Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
SENTENÇA CONDENATÓRIA
DISPOSITIVO IMPOSITIVO
ENTREGA DO LOCADO
CASA DE HABITAÇÃO
DEPENDÊNCIA FECHADA
PENHORA
POSSE EFETIVA
Sumário
I - A sentença condenatória para além de compreender a afirmação da providência obtida, que traduz a sua dimensão declarativa (objeto imediato), também integra e reconhece uma consequência material, que corresponde à sua dimensão prática (objeto mediato). II - A condenação ocorre quando na correspondente sentença surge o reconhecimento de uma obrigação de cumprimento suscetível de ser executada, que tanto pode advir da mesma ser claramente impositiva (condenação expressa) ou então contiver exigências tácitas de cumprimento (condenação implícita). III - O dispositivo da sentença onde consta que “Reconhece-se e declara-se que o mencionado contrato de arrendamento para fins não habitacionais existente termina em 31/12/2017, tendo como consequência a entrega do locado, livre de pessoas e bens, pela R. à A. nesta data de 31/12/2017” integra uma nítida dimensão prática impositiva, correspondendo a uma sentença condenatória. IV - A legislação processual civil ao passar da alusão a “casa habitada ou numa sua dependência fechada”, correspondendo a uma ideia estrita e estática de habitação, para mencionar “domicílio”, possibilitando uma ideia dinâmica e elástica de habitação, visou aproximar esta última designação do conceito constitucional de domicílio, mas continua a excluir do seu âmbito a sede ou o domicílio profissional. V - A posse efetiva do imóvel, mediante o auxílio das autoridades policiais, no âmbito da disciplina da penhora, mas que é extensiva à execução para entrega judicial de coisa certa, só está dependente de prévio despacho judicial para a convocação daquele reforço policial, quando esteja em causa o domicílio habitacional e não a sede de uma empresa ou o domicílio profissional.
Texto Integral
Recurso n.º 11245/19.0T8PRT-B.P1 (EmbDespejo01)
Relator: Joaquim Correia Gomes:
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos; Filipe Caroço
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. Neste processo n.º 11245/19.0T8PRT-B do Juízo Execução do Porto, J1, da Comarca do Porto, em que são:
Recorrente/Embargante: B…
Recorrida/Embargada: C…
foi proferida saneador-sentença em 09/jan./2020 onde se decidiu julgar improcedentes os embargos, determinando-se o prosseguimento da execução.
1.1. Mediante requerimento de 04/jul./2019 a executada tinha deduzido embargos à execução, sustentando que a entrega de coisa imóvel apenas pode ter como título executivo uma sentença proferida em ação de despejo, considerando que a decisão dada à execução não tem força executiva.
1.2. A exequente contestou em 25/out./2019, invocando que a presente execução é para entrega de coisa imóvel certa e tem por base uma sentença condenatória, pois muito embora tenha anteriormente qualificado a ação como de simples apreciação positiva, termina com o pedido de reconhecimento e declaração pelo Tribunal que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais existente termina em 31/dez./2017, tendo como consequência a entrega do locado, livre de pessoas e bens, pela R. à A. nesta data, pugnando pela improcedência dos embargos.
2. A embargante interpôs recurso em 18/fev./2020, pugnando no seguinte sentido:
a) Revogação da decisão que julgou improcedentes os embargos à execução e substituí-la por outra que declare extinta a acção executiva por falta de título executivo, com a consequente anulação de todos os actos praticados, nomeadamente a entrega do locado,
Se assim não se entender,
b) Declarar procedente a oposição à entrega do imóvel arrendado, ordenando-se a sua restituição à executada.
Para o efeito apresentou as conclusões, que passamos a transcrever:
1º. Nas acções de simples apreciação (positiva ou negativa) está ausente a ideia de violação efectiva de um direito; a actividade do Tribunal esgota-se na verificação judicial da existência ou inexistência de direito ou facto jurídico, cuja incerteza grave e objectiva, constitui o fundamento deste tipo de acções (art. 10.º, n.º 3, al. a), do CPC);
2º. Consequentemente, na acção de simples apreciação o autor não pode exigir ao réu qualquer prestação por não estar pressuposto nenhuma; diversamente, as acções de condenação pressupõem uma situação de lesão ou violação efectiva do direito, tendo por objecto exigir uma prestação que, sendo exigível, não foi cumprida;
3º. Daí que, ao contrário do que sucede nas acções de condenação, as sentenças proferidas em acções de simples apreciação não têm eficácia executiva;
4º. Juridicamente qualificada, a acção declarativa que antecede a presente execução é uma acção de simples apreciação positiva;
5º. Para além de a própria Autora (ora exequente) qualificá-la expressamente como tal (cfr. cabeçalho da petição inicial), a natureza de simples apreciação da acção declarativa foi reconhecida e declarada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.6.2018, qualificação que foi renovada pelo Acórdão do mesmo Tribunal de 8.11.2018, proferido no seguimento de arguição de nulidade;
6º. Diz-se expressis et apertis verbis no referido Acórdão da Relação do Porto de 27.6.2018: “Quando a autora instaurou a acção, o contrato de arrendamento, segundo a sua própria alegação (ou seja, pressupondo a transição para o NRAU) ainda não havia cessado. O que significa que, à data da instauração da acção, a permanência da ré no arrendado era lícita, não violando qualquer direito da autora. Não poderia, pois, a autora instaurar qualquer outro tipo de acção contra a ré que não uma acção de simples apreciação (cfr., art. 10.º, n.º 3, do CPC” (sic);
7º. Por sua vez, por Acórdão de 8.11.2018, o mesmo Tribunal da Relação do Porto deixou exarado que: “Como se vê, o dispositivo da sentença não contém qualquer condenação da ré a entregar o arrendado. Apenas se declara e se reconhece que o contrato de arrendamento cessou em 31.12.17 e que tal cessação tem como consequência (legal) a entrega do arrendado. Se, naquela data, a ré não tiver entregue voluntariamente o arrendado, a autora só poderá obter essa entrega se instaurar o procedimento especial de despejo previsto nos arts. 15.º e seguintes do NRAU” (sic);
8º. Firmado, com trânsito em julgado, que a sentença exequenda, proferida em acção de simples apreciação, não contém (nem podia conter) na sua parte dispositiva a condenação da Ré (ora executada) a entregar o arrendado, daí segue-se a manifesta falta de título executivo na execução dos autos;
9º. Com efeito, nos termos da al. a), do n.º 1 do art. 703.º do CPC, apenas têm força executiva as sentenças condenatórias, isto é, as decisões pelas quais o Tribunal impõe um comando de cumprimento de uma obrigação ao réu;
10º. Sendo certo que em matéria de títulos executivos vigora o princípio da tipicidade; a enunciação do art. 703.º do CPC tem natureza taxativa, e, como tal, não é possível o alargamento do catálogo de títulos executivos por interpretação extensiva, e, menos ainda, por analogia;
11º. A sentença dada à execução não condena a Ré a proceder à entrega do locado; limita-se a declarar que a entrega é uma consequência (legal) do termo futuro do contrato;
12º. Ou seja, nesse segmento a sentença exequenda não tem valor dispositivo, nem podia tê-lo pela singela e decisiva razão de a acção não ter por causa de pedir a violação pela Ré da obrigação de entrega do locado;
13º. Na realidade, ao tempo da propositura da acção, o arrendamento era plenamente válido e eficaz, e, sendo-o, não podia a Autora imputar à Ré o incumprimento da obrigação de entrega do arrendado, nem pedir a sua condenação;
14º. É que o pedido de condenação judicial no cumprimento tem por causa de pedir a aquisição do direito a prestação exigível, supondo o incumprimento, e visa, como efeito prático, a possibilidade de cumprimento forçado da obrigação;
15º. As considerações vertidas na decisão recorrida em torno da figura da condenação implícita têm a natureza de obiter dictum (e, portanto sem alcance vinculativo), uma vez que, nos seus próprios dizeres, se fundou no entendimento (erróneo) de que a sentença exequenda contém uma condenação judicial expressa da Ré no cumprimento coactivo da obrigação de entrega do locado;
16º. Sem prejuízo, considerando que, à luz do pedido e da causa de pedir da acção declarativa, a sentença exequenda não podia condenar a Ré (como, efectivamente, não condenou) no cumprimento da obrigação de entrega, por maioria de razão seria inadmissível uma pronúncia condenatória implícita;
17º. A simples declaração judicial da data em que opera o termo do contrato de arrendamento não pode ser executada, porquanto a lei exige que a execução tenha por base uma sentença condenatória, isto é a imposição de uma ordem judicial de actuação;
18º. Donde, para obter a entrega do arrendado, a autora terá de recorrer ao procedimento especial de despejo, como foi decidido, com força de caso julgado, pelo douto Acórdão da Relação do Porto de 8.11.2018;
19º. A execução para entrega de coisa imóvel arrendada apenas pode ter como título executivo uma sentença proferida em acção de despejo, quando o despejo tem lugar através do PED, o título executivo é constituído no âmbito desse procedimento especial;
20º. A acção de despejo é uma acção constitutiva porque tem por finalidade provocar uma alteração na ordem jurídica existente (a cessação imediata do arrendamento), pressupondo (i) um pedido de cessação do contrato de arrendamento; (ii) e que, ao tempo da entrada em juízo da petição inicial, se tenha já verificado o facto constitutivo da cessação do arrendamento (vg. a concreta violação contratual ou o termo do prazo);
21º. Ora, a acção que antecedeu a presente execução não é uma acção de despejo: a Autora não imputa à Ré a violação de qualquer obrigação, e não peticiona o despejo, o que, aliás, não podia pedir por o contrato se encontrar na sua própria versão, em vigor;
22º. Ergo, não constituindo a decisão exequenda uma sentença proferida em acção de despejo, inexiste título executivo para a presente acção executiva de entrega de imóvel arrendado;
23º. Dada a instrumentalidade do processo executivo face ao direito substantivo, a execução é determinada, tanto na causa de pedir como no pedido, pelo conteúdo do título executivo, ou seja, este determina o fim e os limites da acção executiva;
24º. Consequentemente, somente a demonstração da aquisição do direito a uma prestação permite a dedução de um pedido executivo;
25º. Ora, a sentença dada à execução não incorpora a aquisição do direito ao cumprimento da obrigação de entrega do locado, nos termos legalmente tabelados;
26º. Em suma, seja porque a sentença exequenda não é uma decisão proferida em acção de despejo, seja porque não contém nenhum segmento condenatório, verifica-se a falta de título executivo, o que determina a extinção da execução (arts. 729.º, al. a) e art. 849.º, n.º 1, al. f), ambos do CPC);
27º. Ao decidir diferentemente, a decisão recorrida, violou as disposições legais citadas supra;
28º. A decisão recorrida qualifica indevidamente a oposição à entrega do locado como sendo um acto de oposição à penhora: a entrega, dada sua diferente funcionalidade, traduzida em diferentes objectos e efeitos, não se confunde com a penhora, correspondendo-lhe um regime distinto, sem prejuízo da aplicação subsidiária das normas referentes à penhora no que diz respeito à sua efectivação;
29º. Por outro lado, tendo a oposição à entrega sido recebida e notificada à exequente que apresentou contestação, não tem aplicação o disposto no art. 732.º, n.º 1, al. c) do CPC invocado na decisão recorrida para justificar o indeferimento liminar decretado (cfr., art. 785.º, n.º 2, que manda seguir os termos dos arts. 293.º a 295.º);
30º. Para além de um fundamento comum aos embargos à execução (a falta de título executivo), a oposição à entrega assenta em fundamentos privativos e exclusivos pelo que, ao fundar o indeferimento liminar numa absoluta coincidência de argumentário, a decisão recorrida vai alicerçada num manifesto equívoco, que só pode resultar de uma leitura apressada e incompleta do requerimento de oposição à entrega;
31º. Sem embargo, uma vez que não pode ser executada uma obrigação que não consta do título executivo, a falta deste pode constituir fundamento de oposição à entrega forçada da coisa;
32º. Por força da remissão do n.º 1 do art. 861.º do CPC para as normas que regulam a realização da penhora, é aplicável o disposto no art. 757.º do mesmo corpo de leis, segundo o qual o agente de execução só pode solicitar o auxílio das autoridades policiais nos seguintes casos: (i) quando seja oposta alguma resistência ou haja justificado receio de oposição de resistência (n.º 2); (ii) quando seja necessário o arrombamento de porta e a substituição da fechadura para efectuar a posse do imóvel, lavrando-se auto de ocorrência (n.º 3);
33º. Consta do auto de entrega que a Sra. AE se fez acompanhar na diligência por um agente da polícia, sem que, porém, se tenha verificado quaisquer resistência por parte da executada, nem sequer invocado justificado receio de oposição de resistência;
34º. Pelo contrário, o que resulta do auto de entrega é que a executada, encontrando-se a laborar no local, retirou sponte suam todos os seus bens e efectuou a entrega do locado, “livre de pessoas”;
35º. Ou seja, está documentado que não houve qualquer tipo de resistência por parte da executada e, por isso, a solicitação do auxílio e a presença da autoridade policial é manifestamente ilegal;
36º. Como ilegal é a substituição da fechadura pelo facto de, não havendo resistência, ser desnecessário o arrombamento da porta do locado;
37º. Acresce que a garantia da inviolabilidade do domicílio consagrada no n.º 1 do art. 34.º da CRP, deve estender-se, de acordo com a doutrina constitucional e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao domicílio profissional, o qual deve beneficiar, portanto, de tutela equiparável à que é conferida à habitação;
38º. O art. 83.º do CC consagra a figura do domicílio profissional, estabelecendo no seu n.º 1 que “a pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações que a este se referem, domicílio profissional no lugar onde a profissão é exercida”;
39º. Resultando dos autos que a executada exerce a sua actividade comercial no local onde está sediado o estabelecimento que explora(va), é esse o seu domicílio profissional;
40º. Dada a garantia de inviolabilidade ser extensiva ao domicílio profissional, a efectivação da entrega do locado é um acto que, estando sujeito à reserva do juiz, carece de prévia autorização judicial;
41º. Donde, para entrar no domicílio da executada a fim de efectuar a entrega do locado, a Sra. AE tinha de, previamente, requerer e obter do Tribunal a necessária autorização;
42º. Sucedeu, porém, que tal autorização não foi requerida pela Sra. AE, pelo que o acto de entrega do locado enferma de manifesta ilegalidade.
43º. Na decisão recorrida foram violadas as disposições legais acima citadas.
4. Admitido o recurso, foi o mesmo remetido à Relação, onde foi autuado em 26/jun./2020, procedendo-se a exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
5. O objeto deste recurso incide sobre a existência de título executivo (a) e a legalidade do acto de entrega da coisa locada (b)
*
** II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Circunstâncias a considerar
1.O título dado à execução, é a decisão proferida no âmbito da ação declarativa com processo comum que correu termos sob o n.º 1897/17.0T8PRT no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível do Porto – Juiz 5, já transitada em julgado, cuja presente execução corre nos próprios autos, foi proferida sentença já transitada em julgado, nos termos do documento junto aos autos de execução a fls. 18 a 65, cujo teor se dá aqui por reproduzido, e nos termos da qual se decidiu:
a) Declara-se que a A (exequente) é legitima proprietária do prédio urbano situado na Rua …, nºs …, … e …, freguesia de …, … e …, concelho do Porto, composto por 5 pisos, atualmente inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 6296 (anteriormente sob o artigo 620) e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 1526/20080909 e inscrito a seu favor pela ap. 3560 de 2015/05/15;
b) Reconhece-se e declara-se que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado em 15/02/1995, que vem vigorando entre a A. (exequente), na qualidade de senhoria e a R. (executada), na qualidade de arrendatária e que tem como objeto o rés-do-chão do prédio identificado na alínea anterior, transitou para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, com um prazo certo com a duração de 1 ano, com início a 01/01/2016 e renovável por iguais períodos de 1 ano;
c) Reconheceu-se e declara-se que a oposição realizada pela A. (ora exequente) à renovação automática do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, mediante
comunicação à R. (ora executada) em 14/11/2016, é válida porque legal e tempestiva; e
d) Reconhece-se e declara-se que o mencionado contrato de arrendamento para fins não habitacionais existente termina em 31/12/2017, tendo como consequência a entrega do
locado, livre de pessoas e bens, pela R. à A. nesta data de 31/12/2017.
2. Peticiona a exequente que seja a executada citada para, no prazo legal, entregar à exequente o locado supra identificado livre e devoluto de pessoas e bens, sob pena da entrega ser feita judicialmente nos termos legais.
* 2. Fundamentos do recurso a) A existência de título executivo
O Novo Código de Processo Civil (Lei 41/2012, de 26/jun., DR I, n.º 121) enuncia no seu artigo 860.º, n.º 1 que “O executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados nos artigos 729.º a 731.º, na parte aplicável, e com fundamento em benfeitorias a que tenha direito”, expressando-se naquele artigo 729.º que “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes”, sendo um deles, de acordo com a sua alínea a), a “Inexistência ou inexequibilidade do título”. Por sua vez, o artigo 703.º, n.º 1, ao enunciar os títulos executivos e entre outros, estabelece que “À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias;”. Mas o que se deve entender por sentença condenatória? A mesma é exclusiva das ações condenatórias?
Será de referir que o NCPC manteve a semântica de “sentenças condenatórias”, que remonta ao Código de Processo Civil de 1961 (Decreto-Lei n.º 44.129, de 28/dez./1961, Diário do Governo, I série, n.º 299, Suplemento), mais precisamente ao enunciado do seu artigo 46.º, alínea b). No entanto, o legislador de 1961 tinha rompido com a tradição semântica do Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-Lei n.º 29.637, de 28/mai./1939, Diário do Governo, I série, n.º 123), que no seu artigo 46.º, respeitante aos títulos executivos, reportava-se às “sentenças de condenação”. Esta histórica quebra semântica, vai no sentido de deslocar as sentenças condenatórias, no seu significado plural, do estrito horizonte processual das sentenças de condenação, com o seu sentido singular, e, por sua vez, do âmbito confinado das ações de condenação.
Isto não invalida que se faça a destrinça, consoante a sua finalidade, legalmente existente entre as ações declarativas, tal como está enunciado no artigo 10.º, n.º 2 do NCPC, cuja nomenclatura assenta nas ações de simples apreciação, condenação e constitutivas. Assim, no subsequente n.º 3 precisa-se que “As ações referidas no número anterior têm por fim: a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto; b) As de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito; c) As constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente.” – sendo nosso o itálico. Porém, também devemos atender que as expressões “sentenças condenatórias” e “ações condenatórias” são teleológico-processualmente distintas, porquanto a sentença estabelece uma resolução judicial, enquanto a ação corresponde a uma atuação processual modelada. Deste modo, face aos apontados antecedentes históricos, bem como às considerações sobre a finalidade, o enunciado normativo daquele artigo 703.º, n.º 1, alínea a), quando se refere às “sentenças condenatórias”, em confronto com a do artigo 10.º, n.º 3, alínea b), ao mencionar as “ações de condenação”, exprimem conceitos e realidades jurídico-processuais distintas. Assim, quando o legislador se refere a “sentenças condenatórias” e não apenas a “ações condenatórias”, está a conferir um âmbito mais extenso quanto à origem do título executivo, possibilitando que a mesma provenha, pelo menos, daquelas outras ações declarativas.
Por outro lado, a destrinça processual das diversas modalidades de ações declarativas, em razão da sua finalidade, esbarra muitas vezes com as inovações jurídicas transplantadas no desenho legislativo que remonta ao CPC de 1939, como sucede, no âmbito das providências cautelares, com o instituto contemporâneo da inversão do contencioso (artigo 369.º NCPC). Mas também tal já ocorria preteritamente com o processo de inventário, o qual tinha uma genética dificuldade de catalogação nas modalidades de ação. E essa complexidade classificativa ressurgiu com o “novíssimo regime judicial do inventário”, o qual renasceu agora das cinzas com a Lei n.º 117/2019, de 13/set. (DR I, n.º 176). A propósito, não cremos que se possa classificar o inventário como uma ação declarativa de condenação, mas cremos que ninguém nega que uma sentença homologatória do mapa de partilhas corresponde a uma sentença de condenação, mormente quanto ao direito a tornas, cuja possibilidade de execução no inventário está nitidamente reconhecida (cfr. 1122.º, n.º 2 NCPC na redação da Lei n.º 117/2019). Como se pode constatar, a presente realidade jurídico-processual deixa ou gera zonas cinzentas ou híbridas na classificação das modalidades de ação declarativa e executiva, de modo que essa distinção entre as modalidades de ação quanto aos seus fins, muito embora possa ser um critério operativo coadjuvante para a aferição do sentido de uma sentença condenatória, não corresponde a um critério operativo determinante.
Numa definição de processo já centenária, mas ainda com toda a acuidade, considera-se que “O processo é, ..., a actividade jurisdicional em movimento” (Reis, Alberto, Processo Ordinário Civil e Comercial, Volume I, Coimbra: Imprensa Académica, 1907, p. 69), podendo para o efeito uma ação ter distintas finalidades, que muitas vezes não surgem estanques (apreciativa/condenatória/constitutiva), mas interrelacionadas (apreciativa + condenatória + constitutiva). Por sua vez, a sentença surge numa ação como um meio de tutela jurisdicional dos direitos invocados, mas também como manifestação estadual do reconhecimento desses direitos. Deste modo, é essencial para aferir se estamos perante uma sentença condenatória, destrinçar qual é o seu objeto, designadamente se este para além de compreender a afirmação da providência obtida, que traduz a sua dimensão declarativa (objeto imediato), também integra e reconhece uma consequência material, que corresponde à sua dimensão prática (objeto mediato). Esta última dimensão é essencial para a caracterização de uma sentença como condenatória, porquanto se a resolução judicial se cinge à mera enunciação judicial da providência, sem que tenha sido estabelecido qualquer efeito prático de realização, seja expresso, seja tácito, não existe a possibilidade da sua consecução executiva.
A jurisprudência tem vindo ultimamente a acompanhar um posicionamento mais abrangente do significado de “sentença condenatória”. Tal sucedeu com o Ac. do STJ de 08/jan./2015 (Cons. Abrantes Geraldes, www.dgsi.pt), segundo o qual “É de admitir a exequibilidade de sentenças proferidas em acções de natureza constitutivas ou de simples apreciação positiva das quais decorra a condenação implícita no cumprimento de determinada obrigação”. Da sua argumentação e depois de uma cartografia exaustiva, mas lapidarmente sintética, sobre esta matéria, extraímos a seguinte passagem: “É da natureza do título executivo conter o acertamento do direito. Por isso, se perante o acto jurídico – maxime a sentença de onde emerge uma condenação implícita no cumprimento de uma obrigação – for possível concluir que aquela finalidade já se encontra assegurada, é de todo inútil a interposição de nova acção declarativa, sendo a mesma dotada de exequibilidade”.
Este posicionamento já tinha sido anteriormente reconhecido no âmbito das ações constitutivas, como sucedeu com o Ac. STJ de 18/mar./1997, CJ (S), I/160, ao considerar que “a sentença proferida em acção de preferência, apesar de constitutiva, constitui título executivo para obter a entrega de coisa certa”. Este alinhamento foi seguido no Ac. STJ de 27/mai./1999 (Cons. Herculano Namora, www.dgsi.pt), segundo o qual “I- A sentença proferida em acção constitutiva não tem, em si mesma, efeito executivo. II- Não obstante, sempre que a sentença proferida sobre o objecto da acção contenha implícita, pela natureza desse objecto, uma ordem de praticar este acto, ou de se realizar a mudança a que a acção visava, ela constituirá, então, título executivo, dentro de tais limites, no quadro do artigo 46, a), do C.P.C. III- Uma vez julgada procedente a acção de preferência, e o Réu se negar a cumprir, não se torna necessário uma nova acção para o levar ao cumprimento, bastando para a execução a sentença declaratória obtida na dita acção de preferência.”. E como de modo exemplar se argumentava neste último aresto, este posicionamento é “mais conforme com as novas concepções do processo civil, cada vez mais desapegadas dos vícios do formalismo e do conceitualismo, visando acima de tudo pôr o processo ao serviço da justiça material, com economia máxima de meios e de tempo”. E tal também já ocorreu nesta Relação, de que é exemplo o Ac. TRP de 09/fev./2006, segundo o qual “A sentença que, em acção de execução específica de um contrato promessa (artigo 830º do CC), substituindo a declaração negocial do promitente faltoso, se limita a transferir a propriedade da coisa ou o direito prometido para o adquirente, como sentença constitutiva, não constitui título executivo para exigir por via da execução qualquer prestação, que não seja, eventualmente, a entrega da coisa, cuja propriedade se transfere” (Des. José Ferraz, www.dgsi.pt). Mais recentemente no Ac. TRP de 08/mar./2019 (Des. Rui Moreira, www.dgsi.pt) considerou-se que “numa acção de execução específica, a obrigação de entrega da coisa prometida em venda sempre terá de ter-se como um pedido implícito, bem como um efeito necessário, no caso de procedência da acção” – transcrevemos o texto do seu corpo e não do seu sumário. O que esta doutrina da condenação implícita exige é que da correspondente sentença surja o reconhecimento de uma obrigação de cumprimento susceptível de ser executada. E este reconhecimento tanto pode advir do dispositivo da sentença ser claramente impositivo (condenação expressa) ou então contiver exigências tácitas de cumprimento (condenação implícita).
No caso em apreço e se chegou a pugnar-se no sentido classificativo de tratar-se de uma ação de simples apreciação, tal funcionou mais como um persuasivo obiter dictum, do que como um sustentado fundamento do seu ratio decidendi. Assim, apesar das eventuais considerações sobre se na ação antecedente se apreciou um direito ou um facto, que é comum a toda a ação declarativa, o relevante é saber se a sentença proferida e apresentada como título executivo se limitou a uma mera apreciação, obtendo unicamente “a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto” ou então foi mais longe, expressando uma condenação. E quanto a esta última, já exprimimos o entendimento de que uma condenação, tanto abarca uma dimensão declarativa (objeto imediato), como integra essencialmente o reconhecimento de uma consequência material, que corresponde à sua dimensão prática (objeto mediato). No dispositivo da sentença dada à execução consta que “Reconhece-se e declara-se que o mencionado contrato de arrendamento para fins não habitacionais existente termina em 31/12/2017, tendo como consequência a entrega do locado, livre de pessoas e bens, pela R. à A. nesta data de 31/12/2017” – sendo nosso o negrito. Daí que seja manifesto o reconhecimento de uma dimensão prática, que nem sequer é implícita, porquanto assume contornos semânticos e jurídicos expressos de “entrega do locado, livre de pessoas e bens, pela R. à A” e na apontada data.
Por último, apenas umas notas finais quanto à sustentação que a recorrente faz da indispensabilidade do procedimento especial de despejo para ser obtida a entrega do arrendado. O processo especial de despejo passou a estar previsto no Novo Regime do Arredamento Urbano (Lei n.º 2006, de 27/fev., DR I, n.º 41 - NRAU), mais precisamente com a sua revisão de 2012, como que surgindo um Novíssimo Regime Jurídico do Arrendamento Urbano (Lei n.º 31/2012, de 14/ago., DR I, n.º 157 - NRJAU), precisando o novo artigo 15.º que “O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.”. Por sua vez e no âmbito desse procedimento especial de despejo, disciplinado pelos artigos 15.º a 15.º S do NRJAU foi implementado o Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), através do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 07/jan. (DR I, n.º 4). No entanto, o antecedente artigo 14.º, n.º 1 do NRJAU, já dispunha que “A acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, e segue a forma de processo comum declarativo”. Mais acresce do artigo 1079.º do Código Civil, ao consagrar as formas de cessão dos contratos de arrendamento urbano, que tal pode ocorrer “[cessa] por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei”. Como se pode constatar deste bloco legislativo, o procedimento especial de despejo não é o único meio processual para a extinção do contrato de arrendamento urbano. Tanto mais que na garantia de acesso aos tribunais, estabelecida no artigo 2.º, n.º 2 do NCPC, “A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.”. Trata-se de uma manifestação legal do “novíssimo direito ao acesso à instância judicial e a uma tutela jurisdicional efetiva”, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição. Deste modo, a entrega do locado não exige que aconteça no âmbito de um processo especial de despejo. Por outro lado, a ação de despejo confunde-se processualmente com qualquer outro processo comum declarativo. E a existir erro na forma do processo ou do meio processual empregue, sempre teria que ser invocado na antecedente ação declarativa, com as consequências ditadas no artigo 193.º NCPC, mas não nesta fase executiva.
Nesta conformidade, improcede este fundamento recursivo dos embargos.
* A legalidade do acto de entrega da coisa locada
O NCPC no que concerne ao regime de oposição à penhora, estabelece no seu artigo 784.º, n.º 1 que “Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.”. Mais adiante e na disciplina da entrega da coisa, estipula-se no artigo 861.º, n.º 1 que “À efetivação da entrega da coisa são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora, procedendo-se às buscas e outras diligências necessárias, se o executado não fizer voluntariamente a entrega; a entrega pode ter por objeto bem do Estado ou de outra pessoa coletiva referida no n.º 1 do artigo 737.º.
Muito embora não haja uma norma expressa a remeter para o disposto no artigo 784.º, n.º 1 do NCPC, pode-se entender que a remissão ampla e abstrata efetuada pelo artigo 861.º, n.º 1, abrange aquele segmento normativo. Na análise das três hipóteses aí contempladas, apenas poderia estar em causa aquela situação que está prevista na sua alínea a), sendo, por isso, aceitável a oposição à entrega da coisa com base na inadmissibilidade da entrega dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que esta foi realizada.
No que concerne à entrega efetiva da coisa, aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 757.º do NCPC, preceituando-se no seu n.º 1 que “Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo anterior, o depositário deve tomar posse efetiva do imóvel”, acrescentando-se no seu n.º 2 que “Quando seja oposta alguma resistência, ou haja receio justificado de oposição de resistência, o agente de execução pode solicitar diretamente o auxílio das autoridades policiais”, enquanto no n.º 3 menciona-se que “O agente de execução pode, ainda, solicitar diretamente o auxílio das autoridades policiais nos casos em que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efetivar a posse do imóvel, lavrando-se auto da ocorrência”. Mais adiante no n.º 4 consagra-se que “Nos casos previstos nos n.os 2 e 3, quando se trate de domicílio, a solicitação de auxílio das autoridades policiais carece de prévio despacho judicial” – sendo nosso o negrito.
Para o efeito, será de atender que o NCPC não estabelece uma noção de arrombamento, pelo que nada obsta, de modo a manter-se a unidade e harmonia do ordenamento jurídico (artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil), a convocação da correspondente noção criminal expressa no artigo 202.º, alínea d) do Código Penal. Assim, segundo esta noção legal considera-se “Arrombamento – o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente;”. Será ainda de atender às regras gerais da nulidade, preceituando-se para o efeito no artigo 195.º, n.º 1 que “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
Atentas a conclusões da recorrente, o que estava em causa não seria a identidade da coisa apreendida e entregue (locado) nem tão pouco a extensão do que foi entregue, mas o modo como foi realizada essa apreensão, praticando-se actos sem que os mesmos tenham observados os requisitos do citado artigo 757.º do NCPC. Porém, tal invocação pela recorrente não corresponde a uma oposição à entrega judicial da coisa, mas antes à arguição de uma nulidade. E à partida não descortinamos dos autos que tenha sido cometida qualquer irregularidade, porquanto na falta de entrega do locado ou das suas chaves, sempre seria necessário proceder ao arrombamento da porta, mormente mediante a retirada do canhão da fechadura, e a sua substituição por outro, que, na prática, corresponde à mudança da fechadura. Nestes casos, impõe-se sempre a convocação da autoridade policial.
A única questão que subjaz é se o locado corresponde a um domicílio, pelo que nesse caso a Senhora Agente de Execução deveria previamente munir-se de autorização judicial, de acordo com o citado artigo 757.º, n.º 4 NCPC. Este segmento normativo corresponde ao pretérito artigo 840.º, n.º 3 do CPC, que na redação avançada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/Dez., preceituava que “Quando a diligência deva realizar-se em casa habitada ou numa sua dependência fechada, só pode realizar-se entre as 7 e as 21 horas, devendo o funcionário entregar cópia do despacho que determinou a penhora a quem tem a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza, o qual pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança que, sem delonga, se apresentar no local.”. Assim, atenta a disparidade de redação do pretérito segmento normativo, o qual se referia a “casa habitada ou numa sua dependência fechada”, para a sua redação hodierna, no qual se faz apenas menção a “domicílio”, será de questionar se passou a existir uma compreensão legal distinta ou então se ficou tudo na mesma.
A Constituição através do seu artigo 34.º, n.º 1 reconhece a inviolabilidade do domicílio, acrescentando-se no n.º 2 que “A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei”. Esta garantia constitucional emerge como uma manifestação específica do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar, que tem assento no artigo 26.º da Constituição. Para o efeito, o Tribunal Constitucional começou por entender que o conceito constitucional de domicílio abrange os segmentos habitacionais dos grupos de caravanas de pessoas nómadas (Ac. TC 452/89, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, assim como os demais deste tribunal), compreendendo uma projeção espacial da pessoa residente em certa habitação, mesmo que em situação de domicílio partilhado, não correspondendo ao conceito civilístico de domicílio (TC 507/94). Deste modo, o conceito constitucional de domicílio não pode ser desprendido do conceito de residência, mesmo que compreendido em sentido lato (Ac. TC 364/06), tratando-se antes de uma “esfera privada espacial” (Ac. TC 274/07), que é diferenciada quando estamos numa situação de domicílio partilhado (Ac. TC 216/2012), no qual se suscita o consentimento do próprio visado e não de um terceiro (Ac. TC 126/2013). Porém, afasta essa extensão de domicílio à sede e ao domicílio profissional de pessoas coletivas (Ac. TC 593/2008, 596/2008). Destarte, o conceito constitucional de domicílio, apresenta uma certa elasticidade, de modo a abranger qualquer tipo de habitação, podendo ser uma roulotte ou mesmo um barco.
Porém, o Código Civil distingue o domicílio civil (artigo 82.º), segundo o qual “A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles” (n.º 1), do domicílio profissional (artigo 83.º), de modo que “A pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações que a esta se referem, domicílio profissional no lugar onde a profissão é exercida” (n.º 1), mas “Se exercer a profissão em lugares diversos, cada um deles constitui domicílio para as relações que lhe correspondem” (n.º 2). Também o Código Penal avança com uma noção de domicílio, equiparando este à habitação de uma pessoa (artigo 190.º, n.º 1 Código Penal), distinguindo-o do domicílio profissional (artigo 378.º do Código Penal).
Nesta conformidade, a legislação processual civil ao passar da alusão a “casa habitada ou numa sua dependência fechada”, correspondendo a uma ideia estrita e estática de habitação, passando a mencionar “domicílio”, possibilitando uma ideia dinâmica e elástica de habitação, visou aproximar esta última designação do conceito constitucional de domicílio, mas continua a excluir do seu âmbito a sede ou o domicílio profissional. Assim, a posse efetiva do imóvel, mediante o auxílio das autoridades policiais, no âmbito da disciplina da penhora, mas que é extensiva à execução para entrega judicial de coisa certa, só está dependente de prévio despacho judicial para a convocação daquele reforço policial, quando esteja em causa o domicílio habitacional e não a sede de uma empresa ou o domicílio profissional. Daí que estando em causa um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, a entrega do locado com o auxílio da autoridade policial, não carecia de prévio despacho judicial.
Pelo exposto, também carece de sustentabilidade este fundamento recursivo.
*
Na improcedência deste recurso, as suas custas ficam a cargo da recorrente – 527.º NCPC.
*
No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC apresenta-se o seguinte sumário:
................................................
................................................
................................................
*
** III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pela embargante B…, confirmando-se a sentença recorrida.
As custas deste recurso ficam a cargo da recorrente.
Notifique.
Porto, 24 de setembro de 2020
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço