SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
EXERCÍCIO
Sumário


I – O superior interesse da criança exige que, antes da decisão que estabelece um regime de residência alternada com exercício conjunto das responsabilidades parentais, se proceda à audição dos menores ainda que seja para a fixação do regime provisório.
II - É de anular a decisão que tenha fixado esse regime sem proceder a essa audição e sem que, ao menos, se revele nessa decisão a ponderação das razões dessa não audição. (sumário da relatora)

Texto Integral

Acordam as juízas da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 - Relatório.

B… propôs, em 27.02.2019, ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra M…, relativamente aos filhos menores de ambos R… e Me….
Na sua petição, o requerente alegou ter casado com a requerida em 14.08.2005, encontrando-se, estes, separados de facto, desde 18.09.2017, pelo que, em virtude de tal separação, vislumbra a necessidade de fixar-se judicialmente o exercício das responsabilidades parentais dos menores, devendo determinar-se preferencialmente o regime de residência alternada por se afigurar aquele que melhor serve aos interesses destes.
Na conferência de pais a que alude o art.º 35.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível foi proferida decisão que regulou o exercício das responsabilidades parentais dos menores R… e Me… nos seguintes termos:
“Das declarações hoje prestadas em conferência, resulta com interesse para a decisão provisória a proferir, os seguintes factos:
- Os progenitores dos menores R… e Me…, estão separados desde Setembro de 2017;
- Desde então e até hoje, as crianças têm mantido contactos diários com o pai, que os recolhe na casa da mãe diariamente e os leva à escola, e, está com eles em períodos de tempo ao final do dia e ao fim de semana;
- Esta situação que começou por ser cordial, tem vindo a desencadear conflitos crescentes entre os pais, que levou inclusivamente a processo de violência doméstica, ainda pendente;
Em face destes factos e considerando que ambos os progenitores residem na mesma cidade, mostraram disponibilidade para assegurar as rotinas dos filhos e que a lei dá preferência a soluções que permitam a manutenção da relação estreita das crianças com ambos os pais, que estes estão em igualdade de circunstâncias, ao abrigo do disposto no 38° do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, a título provisório, fixa-se o seguinte regime relativo à regulação das responsabilidades parentais dos menores R… e Me…:
Exercício das responsabilidades parentais:
a) Os menores ficam a residir de uma forma alternada, uma semana com cada um dos progenitores, com transição de um progenitor para o outro à Sexta-feira de cada semana, na escola, iniciando a estadia com o pai na sexta-feira 10 de Maio de 2019;
b) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente dos menores incumbe ao progenitor com quem os menores estiverem no momento a decidir;
c) O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores são decididas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta.
2. Alimentos:
a) Cada um dos progenitores suportará as despesas inerentes ao sustento dos menores no período de tempo que os tem consigo.
b) As despesas de saúde e de educação e actividades extracurriculares que os menores esteja inscritos neste momento, serão suportadas na proporção de 50% por cada um dos progenitores, mediante a apresentação dos respectivos comprovativos.
Suspende-se o presente processo, remetendo os pais para audição técnica especializada nos termos previstos no art038° alínea b) do RGPTC.”
A requerida veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em sede de conferência de pais, realizada em 30.04.2019, que fixou, a título provisório, o regime relativo à Regulação das Responsabilidades Parentais dos menores R… e Me…;
2. A decisão que fixou o aludido regime provisório enferma de nulidade subsumível ao disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, porquanto,
2.1. Tendo o Tribunal tomado conhecimento da pendência de um processo de violência doméstica não ponderou, como se impunha, a relevância deste no regime propugnado,
2.2. Omitiu, ainda, os princípios orientadores de intervenção estabelecidos na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, nomeadamente, descurando a pronuncia sobre os indícios de comportamentos passiveis de afectar gravemente a segurança ou o equilíbrio emocional dos menores, in casu, em contexto familiar,
2.3. Omitiu a actividade investigatória a que estava obrigado quanto à existência e conteúdo do processo crime de violência doméstica e do processo tramitado na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo instaurado na sequência daquele.
2.4. Omitiu a inquirição dos menores a qual, tendo em conta o sobredito contexto se impunha.
3. Ao assim decidir, para além da sobredita nulidade o Tribunal a quo violou o disposto no artigos 35º, n.º 3, 5º e 4º al. c), todos do RGPTC, bem como violou o principio geral inserto a este regime qual seja a protecção do superior interesse dos menores.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão que fixou o regime provisório de residência alternada, substituindo-a por outra que fixe a residência dos menores com a progenitora, zelando assim pelo superior interesse dos menores (…)”
Em resposta, o requerido formula as seguintes conclusões:
I. O processo de violência doméstica, julgado no Tribunal de Lagos, está pendente no Tribunal da Relação de Évora, e nessa medida, por não ter transitado em julgado, bem andou a Senhora Dra. Juiz do Tribunal a quo em não ter tido tal processo em conta, na fixação do regime provisório, pelo qual optou.
II. Bem andou também a Meritíssima Juiz em não ter tido em conta um "processo de promoção e proteção", arquivado desde 02/05/2018.
III. Na última Conferência de Pais, tendo em conta a elevada conflitualidade existente entre os progenitores, a medida tomada, de fixar a residência alternada, foi a mais aconselhada para atenuar tal conflitualidade e, nessa medida, proteger o superior interesse dos menores.
Termos em que, mantendo na íntegra a Douta Decisão provisória, Vossas Excelências farão a costumada Justiça!”
Nas contra-alegações, o MP conclui da seguinte forma:
“A recorrente não se conforma com a decisão proferida a título cautelar, que regulou o exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, nos termos da qual, as crianças foram confiadas às guarda e cuidados de ambos os pais, com residência junto de cada um deles, em semanas alternadas.
Assenta a sua argumentação no facto de existir um processo de violência doméstica contra o progenitor das crianças, de que a mesma foi vítima, e na existência de processos de promoção e proteção na CPCJ de Lagos, que diz não ter o tribunal ponderado, invocando a sua nulidade, por violação do disposto no art. 615° n° 1 al. c) do cpc.
3° Sucede que a decisão proferida no processo de violência doméstica ainda não transitou em julgado e que, os processos de promoção e proteção que correram termos na CPCJ de Lagos, com base naquela sinalização, há muito foram arquivados, por não subsistir situação de perigo para as crianças.
Em sede de conferência, ambos os pais confirmaram que, após a separação, ambos tem assegurado a prestação dos cuidados e das rotinas diárias dos filhos, e a relação de proximidade com ambos, sem questionar as competências parentais de cada um.
5° Confirmaram ainda que existe um clima de conflitualidade, relacionado com a guarda dos filhos, bem como com outras questões decorrentes da sua vivência em comum e também do seu processo de divórcio, que se tem refletido de forma negativa na vida das crianças.
Ora, na falta de acordo entre os progenitores e fazendo a devida ponderação das circunstâncias do caso, o tribunal, tal como se impunha, por força do disposto no art. 38° do RGPTC, em função dos elementos já obtidos e na salvaguarda do superior interesse dos menores, decidiu fixar a título cautelar, a residência das crianças de forma alternada junto de cada um dos pais, em períodos semanais, por entender ser o mais adequado a debelar o conflito existente e a proporcionar-lhes junto de cada um dos pais, um ambiente mais tranquilo, seguro e equilibrado.
Assim, não vemos que o despacho recorrido enferme da nulidade invocada, pois, decidiu atendendo aos elementos até então obtidos, adotando a solução que se julgou mais conveniente e oportuna em defesa do superior interesse das crianças, não padecendo de qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade, que o torne ininteligível.
8° Pelo exposto, por ter decidido de harmonia com os princípios e normas legalmente aplicáveis, não se vislumbrando que seja merecedor de reparo, deve o mesmo ser mantido e julgado improcedente o recurso.”
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.


2 - Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir (ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC ex vi artº. 33º do RGPTC, aprovado pela Lei nº. 141/2015, de 08/09) são as seguintes:
1.ª Questão – Saber se a sentença é nula (art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC ou por violação do disposto nos artigos 35.º, n.º 3, 5.º e 4.º, al. c) todos do RGPTC.
2.ª Questão – Saber se o regime provisório da residência alternada, com cada um dos progenitores é adequado.


3 - Análise do recurso.

1.ª Questão – Saber se a sentença é nula (art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC ou por violação do disposto nos artigos 35.º, n.º 3, 5.º e 4.º, al. c) todos do RGPTC.

Defende a recorrente que a decisão é nula considerando o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, por não ter considerado a pendência de um processo de violência doméstica, por ter omitido os princípios orientadores de intervenção estabelecidos na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, por não ter investigado o conteúdo do processo crime de violência doméstica e do processo tramitado na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo instaurado na sequência daquele e por ter omitido a inquirição dos menores a qual, tendo em conta o sobredito contexto se impunha.
Vejamos:
Em primeiro lugar, cabe referir que não se verifica a nulidade prevista no art.º 615.º, nº 1, al. c), I parte do CPC (é nula a sentença quando: “[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão (…).”)
E isto porque não há qualquer contradição entre os argumentos da decisão e a mesma.
Com efeito, esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artigos 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do C.P.C. e pelo art.º 205.º, n.º 1 da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões; e, por outro lado, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal [premissa maior] com os factos [premissa menor].
Assim, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário. Realidade distinta desta, reitera-se, é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta: quando - embora mal - o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos. (Lebre de Freitas in A Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, 2000, página 298).
Ora, no caso concreto os argumentos utilizados na decisão conduzem, em termos lógicos, à conclusão da decisão, pelo que não há qualquer contradição.
Saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma.
Porém, a recorrente invoca ainda a insuficiência dos meios de prova utilizados e quanto a esse aspeto, reconhecemos-lhe alguma razão, nomeadamente porque se nos afigura adequado, face ao enquadramento da situação, a audição dos menores.
Embora não esquecendo que estamos perante uma decisão provisória e um juízo meramente perfunctório, transitório e temporário e que, por isso, o julgador não tem de aguardar por quaisquer diligências de prova, nem pela audição dos técnicos especializados e que só na decisão final se impõe um juízo mais completo, ainda assim, cremos que se impunha a audição dos menores para a fixação do regime provisório.
O critério legal supremo que deve presidir à atribuição ou repartição das responsabilidades parentais é o “superior interesse da criança” (artigos 1905.º do CC, 5.º, nº. 1 e 40.º do RGPTC, aprovado da Lei nº. 141/2015 de 08.09, 3.º, nº. 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança e nº. 2 III-B das Diretrizes adotadas do Comité de Ministros do Conselho da Europa em 12.11.2010, sobre a justiça adaptada às crianças).
E “o interesse superior da criança”, qualquer que seja a sua configuração jurídica - princípio geral, direito fundamental, standard hermenêutico enquanto conceito jurídico indeterminado, carece de preenchimento valorativo, reclamado uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência, logo uma “punctualização tópica.”- vide José de Melo Alexandrino in “Os Direitos das Crianças”, ROA, ano 68, 2008, vol. 1º e in “O Discurso dos Direitos, Coimbra Editora, pág. 140 e ss.”.
Como refere Maria Clara Sottomayor (in “Regulação do Exercício do Poder Paternal no Casos de Divórcio, 2.ª edição, págs. 36/37), “o interesse superior emanando de um conceito genérico, deve ser apurado/encontrado em cada caso concreto.
Em sede de responsabilidades parentais, o superior interesse da criança surge como um objectivo a prosseguir por todos quantos possam contribuir para o desenvolvimento harmonioso da criança e atendendo à existência da violência doméstica estamos perante uma situação de grande conflitualidade que poderá ser impeditivo de uma guarda conjunta.
É evidente que um regime de residência alternada com exercício conjunto das responsabilidades parentais, que permita à criança relacionar-se com os dois pais com grande proximidade física e emocional será, teoricamente, aquele que corresponde ao melhor interesse da criança. Mas situações há em que, regular as responsabilidades parentais de forma equitativa pelos dois progenitores, pode ser muito prejudicial para o desenvolvimento da criança.
Numa situação de violência doméstica, pode ser mais adequado defender a guarda unilateral, para não forçar a convivência entre a vítima e o agressor que irão expor a criança a um litígio acentuado, o que vai, evidentemente, contra o seu superior interesse.
