12, o Regulamento explicita, expressamente, que as regras de competência em matéria de responsabilidade parental são “definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério de proximidade”. Perante este conteúdo normativo, não há qualquer dúvida de que o Regulamento se orientou, na definição da competência da ação de responsabilidade parental, pelo superior interesse da criança e particularmente pela conexão da proximidade, elegendo, como tribunal competente, o da sua residência habitual no Estado-Membro. Por isso, por regra, tendo a criança a residência habitual num Estado-Membro são os seus tribunais os competentes para conhecer da ação em matéria de responsabilidade parental. O conceito de residência habitual, ou permanente, traduz em especial uma ideia de estabilidade do domicílio, assente, designadamente, num conjunto de relações sociais e familiares, demonstrativas da integração na sociedade local.”
Em conclusão, não temos qualquer elemento probatório que nos permita dizer que as crianças à data da propositura da ação tinham a sua residência habitual e organizada de forma estável no Reino Unido, para onde foram a título provisório, quando muito aí se encontrariam há poucos meses e aí ficaram retidas contra a vontade do pai.
Encontrando-se as crianças em parte incerta e tendo sempre vivido em Portugal desde que nasceram e até se terem deslocado com os progenitores para o Reino Unido, onde ficaram algum tempo com os pais a título provisório, sempre tendo centrada a sua vida em Portugal e aqui se encontrando, para além do progenitor, a sua família alargada, temos de concluir, tendo em conta o critério da proximidade e do superior interesse das crianças, que os tribunais portugueses são competentes para a presente ação.
Impõe-se em consequência a revogação da decisão proferida, reconhecendo-se a competência internacional dos tribunais portugueses para tramitar e decidir a presente ação à luz do principio enunciado no ponto 12 do preâmbulo e dos art.º 8.º n.º 1 e n.º 2 e 10.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27 de novembro de 2003.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o presente recurso interposto pelo Requerente procedente, revogando-se a decisão recorrida que se substitui por outra que considera os Tribunais Portugueses internacionalmente competentes para a presente ação.
Sem custas.
Notifique.
*
Lisboa, 24 de setembro de 2020
Inês Moura
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues