CUSTOS DE DEPÓSITO
ENCARGOS DO PROCESSO
Sumário

Os custos do depósito suportados por entidade privada devem ser pagos à mesma pelo IGFEJ, mas, por outro lado, esses custos são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo, o que equivale a dizer que eles entrarão, a final, na regra de custas.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO.

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 166/11.4T3STC, do Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém (Juiz 1), o tribunal decidiu ordenar o pagamento, pelo IGFEJ (pagamento esse não sujeito a reembolso), de uma fatura apresentada pela “S – N e L, Ld.ª”, relativa ao custo de um depósito suportado por tal empresa.

Inconformado com essa decisão, interpôs recurso o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):

“1 - A final outra conclusão não pode ser retirada que não seja a de que não procedeu o Tribunal “a quo” a apreciação de forma correta e de acordo com as regras da experiência comum, das normas legais aplicáveis, afigurando-se-nos por isso injusta a decisão recorrida.

2 - Se o depositário civil se presume gratuito, por maioria de razão o fel depositário/depósito em processo penal não poderá ser oneroso, ou seja, sempre terá neste domínio de ser gratuito, nem sequer nesta sede se admite prova em contrário, ou seja, sendo que o depósito em direito civil se presume gratuito, logo em caso algum em processo penal poderá ser oneroso. Neste sentido a expressão latina “a minori ad maius”. Porém o despacho recorrido interpretou os artigos 1186º e 1158º, nº 1, do Código Civil, ao contrário, no sentido de que o depósito é, “in casu”, oneroso, por se tratar de uma sociedade comercial, porém, o artigo exige que essa sociedade tenha por profissão ser fiel depositária, o que não é o caso.

3 - O elemento sistemático compreende as disposições que regulam a mesma matéria e que regulam problemas normativos paralelos, de forma a obter-se a consonância com o espírito e unidade de todo o sistema jurídico. Se o depositário civil se presume gratuito, por maioria de razão o fiel depositário/depósito em processo penal não poderá ser oneroso, ou seja, sempre terá neste domínio de ser gratuito, nem sequer nesta sede se admite prova em contrário, ou seja, sendo que o depósito em direito civil se presume gratuito, logo em caso algum em processo penal poderá ser oneroso. Neste sentido a expressão latina “a minori ad maius”.

4 - O mesmo resulta do costume, pois na prática judiciária, no domínio penal e processual penal, um fiel depositário vir pedir o pagamento é uma tal exceção que confirma a regra de que tal depósito no âmbito processual penal é sempre gratuito.

5 - Dispõe o artigo 1158º, nº 1, do Código Civil: “o mandato presume-se gratuito, exceto se tiver por objeto atos que o mandatário pratique por profissão; neste caso presume-se oneroso”. Por sua vez, o artigo 1186º do Código Civil refere que, sobre a gratuitidade ou onerosidade do depósito, “é aplicável o disposto no artigo 1158º”.

6 - O emitente da fatura em questão não se afigura ter por profissão ser fiel depositário, pelo que esse depósito mesmo no direito civil seria sempre gratuito, por maioria de razão é sempre gratuito no domínio do direito e processo penal, onde não admitirá sequer prova em contrário. Acresce que mesmo no plano civil não se afigura que esteja afastada a presunção de que o depósito “in casu” é gratuito.

7 - O depósito no processo penal não consta do Código das Custas Judiciais, nem do Código de Processo Penal, por já resultar do ordenamento jurídico e da prática judiciária que é gratuito.

8 - Por outro lado, ao contrário do determinado no despacho recorrido, se pago o valor da fatura, tal pagamento seria sempre reembolsável até por ser manifestamente indevido, o que resulta do ordenamento jurídico, incluindo do próprio direito fiscal, fazendo assim uma interpretação incorreta do artigo 19º do Regulamento das Custas Processuais.

9 - Acresce que o despacho recorrido, ao determinar que o pagamento do valor da fatura não ficaria a cargo da arguida, também aqui o despacho recorrido interpretou incorretamente o artigo 514º do C. P. Penal, pois o depósito derivou da conduta ilícita que lhe está imputada nos autos, pelo que a arguida, a final, sempre teria de efetuar tal pagamento.

10 - O despacho recorrido, ao mandar pagar a fatura em causa, é juridicamente inválido, por falta de fundamento legal, pois afasta a aplicação dos artigos 1186º e 1158º, nº 1, do Código Civil, e não invoca qualquer norma legal que em concreto determine esse efeito jurídico.

11 - Caso existisse um eventual crédito pelo depósito, o seu beneficiário seria o nomeado fiel depositário JJDF (cfr. fls. 230) e não a S, pelo que esta não poderia nunca ser beneficiária de qualquer crédito, pois não tem nos autos a referida qualidade.

12 - O despacho recorrido, ao deferir o pagamento da fatura em causa, violou os artigos 1186º e 1158º, nº 1, 9º e 10º, do Código Civil, os artigos 4º e 514º do Código de Processo Penal, e o artigo 19º do Regulamento das Custas Processuais.

13 - Caso se considerasse oneroso o depósito, o seu pagamento deveria ser efetuado de acordo com os usos, ou seja, serem pedidos 3 orçamentos e pago apenas o menos oneroso, pelo que tal valor poderá ser excessivo - artigo 1158º, nº 2, do Código Civil.

14 - O encargo, se existisse, deveria ser considerado sempre reembolsável e a liquidar apenas a final, por a arguida ter dado causa ao mesmo - artigos 19º do Regulamento das Custas Processuais e 514º do C. P. Penal.

15 - O Mmº Juiz decidiu valorando incorretamente as normas legais aplicáveis, não as analisou à luz das regras da experiência, pelo que outro resultado não pode ser obtido que não seja a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro despacho que indefira o pagamento da fatura em questão, que a S não é a fiel depositária, que a arguida é que deu causa ao encargo a não adiantar pelo IGFEJ.

Por tudo o exposto, e nos demais termos de Direito que V.ªs Ex.ªs Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação do despacho recorrido com a Referência 90059047, a fls. 620 a 622, e ser substituído por outro que indefira o pagamento da fatura em questão, a fls. 618, que o seu valor será excessivo, que a S não é a fiel depositária, que a arguida é que deu causa ao encargo a não adiantar pelo IGFEJ”.

*

“S - N e L, Ld.ª”, apresentou resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, entendendo que o mesmo deve ser julgado improcedente, e concluindo tal resposta nos seguintes termos (em transcrição):

“A. No Recurso, do Douto Despacho do Tribunal a quo que determinou o pagamento à Interveniente Acidental dos custos incorridos com o depósito da mercadoria apreendida, entendeu o Ministério Público que i) a Interveniente Acidental não assume a qualidade de fiel depositária, mas sim o Exmo. Senhor JJDF; ii) o depósito existente nos presentes autos presume-se gratuito na mediada em que o depósito civil também o é; e iii) por isso deve ser revogado o Despacho que ordenou o pagamento da fatura emitida pela Interveniente Acidental.

B. A Interveniente Acidental assume a qualidade de fiel depositária nos presentes autos, pois o armazém onde está acondicionada a mercadoria é por si explorado/propriedade sua e não do Exmo. Senhor JJDF, que apenas assinou o auto de apreensão e nomeação de fiel depositário como gerente e representante legal daquela.

C. A Interveniente Acidental tem, por isso, legitimidade e direito para ser ressarcida dos custos que tem vindo a suportar com o armazenamento da mercadoria apreendida, devendo improceder o alegado pelo Ministério Público e ser determinado que aquela é fiel depositária no âmbito dos presentes autos.

D. O Ministério Público labora, igualmente, em erro, ao equiparar o depósito em crise ao depósito civil previsto no artigo 1185º do CC.

E. Estamos perante um depósito judicial ordenado pelo Ministério Público, isto é, pelo Estado, que é público e por isso imperativo e não um mero contrato privado com a Interveniente Acidental.

F. Nos presentes autos o depósito foi ordenado nos termos do artigo 178º e o depositário assume-se como um auxiliar da justiça, ao qual incumbe para determinados fins judiciais a guarda de certos bens por ordem e sob a superintendência do Tribunal.

G. No caso sub judice não existe uma relação de direito privado que permita ser enquadrada na definição de contrato de depósito nos termos do Código Civil, mas sim uma relação de direito público que nasce da necessidade de guarda de bens apreendidos nos termos do Código de Processo Penal.

H. O Ministério Público, com o devido respeito, adotou desde o início dos presentes autos uma postura passiva quanto ao depósito que impôs, que dura há 9 anos, para assim cumprir com a sua função de guarda e preservação de prova que é uma responsabilidade sua e não pode beneficiar por algo que criou e deve pagar aquilo que impôs a um terceiro, isto é, à Interveniente Acidental.

I. Por isso, não estamos perante um depósito presumivelmente gratuito, mas sim oneroso, porque o pagamento emerge dos princípios gerais do direito e até como forma de evitar abusos dos órgãos do Estado sobre uma empresa que é onerada com uma obrigação que é do próprio Estado.

J. Os preceitos legais que permitem e exigem o pagamento do depósito em apreço são os artigos 16º, nº 1, d), e 17º, do Regulamento das Custas Processuais.

K. Aliás, o próprio Código de Processo Penal estabelece um critério de pagamento no artigo 186º, nº 3, permitindo afirmar que se o Estado impõe uma regra que o favorece a mesma regra deve ser aplicável se a ação do Estado desfavorece terceiros.

L. O depósito em crise revelou-se inútil e desnecessário, considerando que no passado dia 8 de maio de 2020 o Ministério Público promoveu a transferência da mercadoria apreendida para o Posto Logístico da ASAE, volvidos 9 anos, o que denota que já poderia ter sido feito há mais tempo sem onerar a Interveniente Acidental.

M. A posição do Ministério Público revela-se abusiva, inaceitável e grave, pois manteve a mercadoria armazenada em instalações de um privado, assumindo que o mesmo era gratuito e só agora volvidos 9 anos é que diligencia pela sua transferência para uma entidade do Estado.

N. Do exposto resulta claro o direito de a Interveniente Acidental ser paga pelos custos que tem vindo a suportar com o armazenamento da mercadoria apreendida nos presentes autos.

Termos em que Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, dando por aceite e provada a presente Resposta, negando provimento ao Recurso apresentado pelo Ministério Público e mantendo a ordem de pagamento dos custos de depósito suportados pela Interveniente Acidental nos presentes autos, a título de encargos do processo e nos termos do Regulamento das Custas Processuais, farão inteira e sã Justiça”.

*

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, aquando da vista a que alude o artigo 416º, nº 1, do C. P. Penal, apôs “visto”.

Foram colhidos os vistos legais e o processo foi à conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

1 - Delimitação do objeto do recurso.

Tendo em conta as conclusões acima enunciadas, apresentadas no recurso interposto pelo Ministério Público, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, é a seguinte a questão que vem suscitada e que nos cumpre decidir: saber se os custos do depósito suportados pela “S - N e L, Ld.ª”, no âmbito destes autos devem (ou não) ser pagos pelo IGFEJ, a título de encargos do processo, e se os mesmos, tendo de ser pagos pelo IGFEJ, são (ou não) a reembolsar, posteriormente, pelo arguido.

2 - A decisão recorrida.

O despacho sub judice é do seguinte teor:

“Referência eletrónica 4981028 e 90008601

Os normativos citados pelo Ministério Público não têm aplicação à situação vertente, porque em causa não está um depósito civil, contratual ou de natureza particular; mesmo que estivesse, diga-se de passagem, seria difícil representar um depósito gratuito, considerando ser a depositária uma sociedade comercial; a presumir-se, seria da onerosidade do depósito e não da gratuitidade.

Mas vejamos que este caso não tem que ver com depósito civil; a interveniente S é, para todos efeitos, depositária judicial, e tem direito a ser remunerada pelo custo desse depósito, veja-se, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5 de fevereiro de 2019, proferido no processo 384/14.3GHSTC.E1.

O depósito em questão foi constituído nos termos do artigo 39.º do RGIT (veja-se o auto de apreensão e nomeação de fiel depositário de fls. 230), que prevê um depósito de natureza provisória ou excecional, pois que ele em regra se fará ou assim que possível se fará em instâncias aduaneiras ou depósitos públicos, nos termos do artigo 38.º do mesmo diploma legal.

Por outro lado, do custo deste depósito, que perdura há sensivelmente 9 anos até esta data, emerge um encargo que se apresenta da exclusiva responsabilidade do Estado, ou seja, ele não pode vir a ser imputado ao arguido, porque não se relaciona com a sua atividade processual.

No âmbito do processo crime, só os encargos nessa relação de “causalidade” podem ser imputados ao arguido – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª Ed., UCE, pág. 1274, em anotação ao artigo 514º do Código de Processo Penal.

O encargo aqui em causa, porém, emerge da aquisição ou da conservação da prova, é proveniente do impulso processual, é exclusivamente proveniente do impulso processual do Ministério Público - sujeito processual isento de custas (artigo 522.º do Código de Processo Penal) -, que determinou essa apreensão por despacho datado de 7 de abril de 2011.

O encargo terá que ser adiantado, mais propriamente pago, pelo IGFEJ, nos termos do artigo 19º do Regulamento das Custas Processuais, e não é, em concreto, suscetível de reembolso.

Diversamente sucede no processo civil, aproveitamos para notar, e para que melhor se compreenda a distinção, relativamente ao processo penal, em que os encargos sempre serão da responsabilidade das partes (de uma ou de ambas), mesmo que a diligência tenha sido oficiosamente determinada (artigo 532º do Código de Processo Civil); assim não sucede no processo penal, todavia, ao arguido apenas pode ser imputado encargo decorrente da sua atividade processual (e ao assistente se o procedimento depender de acusação particular, o que também não é o caso).

A depositária S apresentou um custo de 45.633€ até 29 de fevereiro de 2020, conforme a fatura que acompanha o requerimento em referência; em concreto, contabilizou 106 meses de armazenamento à razão mensal de 350€.

O Ministério Público, que é o sujeito processual onerado com o custo, ainda que dele isento, e que tem o interesse em contradizer, não põe em causa o valor apresentado, o concreto custo praticado pela empresa, e, logo por essa ausência de contestação, se haverá de considerar justo o valor apresentado.

Mas mais poderemos aduzir quanto à adequação do valor apresentado; o Regulamento das Custas Processuais não tabela a remuneração do depositário judicial, é certo, mas poderemos tomar por referência o custo do depósito público ou equiparado, estabelecido no artigo 30º da Portaria nº 282/2013, de 29 de agosto.

O depósito público ou equiparado é pago à razão de 0,0075 UC ou 0,765€ por m2 ou m3, por cada dia de utilização, conforme se alcança do último citado normativo.

Traduziria, no concreto caso em apreço, em que a mercadoria ocupa 52 m2, 39,78€/dia e 1.193,4€/mês; como se vê o preço praticado pela interveniente S é inclusivamente inferior, substancialmente inferior na verdade, ao preço da utilização de um depósito público ou equiparado de idêntica dimensão e duração.

Nestes termos:

- Determina-se o pagamento, pelo IGFEJ, pagamento esse não sujeito a reembolso, da fatura apresentada pela interveniente S no requerimento referência eletrónica 4981028, no valor de 45.633€ (quarenta e cinco mil e seiscentos e trinta e três euros), relativa ao custo do depósito suportado pela referida interveniente até ao dia 29 de fevereiro de 2020.

Notifique-se.

Proceda-se nos termos do último parágrafo da promoção em referência, prontamente estabelecendo contacto telefónico com as referidas entidades, aquilatando da possibilidade de receberem em depósito os objetos em questão, seguidamente lavrando-se cota com as informações recolhidas e abrindo-se nova vista ao Ministério Público”.

3 - Factos relevantes para a decisão.

a) Em 07-04-2011, em fase de inquérito, o Ministério Público proferiu nos autos o seguinte despacho: “determino a imediata apreensão dos artigos a que se alude na queixa crime (576 caixas de cartão, contendo 27.648 pares de sapatos), ao abrigo do disposto no artigo 178º, nºs 1 e 3, do C. P. Penal”.

b) Nessa altura, o Ministério Público não indicou qual o local onde iriam ficar os artigos a apreender nem qual seria a pessoa (ou a entidade) “responsável” pela guarda dos mesmos.

c) Em cumprimento dessa decisão do Ministério Público, e no dia 08-04-2011, a Alfandega de … entregou a JJDF, na qualidade de gerente e representante legal da “S –N e L, Ld.ª”, os aludidos bens apreendidos.

d) Essa mercadoria apreendida ficou depositada nas instalações da “S - N e L, Ld.ª”, sendo constituído seu fiel depositário JJDF, enquanto gerente e representante legal de tal sociedade.

e) Desde essa altura, e durante cerca de 09 anos, a mercadoria em causa permaneceu acondicionada e intocada nas instalações da “S - N e L, Ld.ª”.

f) Em 18-02-2020, o tribunal recorrido entendeu que a “S - N e L, Ld.ª”, era fiel depositária da mercadoria e solicitou o envio do custo suportado com o deposito até àquela data.

g) A “S - N e L, Ld.ª”, respondeu ao solicitado, e, por requerimento, informou o tribunal a quo que, até ao dia 31-12-2019, os custos ascendiam a € 36.400,00, explicando qual o respetivo método de cálculo.

h) O tribunal recorrido ordenou, então, o pagamento dessa quantia à “S - N e L, Ld.ª”, contra fatura, que a mesma emitiu e juntou aos autos.

i) O Ministério Público, perante esse processado, “reclamou”, opondo-se ao pagamento dos custos em questão, invocando o disposto nos artigos 1186º e 1158º, nº 1, do Código Civil, mas não contestando, especificamente, a fórmula de cálculo de tais custos usada pela “S - N e L, Ld.ª”.

j) Em face dessa promoção e dessa posição do Ministério Público, o tribunal a quo proferiu o despacho objeto do presente recurso (e acima transcrito).

4 - Apreciação do mérito do recurso.

I - A primeira questão a apreciar e a decidir consiste em saber se os custos do depósito suportados pela “S - N e L, Ld.ª”, no âmbito destes autos devem (ou não) ser pagos pelo IGFEJ, a título de encargos do processo.

Questão idêntica foi decidida no Ac. deste T.R.E. de 05-02-2019 (relator Gomes de Sousa, e disponível in www.dgsi.pt), onde, e bem, se escreveu: “o recurso ao Código Civil permite-nos concluir que o “depósito” é um contrato «pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida» - artigo 1185º - com as obrigações de a guardar, de avisar imediatamente o depositante, quando saiba que algum perigo ameaça a coisa e a restituir a coisa (artigo 1187º do mesmo diploma). Naturalmente que, no caso, só releva o objeto do instituto e não a sua característica civilista, que aqui fica afastada e assume natureza pública. Aliás, como já se afirmava no acórdão da Relação do Porto de 02-21-2005 (Proc. 0550350, rel. Fonseca Ramos), «o depositário que é investido na guarda de um bem por determinação judicial é sujeito de uma relação jurídica de direito público, …»). E o Prof. José Alberto dos Reis asseverava que “a figura do depositário desenha-se assim: é um auxiliar da justiça, ao qual incumbe, para determinados fins processuais, a guarda e administração de certos bens, à ordem e sob a superintendência do tribunal” (Processo de Execução, volume 2º - Reimpressão, Coimbra Editora, Ldª, 1982, pág. 138-139). Essa relação jurídica de direito público nasce da necessidade de guarda dos bens apreendidos nos termos do C.P.P., designadamente das regras gerais quanto a apreensões constantes do artigo 178º do referido diploma. Este preceito é claro na afirmação de que “são apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova”, referindo o nº 2 que “os instrumentos, produtos ou vantagens e demais objetos apreendidos nos termos do número anterior são juntos ao processo, quando possível, e, quando não, confiados à guarda do funcionário de justiça adstrito ao processo ou de um depositário, de tudo se fazendo menção no auto”. (…) E a questão passa a ser, unicamente, saber qual a norma que permite o pagamento - saber se há norma expressa, pois que a imposição de pagamento pelo Estado é uma obrigação que resulta dos princípios gerais de direito, no caso concreto até como forma de evitar o abuso de órgãos do Estado sobre o cidadão ou empresa que é onerada com uma obrigação de guarda que incumbe ao Estado - norma essa que é, claramente, o artigo 16º, nº 1, al. h) do Regulamento das Custas Processuais que define como “encargos” as «retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo». O pagamento resulta obviamente do disposto no artigo 17º, nº 1, quando afirma que “as entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, (…), têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento”. Naturalmente que não é aplicável a Tabela IV do Regulamento pois esta apenas é aplicável nos casos “a que se referem os nºs 2, 4, 5 e 6 do artigo 17º do Regulamento” e o “depósito” não se inclui na sua previsão. Resta então saber se é necessário fazer apelo ao Código de Processo Civil. Entende-se que não por duas razões: o C.P.P. indica critério de pagamento e o C.P.C. não tem critério alternativo. Dispõe o artigo 186º, nº 3, do C.P.P., que, no caso de se impor a restituição de bens apreendidos, “as pessoas a quem devam ser restituídos os objetos são notificadas para procederem ao seu levantamento no prazo máximo de 90 dias, findo o qual passam a suportar os custos resultantes do seu depósito”. Ora, se o Estado impõe uma regra que o favorece, a mesma regra deve ser aplicável se a ação do Estado desfavorece terceiros. São, portanto, os custos resultantes do depósito o critério central para determinar quanto deve ser pago à recorrente. A recorrente indicou valores que, ao que parece, não foram contestados pelo Ministério Público, que se acomodou na altura em que a recorrente formulou o seu pedido de remuneração. Aqui, sempre se revelaria adequado ter presente - com as necessárias adaptações - o disposto no artigo 952º do C.P.C., quando afirma que as “contas do depositário judicial são prestadas ou exigidas nos termos aplicáveis dos artigos 948º e 949º; são notificadas para as contestar e podem exigi-las tanto à pessoa que requereu o processo em que se fez a nomeação do depositário, como àquela contra quem a diligência foi promovida e qualquer outra que tenha interesse direto na administração dos bens”. E, como estatui a al. b) do artigo 948º, não havendo contestação, o juiz pode ordenar, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, as diligências necessárias e encarregar pessoa idónea de dar parecer sobre as contas. Estas normas são aplicáveis ex vi do disposto no artigo 4º do C.P.P.”.

Subscrevemos integralmente o expendido em tal Acórdão deste T.R.E. de 05-02-2019 (na parte acabada de transcrever), pelo que, não havendo mais nada de relevante a acrescentar, chegamos à seguinte conclusão: os custos do depósito em questão têm de ser pagos à depositária pelo IGFEJ, improcedendo o recurso do Ministério Público neste primeiro segmento.

II - A segunda questão a apreciar e a decidir consiste em determinar se os custos do depósito, tendo de ser pagos pelo IGFEJ (como concluímos), devem (ou não) ser “reembolsados”, posteriormente, pelo arguido, caso seja condenado no processo.

Sob a epígrafe “encargos”, estabelece o artigo 16º, nº 1, als. g) e h), do Regulamento das Custas Processuais:

“Tipos de encargos

1 - As custas compreendem os seguintes tipos de encargos:

g) As despesas resultantes da utilização de depósitos públicos;

h) As retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo”.

A nosso ver, os custos do depósito dos bens apreendidos no presente processo-crime, suportados pela “S - N e L, Ld.ª”, e em caso de condenação criminal, a final, do arguido, sendo os bens apreendidos ao mesmo e objeto do depósito em causa instrumento ou produto do crime praticado, terão de ser reembolsados pelo arguido ao IGFEJ.

Esses custos do depósito, quer este seja deferido a uma entidade pública ou a uma entidade privada, devem ser considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo, sendo, pois, um encargo, e o seu pagamento, devendo ser adiantado (como acima dissemos) pelo IGFEJ, deverá entrar na conta de custas, como um “encargo”.

In casu, e para preservação da prova, o Ministério Público recorreu a uma entidade privada (a empresa “S - N e L, Ld.ª”), em nada relacionada com o presente processo-crime, a qual, como não poderia deixar de ser, acatou a sua nomeação como fiel depositária e colaborou com a justiça, mantendo a mercadoria contrafeita nas suas instalações durante cerca de 09 anos.

Assim, os custos suportados pela “S - N e L, Ld.ª”, que devem ser pagos à mesma pelo IGFEJ a título de adiantamento, e em cumprimento do disposto no artigo 16º, nº 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais (por constituírem uma retribuição devida “a quem interveio acidentalmente no processo”), deverão entrar em regra de custas.

Por isso, o recurso do Ministério Público, neste específico ponto, é de proceder (ou seja, os custos do depósito, muito embora tendo de ser pagos à “S - N e L, Ld.ª” pelo IGFEJ, devem ser “reembolsados”, posteriormente, pelo arguido, caso seja condenado no processo, entrando em regra de custas, como “encargos”).

Em jeito de síntese: por um lado, os custos com o depósito da mercadoria apreendida nestes autos são pagos diretamente, pelo tribunal (ou melhor: pelo IGFEJ), à entidade (privada) que os suportou, mas, por outro lado, esses custos são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo, o que equivale a dizer que eles entrarão, a final, na regra de custas.

Em conformidade com o que vem de dizer-se, o recurso interposto pelo Ministério Público é parcialmente de proceder.

III - DECISÃO.

Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, e, em consequência:

A - Mantem-se a decisão recorrida na parte em que, na mesma, se determinou o pagamento à interveniente acidental “S - N e L, Ld.ª” dos custos do depósito por esta apresentados.

B - Revoga-se a decisão revidenda na parte em que, na mesma, se decidiu que os aludidos custos do depósito em causa não entrarão, a final, na regra de custas.

C - Determina-se que os custos com o depósito da mercadoria apreendida nestes autos entrarão, a final, na regra de custas.

Sem custas.

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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 20 de outubro de 2020

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Laura Goulart Maurício