Daqui se revela a importância de ouvir as crianças e valorar as suas opiniões - a vontade das crianças, verbalizada, quando esclarecida e livre de pressões, ou intuída pelos magistrados.
(Como se pode ler nos Cadernos do CEJ, “Questões do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, p. 65: O princípio da audição do menor constante em preceitos do direito interno e do direito internacional a que o Estado Português está vinculado, tem como pressuposto a consideração de que o menor deve ser ouvido nas decisões que lhe dizem respeito, por deferência pela sua personalidade; traduz-se na concretização do direito à palavra e à expressão da sua vontade, no direito à participação ativa nos processos que lhe digam respeito e de ver essa opinião tomada em consideração e resulta de uma cultura da Criança enquanto sujeito de direitos.
O actual artigo 1901° n°s 1 e 2 do CC, na redacção introduzida pela Lei 61/2008, de 21.10. impõe a audição das crianças e jovens na decisão das questões que lhes digam respeito, em caso de pais casados e que não cheguem a acordo sobre questões de particularidade importância relativas à vida dos filhos, suprimindo o limite dos 14 anos como idade mínima para o fazer.
É também entendimento pacífico na doutrina, decorrente da lei, de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português que, nos casos em que haja necessidade de regular o exercício de responsabilidades parentais, se impõe a audição prévia da criança, tendo em conta a sua idade e grau de maturidade. - cf. art° 4° al.c) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.° 141/2015, de 08.09., preceito inspirado no artigo 3° da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, aprovada por Resolução da Assembleia da República n.° 7/2014, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.° 18 de 27 de janeiro de 2014
Estabelece-se nesse preceito o princípio da audição e participação da criança, procurando expressar-se e concretizar-se a forma e condições em que a mesma é realizada, não se estabelecendo qualquer limite de idade para a sua audição, sendo esta obrigatória sempre que manifeste capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade.
A mesma audição é imposta pelo artigo 24° n°2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (aprovada em protocolo anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como resultou do Tratado de Lisboa) e pelo artigo 12° n°2 da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos da Criança.
No mesmo sentido, o Regulamento (CE) n° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental.
A audição e participação da criança nos processos judiciais em que sejam intervenientes, de acordo com a sua idade e maturidade é, pois, relevante enquanto condição essencial para o reconhecimento e execução de decisões relativas ao direito de convívio da criança com os seus progenitores, ou relativas à deslocação ou retenção ilícita de crianças (artigos 23°, al. b), 41°, n.° 3, al. c) e 42°, n.° 2, al. a) do mesmo Regulamento
O nosso direito interno acolheu, nessa matéria, tais imposições do direito internacional como princípio orientador, nomeadamente dos processos tutelares cíveis (artº. 4º nº. 1 al. c) do RGPTC), de tal modo que no seu artº. 5º. nº. 1 se estatuiu expressamente que “a criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do interesse superior”, dispondo-se mais a frente no artº. 35º nº. 1 (na Secção I do Capítulo III dedicado à regulação do exercício das responsabilidades parentais), referente à conferência de pais, que “a criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade, é ouvida pelo tribunal, nos termos da alínea c) do artº. 4º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar.”).
No caso dos autos, cremos que é necessário ouvir os menores para poder aferir o impacto, na sua vida, do exercício conjunto das responsabilidades parentais, da residência alternada, aferir qual a dinâmica de cada um dos progenitores com os menores até então, qual a coesão dos laços de afetividade destes com cada um daqueles, a eventual existência de sequelas emocionais e sentimentos de rejeição dos menores deixadas pelos episódios de violência familiar, a capacidade de diálogo e articulação de cada um dos progenitores na gestão da vida dos menores.
No âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais, o artigo 35.° do RGPTC impõe a audição da criança com idade superior a 12 anos, ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade (salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar), audição a realizar nos termos do disposto na al. c) do n.° 1 do artigo 4.° e no artigo 5°.
Tendo em conta o teor do citado art.º 4.°, n.º 1, al. c) do mencionado diploma, não pode entender-se a exigência prevista no artigo 35.° senão no sentido de ser obrigatória a audição da criança com idade superior a 12 anos, irrelevando a sua capacidade para compreender os assuntos em discussão, elementos que apenas assumem relevância relativamente a crianças de idade inferior, ressalvadas, obviamente as situações em que o superior interesse da criança desaconselhe a sua audição.
No caso dos autos estamos perante menores cuja idade já não desaconselha a sua audição, pelo contrário: R… nasceu em 13.08.2006 e Me… em 25.08.2012.

Acompanhamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.05.2019 (proferido no processo n.º 148/19. 8T8CNT-A.C1 – relator Isaías Pádua), onde se pode ler: “É de anular a decisão tomada (ainda que provisoriamente) pelo tribunal a quo na qual, ao regular do exercício dessas responsabilidades, fixou a residência dos menores, por períodos temporais alternados, em casa de cada um dos seus pais separados, sem que previamente tenha ouvido, a tal propósito, esses menores (com idade da qual transparece disporem capacidade/maturidade mínima suficiente para compreender o alcance dessa medida tutelar), e sem que, ao menos, se revele nessa decisão a ponderação das razões dessa não audição.”
Com efeito, entendemos que a não audição tem de ser justificada e, por isso, como se pode ler no mencionado aresto, que acompanhamos “a ponderação acerca dessa maturidade da criança terá de se revelar na decisão, só estando dispensada a justificação para a sua eventual não audição quando for notório que a sua baixa idade não a permite ou aconselha (…) a audição da criança num processo que lhe diz respeito não pode ser encarada apenas como um meio de prova, com o qual se pretende fazer prova de um facto relevante no processo. É muito mais vasta a finalidade da audição. Trata-se antes de mais de um direito da criança a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta. (…). E daí que não seja “(…) “adequado aplicar o regime das nulidades processuais à falta de audição. Entende-se antes que essa falta afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos, por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva (…).”
Sendo assim, e pelas razões expostas, falta de audição dos ditos menores impõe que se anule a decisão em recurso, a fim de os mesmos serem ouvidos sobre a matéria em questão para proferir decisão, onde deverá ser tido em conta o resultado da diligência ora ordenada, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Sumário:
4 - Dispositivo.
Pelo exposto, as juízas da secção cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em anular a decisão recorrida, ordenando, em consequência, que os autos baixem à 1.ª instância, a fim de aí o tribunal proceder à audição dos menores, nos termos e para os efeitos que supra se deixaram exarados, com a subsequente prolação de nova decisão.
Sem custas.
Évora, 24.09.2020
Elisabete Valente
Ana Margarida Leite (Votou o acórdão em conformidade por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15º-A, do Dec.Lei nº 10-A/2020 de 13/03, aditado pelo artigo 3º do Dec.Lei nº 20/2020 de 01/05).
Cristina Dá Mesquita (Votou o acórdão em conformidade por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15º-A, do Dec.Lei nº 10-A/2020 de 13/03, aditado pelo artigo 3º do Dec.Lei nº 20/2020 de 01/05).