Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
FACTOS GENÉRICOS
CONTRADITÓRIO
DIREITO DE DEFESA
REQUISITOS DO TIPO
Sumário
I - As imputações genéricas sem indicação precisa do tempo, lugar e circunstancialismo em que ocorreram, inviabilizam um efetivo direito de defesa, pois impossibilitarem o cabal exercício do contraditório, pelo que devem considerar-se não escritas. II - O bem jurídico protegido no tipo legal de crime de violência doméstica reside na dignidade da pessoa humana, incluindo-se todos os comportamentos que lesem essa dignidade. III - Assim, para a existência do crime é necessário que os factos praticados afectem de modo grave e saúde física, psíquica ou emocional da vítima, que essa afectação comprometa de igual modo gravemente o desenvolvimento ou a revelação e/ou manifestação da sua personalidade e da sua maneira de ser e que com isso se ponha em causa, ou seja susceptível de pôr em causa, a dignidade da pessoa humana, enquanto ser livre e responsável. IV - O que significa que dos factos provados tem de resultar a demonstração de um estado de degradação ou aviltamento da dignidade humana, não sendo a pessoa tratada como pessoa, em resultado da crueldade, insensibilidade para com o outro e traduzida em manifestação de desprezo ou desconsideração, ou impondo uma vivência de medo, de tensão e de subjugação insuportáveis.
Texto Integral
Processo nº 672/19.2GBAMT.P1
TRP 1ª Secção Criminal
Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto
No Proc. C. S. nº 672/19.2GBAMT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Criminal de Amarante em que é arguido B…,
O Mº Pº promoveu que fosse arbitrada indemnização à vítima, a título de reparação pelos prejuízos sofridos, ao abrigo do disposto no art.º82.º-A do CPP
Interveio como assistente C…
Por sentença de 31/1/2020 foi decidido: “Pelo exposto, decide o Tribunal: 1. CONDENAR B…, EM AUTORIA MATERIAL, E NA FORMA CONSUMADA, DE UM CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA AGRAVADO, P. E P. PELO ART.º152.º, N.º1, ALÍNEA A) E N.ºS2, ALÍNEA A) E 4, DO CÓDIGO PENAL, NA PENA DE 36 (TRINTA E SEIS) MESES DE PRISÃO; 2. CONDENAR O ARGUIDO PELA PRÁTICA DE UM CRIME DE VIOLAÇÃO DE PROIBIÇÕES, P. E P. PELO ART.º353.º DO CÓDIGO PENAL, NA PENA DE 09 MESES DE PRISÃO; 3. EM CÚMULO JURÍDICO, CONDENAR O ARGUIDO NA PENA ÚNICA DE 40 MESES DE PRISÃO; 4. CONDENAR O ARGUIDO NA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONTACTO, POR QUALQUER MEIO, COM A ASSISTENTE PELO PERÍODO DE 40 MESES; 5. CONDENAR O ARGUIDO NO PAGAMENTO DA QUANTIA DE €500,00 À ASSISTENTE, A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA NOS TERMOS DO ART.º82.º-A DO CPP; 6. CONDENAR O ARGUIDO NO PAGAMENTO DAS CUSTAS DO PROCESSO, FIXANDO-SE A TAXA DE JUSTIÇA EM TRÊS (03) UC;
*
Após trânsito, remeta boletim ao registo criminal, comunique ao processo referido em 32) A), dê cumprimento ao disposto nos n.ºs1 e 2 do art.º37.º da Lei n.º112/2009, de 16.09, comunique ao TEP com certidão da presente decisão, e passe os competentes mandados. Deposite, notifique.
Recorre o arguido o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes e extensas conclusões: “1. A sentença ora objeto de recurso padece de erro de julgamento no que tange à matéria de facto, pelo que deve ser alterada a matéria de facto dada como provada. 2. O Tribunal a quo considerou provado para além do mais que “Com a conduta do arguido, a ofendida sente-se perseguida, limitada na sua liberdade de circulação, bem como tem sentido vergonha e humilhação, medo e ansiedade (cfr. ponto 20 dos factos provados) e que “Ao atuar do modo supra descrito, teve o arguido o propósito concretizado e reiterado de perseguir a ofendida, impor-lhe a sua presença, humilhá-la e infligir sofrimento psíquico na ofendida, bem como provocar-lhe receio e medo pela sua vida e de terceiros, não ignorando que devia à ofendida, como sua ex-mulher e mãe da sua filha C… particular respeito e consideração”, cfr. ponto 21 dos factos provado, (sublinhados nossos). 3. Porém, o tribunal a quo considerou, e bem, não provado “Que a assistente receie que o arguido possa atentar contra a sua vida ou integridade física” e “Que com a conduta do arguido, a assistente tenha sentido medo e ansiedade de que o mesmo pudesse atentar contra a vida da mesma ou de terceiros” (cfr. pontos c) e d) dos factos não provados). 4. Verifica-se, assim, uma clara e notória contradição entre os factos provados e não provados, no que concerne ao suposto medo e ansiedade que a assistente teria sentido, em resultado da conduta do arguido. 5. Face ao exposto deverá ser excluído do ponto 20.º do elenco dos factos provados que com a conduta do arguido a ofendida sente medo e ansiedade e ser excluído do ponto 21.º dos factos provados que ao atuar do modo descrito, teve o arguido o propósito concretizado e reiterado de provocar à ofendida receio e medo pela sua vida e de terceiros. 6. Consta do ponto 7.º dos factos provados que “Todavia, não obstante aquela condenação, o arguido, sem que tenha qualquer motivo ou justificação, continuou em cadência não concretamente apurada, a deslocar-se à rua onde reside a ofendida, conduzindo o seu veículo de matrícula .. – AD - .., impondo frontalmente a sua presença” (sublinhado nosso). 7. Consta também do ponto 8.º dos factos provados que “Por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, o arguido foi surpreendido pelo filho da ofendida – D… – encostado à janela do quarto da ofendida, como se estivesse a tentar ouvir as conversas e controlar a mesma” (sublinhado nosso). 8. Do mesmo modo que consta do ponto 11.º dos factos provados que “Nos meses de setembro a novembro de 2019, inclusive, em datas não concretamente apuradas, aos Domingos, da parte da manhã, nos momentos em que D… procedia à entrega da sua irmã E… ao arguido, o que ocorre num café localizado junto à residência da ofendida, conforme estipulado na Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, aquele fez perguntas sobre as rotinas da ofendida, sendo que, em pelo menos seis ocasiões, em que D… não lhe respondeu, o arguido começou a dizer em viva voz as seguintes expressões: “ela é uma puta, não está em casa porque anda com os amantes…essa grande puta, qualquer dia fodo-a, essa filha da puta qualquer dia vou matála”, de forma repetitiva e na presença da filha menor E…, a qual se mostra assustada” (sublinhado nosso). 9. In casu não se precisou cabalmente a data em que alegadamente ocorreram os factos descritos nos pontos 7.º, 8.º e 11.º dos factos provados. 10. Logo, tais imputações genéricas, sem uma precisa especificação das condutas, nomeadamente do tempo em que ocorreram, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRC, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente, devendo ser tidas como não escritas, como é entendimento jurisprudencial generalizado. 11. Assim, deverão ter-se por não escritos os factos constantes dos pontos 7.º, 8.º e 11.º dos factos provados. 12. Atentas as razões supra referidas, cometeu o Tribunal a quo um erro de julgamento da matéria de facto, violando o disposto no artigo 32.º n.º 2 da CRP e no art. 127.º do Código de Processo Penal. 13. Como vem sendo entendido pela nossa jurisprudência “Nem todas as ofensas à integridade física, à honra e consideração ou à liberdade de determinação constituem crime de violência doméstica, apenas, pelo facto de ocorrerem no seio de uma relação conjugal ou equiparada. Se os actos de agressividade verbal não representarem um potencial de agressão que supere a protecção oferecida pelo crime de injúria e de ameaça, então, não são suscetíveis de integrar o tipo legal de violência doméstica” (cfr. Acórdão da Relação do Porto, proferido em 13-06-2018, no âmbito do Processo 189/17.0GCOVR.P1, disponível em www.dgsi.pt ). 14. Ora, descendo ao caso dos autos, ter-se-á de concluir que não obstante a inquestionável censurabilidade da conduta do arguido, a mesma não atinge o patamar de gravidade previsto e punido pelo tipo legal de crime pelo qual o arguido foi condenado, não se vislumbrando nos factos provados o ascendente moral e o domínio do agressor sobre a vítima que este tipo legal de crime pressupõe e pune. 15. Assim, e face ao exposto, afigura-se-nos que os factos provados não preenchem o tipo legal de crime de violência doméstica de que vinha acusado, pelo que o arguido deveria ter sido absolvido da prática do referido crime. 16. Ao condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, al. a) do Código Penal, violou o tribunal a quo o referido dispositivo legal, por deficiente interpretação e aplicação do mesmo. 17. Deverá, assim, ser revogada a decisão recorrida e em consequência ser o arguido absolvido da prática do crime de violência doméstica de que vinha acusado. 18. Para o caso de se manter a condenação do arguido por ambos os crimes de que vinha acusado, o que não se concede, pretende o arguido recorrer quanto à escolha da pena no que concerne ao crime de violação de proibições e quanto à medida das penas que lhe foram aplicadas pela prática dos crimes de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º1, alínea a) e n.ºs 2, alínea a), e 4 e do crime de violação de proibições, p. e p. pelo art.º 353.º, ambos do Código Penal, bem como quanto à respetiva pena única quelhe foi aplicada. 19. Também nesta perspetiva não podemos concordar com a sentença de que ora recorremos, pois consideramos que relativamente ao crime de violação de imposições, proibições ou interdições p. e p. pelo art. 353.º do Código Penal, deveria ter sido aplicada pena de multa e que, relativamente às penas de prisão aplicadas, quer as penas parcelares, quer a pena única em que o arguido foi condenado estão acima do limite que consideramos aceitável para situações como a presente. 20. É nosso entendimento que, em caso de condenação em pena de prisão, é de aplicar uma pena inferior àquela que foi aplicada pelo tribunal a quo, quer no que tange às penas parcelares, quer no que tange à pena única. 21. Com efeito, o arguido B…, ora recorrente, tem 66 anos de idade, está familiar, social e profissionalmente integrado, aufere uma pensão mensal no valor de €239,00, é vendedor ambulante de pipocas e algodão doce e faz ainda, esporadicamente, biscates em conserto de panelas (Cfr. 26, 27 e 28 dos factos provados). 22. Por outro lado, o grau da ilicitude e da culpa nos presentes autos é reduzido e as necessidades de prevenção geral e especial não são, in casu, de sobremaneira gravosas. 23. Pelo que, em caso de condenação, é, em nossa opinião, de aplicar no que tange ao crime de violência doméstica agravado uma pena inferior àquela que lhe foi aplicada, nunca superior a dois anos e dois meses de prisão e suspensa na sua execução. 24. Com efeito, não obstante o arguido já ter antecedentes criminais, tendo em conta o grau de ilicitude e da culpa que os factos provados revelam, que se situam num patamar médio/baixo e as consequências para a vítima, que também se não afiguram sobremaneira gravosas, tendo ficado provado que a mesma não teme pela sua integridade física ou pela vida e resultando dos factos apurados que não se priva de frequentar os locais que costumava frequentar, não sentindo necessidade de prescindir dos seus momentos de lazer e convívio, consideramos que a pena a aplicar deverá situar-se próxima do limite mínimo da moldura legal e deverá ser concedida ao arguido uma derradeira oportunidade e ser suspensa a execução da pena de prisão aplicada, ainda que eventualmente sujeita a um regime de prova, se tal for considerado necessário e oportuno. 25. Tendo em conta as circunstâncias em que ocorreram os factos imputados ao arguido, afigura-se-nos que a censura do facto e a ameaça da prisão ainda realizarão as finalidades da punição, revelando-se suficientes para persuadir o arguido a empenhar-se em não violar os valores tutelados pela lei penal e a interiorizar os valores basilares da vida em sociedade e de acordo com o Direito. 26. No que concerne ao crime de violação de proibições, é nosso entendimento que nos termos do artigo 70.º do CP é de aplicar uma pena de multa, uma vez que esta realiza, “de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. 27. Para além do grau da ilicitude e da culpa se situarem também numa patamar médio/baixo, tendo em conta o número de vezes, os locais e as circunstâncias em que o arguido abordou a ofendida, acresce ainda o facto de o arguido ser primário, relativamente a este tipo de crime, pelo que deverá ser alterada a pena aplicada ao arguido pela prática do crime de violação de proibições e o mesmo ser condenado numa pena de multa não superior a 30 dias, à taxa diária de €5,00. 28. Se assim se não entender, o que não se concede, e se considerar que deverá manter-se a aplicação de uma pena de prisão, deverá a mesma ser reduzida, devendo o arguido ser condenado em pena não superior a dois meses de prisão, também suspensa na sua execução, pois que atentas as razões supra alegadas deverá ser condenado numa pena situada próxima do limite mínimo da moldura legal. 29. Mantendo-se a condenação do arguido pelos crimes de que vinha acusado e em penas de prisão por ambos os crimes, deverá ser reduzida a pena única aplicada ao mesmo, devendo ser condenado numa pena única não superior a dois anos e três meses, suspensa na sua execução por igual período, ainda que eventualmente sujeita a um regime de prova, se tal for considerado necessário e oportuno. 30. Ao condenar o arguido, nos termos em que o fez, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 40.º, n.º 2, º, 50.º, 70.º e 71.º, n.º 1, todos do Código Penal. 31. Subsidiariamente, para a hipótese remota de condenação em pena de prisão e de não ser concedida ao arguido a suspensão da execução da pena, verificados que estejam os requisitos previstos no artigo 43.º do Código Penal, deverá ser permitido que o arguido cumpra o remanescente da pena de prisão em regime de prisão domiciliária, dando o mesmo desde já o necessário consentimento.
O Mº Pº respondeu defendendo a improcedência do recurso.
A assistente C… respondeu ao recurso.
Defendendo a sua improcedência.
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta do despacho recorrido (transcrição):
“II. Fundamentação: Factos Provados:
Da discussão da causa, após ponderação crítica dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento, resultaram provados os seguintes factos: 1. O arguido B… e a ofendida C… casaram em 11.08.2010, tendo-se divorciado em 06.03.2014. 2. Desse relacionamento nasceu a menor C…, em 08.10.2011. 3. O arguido beneficiou já de uma suspensão provisória do processo, por factos praticados até 03.08.2015, que integravam a prática de um crime de violência doméstica, em que a aqui ofendida era igualmente a visada - processo n.º 528/15.8GBAMT - que foi arquivado após cumprimento das injunções no mesmo determinadas. 4. Não obstante, após o termo da suspensão provisória do processo, o arguido, nunca tendo aceite que a ofendida tivesse contraído um novo casamento com G…, continuou com a sua conduta criminosa, molestando a ofendida fisicamente e psiquicamente, perseguindo-a, bem como a apelidava com vários impropérios, quer presencialmente, quer via telefónica, e dirigia-lhe várias ameaças de morte e contra a sua integridade física. 5. Por tais factos o arguido foi condenado pelo crime de violência doméstica, p. e p. no art.º152.º, n.ºs1, alínea a) e 2, do Código Penal, no âmbito do processo n.º74/17.5GBAMT, por decisão proferida em 12.12.2018, transitada em julgado em 11.01.2019 pelo Juízo Central Criminal de Penafiel, - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, que em cúmulo jurídico com condenação pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, foi aplicado ao arguido uma pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, acompanhada de regime de prova, o qual deveria contemplar, designadamente, a avaliação psicológica e acompanhamento a esse nível, bem como avaliação médica nível do consumo de álcool e respetivo acompanhamento, se necessário, a qual foi precedida da aplicação de medida de afastamento da ofendida, com vigilância eletrónica. 6. Desde que a ofendida se divorciou do arguido, passou a residir no Bairro H…, Bloco …, …, …, Amarante com a sua filha C… e o seu filho – D… de 17 anos de idade, fruto de um outro relacionamento. 7. Todavia, não obstante aquela condenação, o arguido, sem que tenha qualquer motivo ou justificação, continuou em cadência não concretamente apurada, a deslocar-se à rua onde reside a ofendida, conduzindo o seu veículo de matrícula .. – AD -.., impondo frontalmente a sua presença. 8. Por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, o arguido foi surpreendido pelo filho da ofendida – D… - encostado à janela do quarto da ofendida, como se estivesse a tentar ouvir as conversas e controlar a mesma. 9. No dia do aniversário do filho da ofendida, concretamente em 08.08.2019, quando a ofendida se encontrava com a sua família no restaurante denominado “I…” sito na …, o arguido deslocou-se ao mesmo alegando que queria cumprimentar a filha, conseguindo, dessa forma, impor a sua presença à ofendida e estragar o ambiente de festa em que se encontravam. 10. No dia 19.09.2019, dia do aniversário da ofendida, quando esta se encontrava com a sua família na Pizaria “J…” sita na …, mais uma vez o arguido apareceu no local, impondo a sua presença, tendo a ofendida ficado nervosa e receosa de que aquele fizesse algum escândalo. 11. Nos meses de setembro a novembro de 2019, inclusive, em datas não concretamente apuradas, aos K…, da parte da manhã, nos momentos em que D… procedia à entrega da sua irmã C… ao arguido, o que ocorre num café localizado junto à residência da ofendida, conforme estipulado na Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, aquele fez perguntas sobre as rotinas da ofendida, sendo que, em pelo menos seis ocasiões, em que D… não lhe respondeu, o arguido começou a dizer em viva voz as seguintes expressões: “ela é uma puta, não está em casa porque anda com os amantes…essa grande puta, qualquer dia fodo-a, essa filha da puta qualquer dia vou matá-la”., de forma repetitiva e na presença da filha menor C…, a qual se mostra assustada. 12. Não obstante a entrega só ocorrer às 10h:00, o arguido aparece pelas 07h:00 no local, ficando no local a vigiar a residência da ofendida. 13. No dia 06.10.2019, cerca das 13h:00, a ofendida recebeu várias chamadas telefónicas provenientes de um número privado, que não atendeu por suspeitar que pudesse ser o arguido. 14. De seguida, recebeu três chamadas telefónicas provenientes do número ………, pertencente ao arguido, que também não atendeu, por não pretender conversar com o arguido. 15. Em ato continuo, o arguido ligou ao seu filho D… dizendo que pretendia falar com a ofendida sobre o aniversário da filha de ambos. 16. A ofendida, apesar de inicialmente ter recusado, dizendo que estava indisposta, acabou por aceder falar com o arguido, sendo que este, de imediato “a acusou de estar indisposta por ter saído às 7h:30m de casa e ter chegado as 12h:05 minutos porque tinha ido para Mesão Frio pinar com os amantes”. 17. De imediato, a ofendida desligou a chamada. 18. Decorridos alguns minutos o arguido contactou novamente a ofendida novamente, tendo-lhe dito o seguinte “vou pegar na caçadeira, parto-te os carros todos, vou estilhaçar os vidros todos”. 19. No dia 03.11.2019, pelas 09h:00, quando a ofendida se deslocou ao contentor do lixo existente junto à sua habitação, deparou-se com a presença do arguido, o qual começou de imediato a apelidá-la de “puta, vaca e vadia”. 20. Com a conduta do arguido, a ofendida sente-se perseguida, limitada na sua liberdade de circulação, bem como tem sentido vergonha e humilhação, medo e ansiedade. 21. Ao atuar do modo supra descrito, teve o arguido o propósito concretizado e reiterado de perseguir a ofendida, impor-lhe a sua presença, humilhá-la e infligir sofrimento psíquico na ofendida, bem como provocar-lhe receio e medo pela sua vida e de terceiros, não ignorando que devia à ofendida, como sua ex-mulher e mãe da sua filha C… particular respeito e consideração. 22. Não se coibindo de o fazer na presença da sua filha menor, aterrorizando a mesma. 23. O arguido agiu ainda de forma voluntária, livre e conscientemente com o propósito concretizado de contactar com a ofendida, bem sabendo que não o podia fazer e, desse modo, não acatava a pena acessória de proibição de contactos com a ofendida em que havia sido condenado e cujo alcance percebera, assim, atentando contra a autoridade do sistema estadual de justiça quando profere sentenças criminais que imponham condenações. 24. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 25. Atualmente, o arguido vive sozinho, em casa arrendada, para a qual despende a título de renda, da quantia de €150,00. 26. Aufere mensalmente, a título de pensão em virtude de doença profissional a quantia de €239,00. 27. É vendedor ambulante de pipoca e algodão doce, tendo retirado nos meses anteriores à aplicação da medida de coação aplicada nestes autos, a quantia média mensal de €250,00. 28. Faz ainda, esporadicamente, uns biscates em conserto de panelas, auferindo a quantia de €10,00 por conserto e que no mês de março deste ano, apenas auferiu, a esse título, a quantia de €10,00. 29. O arguido nasceu num agregado numeroso de baixa condição económica, com um estilo educativo autoritário e fixado na sobrevivência. 30. Nesse contexto, e após a conclusão da 4.ª classe, com cerca de 13 anos, iniciou o percurso laboral, numa ourivesaria durante dois meses, seguida de atividades no ramo automóvel, como aprendiz de mecânico, onde permaneceu vários anos e, em 1976, criou a sua própria oficina, que manteve durante dois anos. 31. Confrontou-se com um problema de saúde, do foro respiratório, impeditivo de exercer a atividade laboral, passando à condição de invalidez a partir de 2006. 32. O arguido possui registo do seguinte antecedente criminal: a) Foi julgado no Proc.n.º74/17.5GBAMT, que correu termos pelo Juiz 1 do Juízo Central Criminal de Penafiel, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, pela prática em 08.02.2017, de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de violência doméstica e condenado na pena única de 02 anos e 09 meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo mesmo período, por acórdão datado de 12.12.2018, transitado em julgado em 11.01.2019. Factos Não Provados: Não se provou: A. Que a deslocação do arguido aludida supra em 7) fosse feita quase diariamente e que existam dias em que tenha passado várias vezes. B. Que o circunstancialismo referido em 8) tenha sido após a data do trânsito em julgado da sentença aludida em 5). C. Que a assistente receie que o arguido possa atentar contra a sua vida ou integridade física. D. Que com a conduta do arguido, a assistente tenha sentido medo e ansiedade de que o mesmo pudesse atentar contra a vida da mesma ou de terceiros. III. Motivação quanto à matéria de facto: O Tribunal fundou a sua convicção na totalidade dos meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento e nos documentos juntos aos autos, avaliados à luz da experiência comum. Foram relevantes, então, os documentos de fls. a 5v (o auto de notícia, reportado à ocorrência de 06.10.2019, cujo teor é relevado na medida da sua concordância com a valoração positiva que se fez da restante prova), de fls.14/15 [print da base de dados da suspensão provisória, que nos permitiu afirmar o teor do facto provado em 3)], de fls.16 [assento de nascimento da assistente, de onde consta, além de outros, do averbamento do seu casamento com o aqui arguido e respetivas datas de celebração e dissolução pelo divórcio, que atesta o teor do facto provado em 1)], de fls.18 [assento de nascimento de D…, filho da ofendida de um outro relacionamento, que possibilita o teor da parte final do facto provado em 6)], de fls.65v a 74v [certidão emitida no Proc.n.º604/12.9TBAMT.B, que diz respeito à regulação do exercício das responsabilidades parentais da filha menor de ambos, cuja identificação e filiação se extrai de fls.139, e de onde resulta que, na conferência que teve lugar em 13.10.2016, a residência ficou atribuída à mãe e o direito de visitas ficou estabelecido nos seguintes termos, que ora se dão por reproduzidos: «1. Nos primeiro e terceiro sábados de cada mês, o pai terá consigo a criança, devendo ir busca-la a casa da mãe no período da manhã, pelas 10:00 horas, entregando-a no mesmo dia pelas 19:00 horas. 2. Durante a semana, o pai poderá estar com a criança, desde que avise previamente a mãe, com antecedência; para o efeito, irá buscar a filha ao infantário, após o termo das atividades respetivas, ou a casa da mãe, pelas 17:00 horas, entregando-a sempre em casa da progenitora, até às 19:00 horas do mesmo dia. (…)» Daqui se extrai, desde logo, que o horário de entrega da criança ao pai ficou estabelecido como sendo às 10:00 horas da manhã, não nos parecendo credível a explicação dada pelo arguido de que era a mãe, sua ex-mulher, que lhe pedia para ele vir mais cedo, sendo que quanto ao local da entrega, extrai-se das declarações da assistente, confirmadas nesse conspecto pelas do arguido, que o mesmo se alterou, passando a ser em frente a um café perto da residência daquela). Mais se valorou o documento de fls.75 a 123v [certidão dos autos de interrogatório – de 08.05.2017 e 04.05.2018 – e aplicação das medidas de coação ao arguido, tendo como vítima também a aqui ofendida, no processo que constitui o seu antecedente criminal supra identificado, bem como da acusação ali deduzida e do acórdão ali proferido, o que contribuiu, juntamente com o CRC, para afirmar o teor dos factos provados em 4) e 5) e ainda, porquanto o acórdão no facto provado n.º50 faz alusão ao seu percurso de vida, reproduzindo o teor de relatório social ali elaborado, também o dos factos 29) a 31)], de fls.139 [assento de nascimento de E…, de onde se extrai a data de nascimento e a filiação, o que determina o teor do facto provado em 2)], e de fls.302 [cópia do documento único da viatura referida no facto provado em 7) de onde resulta a sua titularidade pelo arguido]. Concretamente quanto aos registos fotográficos do telefone do D…, destaca-se o de fls.63v, de onde se afere as datas de 07 e 08.10.2019, em períodos temporais pouco apartados no tempo. Mais se consigna que os outros documentos constantes dos autos foram analisados mas não foram referidos especificamente por se entender não terem relevância para a discussão em apreço. Em complemento e conjugação com os documentos que vimos de elencar, levou-se em consideração, ainda que com atribuição de diversos níveis de relevância e reconhecimento de credibilidade, as declarações do arguido, da assistente e os depoimentos das testemunhas D…, L…, M… e N…. O arguido negou a prática de todos os factos, à exceção do supra dado como provado sob 9) e, mesmo quanto a esse, tentou inverter a culpabilidade pela situação imputando-a em certa medida à assistente, o que não foi credível, especialmente quando confrontado com as declarações desta e com o depoimento da testemunha L…, proprietário do espaço, como infra veremos. Tentou justificar que os encontros com a assistente foram fortuitos e que o aparente desrespeito pelas horas de entregue da filha menor se deviam a pedido da assistente no sentido de antecipar a hora e que, no geral, era a assistente quem se metia com ele, insultando-o e à companheira deste e que frequentava espaços frequentados por ele. No mais, confirma que o número aludido na acusação corresponde ao seu, no que é confirmado pela assistente, mas refere que quem liga é a assistente e não ele, no que é desmentido pelas reproduções fotográficas do ecrã de telemóvel do filho desta, que além de permitirem fazer uma correspondência temporal, contribuem para firmar a ideia de que o contacto do arguido com o filho da assistente era frequente e insistente e não o contrário. Ainda quanto à hora de entrega da criança e como justificação da sua presença mais cedo, adiante, referiu que a sua estadia no local às 07:00h da manhã se deveu à mudança da hora e que a hora correta seria as 08:00h, o que não é sustentado pelos termos do acordo fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais e é negado pela assistente, no que é complementada pela testemunha D…. Por fim, admitiu que a sua relação com a companheira posterior à aqui assistente e que, à data deste julgamento, já não o é, terminou com uma acusação da parte daquele contra si de violência doméstica, refutando o arguido que tal seja verdade, acrescentando que também não é verdade a factualidade que serviu de esteio à sua condenação anterior, o que contribui para não se atribuir credibilidade à sua versão e que a sua visão das coisas é invertida, como invertida é a justificação que apresenta para frequentar os mesmos locais frequentados pela assistente: a de que ele já os frequentava e que ela é que deveria deixar de os frequentar, adotando a perspetiva de que a proibida de contactos é aquela e não ele. Em suma, as declarações do arguido não se aguentaram firmes perante a solidez da restante prova oral produzida. Por seu turno, a assistente apresentou-se serena e depôs de forma segura e com aparentes foros de seriedade, confirmando os insultos, com circunscrição temporal, dotada de segurança, a si destinados pelo arguido, bem como as ameaças. Com relevo, mais referiu que a hora combinada para entrega da filha é as 10:00h e que nunca solicitou ao arguido que a antecipasse, antes chegando a entregar-lha mais cedo mercê de a sua mãe o ver a rondar a casa, a avisar e ela a entregar para evitar a delonga da presença daquele nas imediações de sua casa, o que se nos afigura plausível. Ademais, é eloquente a frase dita como um suspiro perante este Tribunal de que a assistente se sente «prisioneira em liberdade», sentimento que é incompatível, desde logo, com contacto com o arguido e, depois, com qualquer pedido de antecipação de horas quando entidade terceira (o Tribunal) já decidiu e fixou hora certa para tal. No que tange ao muito discutido episódio ocorrido na I…, a assistente referiu que se tratava da festa de aniversário do seu filho D…, descrevendo a localização da mesma onde o grupo festivo se situava no quadro geral do salão da quinta e que o arguido, apesar de não ter sido convidado, ali compareceu, deixando-a importunada e estragando o ambiente festivo, iniciando uma discussão nos termos descritos em 9) e que apenas não escalou mercê da intervenção do proprietário do local, a testemunha L…. Mais referiu que o arguido não se interessa pela filha, pelo que a sua justificação de que queria apenas dar um beijo a esta não colhe, a que acresce a circunstância de, cf. o referiu L…, o arguido não ter estacionado o seu veículo junto ao edifício da quinta, onde é usual os clientes o fazerem, tendo deixado o veículo mais longe, o que contribui para a conclusão de que não quereria que a assistente reconhecesse o seu veículo de modo a, assim, ter o elemento surpresa do seu lado. Aliás, era usual o arguido ligar ao proprietário do espaço perguntando se a assistente estava lá, ainda que a testemunha L… não tenha sabido responder com certeza se o fez naquela data. De referir, por fim, que a discrepância que determinou a realização de acareação entre a assistente e a testemunha L… se encontra resolvida na mente do Tribunal, atribuindo-a a intervenções de cada um em momentos temporais diversos na situação e posição geográfica de cada um face à situação do arguido, o que faz com que as discrepâncias entre a descrição que cada um fez da postura dos convivas não ponha em causa a existência de uma altercação, de que esta se deve única e exclusivamente ao arguido e de que o objetivo deste – ainda que tenha dado €10,00 ao enteado – era ver, chegar as falas e importunar a assistente num dia festivo. No mais, confirma a restante factualidade constante da acusação, evidenciando os adjetivos insultuosos e as ameaças feitas contra si pelo arguido e a predisposição deste para danificar a sua propriedade e a dos outros chegados a ela, como por exemplo, os veículos automóveis, dando-se as suas declarações aqui por reproduzidas. Relatou ainda que o arguido não tem de passar pela sua rua a não ser que pretenda ir a sua casa pois a rua é sem saída. Com relevo, mais refere que se sente triste, revoltada e nervosa e que é muito complicado lidar com a situação, acrescentando que «ele não cumpre nada» e que o que pretende é que se faça justiça e que ele a deixe em paz, sendo eloquente a sua frase de que se sente «prisioneira em liberdade». D… é filho da assistente e referiu, embora tenha sido incerto quanto às concretas datas, mormente, se foi antes ou depois da sentença do seu antecedente criminal, que por várias vezes apanhou o arguido à janela do quarto da mãe a espiá-la, confirmando o que a assistente disse quanto ao facto de a sua rua ser uma rua sem saída. Quanto à situação descrita e provado no facto 9), referiu que se tratava da sua festa de aniversário e que o arguido ali chegou e começou a insultar a mãe, aqui assistente, que houve confusão e que o dono do espaço interveio para pôr o arguido lá fora. No mais, descreve que vê o arguido a rodear a zona onde moram e que numa das situações lhe disse que dava cabo deles todos, dizendo-lhe que a mãe era uma puta, em frente à filha menor do ex-casal, aquando da entrega da mesma ao pai, acrescentando que uma vez aquele lhe disse que ia matar toda a gente. Quanto aos contactos telefónicos de 13) a 16), confirma-os, mais referindo que colocou o telemóvel em alta voz, tendo aquele insultado a mãe, dizendo que ela estava com os amantes. No mais, referiu que a mãe fica nervosa e diz que quer sair da cidade ou do país para ficar longe dele e que a mãe «não é senhora de ir onde lhe apetece». Mais se recolheu do seu depoimento, com relevo, que depois do que apelidou de “tic-tac”, referindo-se à pulseira eletrónica (que, cfr se afere de fls.241, foi instalada em 28.11.2019), nunca mais o viu a rondar e ainda – com relevo para se estabelecer que a ida à I… era um hábito familiar da assistente – que em dias de festa costumam ir à I…, o que deita por terra a justificação do arguido de que a assistente é que o persegue indo a estabelecimentos sitos na …, ao invés de Amarante. L… é o proprietário da I… e conta que o arguido lhe pediu para entrar para falar com a assistente porque tinha €10,00 para dar ao filho desta e dar um beijo à filha, esclarecendo a instâncias do Tribunal que já tinha havido altercações anteriores e que o tinha proibido de lá entrar. Logo depois ouviu discussão, reconhecendo a voz do arguido e que este saiu acompanhado de dois ou três homens atrás, esclarecendo que tudo se passou muito rapidamente, situando entre os 3 a 4 minutos – no que encontra correspondência com os 5 minutos ditos pela assistente. Quanto ao concreto lugar de estacionamento do arguido, referiu que o que faz sentido é as pessoas estacionarem no parque da quinta, mas o arguido estacionou longe e fora do recinto do parque, ainda que dentro da propriedade, mais esclarecendo que, por vezes, o arguido ligava-lhe para saber se a assistente lá se encontrava, não sabendo, contudo, precisar se o fez nesse dia, mas o que, não obstante, nos fornece um claro vislumbre da postura do arguido, quer perante a assistente, quer perante as normas da sociedade, pois tal ocorreu após a sua condenação (também) por um crime de violência doméstica. Depôs com conhecimento direto e foros de seriedade. M… nada de relevante soube adiantar, na medida em que nunca assistiu a nenhuma situação, mormente aquelas aqui em causa, entre o arguido e assistente. Mostrou-se, contudo, fugidio em virtude de já ter sido testemunha abonatória do arguido também no outro processo que lhe mereceu condenação e, quer ali, quer quanto a este, diz desconhecer do que se trata e que o arguido nunca lho disse, o que, cfr foi apontado pelo Tribunal, e na medida em que convivem amiúde, é, no mínimo, estranho. N… referiu que conheceu o arguido já depois de este se encontrar divorciado e que no final de 2019 e princípio de 2020 (ou seja, após a colocação da pulseira eletrónica e, logo, irrelevante para a matéria aqui em discussão, necessariamente constante da acusação) o arguido lhe emprestou a sua carrinha para transporte de um móvel Conclui dizendo que se convive bem com o arguido. No entanto, importa não olvidar que a convivência de ambos se resume a pouco mais do que tomas de café. Quanto à situação familiar e socioeconómica do arguido [factos provados de 26) a 29)], levou-se em consideração as suas declarações que, nessa parte, se nos afiguraram de aparência credível e, quanto ao registo de antecedente criminal, o CRC junto aos autos a fls.408 e, por fim, quanto aos factos não provados, além do que fomos referindo, assim resultaram por ausência de prova em sentido contrário.
*
São as seguintes as questões a apreciar: - Contradição entre os factos provados (nºs 20 e 21º) e não provados (al. c) e d)) - Eliminação de factos genéricos e com indefinição temporal (7º, 8º e 11º) - Qualificação jurídica quanto ao imputado crime de violência doméstica - Escolha da pena quanto ao crime de violação de proibições (multa) - Medida das penas parcelares e da pena única e sua suspensão se prisão - Cumprimento do remanescente da pena em prisão domiciliária
*
O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
De tais vícios o recorrente alega a contradição entre factos provados e não provados, de que se conhecerá de imediato.
A contradição insanável da fundamentação, e entre esta e a decisão é um dos vícios intrínsecos da sentença, a que faz referencia o artº 410º 2b) CPP, e expressamente nomeado pelo recorrente, e por contradição entende-se o facto de afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e na qualidade.
Para os fins da al. b) do n.º 2) constitui contradição apenas e só aquela que (como ali se refere expressamente), se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras de experiência, ou seja, quando de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados” – Leal Henriques e Simas Santos, CPP anotado ob. e loc. cit..,. ou como refere o STJ Ac. de 17/2/2000 “a contradição insanável verifica-se quando é dado provado e não provado o mesmo facto.” ou mais completo ainda quando há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, entre a fundamentação da prova da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão.”
O recorrente alegas tal vicio porque:
Diz-se nos artºs 20º e 21 dos factos provados:
“20. Com a conduta do arguido, a ofendida sente-se perseguida, limitada na sua liberdade de circulação, bem como tem sentido vergonha e humilhação, medo e ansiedade. 21. Ao atuar do modo supra descrito, teve o arguido o propósito concretizado e reiterado de perseguir a ofendida, impor-lhe a sua presença, humilhá-la e infligir sofrimento psíquico na ofendida, bem como provocar-lhe receio e medo pela sua vida e de terceiros, não ignorando que devia à ofendida, como sua ex-mulher e mãe da sua filha C… particular respeito e consideração.
E diz-se nas alíneas C e D dos factos não provados: C. Que a assistente receie que o arguido possa atentar contra a sua vida ou integridade física. D. Que com a conduta do arguido, a assistente tenha sentido medo e ansiedade de que o mesmo pudesse atentar contra a vida da mesma ou de terceiros.
Analisando os factos resulta:
- do nº 20 que a ofendida com a sua (do arguido) conduta sentiu medo e ansiedade. Na al. d) diz-se que não sentiu medo e ansiedade de que pudesse atentar com a sua vida e de terceiros. Caso para perguntar: sentiu medo e ansiedade de quê? No contexto o medo e ansiedade só pode ser da ameaça, pois só esta causa medo, outros medos e receios não cabem neste conceito de ilícito criminal (a ansiedade não enforma, por si, o ilícito penal). Ao não incluir neste segmento o teor da acusação e reproduzi-la na al. d) como não provado, não altera o seu valor, pois o medo imputado era este e não outro (que não poderia ser considerado porque não constante da acusação).
- do nº 21 que ao agir o arguido concretizou o seu propósito de provocar-lhe receio e medo pela sua vida e de terceiros,ou seja, se concretizou é porque causou. Se queria causar mas não concretizou é porque não causou. Resulta assim do nº 21 que causou que provocou o receio e medo pela sua vida e de terceiros. Ora ao dar-se como não provado que tenha sentido medo… de que o mesmo pudesse atentar contra a vida da mesma ou de terceiros”, existe a apontada contradição.
Tal contradição torna nula a sentença e determina o reenvio do processo para novo julgamento quanto a essa questão, salvo se mesmo assim se poder decidir da causa (artº 410º 2 b e 426º CPP),
Como vicio da sentença, poderá ser ultrapassado se a sentença, no seu todo, fornecer os dados necessários à solução.
Ora, neste contexto, consta da fundamentação da sentença: “No mais, confirma a restante factualidade constante da acusação, evidenciando os adjetivos insultuosos e as ameaças feitas contra si pelo arguido e a predisposição deste para danificar a sua propriedade e a dos outros chegados a ela, como por exemplo, os veículos automóveis, dando-se as suas declarações aqui por reproduzidas” não se evidenciando em lugar algum da fundamentação a existência de medo, receio ou temor acerca da sua vida ou de terceiros, mas apenas de danificação de bens materiais.
Assim os nºs 20 e 21 devem ser alterados ficando a constar que
“20. Com a conduta do arguido, a ofendida sente-se perseguida, limitada na sua liberdade de circulação, bem como tem sentido vergonha e humilhação. 21. Ao atuar do modo supra descrito, teve o arguido o propósito concretizado e reiterado de perseguir a ofendida, impor-lhe a sua presença, humilhá-la e infligir sofrimento psíquico na ofendida, não ignorando que devia à ofendida, como sua ex-mulher e mãe da sua filha C… particular respeito e consideração.
- Eliminação de factos genéricos e com indefinição temporal (7º, 8º e 11º).
O recorrente avança que os nºs 7, 8 e 11 dos factos provados contêm imputações genéricas, sem uma precisa especificação das condutas, nomeadamente do tempo em que ocorreram e por isso devem ser consideradas não escritas e eliminadas por impossibilitarem o contraditório violando o seu direito de defesa.
No nº 7 que tem a seguinte redacção: 7. Todavia, não obstante aquela condenação, o arguido, sem que tenha qualquer motivo ou justificação, continuou em cadência não concretamente apurada, a deslocar-se à rua onde reside a ofendida, conduzindo o seu veículo de matrícula .. – AD - .., impondo frontalmente a sua presença”, está ema causa o segmento, “…continuou em cadência não concretamente apurada, a deslocar-se à rua onde reside a ofendida…”
No nº 8 que tem a seguinte redacção: 8. Por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, o arguido foi surpreendido pelo filho da ofendida – D… - encostado à janela do quarto da ofendida, como se estivesse a tentar ouvir as conversas e controlar a mesma” está em causa o segmento “Por várias vezes, em datas não concretamente apuradas…”
No nº11 que tem a seguinte redacção: 11. Nos meses de setembro a novembro de 2019, inclusive, em datas não concretamente apuradas, aos Domingos, da parte da manhã, nos momentos em que D… procedia à entrega da sua irmã C… ao arguido, o que ocorre num café localizado junto à residência da ofendida, conforme estipulado na Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, aquele fez perguntas sobre as rotinas da ofendida, sendo que, em pelo menos seis ocasiões, em que D… não lhe respondeu, o arguido começou a dizer em viva voz as seguintes expressões: “ela é uma puta, não está em casa porque anda com os amantes…essa grande puta, qualquer dia fodo-a, essa filha da puta qualquer dia vou matá-la”., de forma repetitiva e na presença da filha menor C…, a qual se mostra assustada”, está em causa o segmento “Nos meses de setembro a novembro de 2019, inclusive, em datas não concretamente apuradas…
Apreciando:
Escrevemos no ac RP de 8/7/2015 www.dgsi.pt“…estamos no âmbito do direito penal, o qual revestindo quanto ao processo natureza acusatória, e sendo regido pelos princípios da tipicidade e da legalidade quanto ao crime impõe particulares exigências ao nível da certeza, da clareza e da precisão e da completude dos actos imputados de tal forma que o arguido acusado deles se possa eficazmente defender, e daí que a própria norma processual impunha a narração dos factos imputados e sendo possível “ o lugar, o tempo e a motivação da sua pratica…” artº 283º 1b) CPP, o que é relevante não apenas para eficazmente o arguido/ acusado poder exercer o seu direito de defesa (porque no dia X estava no local Y e não no local A, etc …), mas também para averiguar da ausência de condições de procedibilidade (v.g exercício do dto de queixa) ou factos extintivos do procedimento criminal (v.g. prescrição) ou até da existência de crime. (…) Desde há muito o STJ tem entendido que devendo os factos imputados ser claros e precisos, não podem ser utilizados / imputados na acusação (e consequentemente na sentença) conceitos vagos e imprecisos, genéricos e conclusivos porquanto isso não apenas impede um eficaz exercício do direito de defesa, como impede o exercício do contraditório ínsito naquele. A esse propósito (embora relativo a outro tipo de crime) diz-se no Ac.STJ de 17/1/2007 Proc 06P3644 Silva Flor www.dgsi.pt que “ uma imputação genérica …, sem individualização dos actos integrantes dessa actividade, não podendo relevar para o efeito do enquadramento jurídico-penal dos factos, já que inviabiliza o exercício do direito de defesa consagrado no art. 32.º da CRP.”, por ficar “ impedido de organizar adequadamente a sua defesa, contraditando as provas apresentadas e oferecendo provas de que não cometeu actos …. Este o sentido em que se tem pronunciado alguma jurisprudência deste STJ – Acs. de 06-05-2004, Proc. n.º 908/04, de 04-05-2005, Proc. n.º 889/05, e de 07-12- 2005, Proc. n.º 2942/05, entre outros.” O que é reafirmado no ac STJ 21/2/2007 Proc 06P3932 ao expressar que: VIII - O arguido só pode contrariar a acusação ou a pronúncia, de forma adequada e eficaz, se naquelas peças processuais se encontrarem vertidos especificadamente e com clareza os factos imputados, isto é, o caso concreto ou particular submetido a julgamento. De outro modo, ou seja, perante uma acusação ou uma pronúncia constituídas por factos genéricos, não individualizados, fica ou pode ficar prejudicada a possibilidade de o arguido se defender. IX - Com efeito, ninguém pode contestar, eficazmente, a imputação de uma situação abstracta ou vaga, muito menos validamente contraditar a prova de uma tal situação. Neste preciso sentido tem-se pronunciado este STJ, designadamente em matéria de tráfico de estupefacientes, ao defender que não são factos susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, visto que as afirmações genéricas não são susceptíveis de impugnação, pois não se sabe o lugar em que o agente vendeu os estupefacientes, o local em que o fez, a quem, o que foi efectivamente vendido, sendo que a aceitação das afirmações genéricas como «factos» inviabiliza o direito de defesa que ao arguido assiste, constituindo grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32.° da CRP. E … no ac. 15/12/2011 Proc 17/09.0TELSB.L1.S1 Raul Borges www.dgsi.pt se confirma esta Jurisprudência: “XXI - Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante deste STJ, as imputações genéricas, …, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o imputado comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.” Temos assim que na sequência do expendido, que não podem ser valorados os factos genéricos e vagos sem indicação do tempo, local e modo de cometimento dos factos, tal como não pode ser valorados os factos que não constituíam crime à data da sua ocorrência”
Daí que se siga o também expresso pelo ac. RP de 30/9/2015 www.dgsi.pt : “I- As imputações genéricas sem indicação precisa do tempo, lugar e circunstancialismo em que ocorreram, inviabilizam um efetivo direito de defesa devem considerar-se não escritas” tal ponderação não poderá deixar de estar ligada ao facto fundamental de tal como se expressa no ac. RP de 20/4/2016 www.dgsi.pt :“I - O crime de violência doméstica é um crime habitual, constituindo modalidade dos crimes ou de trato sucessivo, por a realização do tipo incriminador supor que o agente pratique determinado comportamento de forma reiterada. II - Neles é decisiva a conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente”, pelo que como ali se decide: “II - … a interrupção dos actos criminosos durante um determinado lapso de tempo relevante (v.g. um ano) não autoriza a sua unificação. IV - O crime de violência domestica abrange a pratica de uma multiplicidade de condutas, reiteradas (e não sucessivas) ao longo de determinado período de tempo (e sem hiatos significativos) que se praticaram na pessoa do cônjuge ainda que de natureza diversa, desde que todas elas se tenham reportado a maus tratos físicos ou psíquicos, constituindo um estado de agressão permanente como modo de exercício de uma relação de poder ou domínio” ou concluindo o ac RP 17/6/2015 www.dgsi.pt“II – Carece de relevância jurídico-penal a imputação genérica de factos e deve considerar-se como não escrita.”, considerações que consideramos actuais
Visto o exposto e tendo em conta a factualidade a que se refere inserta na decisão, cremos efectivamente deverem ser analisadas tais questões.
Assim:
Quanto ao nº7 em que está em causa o segmento, “…continuou em cadência não concretamente apurada, a deslocar-se à rua onde reside a ofendida,…” efectivamente se não se sabe a quantidade ou quando tais actos ocorreram apenas se pode considerar ter ocorrido um deles, pelo que tal referencia deve ser eliminada do facto, ficando a constar que “7. Todavia, não obstante aquela condenação, o arguido, sem que tenha qualquer motivo ou justificação, deslocou-se à rua onde reside a ofendida, conduzindo o seu veículo de matrícula .. – AD - .., impondo frontalmente a sua presença”.
No nº 8 que está em causa o segmento “Por várias vezes, em datas não concretamente apuradas…
No mesmo sentido deve ser eliminado tal expressão.
Só que este nº de facto tem um outro problema:
O arguido foi acusado por factos posteriores à ultima condenação expressa no nº5 dos factos provados e como resulta do nº7 dos factos provados.
Todavia, resulta da fundamentação da sentença, que a testemunha que presenciou os factos o D…, filho da ofendida ali expressamente mencionado, não sabe quando os factos ocorreram e se antes ou depois da sentença anterior ali se escrevendo “D… é filho da assistente e referiu, embora tenha sido incerto quanto às concretas datas, mormente, se foi antes ou depois da sentença do seu antecedente criminal, que por várias vezes apanhou o arguido à janela do quarto da mãe…”.
Ora estando em causa na acusação apenas factos posteriores á sentença e considerar que tais actos ocorreram depois desta, quando a testemunha não sabe se tal é verdade ou não (duvida que não se mostra desfeita), viola por um lado o principio in dubio pro reo, pois é valorado um facto em seu prejuízo e por outro o principio ne bis in idem, que impede o julgamento pelos factos anteriores que compreendem todo o espectro da panóplia de factos que deviam constituir o ilícito então submetido a julgamento.
Por isso o nº 8 deve ser eliminado dos factos provados.
No nº11 em que está em causa o segmento: “Nos meses de setembro a novembro de 2019, inclusive, em datas não concretamente apuradas…” se por um lado o espaço temporal está devidamente delimitado (setembro a novembro) e por isso satisfaz a exigência do artº 283º3 b) CPP “se possível” já o demais se nos afigura dever ser eliminado, pois que mais adiante se refere a pelo menos seis ocasiões. Acontece que constando da fundamentação da sentença que a entrega da filha (referida no nº 11) era de acordo com a RPP ao Sábado (e não ao Domingo como ali consta - facto não questionado mas contrário ao documento autentico – o que implica que ocorreu uma alteração consensual no acordo judicial fixado – ou então os factos relatados em 11 não são verdadeiros por a entrega ser ao Sábado - tal devia ter sido ponderado também que podia ter ocorrido, como alegado pelo arguido e resultando da fundamentação da sentença, que a entrega da filha ao arguido fora antecipada consensualmente para horas mais cedo - como veio a ocorrer - e não apenas se impondo a entrega ás 10.00h, facto que tem a ver com o nº 12, de que não se conhece por não ser questionado, mais a mais não constando deste nº a hora de entrega mas o genérico “aos Domingos, da parte da manhã”). Ora se a entrega era de 15 em 15 dias (acordo de RPP) então seis vezes corresponde, em principio, aos meses em causa (setembro a novembro), donde a expressão questionada deve ser eliminada, sem que isso, todavia implique algum efeito.
Fica o nº11 com a seguinte redacção “11. Nos meses de setembro a novembro de 2019, inclusive, aos Domingos, da parte da manhã, nos momentos em que D… procedia à entrega da sua irmã C… ao arguido, o que ocorre num café localizado junto à residência da ofendida, conforme estipulado na Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, aquele fez perguntas sobre as rotinas da ofendida, sendo que, em pelo menos seis ocasiões, em que D… não lhe respondeu, o arguido começou a dizer em viva voz as seguintes expressões: “ela é uma puta, não está em casa porque anda com os amantes…essa grande puta, qualquer dia fodo-a, essa filha da puta qualquer dia vou matá-la”., de forma repetitiva e na presença da filha menor C…, a qual se mostra assustada”.
Procedem assim parcialmente estas questões.
Põe em causa o arguido a qualificação jurídica quanto ao imputado crime de violência doméstica, por entender inexistir tal ilícito penal.
Temos escrito (vg. ac. RP de 12/10/2016 www.dgsi.pt) e nos parece correcto “Característica indelével do crime de violência doméstica é o seu bem jurídico, que lhe confere não apenas autonomia mas legitimidade constitucional (artº 18º CRP) de interferência / regulação/ limitação, nas relações humanas e sociais, num âmbito específico destas (relações familiares ou análogas). Assim fundamental na apreciação de tal ilícito é que os factos em que se desdobra (ou o facto em que se traduz - pois que tanto pode ser um como vários - de modo reiterado ou não, infligir maus tratos – artº 152º 1 CP) signifiquem a afectação da dignidade pessoal da vítima através do seu desrespeito como pessoa traduzida a mais das vezes no desejo de sujeição/dominação sobre a mesma e a sua manipulação. Dos termos legais do artº 152º1 CP resulta a nosso ver que o conceito de violência doméstica podendo traduzir-se em actos reiterados ou não, deles têm de resultar “ maus tratos físicos ou psíquicos”, o resultado da actuação tem de traduzir uma gravidade que vá para além da simples ofensa em causa. Mau trato, traduz ..., uma ofensa à dignidade humana (em concreto da pessoa visada, e em toda a sua plenitude: física e mental), bem jurídico abrangente que (para além da saúde) está subjacente a toda a protecção legal (cfr. Comentário Conimbricense do Cód Penal, I, Coimbra, 1999, pág. 232), o que tem de ser entendido para além da integridade física ou da honra (objecto de protecção de outras normas penais, cf. ac RG.10/7/2014 www.dgsi.pt: “Essencial é que os comportamentos assumam uma gravidade tal que justifique a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar”), e se não necessita de uma reiteração (face à norma legal) não prescinde de uma gravidade que vá para além e ultrapasse a ofensa à integridade física ou à honra (sob pena de o crime de violência doméstica se traduzir apenas num crime familiar), ou seja é necessário que justifique a sua autonomia, pondo em causa a relação existente entre agressor e ofendido. Por isso cremos dever entender que infligir maus tratos físicos e/ou psíquicos, significa na economia do artº 152º CP, pôr em causa a saúde do ofendido nas suas diversas vertentes: física (ofensa á integridade física), psíquica (humilhações, provocações, ameaças, coacção ou moléstias), desenvolvimento e expressão da personalidade e dignidade pessoal (castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais, etc.) - que constituem o complexo bem jurídico protegido pela norma incriminadora e traduzem-se num complexo de acções por parte do agente que pressupõem na maioria das vezes “uma reiteração das respectivas condutas” – cfr. por todos, Comentário Conimbricense ao Cód Penal, tomo I, págs. 332 a 334, ou quando assim não seja - sendo uma só acção - como se expressa o STJ no Ac de 14/11/97 CJ III, 235 “… as ofensas corporais, ainda que praticadas uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade, ou seja, que traduzam crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária da parte do agente é que cabem na previsão do art. 152.º do Código Penal” ou quando a conduta do arguido “se revista de uma gravidade tal que seja suficiente para … comprometer a possibilidade de vida em comum” -Ac. R. Évora 23/11/99 CJ V, 283, ou “se revelar de uma certa gravidade ou traduzir, da parte do agente, crueldade, insensibilidade ou até vingança” -Ac. R. E. 25/1/05, CJ I, 260, ou ainda “O crime de maus tratos exige uma pluralidade de condutas ou, no mínimo, uma conduta complexa, que revista gravidade e traduza, por exemplo, crueldade ou insensibilidade” - Ac. R. Porto 12/5/04, www.dgsi.pt, proc. 0346422. Assim à luz do bem jurídico protegido os factos devem apresentar-se perante a vítima como dotados de um especial desvalor (pondo em causa a dignidade da pessoa enquanto tal, nomeadamente pelo desejo de domínio da relação familiar existente), sob pena de não se verificar o ilícito de violência doméstica. Cremos ser este o sentido do Ac. RC 21/10/2009 www.dgsi.pt, e do ac. R.P 30/1/2013 www.dgsi.pt/jtrp, sob pena de não revelando a conduta do agente o “especial desvalor da acção” ou a “particular danosidade social do facto” (cf. Valadão e Silveira, Maria Manuela “Sobre o Crime de Maus Tratos Conjugais”, in APMJ, Do Crime de Maus Tratos, Lisboa, 2001, pág.21) o crime não se mostrar fundamentado. O que fundamenta tal ilícito são pois os actos que, como expressa o Ac. TRP 28/9/2011 www.dgsi.pt/jtrp “… pelo seu caráter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto de perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima.” e nos casos de actos singulares tem de se verificar esta especial qualidade da acção, sob pena de não se mostrar preenchido o ilícito em causa. Cfr. Ac.R.P de 30/1/2008 www.dgsi.pt/jtrp “Muito embora, em princípio, o preenchimento do tipo do crime de maus-tratos previsto no art. 152º do C. Penal não se baste com uma acção isolada (nem tampouco com vários actos temporalmente muito distanciados entre si), vem entendendo a generalidade da jurisprudência que existem casos em que uma só conduta, pela sua excepcional violência e gravidade, basta para considerar preenchida a previsão legal.” Daí resulta, e em conclusão, que é à luz da ofensa do bem jurídico protegido e logo da mens legislatoris que as condutas ilícitas únicas ou reiteradas devem ser apreciadas no sentido de preencherem ou não o tipo legal, no sentido de revelarem um tratamento insensível ou degradante da condição humana da pessoa atingida. (cfr. também ac. TRP 26/5/2010 www.dgsi.pt/jtrp), e de modo a evitar uma situação de “…domínio ou uma subjugação sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e a reconduz a uma vivência de medo, de tensão e de subjugação.” in Ac. TRP 9/1/2013 www.dgsi.pt/jtrp, ou de desprezo ou desconsideração por parte do agente (ac TRG de 1/07/2013 www.dgsi.pt), ou mais amplamente como expressa a RLisboa no ac. de 05/07/2016 www.dgsi.pt “ 1. O crime de violência doméstica, p. e p. no art. 152.º, do Código Penal, após a autonomização operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, visa, acima de tudo, proteger a dignidade humana, tutelando, não só, a integridade física da pessoa individual, mas também a integridade psíquica, protegendo a saúde do agente passivo, tomada no seu sentido mais amplo de ambiente propício a um salutar e digno modo de vida.” Estão assim em causa situações degradantes em que em face das condições e necessidades actuais não são prestados os cuidados necessários e adequados ao bem estar de uma pessoa enquanto tal dotada de dignidade, princípio informador e suporte de toda a sociedade (artº 1º CRP) Por isso se justifica que no tipo legal caibam as situações reais traduzidas em privações de bens essenciais, que lesam esse bem jurídico e ofendem o bem estar necessário à vida pessoal e a que todas as pessoas têm direito como pessoas dotadas de dignidade como se expressa no ac. TRC de 16/01/2013 www.dgsi.pt : “ O bem jurídico protegido no tipo legal de crime de violência doméstica reside na dignidade da pessoa humana, incluindo-se todos os comportamentos que lesem essa dignidade. Tendo o arguido privado a sua esposa do acesso á água, gás, electricidade, telefone e correio, na casa onde ambos habitavam, deve interpretar-se tal conduta, segundo as regras da experiência comum, como a privação dos bens essenciais no espaço da residência que será o reduto de maior tranquilidade de qualquer pessoa, constituindo uma forte humilhação e privação do que de mais essencial se espera desse espaço privado, atentatória da dignidade humana e quem assim actua não pode desconhecer esse facto (basta que se coloque mentalmente na mesma situação).”, aceitando-se e fazendo sentido por isso que, como expende Ribeiro de Faria, M. Paula, Os crimes praticados contra idosos, UCE, Porto, 2015, pág. 15 (cf. motivação do recurso) sofre maus tratos físicos e psicológicos a pessoa de idade que não é alimentada, não beneficia de cuidados médicos necessários, o que tudo ou a nosso ver se traduz (ou pode traduzir) na omissão das acções adequadas a evitar tal resultado, fazendo sentido e aceitando-se por isso que em causa está “ a protecção de um estado de completo bem estar físico e mental” como defende Nuno Brandão, A tutela penal especial da violência domestica, Julgar, 12 especial, Set/ Dez 2010 pág.16;”
Acrescem a tais ensinamentos e em conclusão, ser necessário, para a existência do crime, que os factos praticados: afectem de modo grave e saúde física, psíquica ou emocional da vítima; essa afectação comprometa de igual modo gravemente o desenvolvimento (ou a revelação / manifestação), da sua personalidade (e da sua maneira de ser), e com isso ponha em causa (ou seja susceptível de pôr em causa), a dignidade da pessoa humana (ser livre e responsável)
Assim o crime de violência doméstica é a incriminação de condutas existentes no seio familiar (ou para-familiar) ou de cariz sentimental equivalente, resultado da interferência social nas relações familiares e da consciencialização da existência de condutas social e individualmente gravosas lesiva da dignidade humana, exigindo a doutrina, como evidenciado pelo Ac R G 2/1/2015 www.dgsi.pt citando André Lamas Leite, in “Estudo publicado na Revista Julgar, nº 12, página 25 e ss, que a incriminação tem como fim o “(…) asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima de tipo familiar ou análogo (…)” sendo este bem jurídico multímodo “(…) uma concretização do direito fundamental (artigo 25º da C.R.P.) mas também do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26º da C.R.P.), nas dimensões não recobertas pelo artigo 25º da Lei Fundamental, ambos emanações diretas do princípio da dignidade da pessoa humana. (…) A degradação, centrada na pessoa do ofendido, desses valores jurídico constitucionais deve ser a pergunta operatória no distinguo entre o crime de violência doméstica e todos os outros que, por via do designado concurso legal, com ele se relacionam” exigindo-se por isso que as situações de violência “evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto de perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima. Acórdão de Relação do Porto de 28/09/2011 relatado por Artur Oliveira e pesquisado em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, daqui decorrendo uma “posição de evidente dominação e prevalência sobre a pessoa daquela” traduzida no sumário de tal ac. “O tipo legal do artº 152º, do CP previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e actue, dos mais diversos modos, um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, de tensão, de subjugação”, sendo que como se afirma no ac RLx, 13/12/2016 www.dgsi.pt“a acção do agente há-de constituir o comportamento violento, visto em toda a sua amplitude, que, “… seja tal que, pela sua brutalidade ou intensidade, ou pela motivação ou estado de espírito que o anima, seja de molde a ressentir-se de modo indelével na saúde física ou psíquica da vítima. …” tendo presente também que “VI - No crime de violência doméstica, a violência desenvolvida pelo agente sobre a vítima deve redundar num abuso de poder daquele e numa situação de degradação e humilhação desta. VII - Uma vez que qualquer crime contra as pessoas atenta contra a sua dignidade, então esta violação que remete aquelas acções para o tipo legal da violência doméstica terá que revelar uma especial ofensa à dignidade humana que determinou o surgimento deste tipo especial que a tutela. VIII - A distinção entre o crime de violência doméstica, enquanto tal, e o concurso dos crimes de ofensas, ameaça, injúria, etc., que as concretas acções podem configurar, faz-se com recurso ao conceito de maus tratos e este exige o desprezo, humilhação, especial desconsideração pela vítima e a gravidade destas manifestações” como expressa o ac R C 27/11/2017 www.dgsi.pt.
Em suma, dos factos provados tem de resultar a demonstração de um estado de degradação ou aviltamento da dignidade humana (não sendo a pessoa tratada como pessoa) em resultado da crueldade, insensibilidade para com o outro e traduzida em manifestação de desprezo ou desconsideração, ou impondo uma vivência de medo, de tensão e de subjugação insuportável.
Ora dos factos provados, tal como devem ser apreciados, afigura-se-nos que não emerge uma relação de subjugação entre o arguido e a ofendida ou de domínio daquele sobre esta que ponha em causa de modo intolerável a dignidade da pessoa humana, ou de outro modo, traduza um tratamento degradante e desumano e que este decorra de uma posição de dominação e de prevalência do arguido sobre a ex-esposa.
Na verdade, não podem ser considerados nesta análise:
- os factos provados resultantes dos nºs 3 e 4 dos factos provados, ali inseridos que apresentam uma ideia negativa do arguido, que não pode ser ponderada, pois que a suspensão provisória do processo não envolve nenhum juízo sobre a autoria dos factos nem de culpa do arguido, e por isso não pode ser valorado negativamente, pois não há julgamento ( suspensão essa que se traduz numa tutela do bem jurídico mediante uma solução consensual entre os sujeitos processuais interessados, como medida de diversão na solução do conflito pendal, em que são aplicadas medidas funcionalmente equivalentes a penas, “ mas que não está ligada a censura ético jurídica da pena, nem a correspondente comprovação da culpa”- ac TC 235/2010 de 16/6/2010), e os demais traduzem uma apreciação genérica da sentença condenatória expressa no nº5 e 32 e traduz a sua anterior condenação e, apenas como antecedente criminal pode ser ponderado (sob pena de dupla valoração).
- O facto eliminado no nº8 dos factos provados e, as alterações aos factos dos nºs 7º e 11º dos factos provados, e o facto nº 13 que não pode ser imputado ao arguido e por isso inócuo.
Donde na análise critica dos factos provados, em vista ao preenchimento do tipo legal em causa, há que ponderar.
- O facto nº7 de que o arguido se desloca á rua onde reside a ofendida, sendo, todavia, de ponderar que não se sabe quando o faz, sendo que tem que o fazer pelo menos para receber e entregar a filha no período de visitas;
- O facto ocorrido em 8/8/2019 (nº9) de deslocação á I…, e em 19/9/2019 (nº10) á Pizaria J…, os factos ocorridos por seis vezes aquando da entrega da filha nos meses de Setembro a Novembro (nº11), traduzido em expressões injuriosas e ameaça de morte; horas de chegada para entrega da filha (nº12), os factos ocorridos em 6/10/2019 (nºs 14 a 18) palavras injuriosas e ameaça de danos (tendo presente que o dia em causa 6/10 é Domingo e por isso podia ser dia de entrega da filha ao arguido para exercício do direito de visitas), e as palavras injuriosas ocorridas em 3/11 ás 9.00h (nº 19) tendo presente que era Domingo e podia ser dia de entrega da filha ao arguido, não sendo aquela já hora imprópria para o efeito por ser próximo da regulada e terem ocorrido antecipações de entrega (cf. fundamentação), senão, até, acordadas.
Ora vistos ao factos a essa luz, as injurias, ameaças e actos de encontro não se mostram revestidas da gravidade com capacidade inerente ao crime de violência domestica, não apenas pelo numero de ocorrências, mas também pela sua gravidade intrínseca ao ilícito em causa, como exigindo um estado de degradação e aviltamento da dignidade humana, sem questionar os efeitos que provoca nas pessoas, mas tendo presente que tais ocorrência são também resultado e inerentes ao relacionamento/ aproximação emergente da existência de uma filha comum e da resolução de questões de vida que ela impõe, tanto mais que dos factos dos encontros de Agosto e Setembro (nºs 9 e 10) não resulta nenhum acto agressivo, ameaçador ou injurioso
Assim valorando estes factos e apenas estes e tendo presente que para além do efeito do ou dos actos estes, como expressa o ac R Ev. 6/12/2/2016 www.dgsi.pt, devem ser “idóneos a reflectir-se negativamente sobre a saúde física ou psíquica da vítima, sendo ainda necessária a avaliação da “situação ambiente” e da “imagem global do facto” para se decidir pelo preenchimento, ou não, do tipo legal de crime em questão” (sublinhado nosso) não emerge, a nosso ver dos factos provados qualquer efeito de domínio na relação que ponha em causa e aniquile a personalidade do outro, ou uma “intensa crueldade, insensibilidade, desprezo, aviltamento da dignidade humana” pelo que se nos afigura que inexiste o apontado crime.
Todavia há factos ilícitos que têm a gravidade normal e não especial subjacente ao crime de violência domestica e são eles as injurias, a ameaça de danos nas coisas e a ameaça de morte.
Dos factos nºs 11, 16 e 19 emerge a possibilidade de existência dos crimes de difamação e de injurias p. p. pelos artºs 180º e 181º CP; do facto do nº 18 poderia preencher o tipo legal de crime de ameaça simples (bens de considerável valor – partir os carros) p. p. pelo artº 153º CP e o facto nº 11 ainda ao crime de ameaça agravada, p.p. pelos artºs 153º e 155º 1ª) CP- com a ameaça de morte.
Daqueles ilícitos o de difamação e injurias revestindo natureza particular (artº 188º1 CP), necessitando a ofendida de se queixar, constituir-se assistente e acusar (artºs 113º, 115º e 117º CP), o que não ocorreu, não se pode conhecer dos mesmos por carência de legitimidade do Mº Pº, para levar ao conhecimento do tribunal tais factos (artº 50º CPP); o de ameaça simples reveste natureza de crime semipúblico por necessitar de queixa (artº153º2 CP) - o que foi feito (fls 4) quanto á ofendida, mas desconhecendo-se o valor dos bens em causa dela (e ameaçados) não se mostra preenchido o elemento típico (de natureza patrimonial) em causa, inexistindo o ilícito penal indicado; resta o de ameaça agravada, este de natureza publica, detendo o Mº Pº de legitimidade para promover o procedimento criminal e acusar (artºs 48º e 49º CPP).
Em face do exposto apenas é possível apreciar os factos integradores do crime de ameaça agravado, p. p pelo artº 153º 1 CP: “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, … de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação…” e 155º CP: “Quando os factos previstos nos artigos 153.º a 154.º-C forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou (…) o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, nos casos dos artigos 153.º e 154.º-C (…), pois os factos assinalados traduzem uma ameaça de morte.
Nada impede, o conhecimento de tais factos ainda que não ocorra a comunicação do artº 358º ou artº 359º CPP, pois como expresso no nosso ac. RP de 8//2015 rec nº 1133/13.9PHMTS.P1 www.dgsi.pt“IV – Inexiste uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia relevante – a exigir a comunicação prevista no n.º 1 do art. 358.º do CPP – se os factos provados são menos do que os que consta da acusação ou pronúncia” e ali se escrevendo no seu texto que: “…apesar de se tratar de crime diverso no seu nomen juris se trata da mesma matéria de facto imputada na acusação e pronúncia, da qual resultou apenas menos factos provados, em resultado do que o crime verificado estava em concurso aparente com o acusado/ pronunciado. Existe entre o crime de violência de domestica, pronunciado e o crime de ofensa à integridade física, verificado, uma relação de menos que naquele se contém, não há que proceder à comunicação a que se refere o artº 358º1 CPP, nem é aplicável o artº 358º3 CPP o qual pressupõe os mesmos factos e apenas diversa qualificação jurídica. É que para além dos casos em que o tribunal se limita a pormenorizar ou a concretizar os factos que já constam da acusação e em que não ocorre qualquer alteração relevante, há também aqueles em que os factos provados são menos do que aqueles que constam da acusação e da pronuncia (desiderato de qualquer defesa: a não prova ou a menor prova possível dos factos acusados) em que obviamente não existe uma qualquer alteração dos factos existindo apenas menos factos provados, pelo que não ocorre uma alteração de factos juridicamente relevante. Tal é também o caso assinalado no Ac. TRP de 18/04/2007 www.dgsi.pt/ em que não ocorre uma alteração de factos “quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou na pronúncia, por se não terem dado como assentes todos os factos aí descritos, ou quando apenas existam alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes.”. (…) No mesmo sentido se expressa a R. Ev. no seu ac de 5/3/2013 www.dgssi.pt/ ao entender que “1. O crime de ameaça é um minus relativamente ao crime de violência doméstica. 2. Não carece de ser comunicada nos termos do artº 358º do CPP a alteração resultante da imputação de um crime menos grave (ameaça) que o constante da acusação (violência doméstica), em consequência da simples redução da matéria de facto na sentença”, ou a R C no ac. 14/5/2014 www.dgsi.pt/ “A condenação de arguido pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa á integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, al. b), e 2, por referência á al. b) do n.º 2 do art. 132.º (todas estas normas são do CP), num contexto em que, pelos mesmos factos, ao mesmo estava imputado, na acusação pública, um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1 e 2, do referido diploma legal, consubstancia tão só alteração de qualificação jurídica, que não carece de comunicação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, porquanto, constituindo o primeiro dos ilícitos um «minus» em relação ao segundo, o visado teve necessariamente conhecimento de toda a factualidade integrante dos seus elementos constitutivos.” Sendo que tal interpretação é conforme à constituição, como decidiu o TC no seu ac. nº 330/97 - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19970330.html onde “Não julga inconstitucionais as normas dos artºs 358 e 359º do CPP quando interpretadas no sentido de permitirem a condenação por infracção diversa e menos grave do que aquela que vinha acusada, em consequência da redução da matéria de facto constante da acusação”. No mesmo sentido, em situação paralela, o recente ac. RP de 14/3/2018 www.dgsi.pt “I – Não ocorre qualquer alteração para efeitos da comunicação prevista no artº 358º1 CPP, quando da audiência de julgamento resulta a prática do crime acusado, mas menos grave por afastamento por ausência de prova, do elemento qualificador ou agravativo que constava daquela; II – A relação entre o crime de violência domestica e o crime de ofensa à integridade física é de consumpção, protegendo aquele mais intensamente a vítima, integrando-se este naquele; III – Numa relação de concurso aparente, caindo (por falta de prova ou qualquer outra razão), o crime mais grave o agente é punido pelo crime menos grave sem que se justifique a comunicação da alteração da qualificação jurídica.” e jurisprudência que cita (…).
Já o acórdão da Relação de Coimbra, de 14.05.2014, citado pelo MP na resposta ao recurso, apreciou uma questão idêntica e ponderou o seguinte:
“(…) Neste caso, restou a punição por aplicação das normas penais gerais, que representam um “minus” em relação ao crime de que o arguido vinha acusado. O arguido teve conhecimento de todos os elementos constitutivos do crime de ofensas à integridade física qualificada, designadamente dos relativos ao facto da ofendida ser seu cônjuge e à consciência da ilicitude, como se verifica dos pontos 1, 9, 11 e 12 da sentença recorrida, e teve possibilidade de os contraditar, pois todos esses factos constavam da acusação (cfr. factos 1, 13, 15 e 16 da acusação). Por isso, e em relação ao crime de ofensa à integridade física qualificada por que o arguido veio a ser condenado, e na esteira dos já supra mencionados acórdãos do STJ de 03/04/1991, de 12/11/2003 e de 12 de Setembro de 2007, bem como do Acórdão da Relação de Coimbra de 23.11.2011 e do Acórdão da Relação do Porto de 12.01.2011 (ambos acessíveis através do site www.dgsi.pt), nem sequer tinha o arguido que ser notificado nos termos e para efeitos do artigo 358º nº 3 do Código de Processo Penal. Não tendo, pois, a sentença recorrida condenado o arguido por factos diversos dos descritos na acusação e fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º do C.P.P., não se reconhece a invocada nulidade da sentença recorrida, nos termos do art.379.º, n.º1, al. b), do C.P.P. (…).”
Também o acórdão da Relação do Porto, de 12.01.2011 (citado nesse acórdão), proferido num caso idêntico, justificou a desnecessidade de comunicação ao arguido, nos seguintes termos: “(…). Deste modo, aos casos ressalvados na própria Lei, tem a jurisprudência adicionado outros que com eles partilham a mesma irrelevância negativa para os direitos de defesa do arguido. Referimo-nos, por exemplo, aos casos em que a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado [Ac. STJ de 7.11.2002]: entende-se que não há qualquer alteração relevante para o efeito em causa, uma vez que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia). 21. O mesmo entendimento deve ser seguido no caso presente, em que o recorrente, acusado pela prática de um crime “composto” – na medida em que integra condutas que em si mesmo já são consideradas crime mas que obtêm uma cominação mais grave em resultado da qualidade especial do autor ou o dever que sobre ele impende [Maus-tratos] –, acaba condenado por um dos crimes integrantes [Ofensa à integridade simples]. (…)”.
Ainda nesta Relação do Porto, em acórdão de 09-03-2005, proferido no processo n.º 0411496 (…), foi feita uma análise da questão onde se defendeu semelhante posição, nos termos seguintes: (…) A ideia do legislador é pois, segundo pensamos, a de que o arguido não possa ser surpreendido, nem prejudicado na sua defesa, pela alteração da qualificação jurídica. Sempre que dessa alteração não surja qualquer surpresa, nem prejuízo na sua defesa, (por resultar de factos alegados pelo próprio arguido, ou de adesão do tribunal à qualificação jurídica pela qual o mesmo pugnou), não é necessária a comunicação ao arguido “para preparação da defesa” (art. 358,1 CPP). Esta interpretação corresponde ao entendimento dominante da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e da doutrina, como se refere no sumário do Acórdão de 7-11-2002, recurso 02P3158: “Resulta da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça e da Doutrina que se a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado, não há qualquer alteração relevante para este efeito, pois que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia). O mesmo se diga quando a alteração da qualificação jurídica é trazida pela defesa, pois que também aqui se não verifica qualquer elemento de surpresa que exija a atribuição ao arguido de maior latitude de defesa.”. O Supremo Tribunal de Justiça explicita, no referido Acórdão, que este entendimento não põe em causa a menor garantia de defesa do arguido: “Com efeito, (argumenta o Acórdão) resulta da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça e da Doutrina (2 cfr. Castanheira Neves, Sumários de Direito Criminal, Simas Santos, Alteração substancial dos factos, RMP, n.º 52, págs. 113 e BMJ 423-9, Frederico Isaac, Alteração Substancial dos Factos e Relevância no Processo Penal Português RPCC, 1, 2, 221, Duarte Soares, Convolações, CJ, Acs. STJ II, 3, 13, Marques Ferreira, Da Alteração Substancial dos Factos Objecto do Processo, Souto Moura, Notas sobre o Objecto do processo, RMP n.º 48, 41, Germano Marques da Silva, Objecto do Processo Penal. A Qualificação Jurídica dos Factos - Comentário ao «Assento» n.º 2/93 in Direito e Justiça, III, tomo 1 e Teresa beleza, Apontamentos de Direito Processual Penal, III, 93) que se a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado, não há qualquer alteração relevante para este efeito, pois que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia). Ou seja, o arguido defendeu-se em relação a todos elementos de facto e normativos que lhe eram imputados, em julgamento, pelo que nada havia a notificar, uma vez que se verificou não uma adição de elementos, mas uma subtracção. O mesmo se diga quando a alteração da qualificação jurídica é trazida pela defesa, pois que também aqui se não verifica qualquer elemento de surpresa que exija a atribuição ao arguido de maior latitude de defesa (cfr. Leal - Henriques e Simas Santos, CPP Anotado, II, pág. 415) (…)”.
Deparamo-nos assim com um entendimento jurisprudencial dominante, no sentido de que a comunicação a que alude o art. 358º, 1 do CPP não é necessária nas situações em que da acusação ou da pronúncia “resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma mais grave e, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado, não há qualquer alteração relevante para este efeito, pois que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia)”
Por outro lado, cremos inexistir qualquer outro tipo criminal, incluindo o de perseguição previsto no arº 154º A CP, porquanto estando apenas em causa os factos supra mencionados, não ocorre o acto de perseguição de modo reiterado, pois só perante uma pluralidade de actos há reiteração, e esses actos têm de ser de perseguição, ou seja “ir no encalço de (ex.: perseguir a presa); Seguir ou procurar alguém por toda a parte com frequência, insistência e falta de oportunidade”, ou de assédio, ou seja “Pôr assédio, cerco a.; perseguir com insistência, importunar com tentativas de contacto ou relacionamento …” – cfr., https://dicionario.priberam.org/.
Ora, em face dos factos provados, o que temos são dois encontros procurados pelo arguido – objecto aliás do crime de violação de proibição, donde se nos afigura não poderem ser valorados duplamente - e não constituírem só por si actos reiterados, pois se o primeiro é procurado pelo arguido (I…) já tal evidencia não resulta do segundo (…) e não se evidenciando o sentido de “seguir ou procurar alguém por toda a parte com frequência, insistência” que os factos provados, objectivamente, não suportam nem se mostra compreensível que o seja, se dois encontros ocorrem no espaço de cerca de 40 dias.
Como meio interpretativo para o preenchimento de tal ilícito invoca-se a exposição de motivos do projecto de lei nº 647/XII (sendo que a proposta de redacção no mesmo constante corresponde à do supra cit. art.) onde se escreveu que: “A perseguição - ou stalking - é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Estes comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como oferecer presentes, telefonar insistentemente) ou em ações inequivocamente intimidatórias (por exemplo, perseguição, mensagens ameaçadoras)”
Diz-se na decisão da R Lx 16/10/2018 www.dgsi.pt: “I- Este novo tipo de crime, agora previsto no art.154º-A, nº.1 do Código penal, tem como seus elementos constitutivos: - objectivamente, a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da acção; e, - subjectivamente, o dolo, em qualquer das modalidades referidas no art.14º do C.P., constituído pelo conhecimento dos elementos objectivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los. II- Em traços gerais, podemos enunciar que o stalking designa um curso de condutas intrusivas e persistentes, prolongadas indeterminadamente no tempo, que podem ser compreendidas como atos persecutórios não queridos e perturbadores para a vítima. As condutas persecutórias materializam-se, portanto, em diversas “formas de comunicação, vigilância e contacto, exercidas sobre alguém que é alvo de um interesse e atenção continuados e indesejados. Diz-nos a experiência que o stalking envolve uma campanha de condutas que têm tendência a escalar em frequência e severidade ao longo do tempo” e no ac R. Lx 9/7/2019 www.dgsi.pt em cujo sumário se lê “O crime de perseguição ou “stalking” pode definir-se como uma forma de violência relacional e pode caracterizar-se por uma série de comportamentos padronizados que consistem num assédio permanente, nomeadamente através de tentativas de comunicação com a vítima, vigilância, perseguição, etc.; -Embora estes comportamentos possam ser aparentemente corriqueiros se não forem percebidos no seu contexto do “stalking”, as condutas que integram o seu tipo objectivo podem ser bastante intimidatórios pela persistência e intensidade com que são praticadas, causando um enorme desconforto na vítima e atentando claramente à reserva da vida privada. - Este novo tipo de crime, agora previsto no art.154º-A, nº.1 C.P. tem como seus elementos constitutivos objectivos, a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da acção; - Comete o ilícito do art.º 154º-A, nº 1 do Código Penal, com dolo directo o arguido que, de forma reiterada, contacta telefonicamente a ofendida, a horas diversas, perturbando quer o seu desempenho profissional, quer o seu descanso.”, salientando-se no seu texto que: “O stalking pode definir-se como uma forma de violência relacional. Segundo a maioria da legislação norte-americana, o crime consiste num padrão intencional de perseguição repetida ou indesejada que uma “pessoa razoável” consideraria ameaçadora ou indutora de medo. Já a legislação australiana define o stalking como “perseguir uma pessoa, permanecer no exterior da sua residência ou em locais por ela frequentados, entrar ou interferir na sua propriedade, oferecer-lhe material ofensivo, mantê-la sob vigilância, ou agir de um modo que se poderia esperar com razoabilidade que fosse susceptível de criar stress ou medo na vítima.” Cfr. Nuno Lima da Luz, a fls.6, da sua tese de dissertação de mestrado (disponível in http://repositorio.ucp.pt) Pode-se caracterizar também por uma série de comportamentos padronizados que consistem num assédio permanente, nomeadamente através de tentativas de comunicação com a vítima, vigilância, perseguição, etc. Embora estes comportamentos possam ser aparentemente corriqueiros se não forem percebidos no seu contexto do “stalking”, as condutas que integram o seu tipo objectivo podem ser bastante intimidatórios pela persistência e intensidade com que são praticadas, causando um enorme desconforto na vítima e atentando claramente à reserva da vida privada. De acordo com a jurisprudência uniforme, verbi gratia o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Março de 2015 (in www.dgsi.pt), a propósito de “stalking”, ainda que antes da criminalização autónoma da conduta, que o mesmo caracteriza-se como “uma perseguição prolongada no tempo, insistente e obsessiva, causadora de angústia e temor, com frequência motivada pela recusa em aceitar o fim de um relacionamento”.
As acções em causa têm de se adequadas (nexo causal) num juízo de prognose póstuma, de modo objectivo tendo em conta a pessoa média, a causar o efeito visado (a provocar naquele medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação). Ac. R G. 11/2/2019 www.dgsi.pt“III - O crime de perseguição (art. 154.º-A n.º1 do C. Penal) é um crime de perigo concreto – não sendo necessária a efectiva lesão do bem jurídico, mas a adequação da conduta a provocar aquela lesão (sendo idónea a prejudicar a liberdade de determinação da vítima ou a provocar-lhe medo) – de mera actividade e de execução livre – a conduta punida pode ser levada a cabo por qualquer meio, directa ou indirectamente, embora seja necessária a reiteração da conduta, uma vez que a respectiva ratio reside na protecção da liberdade de autodeterminação individual, sem prejuízo de reflexamente tutelar outros bens jurídicos como a salvaguarda da privacidade/intimidade – e doloso, do ponto de vista subjectivo, o que significa que o agente tem que ter vontade e consciência de estar a praticar o facto tido como ilícito e punido penalmente.”
Atentos os factos provados, as acções em causa, não se mostram adequadas, numa perspectiva objectiva e de juízo de prognose, a provocar o medo ou inquietação ou prejudicar a sua liberdade, por si sós e estando em causa apenas aqueles factos. Aqueles factos e os seus antecedentes relacionais incluindo a anterior condenação pelo mesmo ilícito imputado podem levar a essa conclusão. Só que os factos já julgados não podem ser novamente valorados como sendo a causa de um mal, pelo que quer atento o período temporal da sua ocorrência, quer individualmente considerados e em que a eventual visada está em grupo, quer globalmente considerados os factos, não integram o conceito de perseguição ou assédio, ou têm aquela capacidade intimidatória exigida pelo tipo legal. Donde estes factos sem os factos anteriores porque já foi julgado não tem a agressividade inerente ao ilícito em causa (e não podem ser valorados os factos anteriores novamente)
Em face do exposto, e por não preenchimento dos elementos objectivos do ilícito em causa, inexiste o apontado crime e pelo que ausência dos elementos objectivos inexistem os subjectivos.
Assim, e estando preenchidos os elementos típicos do crime de ameaça agravada impõe-se, proceder à determinação da pena a aplicar ao arguido por tal crime tendo presente que tal conduta é punida com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias
Nessa ponderação ter-se-á também em conta a questão suscitada pelo recorrente relativa á escolha da pena do crime de proibição de violações que pretende seja de multa
Ali optou-se pela aplicação da pena de prisão (em face da previsão legal de pena de prisão ou multa: com pena de prisão [de 01 mês] até 02 anos ou multa [de 10] até 240 dias) fundamentalmente porque “Certo é que quando a este tipo legal cuja moldura penal permite ainda a punição com pena de multa, o arguido não possui antecedentes criminais. No entanto, tal ausência não faz empalidecer a gravidade da sua prática pelo arguido nestes autos. É que não é a violação de uma qualquer imposição, mas sim de uma pena acessória de proibição de contactos com a mesma pessoa aqui também vítima do crime de violência doméstica e, ainda por cima, agravado. O impacto na imagem global que resulta dos factos provados e na análise das exigências de prevenção especial não é leve, na medida em que, aliado à falta de interiorização expressamente veiculada pelo arguido em sede de julgamento quanto aos seus comportamentos (passados e atuais), fazem com que as exigências de prevenção especial sejam elevadas e com que se conclua que uma simples pena de multa não será o suficiente nem se adequa à realização das finalidades da punição in casu.”
Verifica-se assim que a pena prevista para cada um dos crimes é idêntica, colocando-se em ambas a escolha da espécie da pena a aplicar.
Assim impõe-se nos termos do artº 70º CP proceder à escolha da pena aplicável, tendo presente que a lei impõe que “o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Todavia atendendo aos factos e seus antecedentes criminais, o crime eme causa e suas penas, o seu envolvimento e razão deste, e o concreto facto ameaçado, reiterado, afigura-se-nos que a pena de multa não satisfaz aqueles exigências de protecção dos bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade (artº40ºCP) desiderando de toda a pena, pelo que optamos pela pena de prisão, o mesmo juízo, apesar da alteração do crime de que o arguido vinha acusado e condenado (violência doméstica), não se pode deixar de salientar, que o crime de violação de proibições constitui exactamente o não acatamento pelo arguido da decisão que lhe foi imposta com a condenação por aquele crime, pondo em causa a autoridade do Estado e a administração da justiça, pois o bem jurídico protegido é, como referido na decisão o da “não frustração de sanções impostas por sentença criminal”, com lesão do respeito devido à autoridade do caso julgado” (cf. Comentário Conimbricense, III, pág. 400).
E na determinação da pena concreta a aplicar ao arguido atender-se-á nos termos do artº 71º CP, à sua culpa, - como suporte axiológico de toda a pena, ou “A culpa é o pressuposto e fundamento da responsabilidade penal. A responsabilidade é a consequência ou efeito que recai sobre o culpado. (...) Sendo pressuposto e fundamento da responsabilidade deve ser também a sua medida, (...). O domínio do facto pelo agente é o domínio da sua vontade racional e livre, e é esta que constitui o substrato da culpa” - Prof. Cavaleiro Ferreira, Lições de Dto. Penal, I, págs. 184 e 185, sendo que o principio da culpa é a “consequência da exigência incondicional da defesa da dignidade da pessoa humana que ressalta dos artigos 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa”, Prof. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 84, - e às exigências de prevenção quer geral quer especial, e que (e assim Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 227 e sgt.s) as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer; Cf. também o Ac. STJ Ac. 17/4/2008 in www.dgsi.pt/jstj.
E vistos os factos provados e a ponderar tendo em conta a moldura penal ( até 2 anos de prisão), o grau da ilicitude de cada um dos factos e a ameaça concreta proferida, o modo e circunstâncias em que decorreram os factos e numero de actos violadores, o dolo, o modo de execução e locais e suas consequências (e nomeadamente a ofendida não ter receado o mal ameaçado: atentado contra a sua vida) o modo e condições de vida e a situação económica apuradas, os antecedentes criminais e a sua conexão com os factos em analise e as exigências de prevenção quer geral, quer especiais revelando-se estas prementes afigura-se-nos justa a pena de 5 meses de prisão quanto ao crime de violação de proibições e 4 meses de prisão quanto ao crime de ameaça.
Dispõe o artº 45º 1 CP que “A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”.
Atentos de igual modo os factos e o modo de vida e situação económica do arguido, e as exigência de prevenção geral – qualquer pessoa tem direito a viver a sua vida sem interferências de terceiros – e a exigências de prevenção especial em que o arguido avisado pela condenação em pena suspensa com regime de prova, continuou a pratica de actos ilícitos criminais contra a mesma pessoa, e fez tábua rasa da proibição de contacto, demonstrando uma personalidade avessa ao direito e incumpridora das normas e comandos da autoridade, não é de substituir qualquer uma dessas penas por multa.
Por outro lado, atento o disposto no artº 77º CP, em face da prática de dois crimes existe um concurso a regular pelo mencionado artº com a aplicação de uma pena única, que dispõe “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, e na determinação dessa pena, há que ter em conta o disposto no art. 77º, n.º 2 do CP, segundo o qual, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (…) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, e no caso o arguido cometeu 2 (violação de proibições e ameaça agravada) de existindo uma situação de concurso efectivo de crimes, e
- sendo a pena única fruto “ das exigências gerais de culpa e de prevenção” – F Dias, As Consequências… Coimbra, 2005, pág. 291, e objecto de uma ponderação sobre os factos na sua globalidade e a personalidade do arguido neles revelada ( artº 77º1 CP), e se como expressa o Prof F. Dias, ob. loc. cit. “ tudo deve passar-se… como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global … “, - o que é interpretado pelo STJ no ac. 18/6/2014 www.dgsi.pt/jstj “A explanação dos fundamentos que, à luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. Na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os factos que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade.”- e também no ac. STJ de 03/04/2013 www.dgsi.pt, onde se defende que “…importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos e da motivação que lhes subjaz, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele”
- e na “avaliação da personalidade – unitária- do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutivel a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade … “F Dias. ob. loc. cit. , - sendo que esta (pluriocasionalidade) como se escreve no texto do Ac STJ 26/3/2008 www.dgsi.pt/“verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizada na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime. A pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da «sucessão» de crimes.”
- tendo em conta os factos apurados, na sua globalidade, os antecedentes criminais à data e a personalidade do arguido neles expressa de antijuricidade, e a intima conexão que existe entre eles ( sendo a violação de proibições por causa da condenação anterior e as ameaças inseridas no mesmo contexto da condenação anterior e que efectivamente todos os factos criminosos se interconexionam na mesma natureza de uma relação afectiva que existiu entre arguido e ofendida que terminou, e as suas consequências sendo previsível a necessidade de pôr termo a tal situação em face da existência de uma filha em comum, que é factor a atender e acautelar como potenciador de geração de situações de conflito, e as consequências dos actos, afigura-se-nos que a pena única deve ser fixada em sete meses de prisão
Prisão essa que deve ser efectiva, pois uma pena de substituição (multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, pena suspensa, ou a execução em regime de permanência na habitação), não se mostra adequada ás exigências de prevenção e finalidade da pena, ou seja proteger os bens jurídicos evitando a pratica de novos actos ilícitos (reincidência), pois o arguido demonstrou que a substituição da pena de prisão na anterior condenação não cumpriu aquelas exigências pois de nada serviu, antes foi causa de novo crime (violação de proibição) e não impediu a agressividade ameaçadora contra a mesma ofendida, o que exige uma retracção na conduta do arguido e mudança de atitude pois de outro modo, em face da existência da filha comum será sempre um factor potenciador de novos encontros e potenciador de nova agressividade, o que afigura-se-nos apenas o cumprimento da prisão pode potenciar.
Reclama o arguido a possibilidade de cumprir o remanescente da pena de prisão em regime de OPH. Essa é uma questão que não cabe por ora na alçada deste tribunal de recurso, devendo ser apreciada, se requerida em caso de cumprimento da pena, tendo presente entre outros factores que o arguido se encontra sujeito desde 14/11/2019, às medidas de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, cumulada com a proibição do arguido em contactar por qualquer meio com a assistente, que há que proceder ao desconto do cumprimento de tal medida de coação no cumprimento da pena de prisão nos termos do artº 80º CP
Decorrente e consequente da decisão ora expressa, de que resulta a absolvição pelo crime de violência doméstica, é a que se repercute sobre a indemnização arbitrada à ofendida/assistente.
Tal indemnização, pedida pelo Mº Pº, foi-o ao abrigo do artº 82ºA CP e artº 21º da Lei 112/2009, como expressamente se refere na sentença: “Preceitua o n.º1 do art.º82.º-A do CPP que “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o Tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.”
Por seu turno, plasma o art.º21.º da Lei n.º112/2009, de 16.09, no seu n.º2, que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”
No caso em apreço, a assistente não formulou pedido de indemnização civil”
Ou seja, a indemnização foi arbitrada em face da condenação pelo crime de violência doméstica.
Desaparecendo tal crime, deixa de existir base jurídica para o arbitramento ao abrigo das citadas normas, e dado que a ofendida não deduziu pedido civil de indemnização, esta não poderá ser arbitrada.
Em face todo o exposto embora por razões parcialmente diferentes, processe parcialmente o recurso.
*
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido B… e em consequência:
- absolve o arguido do crime de violência doméstica de que fora acusado e condenado.
- Condena o arguido pelo crime de violação de proibições, p.p pelo artº 353º CP na pena de cinco meses de prisão;
-como autor de um crime de ameaça agravado p. p pelos artºs 153º e 155º 1 a) CP condena o arguido na pena de quatro meses de prisão.
Operando o cumulo jurídico condena o mesmo arguido na pena única de sete meses de prisão efectiva
- Absolve o arguido da indemnização arbitrada à ofendida.
Oportunamente, na 1ª instância será efectivado o desconto do artº 80º CP em face da medida de coação aplicada ao arguido.
Sem custas.
Notifique.
Comunique de imediato, com cópia, à 1ª instância em vista da eventual reapreciação da medida de coação em vigor
Dn