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PERSEGUIÇÃO REITERADA
ASSÉDIO
Sumário
I – Não comete o crime de perseguição quem, no espaço temporal de seis meses, em duas ocasiões se deparou com a ofendida de frente tendo arguido e ofendida parado os respetivos veículos automóveis dado que no local não se podiam cruzar os veículos tendo um deles de ceder passagem ao outro, o que foi feito pelo arguido. II – Igualmente não se verifica crime de perseguição se arguido e ofendida, no espaço de quinze meses, se encontram por duas vezes numa estação de comboios, tendo o arguido abordado a ofendida com a pretensão de com ela conversar.
Texto Integral
Rec nº 184/18.1GAPRD.P1
TRP 1ª Secção Criminal
Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto
No Proc. C. S. nº 184/18.1GAPRD do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Criminal de Paredes - Juiz 2 em que foi julgado o arguido B…,
Interveio como assistente C…, que deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a sua condenação, no pagamento da quantia global de € 2.549,13 pelos danos causados
Após julgamento, por sentença de 5/11/2019 foi decidido: “Assim, em face do exposto, de facto e de Direito, decide-se, julgar a acusação do Ministério Público parcialmente procedente, por provada e, em consequência: 1 - Absolver o arguido B…, da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal. 2 - Condenar o arguido B…, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154.ºA, n.º 1, do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa. 3 - Condenar o arguido B…, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa. 4 - Em cúmulo jurídico, tendo em atenção o disposto no art. 77.º, do Código Penal, condenar o arguido B…, na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), que perfaz um montante global de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros). 5 - Aplicar ao arguido B… a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 (seis) meses, sem fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do disposto no art. 154.º - A, n.º 3 e 4, do Código Penal. 6 - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela assistente C…, condenado o arguido/demandado civil B…, a pagar-lhe o valor de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), a título compensação pelos não patrimoniais por aquela sofridos, absolvendo-o do demais peticionado.
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Custas Criminais Condena-se o arguido a pagar as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em duas unidades de conta, atento o processado, nos termos dos art. 513.º, n.º1 e 514.º, n.º1 do Código de Processo Penal e do art. 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III, do anexo ao D.L. 34/2008 de 26 de Fevereiro.
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Custas Cíveis do pedido da assistente Custas pelo demandado civil e pela demandante civil, na proporção do respectivo decaimento, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal.
Recorre o arguido o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: “1. A douta sentença que se recorre enferma de erro notório na apreciação da prova, erro esse que resulta por si só do próprio texto da decisão recorrida – artigo 410º, nº 2, al. c) do CPP; 2. A condenação do arguido funda-se sobretudo nas declarações da assistente partindo-se do pressuposto errado (mas dado como certo) de que só ela fala verdade. 3. Os pontos 1. a 9. dos factos provados, foram, pois, incorretamente julgados – Artº 412º, nº 3, al. a) CPP – porquanto, a convicção do julgador fundou-se apenas em presunções e não em verdades materiais que nunca chegaram à audiência de julgamento, por falta de corroboração testemunhal da tese da assistente; 4. Feita a análise crítica das provas que se encontram gravadas em suporte digital, dúvidas não subsistem de que a dúvida real e verdadeira sobre a imputabilidade dos factos ao arguido fica no espírito de qualquer julgador; 5. E, na dúvida, beneficia-se o arguido, em nome do princípio “in dubio pro reo”; 6. O Tribunal a quo não tendo lançado mão deste princípio, violou o artº 32º, nº da CRP; 7. A produção de prova feita em audiência de julgamento, impunham pois, decisão diversa da recorrida; - Artº 412º, nº 3, al. b) CPP; 8. Da análise das declarações e depoimentos prestados em Audiência, é inequívoca e contestável a conclusão que: não existe prova que permitia sustentar a condenação do recorrente. 9. Resultou, outrossim, da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento que, o direito de queixa foi exercido tendo já decorridos mais de 6 meses da prática dos factos denunciados; 10. Pelo que, o Tribunal a quo sempre teria de considerar procedente a exceção de caducidade invocada; 11. Ao invés, jugou improcedente, pronunciando-se tão só quanto aos crimes permanentes - crime de perseguição -, omitindo por completo o crime de ameaça. 12. É, por isso, a decisão a quo parcial e interessada, porque injusta e ilegal. 13. De resto, foram provados factos que nada têm a ver com o tema histórico do processo, ou seja, sobre os factos que são imputados ao arguido nenhuma prova se produziu em Audiência de Discussão e Julgamento; 14. Não estará o Tribunal a quo a olvidar os mais elementares princípios em Processo Penal? 15. Certamente que sim, pois que, não só não dá o benefício da dúvida, aplicando o princípio in dubio pro reo, como ainda parte de presunções para condenar o recorrente. 16. Ora, se é verdade que a apreciação da prova produzida compete ao julgador, verdade é também que ao julgador compete aplicar a Lei, não podendo simplesmente condenar por presunção como fez o Tribunal a quo. 17. Não obstante toda a prova militar em sentido diametralmente oposto àquele a que o Tribunal a quo alcançou, o certo é que, confrontado com a impossibilidade de sustentar a condenação do ora recorrente, obviou a confessada inexistência de prova suficiente, mediante a sobrevaloração das declarações da assistente. 18. Salvo melhor opinião, não podia o Tribunal a quo ter negligenciado o apuramento da verdade, o que lhe é imposto pelo comando da livre, mas jamais discricionária apreciação da prova, e que deve agora, ser tido em consideração pelo Tribunal ad quem, na análise e apuramento da verdade material subjacente ao caso sub judice. 19. De todo o exposto, ponderada a prova produzida, a sua validade e o seu alcance, apenas se pode concluir que o Tribunal a quo, revela uma apreciação criteriosa da prova, deu como assente a factualidade ora impugnada mediante um rebuscado raciocínio de índole persecutória, inequivocamente sustentado numa presunção de culpa, inaceitável face à Constituição da República Portuguesa, cujo artº 32º, nº 2 há muito baniu do Processo Penal. 20. Entende o recorrente que a decisão de que ora se recorre padece, pois, de flagrante erro notório na apreciação da prova, pelo que estamos na presença de um vício da decisão recorrida nos termos do Artº 410º, nº 2, al. a) CPP. 21. Face a todo o exposto, o Tribunal a quo, acreditando ab initio na culpa do arguido, sindicou a sua decisão através de um duplo juízo presuntivo, discricionário e inelutavelmente carecido de suporte factual. 22. A insuficiência de prova produzida para a decisão, indicia a verificação do vício previsto no Artº 410º, nº 1, al. a) do CPP, ou seja, o Tribunal a quo fundamenta a condenação do recorrente em prova insuficiente para alcançar a decisão dos presentes autos, bem como a verificação do vício previsto na al. c) do mesmo preceito legal – erro notório na apreciação da prova. 23. Tudo visto, e em conclusão, nunca o recorrente poderia ter sido condenado. 24. Assim sendo, o Tribunal a quo violou, não só o artº 154.º-A, nº 1 e artº 153.º, nº 1 do Código Penal, ao ter proferido decisão condenatória sem que o tipo legal de crime se encontrasse preenchido, como também o artº 115º Código Penal, 127º Código de Processo Penal, e ainda o artº 32º da Lei Fundamental.
O Mº Pº respondeu defendendo a improcedência do recurso
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP
Apresentou resposta a assistente defendendo o entendimento do Mº Pº
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta da sentença recorrida (transcrição): “II – Fundamentação de Facto a) Factos Provados Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos: 1 - Em pelo menos duas datas, não concretamente apuradas, do período de 30.09.17 a 12.03.2018, o arguido, deslocou-se ao D…, sito na cidade do Porto, local onde trabalha a assistente. 2 - Numa dessas vezes, e dirigindo-se à mesma disse: “VOU FAZER QUEIXA DE TI AOS TEUS SUPERIORES HIERÁRQUICOS, VOU FAZER COM QUE SEJAS DESPEDIDA, VOU DAR CABO DO TEU CARRO, VOU DAR CABO DE TI, VOU-TE RISCAR O CARRO TODO” 3 - Estas atuações do arguido provocaram, na assistente, receio pela sua integridade física, pelo seu património e inquietação. 4 - Ao agir da forma, acima descrita, o arguido pretendia gerar, na assistente, receio e inquietação; o que conseguiu. 5 - Em, pelo menos duas datas, não concretamente apuradas, do período de 30.09.17 a 12.03.2018, o arguido, impediu a circulação, de automóvel pela assistente, na via pública, parando o veículo por ele conduzido, à frente do veículo conduzido pela assistente. 6 - Em, pelo menos duas datas não concretamente apuradas, do período de 2017 a 12.03.2018, o arguido, deslocou-se à Estação dos Caminhos de Ferro …., sita em Paredes, quando a assistente se encontrava naquele local e abordou a mesma, querendo conversar com ela, contra a vontade da mesma. 7 - Com estas atuações, o arguido pretendia provocar medo e inquietação na assistente, bem como prejudicar a sua liberdade de atuação, o que conseguiu. 8 - Atuou de forma livre e consciente, bem sabendo que as referidas condutas lhe estavam vedadas por lei. 9 - Em consequência das condutas do arguido referidas, a ofendida sentiu alterações no sono, medo, ansiedade, nervosismo, vergonha e terror. 10 - Do CRC do arguido nada consta. 11 - O arguido encontra-se reformado, auferindo de pensão de reforma o valor de € 300,00. 12 - Vive com a esposa e o filho. 13 - Suportam mensalmente o valor de € 55,00 relativos à prestação de um crédito pessoal. 14 - De medicação, mensalmente, suporta o valor de € 100,00. 15 - O arguido é doente oncológico, com o quadro melhor descrito a fls. 180 e 181, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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b) Factos não provados Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente: No dia 30.09.2017, cerca das 19.00 horas, o arguido B…, dirigiu-se ao veículo de marca Renault, modelo …, com a matrícula ..-..-OL, pertencente à assistente, C…, que se encontrava estacionado, junto à Igreja …, sita em …, Paredes e, de modo não concretamente apurado, riscou e amolgou o referido veículo. A atuação do arguido danificou o, acima referido, veículo, provocando com esta conduta um prejuízo de € 549,13, à assistente. Ao agir da forma, acima descrita, o arguido quis provocar riscos e amolgadelas no referido veículo, pertencente à assistente – o que conseguiu. O estado de saúde débil do arguido não lhe permitia andar desacompanhado, nos anos de 2017 e 2018.
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c) Motivação No que toca à data, ao local e ao objecto do processo, o Tribunal fundou a sua convicção com base na prova produzida em audiência, designadamente nas declarações do arguido, da assistente, no depoimento das testemunhas ouvidas, conjugado com o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente: - Auto de denúncia, de fls. 3 e 4; - Orçamento, de fls. 22 a 24; - Documentos de fls. 180 e 181, tudo devidamente valorado e conjugado com as regras da experiência comum. O arguido negou os factos, confirmando, no entanto, que não tem boas relações com a assistente, desde há cerca de 20 anos, por causa de um acidente de viação, e das vicissitudes na resolução do mesmo. Confirma que desde essa data que existem conflitos, e que por vezes responde aos gestos obscenos que aquela lhe dirige, envolvendo-se em “trocas de palavras”. Ainda que tenha admitido ter dirigido alguns insultos à assistente, não admite tê-la ameaçado, no episódio que teve lugar no D…, e confirma que o mesmo ocorreu na presença das duas colegas da assistente e da sua esposa. Afirma que desde o ano de 2014 nunca mais conduziu veículos automóveis. Apenas confirma ter falado com a assistente uma vez no D… e numa festa há muitos anos onde discutiram, bem como que se cruzaram na rua e que teve de fazer marcha atrás para sair do local, já que a assistente não recuava. Em sede de declarações, a assistente C…, confirma integralmente os factos constantes da acusação, que de forma segura, espontânea e objectiva relatou, logrando convencer o tribunal da sua veracidade. Confirma as discussões que teve com o arguido, bem como deu a sua versão dos episódios já relatados por este, oferecendo tantos outros, para além dos constantes da acusação, que ocorreram ao longo destes 10 anos em que tiveram a contenda por causa do embate dos seus veículos, que com pormenor contou. Dentre eles, evidenciou um em que foi provocada pelo arguido quando ia com o neto (menor) na rua, em que o arguido terá feito uma derrapagem/pião para os assustar; esclareceu que o arguido falou várias vezes com os seus superiores hierárquicos no seu local de trabalho, tendo inclusive sido visto nos vestiários, local onde o público em geral não pode aceder; em 12/03/2018, fez uma ultrapassagem perigosa, quase a albalroando, em frente ao Hospital …, junto ao local de trabalho da assistente, o que motivou fosse apresentar queixa. Afirmou que a persegue sempre quando se encontra sozinha, tendo medo do que possa fazer, transparecendo que a perseguição nunca vai parar, que o arguido nunca vai deixar de a perseguir, temendo que faça o mesmo às suas filhas. É patente o desconforto causado pela perseguição levada a cabo pelo arguido (“só quero que este homem me deixe em paz”, chegou a dizer), mostrando-se incomodada, tendo alterado os seus hábitos a fim de evitar cruzar-se com ele, bem como encontrando-se a tomar medicação. Cumpre só sublinhar que a assistente ofereceu a sua versão do desentendimento que tiveram por causa do embate, há cerca de 10 anos a esta parte e que terá motivado “a perseguição” à sua pessoa, que é diferente da do arguido. Se este diz que se responsabilizou e resolveu tudo com a assistente, tendo a escola de condução onde trabalhava suportado os danos que esta sofreu, a assistente, contrariando a sua versão, acrescenta que efectivamente a escola pagou os danos mas que o arguido lhe pediu para não comunicar à escola, ao que acedeu, comprometendo-se este a pagar tudo, o que, por não ter ocorrido, motivou que a assistente tivesse de comunicar o embate à escola para se ver ressarcida, crendo ter sido por isso que a tem importunado. Acresce que o arguido também referiu que ao cruzarem os seus veículos, uma vez teve de fazer marcha atrás para conseguir passar, o que a assistente contrariou, tendo dito que isso apenas aconteceu porque chegou um terceiro ao local, tendo o arguido recuado espontaneamente, o que normalmente não acontecia, só o tendo feito por estar ali um terceiro. A assistente reiterou que o arguido se apresentava em vários veículos, “…Opel …, um carro preto, um azul, um branco”, o que acaba por ser confirmado pela testemunha de defesa E…, amigo do arguido. Quanto ao episódio dos riscos no seu veículo, ainda que a assistente tenha explicado que, os mesmos ocorreram após ameaças de que os faria da parte do arguido, a mesma não o viu riscar o seu carro. Assim, pese embora tenha explicado que parou o veículo junto à Igreja quando foi à missa e o tenha levado directamente para casa, onde o estacionou na garagem, tendo dado conta dos riscos no dia seguinte, já no local de trabalho, não podemos de forma segura concluir que tenha sido o arguido a efectuar os ditos riscos. No entanto, o facto de ter admitido que não viu o arguido riscar o carro, reforça a sua credibilidade, denotando estar a falar verdade e não se deixar influenciar por sentimentos de vingança, como poderia. Revelou-se, pois, isenta. Assim, no que respeita aos factos dados como não provados, concluímos que não se fez prova segura e suficiente dos mesmos, nomeadamente quanto à participação da arguida. Existindo dúvida insanável acerca dos factos pelos quais a arguida vem acusada, o Tribunal terá de fazer funcionar o princípio da presunção de inocência, o princípio do “in dúbio pro reo”. A materialização de tal princípio, enquanto dirigido à apreciação dos factos objecto de um processo penal, desdobra-se em dois vectores essenciais: O primeiro é o de que o ónus probatório da imputação de factos ou condutas que integram um ilícito criminal cabe a quem acusa; O segundo, consiste que, em caso de dúvida razoável e insanável sobre os factos descritos na acusação, o Tribunal deve decidir a favor do arguido. Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 04.11.98, in BMJ 481/265, dispõe que “Se por força da presunção de inocência, só podem dar-se por provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido quando eles se tenham, efectivamente, provado, para além de qualquer dúvida, então é inquestionável que, em caso de dúvida na apreciação da prova, a decisão nunca pode deixar de lhe ser favorável, por isso no caso de dúvida insanável sobre se se verificaram ou não determinados factos que implicam, por exemplo, a invalidade das provas obtidas contra o arguido e a consequente impossibilidade de contra ele serem utilizadas, a dúvida deve ser resolvida a favor deste, dando como provada a verificação de tais factos, ainda e sempre por obediência ao princípio “in dúbio pro reo”. Assim, face a tudo quanto se expôs, decidiu-se dar os mencionados factos como não provados, quer quanto ao elemento objectivo, quer quanto ao elemento subjectivo dos crimes em questão. Deste modo, não foi pois produzida prova suficiente que permita ao Tribunal formar uma convicção segura relativamente à verificação dos factos descritos na acusação o que se reporta ao crime de dano, conforme se disse. Quanto às datas em que os factos ocorreram, não obstante tratar-se de vários momentos, não tendo sido possível concretizar concretamente quando todos tiveram lugar, a assistente afirmou na queixa apresentada que os riscos no seu veículo ocorreram em 30/09/2017 (facto que cremos não fosse esquecer, dada também a proximidade temporal), tendo confirmado em audiência que ocorreram no/s último/s fim/ns de semana de Setembro, sendo que efectivamente o dia 30/09/2017 foi um sábado. A mesma acrescenta que, tendo havido um episódio em 12/03/2018, dia em que foi tentar apresentar queixa mas que não terá conseguido por não ter a identificação do arguido, apenas a consegue apresentar em 16/03/2018, data em que cessaram as perseguições, razão pela qual balizou o período dos factos nessas datas. Como se percebeu, as situações ocorreram ao longo de um vasto período temporal, tendo as últimas motivado a queixa pela assistente. As referidas na acusação tiveram lugar no período referido pela assistente mais tendo havido, como ficou claro. A verdade é que a assistente nas suas declarações refere que os factos ocorridos na estação de comboios o foram antes dos riscos no carro, mas também diz que “na estação foram sempre”, tendo-se percebido que terão ocorrido tanto antes de 30/09/2017, como depois, estando em causa nestes autos apenas o período de 30/09/2017 a 12/03/2018, período dentro qual ocorreram na estação os ditos factos, tal como, como resultou evidente, também ocorreram antes. Assim, também neste ponto a assistente se mostrou credível (especialmente por se lembrar que os riscos aconteceram num fim de semana). A assistente foi inteiramente credível, logrando as suas declarações, só por si, convencer o tribunal, pelo modo objectivo como descreveu os factos, pela espontaneidade, e tudo o que vem sendo dito. A reforçar a sua credibilidade, o depoimento das testemunhas F… e G…, colegas de trabalho da assistente e que presenciaram o episódio ocorrido no D…, confirmando-o integralmente, corroborando a versão desta. As mesmas mais disseram saber da perseguição encetada pelo arguido, por ter a assistente desabafado, o que se vem arrastando há alguns anos, mostrando-se bastante nervosa e em pânico, especialmente quando ocorria no exercício da condução. As testemunhas confirmam que a superior da assistente lhes contou que o arguido foi visto no vestiário à procura da assistente. A estas conclusões não obsta a versão do arguido de que os problemas de saúde de que padece o impediram de conduzir e de se movimentar. Se está assente que o arguido sofre de graves problemas de saúde, a verdade é que alguns dos factos ocorrem precisamente no D…, onde o arguido é seguido e a assistente trabalha, facto que em parte o próprio e a sua esposa confirmam. Acresce que as dificuldades de locomoção não constam atestadas nos elementos clínicos juntos aos autos, razão pela qual não foi possível dar esse facto por assente. Ainda que se perceba que o estado de saúde do arguido é débil, o que veio a ser confirmado pelas testemunhas de defesa e é ostensivo, e que em determinados momentos pudesse abster-se de conduzir e de sair de casa, não se fez prova de que isso o impediu de praticar os factos, pelo contrário, a prova foi em sentido contrário como se tem vindo a explicar. Não colheu, pois, a sua versão. O depoimento das testemunhas de defesa também não obstou a que os factos se dessem por assentes do modo descrito na acusação. A esposa do arguido H…, presenciou o episódio do D… e confirmou-o apenas na parte dos insultos mas já não das ameaças. Tendo em conta a relação familiar que a une ao arguido não se estranha que o faça, já que este foi não pronunciado pela prática do crime de injúrias, não havendo possibilidade de condenação, o que já não acontece com as ameaças. Assim, quando confrontada com a versão da assistente, e das colegas de trabalho, estas últimas sem qualquer interesse no desfecho da causa, a versão da dita testemunha revela-se parcial, naturalmente no sentido de ajudar a desresponsabilizar o marido, tendo de ceder. Não colheu, pois, a sua versão. A testemunha E…, amigo do arguido, confirma até que o arguido tinha três veículos, e as suas cores, de modo consentâneo com o que foi avançado pela assistente. Quanto ao elemento subjectivo dos crimes em questão, o mesmo retira-se da conjugação dos factos provados com as regras da experiência comum, pois qualquer cidadão, que corresponde ao padrão do homem médio, agindo como agiu o arguido, revela intenção directa de praticar os factos, como efectivamente, o fez. No que respeita, pois, aos danos não patrimoniais que a assistente alega ter sofrido em consequência da conduta do arguido, baseou-se este Tribunal nas declarações da assistente, como se disse, bem como no depoimento da filha I… e cunhado J…, que descreveram e confirmaram o estado de espírito da assistente em consequência dos factos. As mesmas confirmaram que a assistente mudou as suas rotinas, deixando de querer sair sozinha, estando amedrontada. O mesmo confirmaram as colegas de trabalho da assistente. Em sede de condições de vida, designadamente no que concerne à situação económica, social e familiar do arguido, o Tribunal fez fé nas declarações pelo mesmo proferidas, uma vez que as mesmas pareceram credíveis no que concerne a tais aspectos. Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, valeu o seu certificado de registo criminal constante dos autos. Todos os elementos probatórios constantes dos autos foram analisados de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum, tendo sido todos articulados e concatenados entre si.
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São as seguintes as questões a apreciar: - Extinção do direito de queixa -Impugnação da matéria de facto factos provados 1 a 9 por falta de prova, insuficiência da matéria de facto, e erro notório na apreciação da prova -Violação do principio in dubio pro reo - Existência do crime de perseguição
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O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
De tais vícios são alegados o erro notório na apreciação da prova, mas face à alegação da extinção o direito de queixa, por esta questão importa começar a analisar o recurso, estando aquelas questões ligadas à impugnação da matéria de facto
Tendo suscitado essa questão em legações, mantem o arguido que ocorreu a caducidade do direito de queixa, sendo que o tribunal na decisão apenas se pronunciou sobre o crime de perseguição e não sobre os demais.
Diz-se na sentença recorrida: “Em sede de Alegações, o arguido invocou que quando foi exercido o direito de queixa já se encontrava extinto. O artigo 115.º, do Código de Processo Penal, determina no seu n.º1 que “O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz.” No crime permanente – perseguição - existe, de facto, um ilícito de duração, já que a consumação não é instantânea; o facto, a duração do facto, protrai-se no tempo, com permanência do estado anti-jurídico (duração do dano), e enquanto o facto se protrai no tempo sem interrupção o crime perdura. A execução nos crimes permanentes toma necessariamente uma dupla feição: é uma acção seguida de uma omissão continuada. A ação agride o bem jurídico, e a omissão ofende o dever de pôr termo à situação criada. Nos crimes permanentes, a manutenção do estado anti-jurídico criado pela acção punível depende da vontade do seu autor, de maneira que, em certo modo, o facto se renova continuamente como sucedeu com o arguido, que só com a queixa cessou as suas condutas, conforme refere a assistente. Sem necessidade de delongas, tendo em conta os factos dados por assentes, e que a queixa foi apresentada pela assistente em 16/03/2018, conclui-se o direito de queixa foi tempestivamente exercido e, por esta razão, não se encontra extinto, pelo que deve improceder a excepção invocada, o que se decide”
Apreciando.
Em face do crime de dano, de que o arguido foi absolvido, não tem interesse essa apreciação.
Em face do crime de ameaça, que se mostra balizado entre 30.09.17 e 12.03.2018 (nºs 1 e 2 dos factos provados) e tendo a queixa sido apresentada em 16/3/2018, e tratando-se de um crime instantâneo, o prazo para o exercício do direito de queixa inicia-se com o conhecido do facto e seu autor, pelo que tendo o facto ocorrido entre “o período de 30.09.17 a 12.03.2018” (nº1 os factos provados) e a queixa apresentada em 16/3/2018, não havia ainda decorrido o prazo de 6 meses para apresentar queixa quanto a este crime que só se completaria em 30/3/2018.
No que ao crime de perseguição diz respeito, este crime deve ser considerado como um crime permanente, pois que “no crime permanente, a acção violadora é indivisível, tal como uma linha, por contraposição ao crime instantâneo, que seria um ponto, e ao crime continuado, que seria uma série de pontos, produzindo-se um estado violador sem intervalos numa duração sem colapsos e sem limites, estando o crime a ser cometido a qualquer momento (Leal Henriques, Simas Santos e A. Carvalho Filho) in ac. F.J. nº 5/96, de 14/03/1996, in DR, I Série-A, de 24-05-1996; ou de estrutura iterativa ou reiterada (crimes duradouros) ou crime com pluralidade de actos típicos (cf F Dias, Dto Penal, Parte Geral, I, 2ª ed. pág 687, em que “ uma unidade típica existirá em todos aqueles casos em que um tipo legal de crime reduz a uma unidade típica uma pluralidade de actos como tal externamente reconhecível” F Dias, ob cit. pág 983, e neste caso, o inicio do prazo para exercer o direito de queixa ocorrerá com o último acto que integra aquele ilícito e tendo o ultimo acto ocorrido de acordo com o processo em 12/3/2018, não estava extinto o direito de queixa.
Improcede por esta via esta questão
Diz o arguido impugnar a matéria de facto (1 a 4 dos factos provados e 5 a 9 dos factos provados.
Vista esta impugnação, verifica-se que ela se mostra interligada à questão da extinção do direito de queixa e ao vício do artº 410º2 c) CPP erro notório na apreciação da prova, que invoca.
E neste âmbito questionando a data dos factos, alega para cada um desses grupos de factos questionados a prova testemunhal, o que faz transcrevendo singulares respostas no pressuposto que responde a questões que (teriam sido colocadas, mas não transcreve, donde não cumpre o ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3, 4 do artº 412º CPP, nos termos dos quais: “3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas; 4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº2 do artigo 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. (…) 6. No caso previsto no nº4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Mas há que ter presente que tal recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um remédio para eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida (erros in judicando ou in procedendo) na forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, pelo que não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos em audiência e que fundamentaram a decisão recorrida, mas apenas aqueles sindicados pelo recorrente e no concreto ponto questionado, constituindo uma reapreciação autónoma sobre a bondade e razoabilidade da apreciação e decisão do tribunal recorrido quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
Para essa reapreciação o tribunal verifica se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida e em caso afirmativo avalia-os e compara-os de molde a apurar se impõem ou não decisão diversa (cf. Ac. STJ 14.3.07, Proc. 07P21, e de 23.5.07, Proc. 07P1498, in www.dgsi.pt/jstj).
A especificação dos “concretos pontos de facto” constituem a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, e as “concretas provas” consistem na identificação e indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida, e havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, e dentro destas tem o recorrente de indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação;
Todavia o conhecimento da prova indicada pela recorrente está limitado à sua concreta indicação (e/ou transcrição) na medida em que a recorrente delimita desse modo a impugnação e o conhecimento, delimitação que o STJ através do nº Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012 in DR 18/4/2012 legitima “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”
É que para além de fazer uma indicação por grupos de factos e não ponto por ponto e a cada ponto indicar a prova que imporia decisão diversa, faz apenas para cada grupo de factos a prova e transcreve ínfimas partes do que seria a sua resposta, da qual extrai uma valoração diversa da que teve o tribunal recorrido, e quanto à gravação não refere o inicio e fim da passagem que interessaria para questão suscitada.
Este modo de impugnar, que não observa o disposto no artº 412º CPP, impede uma apreciação da matéria de facto impugnada, sendo certo ainda que vista esta, e nas partes transcritas não impõem decisão diversa, pois que se segundo a queixosa o riscar o carro (crime de dano de que foi absolvido – 30/9/2017) ocorreu alguns dias depois dos factos do D… (ameaça) e aqueles foram antes de terem riscado o carro, não resulta que ao apresentar queixa em 16/3/2018 que o direito estivesse extinto. E do mesmo passo no que se refere ao crime de perseguição iniciado no ano de 2017 (segundo os factos provados) e o ultimo acto em 12/3/2018 tendo a queixa ocorrido dento do prazo, nos termos explicitados já.
Por outro lado, não se mostra em face da fundamentação da sentença que tenha sido violado o principio da livre apreciação da prova, concedendo ou não credibilidade a cada um dos depoimentos prestados ou tenha infringido as regras da experiência comum, e o arguido nada mais indica para alterar a matéria de facto do que o atrás expendido, que têm a ver com a caducidade do direito de queixa invocada.
Questiona ainda a não observância do principio in dubio pro reo.
A violação de tal princípio deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova (cf. Paulo Albuquerque, Comentário do Cód. Proc. Penal, Ucp, 2009, 3ªed. pág. 1094 “violação do principio in dúbio pro reo é uma das formas que pode revestir o erro notório na apreciação da prova.”) como modo para a alteração da matéria de facto.
Tal princípio in dubio pro reo, (como corolário do principio da livre apreciação da prova), ínsito no princípio da inocência do arguido, verifica-se quando o tribunal opta por decidir, na dúvida, contra o arguido – cf. Ac STJ 19/11/97, BMJ, 471.º-115, e STJ 10/1/08 in www.dgsi.pt/jstj Proc. nº 07P4198 no qual se expressa que: “IV- Não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu – «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997. Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, pág. 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, pág. 13)». E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação, não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo...”. cf. ainda na fase recursiva Ac. STJ 17/4/08 www.dgsi.pt/jstj proc. 08P823;
Donde haverá violação do principio in dubio pro reo se for manifesto que o julgador, perante uma duvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece ou quando, embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido duvidas, da analise e apreciação objectiva da prova produzida, à luz das regras da experincia e das regras e princípios em matéria de direito probatório, resulta que as deveria ter (Ac. S TJ 27/5/2010, 15/7/2008, www.dgsi.pt, Ac RP 22/6/2011, 17/11/2010, 2/12/2009 e 11/1/2006 www.dgsi.pt)
Ora vista a decisão não se demonstra que o tribunal na dúvida, optou por decidir contra o arguido ou que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e, apesar disso, escolheu a tese desfavorável ao arguido (ac. do STJ de 27/5/1998, BMJ nº 477, 303), pelo que não se vislumbra a ocorrência de tal vício ou erro (que teria de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiencia), sendo certo que a dúvida que possibilita a aplicação do princípio in dubio pro reo, é uma dúvida insanável: por não ter sido possível ultrapassar o estado de incerteza após aplicação de todo o empenho e diligência no esclarecimento dos factos; dúvida razoável: sendo uma dúvida séria, racional e argumentada; e dúvida objectivável: porque justificável perante terceiros excluindo as dúvidas arbitrárias ou as meras conjecturas ou suposições), o que não ocorreu no presente caso por parte do tribunal, sendo que como expressa o Ac. R.P. 29/4/2009 proc. 89/06.9PAVCD.P1 “… o princípio in dubio pro reo é, … uma imposição dirigida ao juiz, segundo o qual, a dúvida sobre os factos favorece o arguido” pelo que e citando o ac STJ de 8/1/2014 www.dgsi.pt/“Se a decisão recorrida não manifestou qualquer incerteza, nem qualquer dúvida acerca das condenações impostas aos arguidos, o tribunal não decidiu “in malam partem” não se verificando violação do dito princípio” e por essa via não foi ofendido o principio constitucional.
Não existindo essa dúvida, por esta via também não é possível alterar a matéria de facto.
Invoca ainda o “erro notório na apreciação da prova” que é aquele erro ostensivo, o erro que é de tal modo evidente que não possa passar despercebido ao comum dos observadores, “como facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório” Ac. STJ 6/4/94 CJ STJ II, 2, 186), ou “ não escapa á observação do homem de formação média” Ac. STJ 17/12/98 BMJ 472, 407, quando procede à leitura do acórdão ou “… quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta” (G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol., 3ª ed. 2009, pág. 336, ou ainda “ … quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional ou lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida. Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis ...” (Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 740) (sublinhado nosso)
No fundo, quando “…no texto e no contexto da decisão recorrida, …existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável…” Ac. STJ de 9/2/05 - Proc. 04P4721 www.dgsi.pt, e essa “… incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da experiência comum” cf., também neste sentido, entre muitos outros, podem-se ver os Ac. do STJ de 13/10/99 CJ STJ III 184, e de 16/6/99 BMJ 488/262; ou ainda quando “…resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspecto negativo, que nessas circunstâncias, tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental.”- Ac. STJ 22/3/2006 www.dgsi.pt/jstj Cons. Silva Flor, ou de modo mais compreensivo, como expressa Maria João Antunes “Conhecimento dos Vícios Previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP”, pág. l20: “É de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art. 127º do CPP, quando afirma que «a prova é apreciada segundo as regras da experiência.”
O recorrente invoca tal erro, sem nunca indicar onde ele se observa, e apenas o faz no inicio da sua motivação e nas conclusões de modo que como nos parece evidente e exige a lei, tal vício para existir e ser relevante (como vícios da sentença e não de julgamento) teria de resultar do texto da decisão só por si ou em conjugação com as regras da experiencia, e não com recurso à prova produzida, como parece querer fazer o recorrente.
Não ocorre assim por esta via o apontado erro notório como forma de alterar a matéria de facto.
Nomeia ainda o arguido a insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º nº 2a) C. PP) que é também vício que só pode existir e ser demonstrado dentro da própria sentença sem ter de se recorrer a outros elementos externos àquela que não sejam as regras da experiência comum ou elementos de prova vinculada existentes no processo (vg. perícias, exames, relatórios, documentos autênticos), e essa al. a) do nº 2 refere-se à insuficiência que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão. Ocorre este vício quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição, ou seja, quando: (1) os factos provados não são suficientes para justificar a decisão; (2) o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação; (3) no cumprimento do dever de descoberta da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art.º 340.º CPP, o tribunal podia e devia ter ido mais longe, e não o tendo feito ficaram por averiguar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa, determinando ou a alteração da qualificação jurídica ou da medida da pena ou de ambas (Ac. STJ de 99/06/02 Proc. n.° 288/99). Mas é necessário que esses factos possam ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis e que, vindo a ser provados, determinarão ou a alteração da qualificação jurídica ou da medida da pena ou de ambas (ac. citado)
A insuficiência pode revelar-se através de uma avaliação quantitativa ou qualitativa, mas quer numa perspectiva quer noutra, apresenta-se sempre como um minus em relação à totalidade, sem o qual não se consegue chegar ao todo. Daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art.° 127.°), que é insindicável em reexame da matéria de facto (Ac STJ, de 13/1/1993, AJ, 15-16, pág. 7; Ac STJ, de 23/9/98, BMJ, 479º- 252), e por isso se não confundem.
Por isso tal vício, como se escreve no Ac. do STJ de 13/7/2005 “supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena. A insuficiência significa, que seja também possível uma decisão diversa da que foi tomada; se não for o caso, os factos podem não ser bastantes para constituir a base da decisão que foi tomada, mas permitir suficientemente uma decisão alternativa, mesmo de non liquet em matéria de facto. Por fim, a insuficiência da matéria de facto tem de ser objectivamente avaliada perante as várias soluções possíveis e plausíveis dentro do objecto do processo, e não na perspectiva subjectiva decorrente da interpretação pessoal do interessado perante os factos provados e as provas produzidas que permitiram a decisão sobre a matéria de facto.”
Ou ainda como se expressa o STJ no ac. 19/3/2009 www.dgsi.pt/jstj“é uma lacuna de factos, que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, e não se confunde evidentemente com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados” (cfr. também o Ac. STJ 27/5/2010 www.dgsi.pt/jstj)
O ilustre arguente apenas alega tal vicio porque “houve uma incorreta formação de um juízo de culpabilidade, retirando conclusões para além das permitidas” donde importa concluir que não invoca o vicio alegado, e que vista a decisão recorrida não o vislumbramos
Questão diferente é saber se os factos provados quanto ao imputado crime de perseguição, são suficientes para o dar como verificado, ou seja, se se verificam os respectivos elementos típicos, e sendo a resposta negativa apreciar as suas consequências em termos de pena e de indemnização.
Assim.
Estatui o artº 154º A CP nº1 “Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal” e daí decorre que não é qualquer acto que constitui o crime em apreço, mas quem praticando mais que um acto, age de modo reiterado, ou seja quem diz ou faz outra vez o que já se disse ou fez uma ou mais vezes, pois só perante uma pluralidade de actos há reiteração, e esses actos têm de ser de perseguição, ou seja “ir no encalço de (ex.: perseguir a presa); Seguir ou procurar alguém por toda a parte com frequência, insistência e falta de oportunidade”, ou de assédio, ou seja “Pôr assédio, cerco a.; perseguir com insistência, importunar com tentativas de contacto ou relacionamento …” – cfr., https://dicionario.priberam.org/.
Ora, em face dos factos provados, estão em causa os actos de impedir a circulação de automóvel (nº5 dos factos provados) e o encontro duas vezes na estação (nº6 dos factos provados). É irrelevante o encontro no D…, onde o arguido era tratado a cancro e a ofendida trabalha, e onde nada se passou, e só uma das vezes ocorreu a ameaça e integrando esse tipo criminal.
Vejamos então se o impedimento de circulação e o encontro na estação da CP preenche os elementos objectivos do crime de perseguição.
E cremos não preencher.
Desde logo porque não estamos perante actos reiterados, nem actos de perseguição.
Na verdade resulta da sentença quanto ao impedimento de circulação que esses dois actos ocorreram num espaço de cerca de 6 meses (“Em, pelo menos duas datas, não concretamente apuradas, do período de 30.09.17 a 12.03.2018, o arguido, impediu a circulação, de automóvel pela assistente, na via pública, parando o veículo por ele conduzido, à frente do veículo conduzido pela assistente.”),depois em lado algum se demonstra que o arguido tenha ido atrás (perseguido ou ido ao seu encontro de propósito) antes pelo contrario resulta que se encontraram frente a frente, constando da fundamentação da sentença (…o arguido também referiu que ao cruzarem os seus veículos, uma vez teve de fazer marcha atrás para conseguir passar, o que a assistente contrariou, tendo dito que isso apenas aconteceu porque chegou um terceiro ao local, tendo o arguido recuado espontaneamente, o que normalmente não acontecia, só o tendo feito por estar ali um terceiro) numa circulação normal num espaço onde não cabiam dois veículos (tendo um deles de ceder passagem, sem que dali resulta qual estava obrigado a fazê-lo).
Assim, estes actos não constituem perseguição ou assédio (e seja qual for a razão pela qual o arguido fez marcha atrás para passar) posto que não constitui tal encontro algo procurado no sentido de “seguir ou procurar alguém por toda a parte com frequência, insistência” que os factos provados, objectivamente, não suportam nem se mostra compreensível que o seja, se dois encontros ocorrem no espaço de 6 meses.
O mesmo ocorre com os encontros na estação de comboios: dois encontros no espaço de 15 meses (ano de 2017 a 12/3/2018) de acordo com o nº6 dos factos provados (6 - Em, pelo menos duas datas não concretamente apuradas, do período de 2017 a 12.03.2018, o arguido, deslocou-se à Estação dos Caminhos de Ferro ..., sita em Paredes, quando a assistente se encontrava naquele local e abordou a mesma, querendo conversar com ela, contra a vontade da mesma) sem que daí resulte qualquer acto de perseguição ou assédio, tal como deve ser entendido (nomeadamente ter-se ali deslocado por saber que ela ali se encontrava) retratando apenas o encontro naquele local e tendo-a abordado para falar com ela (o que ela não quis – mas tal não impede nem pode impedir que tendo algo a tratar com alguém haja impedimento em ir falar com essa pessoa com vista a solucionar essa questão: esta é aliás a essência do relacionamento humano), nem traduz pelo período temporal em causa um acto reiterado.
Como meio interpretativo para o preenchimento de tal ilícito invoca-se a exposição de motivos do projecto de lei nº 647/XII (sendo que a proposta de redacção no mesmo constante corresponde à do supra cit. art.) onde se escreveu que: “A perseguição - ou stalking - é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Estes comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como oferecer presentes, telefonar insistentemente) ou em ações inequivocamente intimidatórias (por exemplo, perseguição, mensagens ameaçadoras)”
Diz-se na decisão da R Lx 16/10/2018 www.dgsi.pt: “I- Este novo tipo de crime, agora previsto no art.154º-A, nº.1 do Código penal, tem como seus elementos constitutivos: - objectivamente, a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da acção; e, - subjectivamente, o dolo, em qualquer das modalidades referidas no art.14º do C.P., constituído pelo conhecimento dos elementos objectivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los. II- Em traços gerais, podemos enunciar que o stalking designa um curso de condutas intrusivas e persistentes, prolongadas indeterminadamente no tempo, que podem ser compreendidas como atos persecutórios não queridos e perturbadores para a vítima. As condutas persecutórias materializam-se, portanto, em diversas “formas de comunicação, vigilância e contacto, exercidas sobre alguém que é alvo de um interesse e atenção continuados e indesejados. Diz-nos a experiência que o stalking envolve uma campanha de condutas que têm tendência a escalar em frequência e severidade ao longo do tempo” e no ac R. Lx 9/7/2019 www.dgsi.pt em cujo sumário se lê “O crime de perseguição ou “stalking” pode definir-se como uma forma de violência relacional e pode caracterizar-se por uma série de comportamentos padronizados que consistem num assédio permanente, nomeadamente através de tentativas de comunicação com a vítima, vigilância, perseguição, etc.; -Embora estes comportamentos possam ser aparentemente corriqueiros se não forem percebidos no seu contexto do “stalking”, as condutas que integram o seu tipo objectivo podem ser bastante intimidatórios pela persistência e intensidade com que são praticadas, causando um enorme desconforto na vítima e atentando claramente à reserva da vida privada. - Este novo tipo de crime, agora previsto no art.154º-A, nº.1 C.P. tem como seus elementos constitutivos objectivos, a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da acção; - Comete o ilícito do art.º 154º-A, nº 1 do Código Penal, com dolo directo o arguido que, de forma reiterada, contacta telefonicamente a ofendida, a horas diversas, perturbando quer o seu desempenho profissional, quer o seu descanso.”, salientando-se no seu texto que: “O stalking pode definir-se como uma forma de violência relacional. Segundo a maioria da legislação norte-americana, o crime consiste num padrão intencional de perseguição repetida ou indesejada que uma “pessoa razoável” consideraria ameaçadora ou indutora de medo. Já a legislação australiana define o stalking como “perseguir uma pessoa, permanecer no exterior da sua residência ou em locais por ela frequentados, entrar ou interferir na sua propriedade, oferecer-lhe material ofensivo, mantê-la sob vigilância, ou agir de um modo que se poderia esperar com razoabilidade que fosse susceptível de criar stress ou medo na vítima.” Cfr. Nuno Lima da Luz, a fls.6, da sua tese de dissertação de mestrado (disponível in http://repositorio.ucp.pt) Pode-se caracterizar também por uma série de comportamentos padronizados que consistem num assédio permanente, nomeadamente através de tentativas de comunicação com a vítima, vigilância, perseguição, etc. Embora estes comportamentos possam ser aparentemente corriqueiros se não forem percebidos no seu contexto do “stalking”, as condutas que integram o seu tipo objectivo podem ser bastante intimidatórios pela persistência e intensidade com que são praticadas, causando um enorme desconforto na vítima e atentando claramente à reserva da vida privada. De acordo com a jurisprudência uniforme, verbi gratia o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Março de 2015 (in www.dgsi.pt), a propósito de “stalking”, ainda que antes da criminalização autónoma da conduta, que o mesmo caracteriza-se como “uma perseguição prolongada no tempo, insistente e obsessiva, causadora de angústia e temor, com frequência motivada pela recusa em aceitar o fim de um relacionamento”.
Por outro lado, as acções em causa têm de se adequadas (nexo causal) num juízo de prognose póstuma, de modo objectivo tendo em conta a pessoa média, a causar o efeito visado (a provocar naquele medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação). Ac. R G. 11/2/2019 www.dgsi.pt“III - O crime de perseguição (art. 154.º-A n.º1 do C. Penal) é um crime de perigo concreto – não sendo necessária a efectiva lesão do bem jurídico, mas a adequação da conduta a provocar aquela lesão (sendo idónea a prejudicar a liberdade de determinação da vítima ou a provocar-lhe medo) – de mera actividade e de execução livre – a conduta punida pode ser levada a cabo por qualquer meio, directa ou indirectamente, embora seja necessária a reiteração da conduta, uma vez que a respectiva ratio reside na protecção da liberdade de autodeterminação individual, sem prejuízo de reflexamente tutelar outros bens jurídicos como a salvaguarda da privacidade/intimidade – e doloso, do ponto de vista subjectivo, o que significa que o agente tem que ter vontade e consciência de estar a praticar o facto tido como ilícito e punido penalmente.”
Atentos os factos provados, as acções em causa, não se mostram adequadas, numa perspectiva objectiva e de juízo de prognose, a provocar o medo ou inquietação ou prejudicar a sua liberdade
Também atento o período temporal, quer individualmente os dois actos ocorridos quer de impedimento de circulação, e os dois de encontro na estação, quer globalmente considerados, integram o conceito de perseguição ou assédio, ou têm aquela capacidade intimidatória exigida pelo tipo legal.
Em face do exposto, e por não preenchimento dos elementos objectivos do ilícito em causa, inexiste o apontado crime, pois como se diz na sentença “Quanto ao elemento subjectivo dos crimes em questão, o mesmo retira-se da conjugação dos factos provados com as regras da experiência comum, pois qualquer cidadão, que corresponde ao padrão do homem médio, agindo como agiu o arguido, revela intenção directa de praticar os factos, como efectivamente, o fez”, pelo que ausência dos elementos objectivos, inexistem os subjectivos, e por isso de tal ilícito deve o arguido ser absolvido, sendo certo que se outros dados de facto existem ou ocorreram eles não constam da acusação e dos factos provados na sentença e como tal não podem ser conhecidos e apreciados.
Procede assim e por esta via parcialmente o recurso, pelo que há de tal facto retirar as necessárias consequências jurídicas.
Assim:
- subsiste apenas a condenação pelo crime de ameaça e respectiva pena que não é questionada.
- há que adequar a condenação em indemnização civil, pois que como resulta da sentença recorrida, esta teve em conta ambos os ilícitos de ameaça e de perseguição, e subsistindo apenas um, apenas em relação a tal ilícito a indemnização pode ser arbitrada, pelo que há que avaliar os danos apenas relativos a neste ilícito (ameaça).
Diz-se na sentença recorrida: “Nos autos os pedidos cíveis deduzidos enquadram-se no âmbito responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana. Com efeito, estipula o artigo 483º, nº 1 do Código Civil que "aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação". Da análise do referido preceito legal resulta que a obrigação de indemnizar decorrente da responsabilidade civil por factos ilícitos implica a verificação dos seguintes pressupostos: - A existência de um facto voluntário do agente, e não de um mero facto natural causador de danos, uma vez que só o homem é capaz de violar direitos ou de agir contra disposições legais; - Que o facto do agente seja ilícito; - Que se verifique um nexo de imputação do facto ao lesante, isto é, que a conduta do agente seja legalmente censurável; - Que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano; - Por último, que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se que o dano é resultante da violação (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil, anotado, vol. I, pág. 471). Tendo presentes os factos dados como provados é manifesto verificarem-se os referidos requisitos da voluntariedade do facto, as condutas foram indiscutivelmente mais que domináveis, desejadas pelo arguido, há ilicitude porquanto ficou já estabelecida a violação de normas penais e bem assim foram violados os direitos de personalidade da ofendida (o artigo 70º nº1 do Código Civil tutela os direitos de personalidade dos indivíduos dispondo que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita … à sua personalidade física ou moral”, bem como o art. 26.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa), existe nexo de imputação do facto ao lesante, ou seja a culpa (que no caso está já assente que revestiu a forma de dolo) e bem assim ficou já estabelecido terem sobrevindo danos para a ofendida (pontos 1) a 9) da matéria de facto). Os danos mais não são do que lesões causadas em interesses juridicamente tutelados. Indemnizáveis tanto serão os danos de carácter patrimonial como os de carácter não patrimonial, estes limitados aos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito nos termos do artigo 496º nº1 do Código Civil. De acordo com o artigo 562º do Código Civil, a obrigação de indemnizar visa reconstituir a situação que existia se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, compreendendo-se nessa reparação não só o prejuízo causado ao lesado – danos emergentes – como também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – lucros cessantes, cfr. artigo 564º nº1 do Código Civil. O princípio prevalente relativo à reparação devida é o da reposição natural, conforme resulta do citado artigo 562º, a qual é substituída pela indemnização em dinheiro quando tal reposição não seja possível, sendo a indemnização em dinheiro calculada de acordo com a teoria da diferença prevista no artigo 566º nº2 do Código Civil. Atento que os danos peticionadas são não patrimoniais, importa salientar quanto a estes últimos que, face ao preceituado no artigo 496º do Código Civil, somente serão levados em linha de conta, aqueles que, pela sua gravidade, mereçam tutela jurídica, fixando-se a respectiva indemnização equitativamente, sem olvidar as circunstâncias consagradas no artigo 494º do mesmo diploma legal. Este tipo de prejuízos é insusceptível de avaliação pecuniária, uma vez que atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente. Esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela que “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos. Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” (in Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1987, pp. 499). Importa, pois, fixar o quantum indemnizatório a atribuir como forma de compensar o assistente/demandante, havendo, para tanto, que atentar no critério do artigo 496º, n.º 3, 1ª parte do Código Civil, de acordo com o qual o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil: grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem. Acresce que a indemnização por danos não patrimoniais não visa ressarcir o lesado de qualquer prejuízo, mas antes compensá-la pelo sofrimento. Considerando a natureza dos danos sofridos (o sentimento de vergonha e humilhação, tristeza, instabilidade, angústia bem como os incómodos no círculo onde se move, medo, perseguição, alteração hábitos) que merecem a tutela do direito, atenta a sua gravidade, e as restantes circunstâncias supra-referidas, é de reputar equitativa a fixação da compensação que será paga pelo arguido, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros). (…)
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Acresce que sobre esta quantia são devidos juros de mora à taxa anual de 4% contados desde a prolação desta sentença – neste sentido, aliás, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, Diário da República – I Série - A, n.º 146, de 27 de Junho de 2002, p. 5057, que veio acolher a orientação já vertida anteriormente, entre outros, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1987, BMJ n.º 370, p. 505, de 15 de Dezembro de 1998, CJ/ASTJ III, p. 159 e de 6 de Julho de 2000, CJ/ASTJ II, p. 144, bem como no Acórdão da Relação de Coimbra de 22 de Abril de 1993, CJ II, p. 69), bem como art. 559.º, 804.º, n.º1, 805.º, n.º3 e 806.º, n.º1, todos do Código Civil). No entanto, pela assistente/ofendida não foi peticionada a condenação do demandado nos juros, razão pela qual não se condena o mesmo. Face ao exposto e uma vez que se encontram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, condena-se o demandado a pagar à ofendida, o valor de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), a título compensação pelos não patrimoniais por esta sofridos, absolvendo-o do demais peticionado.”
Assim e tendo em conta o exposto e dado estarem apenas em causa danos de natureza não patrimonial, e consistentes em face da ameaça na provocação “na assistente, receio pela sua integridade física, pelo seu património e inquietação” - nº 3 dos factos provados - e que na determinação do quantum indemnizatório relativo a tais danos manda a lei atender a juízos de equidade - artº.494º e 496º3 CC, o que implica ter-se em conta critérios de proporção, adequação às circunstâncias, objectividade e razoabilidade (D. Martins de Almeida, Manual Ac. viação, 3ª ed. pág. 110), tendo em atenção o pedido formulado, pois são comuns a todos os juízos de equidade.
Donde há que ponderar tais critérios e os demais previstos no art.º. 494º CC como sejam o dolo do arguido, e as consequências que daí emergiram, e as situações económicas do arguido/lesante (reformado, doente oncológico e de parcos rendimentos) e da ofendida/ lesada (de que se sabe apenas trabalhar no D…), como emergem dos factos apurados, as circunstancias do caso, com o seja o local e momento da acção lesiva e os valores actuais fixados pela jurisprudência (cfr. Ac. R.Lx 20/2/90 CJ 90, 1,188, Acs. STJ 6/6/93 CJ Ano I, II, 186, 11/10/94 CJ STJ, 94, III, 89 entre outros) a que se deve atender a fim de afastar a subjectividade (Ac. STJ 23/10/79, RLJ 113º 91 com anotação concordante de Vaz Serra, cit. no Ac. STJ 26/5/93 CJ Ano I, II, 130).
Atendendo assim às particularidades do caso, nos termos expostos e que efectivamente a indemnização deve ser suficiente ressarcidora e compensadora dos danos causados a este nível, afigura-se-nos justo e equitativo, pelo acto em causa, fixar a indemnização por tais danos no valor de 250,00€.
Procede assim parcialmente o recurso
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Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido B… e em consequência revoga parcialmente a sentença recorrida e em consequência
- absolve o arguido do crime de perseguição p.p. pelo artº 154.ºA, n.º 1 CP, e
- reduz o montante indemnizatória a pagar pelo arguido à ofendida C…, para a quantia de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros) e
- no mais mantém a decisão recorrida (condenação pelo crime de ameaça).
Sem custas.
Notifique.
Dn