INCIDENTE DE OPOSIÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Sumário

“I - No incidente de oposição espontânea o terceiro interveniente pretende fazer valer um direito próprio e incompatível com o invocado pelo autor, não se exigindo que o oponente se afirme titular da relação material controvertida, mas de uma relação com ela juridicamente incompatível.
II - O incidente implica um alargamento do objecto da lide e simultaneamente uma modificação subjectiva da instância, porque o oponente passa a assumir a posição de parte principal no confronto com as partes primitivas, ocorrendo no mesmo processo uma acumulação de duas causas conexas.
III - Sendo o articulado do incidente de oposição espontânea uma verdadeira petição inicial, o indeferimento liminar só se impõe quando for manifesta, evidente, a improcedência da pretensão, reclamando, por imposição dos princípios da economia processual, do inquisitório e cooperação (artigos 6º, 7º e 590º do Código de Processo Civil) o convite ao aperfeiçoamento, quando seja uma petição deficiente ou irregular.
IV - Muito embora não esteja expressamente previsto na tramitação específica do incidente da oposição, o despacho de aperfeiçoamento da petição do incidente decorre não só dos princípios da economia processual, inquisitório e cooperação, como do princípio geral da correção, postulado no art.º 590º do Código de Processo.”.

Texto Integral

Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2020:523/16.0T8PVZ-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
Na acção declarativa, sob forma de processo comum pendente sob o n.º 523/16.0T8PVZ, em que é autor B… e em que são Réus C…, D…, E…, Herança de F…, representada pelos três primeiros Réus, G…, SGPS, S.A. e H…, SGPS, S.A., a Massa Insolvente de B… e I… interveio nos autos deduzindo, de forma subsidiária:
- incidente de oposição espontânea, nos termos dos artigos 333.º e ss. do Código de Processo Civil;
- incidente de intervenção espontânea, nos termos dos artigos 311.º e ss. do Código de Processo Civil;
- incidente de assistência, nos termos dos artigos 326.º e ss. do Código de Processo Civil.
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Por decisão proferida nos autos, em 14.12.2019, o Sr. Juiz a quo não admitiu os incidentes deduzidos.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente Massa Insolvente de B… e I…, veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações concluiu da seguinte forma:

I)Vem o presente recurso interposto da decisão proferida no âmbito dos presentes autos, por sentença que considerou os incidentes alegados pela Recorrente - incidente de oposição espontânea, subsidiariamente incidente de intervenção espontânea e, ainda, subsidiariamente, incidente de assistência - improcedentes.

II) Entendeu o Mmo Juiz a quo que não se mostravam preenchidos os pressupostos para que fosse admitido o incidente de oposição espontânea, nomeadamente, não se encontrava ínsita no requerimento apresentado causa de pedir, nem pedido e por força desse facto, indeferiu liminarmente por ineptidão.
Ora,

III) No âmbito do requerimento apresentado sustentou a Recorrente que, encontrando-se os Autores insolventes e estando em causa no âmbito dos presentes autos bens patrimoniais dos Insolventes, bens esses que, naturalmente, são parte integrante da massa insolvente, não pode deixar de ser esta quem tem legitimidade para a relação processual.

IV) Entender-se que o Autor tem legitimidade por si só para a presente acção, na qual estão ou podem estar em causa bens materiais integrantes da massa insolvente, seria possibilitar ao Autor, por via de uma acção paralela, definir, eventualmente em prejuízo da massa insolvente e, máxime, dos credores, a composição de tal massa.

V) Resulta claro do requerimento apresentado qual a causa de pedir e o próprio pedido (ilegitimidade do Autor e consequente substituição pela Recorrente), uma vez que o que está em causa é a falta de legitimidade do Autor numa acção que tem por objecto bens materiais após a sua declaração de insolvência.

VI) Pelo que, ao decidir de forma diversa, violou o despacho recorrido os arts. 333º e ss. do CPC.

VII) Mas ainda que se entendesse que o requerimento apresentado não satisfazia os requisitos previstos para o incidente em causa, sempre deveria ter havido um convite ao aperfeiçoamento da peça processual e não um indeferimento liminar.
Na verdade,

VIII) Ainda que não expressamente previsto na tramitação específica do incidente da oposição, o despacho de aperfeiçoamento da petição do incidente decorre não só dos princípios da economia processual, inquisitório e cooperação, já referidos, como do princípio geral da correcção, postulado no art. 590 CPC, pois não obstante inserir-se na fase da condensação, tem como pressuposto que antes dela não haja qualquer intervenção do juiz, mas havendo-a, nada impede que essa correcção se faça numa fase anterior (cfr. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág.275 ).

IX) Cfr. a este respeito Ac. Rel. Coimbra, de 27/04/2017, in www.dgsi.pt.

X) Ao decidir de forma diversa violou o despacho recorrido o art. 590º do CPC.

XI) Face ao exposto, deverá o despacho proferido ser substituído por outro que admita liminarmente o incidente de oposição, seguindo-se a demais tramitação, sem prejuízo de caso o tribunal entenda de proferir despacho de aperfeiçoamento.
Acresce que,

XII) Subsidiariamente ao pedido de oposição espontânea e, caso se entendesse que os Autores teriam legitimidade para, de per si, serem sujeitos processuais no âmbito da presente acção, requereu a Recorrente a sua intervenção espontânea.
Ora,

XIII) Conforme provado documentalmente, o Autor da presente acção foi declarado insolvente e estão em causa nos presentes autos direitos patrimoniais do mesmo, os quais terão, inevitavelmente, influência na constituição da massa insolvente,

XIV) Pelo que o interesse da Recorrente é necessariamente igual ao do Autor, ainda que possam ter interpretações diferentes sobre qual a melhor forma de defender tais direitos patrimoniais, como é o caso.

XV) A lei exige que haja um interesse igual e esse, naturalmente, existe, que é o de obter a melhor decisão para a composição da massa insolvente do Autor, o que a lei não exige é que o entendimento das partes quanto à defesa de tais interesses seja igual,

XVI) Pelo que se mostram, claramente preenchidos os pressupostos para que a Recorrente intervenha no presente processo a título principal.

XVII) Ao decidir de forma diversa, violou o despacho recorrido, os arts. 311º e ss. do CPC e 32º e ss. do Código de Processo Civil.
Acresce ainda que,

XVIII) Por fim e ainda subsidiariamente e caso se entendesse não estarem reunidos os pressupostos para a oposição espontânea ou a intervenção espontânea, requereu a Recorrente a sua intervenção no presente processo como assistente do Autor.

XIX) Mais uma vez e tal como referido quanto ao incidente de intervenção espontânea, no despacho recorrido não se leva em linha de conta que para que os interesses sejam compatíveis, não é absolutamente necessário que o entendimento quanto ao exercício dos mesmos seja absolutamente igual.

XX) O que releva é que o interesse do Autor e da Recorrente deverá ser o de criar valor acrescentado para a massa insolvente, o que têm é visões diferentes da forma como esse valor acrescentado é alcançado,

XXI) Pelo que, tendo interesses compatíveis, como têm, não se vê qualquer razão para o indeferimento do incidente de assistência deduzido.

XXII) Ao decidir de forma diversa violou o despacho recorrido o disposto nos arts. 326º e ss. do CPC.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão a resolver no âmbito do recurso prende-se em saber da admissibilidade ou não dos incidentes de instância deduzidos.
3. Conhecendo do mérito do recurso
3.1 - Factos assentes
Com relevância para a decisão e consequente conhecimento do recurso, mostram-se assentes os seguintes factos:
a. Por sentença proferida no dia 27 de Maio de 2014, no âmbito do processo n.º 2898/14.6TBBRG, que corre termos no Juízo Local Cível de Braga - Juiz 1, transitada em julgado, foi o Autor B… declarado insolvente, tendo sido nomeado como Administrador de Insolvência, o Dr. J….
b. Na presente acção e de acordo com o petitório formulado pelo Autor, estão em causa os seguintes bens/direitos: (i) as acções doadas pelos pais ao Autor e por este vendidas à H…; (ii) o preço das mesmas acções; (iii) e o quinhão hereditário.
c. O administrador de insolvência, procedeu à resolução em benefício da massa insolvente do contrato de compra e venda de acções celebrado entre o aqui Autor B… e sua mulher com a aqui Ré, H…, S.A., através de carta remetida com data de 17 de Setembro de 2014,
d. A aqui Ré, H…, SGPS, S.A, na sequência da referida comunicação, instaurou acção de impugnação de resolução, que correu termos por apenso ao processo de insolvência, tendo sido celebrada transacção homologada por sentença.
e. Na presente acção, a Massa Insolvente de B… e I… interveio nos autos e deduziu:
- incidente de oposição espontânea, nos termos dos artigos 333º e ss. do Código de Processo Civil,
Sem prescindir e subsidiariamente,
- incidente de intervenção espontânea, nos termos dos artigos 311º e ss. do Código de Processo Civil,
Sem prescindir e subsidiariamente,
- incidente de assistência, nos termos dos artigos 326º e ss. do Código de Processo Civil.
f. Em decisão do incidente de intervenção de terceiros suscitado, foi proferido em 14.12.2019 o seguinte despacho:
“Requerimento apresentado pela Massa Insolvente de B… e I… a fls. 1887-1912:
A Massa Insolvente de B… e I… apresentou um requerimento (a fls. 1887-1912) pelo qual veio «deduzir:
a) incidente de oposição espontânea, nos termos dos arts. 333º e ss. do CPC, sem prescindir e subsidiariamente
b) incidente de intervenção espontânea, nos termos dos arts. 311º e ss. do CPC de e sempre sem prescindir e subsidiariamente,
c) incidente de assistência, nos termos dos arts. 326ºe 326º e ss. do CPC» (Sic).
A concluir esse requerimento, pede «a) que, nos termos dos arts. 333º e ss. do CPC, seja admitido o presente incidente de oposição, seguindo-se os ulteriores termos previstos no n.º 1, do art. 335º do CPC; sem prescindir e subsidiariamente,
b) que, nos termos do art. 316º e ss. do CPC, seja admitida a intervenção principal da aqui Requerente; ainda sem prescindir e subsidiariamente,
c) que, nos termos dos arts. 326º e ss. do CPC, seja admitida a intervenção da ora Requerente como assistente do Autor».
Sobre o «incidente de oposição espontânea, nos termos dos arts. 333º e ss. do CPC» (arts. 1.º a 30.º do requerimento). – O incidente de intervenção de terceiros designado por oposição está regulado nos arts. 333.º a 341.º do Código de Processo Civil (diploma ao qual pertencem todos os artigos a seguir citados, salvo indicação em contrário).
Através da oposição espontânea, um terceiro visa intervir numa causa já pendente «para fazer valer, no confronto de ambas as partes [nessa causa], um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com a pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte» (art. 333.º, n.º 1).
Quanto aos requisitos da dedução da oposição espontânea, determina o art. 334.º que «o opoente deduz a sua pretensão por meio de petição, à qual são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à petição inicial, inclusivamente no que respeita às custas processuais».
Resulta dos preceitos acabados de citar que, na oposição espontânea, o oponente (i. e., o terceiro interveniente) pretende fazer valer um direito próprio e incompatível com o invocado pelo autor/reconvinte. Quer dizer, o oponente não se arroga titular da relação material controvertida na ação em que pretende intervir, mas de uma relação com aquela juridicamente incompatível.
Nas palavras de LOPES DO REGO, «o incidente de oposição deve ter na sua base uma situação de conflito de direitos entre o autor e o oponente, só podendo ter cabimento quando este se arrogue a titularidade de uma situação jurídica oponível ao autor, isto é, cuja resolução seja susceptível de entravar a procedência da acção» (Os incidentes de intervenção de terceiros em Processo Civil, in Revista do Ministério Público, ano 5.º, volume 19, p. 82).
O incidente de oposição visa um alargamento do objeto da lide e uma modificação subjetiva da instância, pois o oponente passa a assumir a posição de parte principal no confronto com as partes primitivas e, no mesmo processo, ocorre uma acumulação de duas causas conexas.
No caso em análise, verificamos, por um lado, que a Requerente não cumpriu o determinado no art. 334.º, porque o requerimento ora em análise não cumpre os requisitos legalmente exigidos para a petição inicial, nomeadamente, não foi formulado o pedido e falta a causa de pedir (art. 552.º, n.º 1, alíneas d) e e), o que conduz à sua ineptidão (art. 186.º, n.º 2, alínea a), implicando o respetivo indeferimento liminar (art. 335.º, n.º 1.
Neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-12- 1995, processo n.º 9451033, cujo sumário está disponível em www.dgsi.pt, no qual se afirma o seguinte: «I - O incidente de oposição caracteriza-se como uma verdadeira acção proposta pelo opoente contra as partes da acção pendente e no respectivo requerimento deve o opoente, além do mais, formular o pedido. II - A falta de formulação de pedido, nesse incidente, implica o seu indeferimento liminar ou a sua improcedência»).
Por outro lado, importa ter em consideração que o escopo visado pela Requerente através do presente incidente está verbalizado, de forma clara, nos arts. 29.º e 30.º, onde afirma: «deve ser admitida a presente oposição e, consequentemente, deve o aqui Autor ser considerado parte ilegítima na presente ação»; «assumindo a ora Requerente a sua posição processual como parte principal». Ou seja, a Requerente pretende excluir o Autor da presente ação; no entanto, o incidente de oposição não é o mecanismo processual adequado para esse efeito. Como decorre do acima exposto, a procedência do incidente de oposição não implica a exclusão de qualquer das partes primitivas, antes acrescenta uma nova parte à ação. Assim, também por esta razão (i. e., porque o objetivo visado pela Requerente não se adequa ao mecanismo processual utilizado), o incidente de oposição deverá ser indeferido.
Por todo o exposto, indefere-se liminarmente o incidente de oposição.
Sobre o «incidente de intervenção espontânea, nos termos dos arts. 311º e ss. do CPC» (arts. 31.º a 40.º do requerimento). - Nos arts. 31.º e seguintes do requerimento em análise, invocando (e transcrevendo) o art. 311.º, afirma a Requerente que «ainda que se venha a entender que o Autor tem legitimidade para, por si só, intervir na presente acção na qualidade em que se apresenta», «sempre a ora Requerente terá direito a intervir na presente acção na qualidade de interveniente principal».
No entender da Requerente, «dúvidas não poderão restar que a ora Requerente detém um interesse igual ao do Autor», porque o Autor foi declarado insolvente, por sentença já transitada em julgado, e «estão em causa na presente acção direitos patrimoniais do Autor que terão, naturalmente, influência no património do Autor apreendido para a Massa Insolvente», «seja por força da reintegração das acções na esfera patrimonial dos pais do Autor e, consequentemente, serem parte integrante do quinhão hereditário do mesmo»; «seja por força da confirmação da validade dos negócios jurídicos aqui em causa, o que implicará a integração na massa insolvente do valor correspondente às acções vendidas pelo Autor/Insolvente».
Dispõe o art. 311.º: «estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º».
Face a esta norma, nomeadamente, face à menção aos arts. 32.º, 33.º e 34.º, é inequívoco que constitui pressuposto da invocada intervenção principal a existência de uma situação de litisconsórcio voluntário ou necessário, do interveniente em relação aos sujeitos da causa principal.
Ora, no presente caso, verificamos que a Requerente não invoca qualquer situação de litisconsórcio voluntário em que se baseie a requerida intervenção principal espontânea; e verificamos, também, que inexiste qualquer situação de litisconsórcio voluntário em que possa basear-se aquela intervenção.
Consequentemente, não se admite o incidente de intervenção principal espontânea da Requerente.
Sobre o «incidente de assistência, nos termos dos arts. 326º […] e ss. do CPC» (arts. 41.º a 48.º do requerimento).
A concluir o requerimento em análise, a Requerente também deduziu o incidente de assistência, invocando expressamente e transcrevendo o art. 326.º, n.º 1.
Na opinião da Requerente, como o Autor foi «declarado insolvente, por sentença já transitada em julgado», e como «estão em causa na presente acção direitos patrimoniais do Autor que terão, naturalmente, influência no património do Autor apreendido para a Massa Insolvente», «dúvidas não poderão restar que a ora Requerente detém interesse compatível com o do Autor», pelo que «se requer desde já a intervenção da ora Requerente como Assistente na presente acção».
Impõe-se ter presente que, através da intervenção por assistência, o terceiro irá adquirir o estatuto de parte acessória, nos termos do qual irá auxiliar a parte que pretende coadjuvar, exercendo uma actividade processual subordinada e limitada, pois não poderá tomar uma posição contrária à parte principal, nem poderá praticar atos que a parte principal já não tenha o direito de praticar.
Aliás, o art. 326.º, n.º 1 é claro ao referir que só poderá intervir como assistente de uma das partes «quem tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a essa parte».
A Requerente pretende ser admitida a intervir como assistente do Autor. Todavia, apesar de dizer que «detém interesse compatível com o do Autor» (art. 47.º do requerimento) é manifesto que tal não ocorre no presente caso, como a própria Requerente o admite nos arts. 20.º a 28.º do requerimento. Sublinhe-se que a Requerente afirma, sem margem para qualquer duvida, que as posições assumidas pelo Sr. Administrador da Insolvência no âmbito da insolvência são incompatíveis com as pretensões do Autor na presente ação (cfr. arts. 26.º a 28.º do requerimento). Dito de outro modo, como o assistente intervém para coadjuvar uma das partes da ação, não é admissível que a Requerente seja admitida a intervir como assistente do Autor, porque não tem interesse em que a ação seja julgada em sentido favorável ao Autor.
Pelo exposto, não se admite o incidente de assistência.
Condena-se a Requerente a pagar as custas (art. 527.º do Código de Processo Civil).
(…).”
3.2 - Fundamentos de Direito
Entrando no mérito da questão suscitada, nela está em causa saber se se encontram reunidos os pressupostos, designadamente, para deferimento do incidente de oposição espontânea deduzido pela Massa Insolvente de B… e I….

Vejamos:

No que concerne à modificação das partes no processo, dita modificação subjectiva, o Código de Processo Civil prevê as seguintes possibilidades: chamamento do terceiro que falta para assegurar a legitimidade de alguma das partes (artigo 261.º do Código de Processo Civil); a substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio (alínea a), do artigo 262.º do Código de Processo Civil) e os incidentes da intervenção de terceiros (alínea b), do artigo 262.º do Código de Processo Civil).
Em função das consequências jurídicas da intervenção é fácil de antever que a faculdade de requerer o chamamento depende obviamente da verificação das situações em que a lei processual o permite.
O incidente de oposição está regulado nos artigos 333.º a 341.º, do Código de Processo Civil.
Ora, estabelece o n.º 1, do artigo 333.º, do Código de Processo Civil que: “Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode um terceiro intervir nela como opoente para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com a pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte.”.
Na oposição espontânea o terceiro interveniente pretende fazer valer um direito próprio e incompatível com o invocado pelo autor. Não se exige que o oponente se afirme titular da relação material controvertida, mas de uma relação com ela juridicamente incompatível.
Como elucida Lopes do Rego, “o incidente de oposição deve ter na sua base uma situação de conflito de direitos entre o autor e o oponente, só podendo ter cabimento quando este se arrogue a titularidade de uma situação jurídica oponível ao autor, isto é, cuja resolução seja susceptível de entravar a procedência da acção” (“Os incidentes de intervenção de terceiros em Processo Civil “, in Revista do Ministério Público, ano 5º, vol. 19, pág. 82).
Sendo assim, isso implica um alargamento do objecto da lide e simultaneamente uma modificação subjectiva da instância, já que o oponente passa a assumir a posição de parte principal no confronto com as partes primitivas, de tal modo que no mesmo processo ocorre uma acumulação de duas causas conexas.
No caso vertente, resulta dos autos que por sentença proferida no dia 27.05.2014, no âmbito do processo n.º 2898/14.6TBBRG, que corre termos no Juízo Local Cível de Braga - Juiz 1, já transitada em julgado, foi o aqui Autor declarado Insolvente, tendo sido nomeado como Administrador de Insolvência, o Sr. Dr. J….
Por sua vez, de acordo com o petitório formulado pelo Autor, estão em causa os seguintes bens/direitos: (i) as acções doadas pelos pais ao Autor e por este vendidas à H…; (ii) o preço das mesmas acções, e (iii) e o quinhão hereditário.
Resulta, assim, que o resultado da presente acção tem influência directa no processo de insolvência, uma vez que todos aqueles bens/direitos se encontram, naturalmente, apreendidos no âmbito da insolvência.
Com efeito, estipula o artigo 81.º, n.º 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que: “O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessam à insolvência.”.
Concretizando-se no n.º 6 do normativo legal supra citado que: “São ineficazes os actos realizados pelo insolvente em contravenção do disposto nos números anteriores(...)”.
Assim sendo, seja qual for o resultado da presente acção, o que aqui está em causa são bens patrimoniais do Autor/Insolvente, bens esses que são parte integrante da massa insolvente.
Por sua vez, resulta dos autos que no âmbito dos seus poderes, procedeu o Administrador de Insolvência à resolução em benefício da massa insolvente do contrato de compra e venda de acções celebrado entre o aqui Autor e sua mulher com a aqui Ré, H…, através de carta remetida com data de 17 de Setembro de 2014.
A aqui Ré, na sequência da referida comunicação, instaurou acção de impugnação de resolução, que correu termos por apenso ao processo de insolvência, na qual foi celebrada transacção homologada por sentença.
No caso vertente, o Autor pretende com a instauração da acção que seja decretada a nulidade da doação das acções a seu favor e, consequentemente, a nulidade da venda das mesmas, por si realizada a favor da Ré H…, o que, em última análise, se obtivesse vencimento, implicaria que as acções em causa saíssem directamente da sua esfera patrimonial e voltassem à esfera patrimonial de seus pais, fazendo parte do seu quinhão hereditário, o qual se encontra apreendido no âmbito do processo de insolvência.
Neste contexto, todo e qualquer efeito que viesse a ser produzido no âmbito da presente acção teria sempre influência directa no património do Autor e, consequentemente, na composição da massa insolvente.
De resto, no âmbito da impugnação da resolução operada pelo Senhor Administrador de Insolvência, conforme supra referido chegaram as partes a acordo que implica a validade da doação em causa, o que se mostra incompatível com a posição adoptada pelo Autor e ali Insolvente, pelo que, a ser procedente a acção, tal implicará um prejuízo para a massa insolvente, uma vez que as acções em causa passariam a integrar o quinhão hereditário do Autor, o que teria um efeito nefasto para a massa insolvente, dado que, no âmbito da herança em causa, a mãe do Insolvente, aqui Autor, é detentora de 62,50% do activo e ele próprio não é detentor de mais do que 12,50% do mesmo activo.
Assim a posição adoptada pelo Autor é, claramente, prejudicial à constituição da massa insolvente, sendo, portanto, incompatível com a pretensão deduzida pelo mesmo.
Não obstante, entendeu o Sr. Juiz a quo que não se mostravam preenchidos os pressupostos para que fosse admitido o referido incidente, nomeadamente, não se encontrava ínsito no requerimento apresentado causa de pedir, nem pedido e por força desse facto, indeferiu liminarmente por ineptidão.
Por outro lado, ainda, sustentou que caso se entendesse que não se verificava a ineptidão, sempre o mecanismo processual para a intervenção da Recorrente não seria apropriado.
Ora, no âmbito do requerimento apresentado sustentou a Recorrente que, encontrando-se os Autores insolventes e estando em causa no âmbito dos presentes autos bens patrimoniais dos Insolventes, bens esses que, naturalmente, são parte integrante da massa insolvente, não pode deixar de ser esta quem tem legitimidade para a relação processual.
Entender-se que o Autor tem legitimidade por si só para a acção, na qual estão ou podem estar em causa bens materiais integrantes da massa insolvente, seria possibilitar ao Autor, por via de uma acção paralela, definir, eventualmente em prejuízo da massa insolvente e, máxime, dos credores, a composição da massa.
Resulta, assim, claro do requerimento apresentado qual a causa de pedir e o próprio pedido, uma vez que o que está em causa é a falta de legitimidade do Autor numa acção que tem por objecto bens materiais após a sua declaração de insolvência.
Não parece por isso que estejam ausentes os pressupostos do incidente de oposição espontânea de tal forma que implique a sua rejeição liminar. É que não só alegou um direito, como um alargamento do objecto que colide com o direito exercitado pelo Autor.
Além disso, sendo o articulado do incidente uma verdadeira petição inicial, o indeferimento liminar só se impõe quando for manifesta, evidente, a improcedência da pretensão, reclamando, por imposição dos princípios da economia processual, do inquisitório e da cooperação (artigos 6.º, 7.º e 590.º do Código de Processo Civil) o convite ao aperfeiçoamento, visto tratar-se de uma petição deficiente, pois uma coisa é a inviabilidade, outra a deficiência e a irregularidade.
Por outro lado, ainda que não expressamente previsto na tramitação específica do incidente da oposição, o despacho de aperfeiçoamento da petição do incidente decorre não só dos princípios da economia processual, do inquisitório e da cooperação, já referidos, como do princípio geral da correcção, postulado no artigo 590.º, do Código de Processo Civil, pois não obstante inserir-se na fase da condensação, tem como pressuposto que antes dela não haja qualquer intervenção do juiz, mas havendo-a, nada impede que essa correcção se faça numa fase anterior (cf. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 275).
A este respeito, Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, pág. 178) sem rejeitar a possibilidade de antecipação do despacho de aperfeiçoamento, é, no entanto, menos categórico, ao defender o seu uso com alguma parcimónia, face ao princípio da concentração, apenas naqueles casos em que os vícios são susceptíveis de se repercutirem com gravidade nos demais articulados, não sendo previsível que possam ser sanados pela normal dialéctica das partes.
Em resumo, procederá a apelação, revogando-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro a admitir liminarmente o incidente de oposição, seguindo-se a demais tramitação, sem prejuízo de caso o tribunal entenda proferir despacho de aperfeiçoamento.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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4. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso e, por consequência, revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro a admitir liminarmente o incidente de oposição, seguindo-se a demais tramitação, sem prejuízo de caso o tribunal entenda proferir despacho de aperfeiçoamento.
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Custas a cargo da parte vencida a final.
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Notifique.

Porto, 24 de Setembro de 2020
Paulo Dias da Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas)