IDONEIDADE DE MOTORISTA TVDE
Sumário

I - A lei que regula a aptidão para o exercício da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE) estabelece, como causa de falta de idoneidade, a condenação com trânsito em julgado pela prática de crimes contra a integridade física, onde se integra o crime de tráfico de estupefaciente, cujo bem jurídico cimeiro é a saúde humana.
II - Para efeito do exercício da atividade de motorista de TVDE, a lei só permite a recuperação da idoneidade se o condenado tiver sido reabilitado nos termos do disposto da Lei de Identificação Criminal, ou por decisão do IMT.

Texto Integral

Proc. 313/18.5SGPRT-B.P1

XXX
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

Em processo comum com intervenção de Tribunal Coletivo que correu termos no Juízo Central Criminal do Tribunal da Comarca de Porto Este, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais. Foi proferido acórdão, sendo o arguido B… condenado como autor imediato e sob a forma consumada, de um crime de tráfico e outras atividades ilícitas, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, do C.P. e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, praticado em 23-10-2018, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 4 anos e 4 meses, condicionada a regime de prova assente num plano de reinserção social, a definir e a executar com vigilância e apoio pelos serviços de reinserção social, ficando desde já condicionada à obrigação de o arguido continuar a participar nas sessões de terapia de educação emocional, enquanto forem consideradas necessárias sob o ponto de vista médico, em cumulação com a obrigação de se inscrever numa "Consulta de Especialidade", mediante o pagamento pelo condenado das taxas moderadoras, se necessário, em data e hora a definir pelos serviços de reinserção social, para despiste de problemas de toxicodependência e/ou avaliação da necessidade de tratamento médico dessa problemática e consequente tratamento, se considerado necessário sob o ponto de vista médico.
Subsequentemente o arguido veio requerer nos termos do disposto no artigo 13.º, da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio, a não transcrição da condenação proferida nos presentes autos, no certificado de registo criminal, o que veio a ser indeferido por despacho.
*
Não se conformando com o despacho que indeferiu a pretensão de não transcrição da condenação no registo criminal, o arguido veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes CONCLUSÕES:
I. No caso em apreço impõe-se a aplicação do regime da não transcrição para o certificado de registo criminal, precisamente, porque estão integralmente preenchidos os requisitos do n.º 5 e 6 do artigo 10º Lei 37/2015, de 5 de Maio.
II. Sendo que não decorre das circunstâncias do crime o perigo de prática de novos crimes pelo arguido, existindo um juízo de prognose favorável à aplicação deste regime.
III. Antes de mais o arguido confessou integralmente e sem reserva a prática do crime pelo qual vinha acusado demonstrando assim arrependimento e vontade de colaborar com a justiça.
IV. O recorrente, bem sabendo que enquanto arguido se poderia remeter ao silêncio, e que em nada seria prejudicado ou mesmo que não está obrigado ao dever de falar com verdade optou, ainda assim, e desde o início, por prestar declarações.
V. E fê-lo, precisamente para demonstrar ao Tribunal que estava arrependido, que sabe que agiu mal e que este foi um episódio isolado na sua vida.
VI. Ora, conjugando as condições pessoais do arguido com as circunstâncias concretas que acompanharam o crime acredita o recorrente que daí se pode concluir que não decorre a existência do perigo da prática de novos crimes pelo mesmo.
VII. O arguido, atualmente com 28 anos, apresenta um percurso coerente, denotando empenho em evoluir positivamente, em crescer, em amadurecer em termos pessoais, sendo a imagem clara de que este foi um episódio isolado na sua vida.
VIII. Sendo que também a ausência de condenações anteriores é claramente indiciária de que o arguido não possui uma personalidade voltada para a criminalidade.
IX. Além de que, como refere o Tribunal a quo, o próprio art.º 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, no seu n.º 3 prevê um mecanismo de correção automática da decisão tomada ao abrigo do n.º 1, do art.º 13, em caso de frustração do juízo de prognose efetuado pelo juiz.
X. Efetivamente, se o arguido apresentar registo criminal não poderá continuar a exercer a profissão de motorista nos moldes em que o vem fazendo.
XI. Assim, o indeferimento da não transcrição da respetiva condenação no Certificado de Registo Criminal do arguido representa uma severa limitação para o desenvolvimento da sua atividade e poderá significar um revês no caminho de crescimento pessoal e do cumprimento do direito que vem traçando para si.
XII. Pelo que, face ao exposto, deve ser revogado o despacho ora em crise e substituído por outro que ordene a não transcrição da respectiva condenação no Certificado de registo criminal do arguido para efeitos de trabalho.
PRINCÍPIOS E DISPOSIÇÕES LEGAIS VIOLADAS OU INCORRETAMENTE APLICADAS:
-Artigo 10.º da Lei 37/2015 de 5 de Maio;
-Artigo 13.º da Lei 37/2015 de 5 de Maio;

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, QUE V. EXAS. DOUTAMENTE MELHOR SUPRIRÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DISSO, SER ALTERADA A, ALIÁS, DOUTA DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE CONTEMPLE AS CONCLUSÕES ATRÁS ADUZIDAS.
DECIDINDO DESTE MODO, FARÃO V. EXAS., ALIÁS COMO SEMPRE, UM ATO DE INTEIRA E JUSTIÇA.
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O Digno Procurador Adjunto apresentou contra-motivação, sustentando que o arguido recorrente continua a confundir o juízo de prognose subjacente à suspensão da execução da pena de prisão previsto no art. 50º, n.º 1 do C.Penal com o juízo de prognose exigido pelo art. 13º, nº1, da Lei n.º 37/2015, de 5/05 (Lei de Identificação Criminal), ou seja, a conclusão de que da avaliação das circunstâncias que acompanharam o crime não se induza a prática de outros crimes.
Acrescentamos para fundamentar o acerto do despacho recorrido ao não ordenar a não transcrição no certificado de registo criminal do arguido recorrente a condenação nestes autos, para além do Ac. da RP, de 12/06/2019, proc. n.º 188/16.9JAAVR-D.P1 citado na promoção do M.P., a seguinte jurisprudência que subscrevemos:
- Ac. da RE, de 26/06/2018, proc. n.º 1646/14.5GBABF.E1: sumário (transcrição)
I – Não se logrando formular um juízo de prognose favorável no sentido de sustentar a ausência de perigo de cometimento de futuros crimes de idêntica natureza por parte do arguido, deve ser indeferido o pedido de não transcrição da sua condenação em certificados do registo criminal a que alude o n.º 6 do art. 10.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.
- Ac. da RE, de 5/12/2017, proc. n.º 1580/14.9PBSTB-A.
“É sabido que o fundamento do juízo de prognose, favorável ou desfavorável, quanto á existência, ou não, do perigo de, no futuro, o arguido cometer novos crimes só pode fundar-se em conclusões extraídas das circunstâncias que acompanharam o crime.
Aliás, da fórmula negativa usada pelo legislador, “não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”, deve concluir-se que a lei apenas exige que não seja efectuado um juízo de prognose desfavorável, de aferição das hipóteses de não verificação do perigo, o que é diferente de outras expressões utilizadas, como, por exemplo, a do nº1 do Artº 50 do C. Penal – “concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”- que denunciam a necessidade de um juízo de prognose favorável.
Daí que seja correcto afirmar que este juízo de prognose favorável não se confunde com o que é formulado a propósito da suspensão da execução da pena, não só porque o tribunal não está obrigado a determinar a não transcrição da sentença sempre que esta não seja superior a 1 ano de prisão ou tenha a sua execução suspensa, mas também por tal diferença se compreender por a medida prevista no Artº 13 nº1 da Lei n.º 37/2015, ser de carácter administrativo e precária, dado o teor do seu n.º3 onde se diz que ”o cancelamento previsto no n.º1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso do interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida decisão”, o que quer dizer que o legislador criou um mecanismo de correcção automática da decisão tomada ao abrigo do nº1 do Artº13, em caso de frustração do juízo de prognose efectuado pelo juiz.
A este propósito, é importante sublinhar que a não transcrição da sentença apenas opera em relação a certificados emitidos nos termos e para os efeitos do nsº 5 e 6 do Artº 10 da citada Lei, ou seja, os certificados emitidos para fins administrativos e particulares relacionados com o exercício da atividade profissional, o que inclui a avaliação da idoneidade profissional.
A possibilidade de não transcrição das sentenças condenatórias destina-se, como é conhecido, a evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por um crime de diminuta gravidade, ou sem gravidade significativa, e as repercussões negativas que a publicidade ou divulgação dessa condenação, podem acarretar para a reintegração social do condenado, nomeadamente, no acesso ao emprego.”.
- Ac. da RL, de 12/09/2019, proc. n.º 171/17.7PBMTAA.
“Há que ter em conta que “Convém não olvidar que a normalidade em matéria de registo criminal é a transcrição, sendo a não transcrição a excepção. Na verdade, visando o registo criminal "(...) permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes", a não transcrição só pode mesmo ser considerada uma excepção, a qual tem na base razões de não estigmatização do condenado, já que se reporta a certificados para fins do exercício de profissão e sempre associadas a crimes de pequena gravidade, o que, manifestamente, não acontece no crime de violência doméstica. ..."(9) e que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada não implica que se verifique o requisito material da não transcrição, porque "... É verdade que na elaboração do juízo de prognose favorável feita a propósito da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena (Art° 50°, 1, CP), a sentença condenatória do recorrente atendeu à sua personalidade, às condições da sua vida, ao seu comportamento e às circunstâncias do crime, concluindo, necessariamente, que a ameaça da prisão e a censura do facto realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (nelas incluídas as de prevenção especial). Mas, não é menos verdade que o juízo a formular, a propósito do campo de aplicação do art° 17° em análise, não é exactamente coincidente com o anteriormente referido, com efeito, se assim fosse, logo se poderia concluir que não deveriam ser transcritas todas as condenações em pena de prisão até 1 ano, desde que a respectiva execução fosse suspensa ...,(10) 9 Acórdão da RL de 19/04/2018, relatado por Antero Luís (e de que somos subscritores), no proc. 168/15.6GAMGD.L1, in www.dgsi.pt.
10 Acórdão da RG de 17/03/2014, relatado por Tomé Branco, no proc. 1185/11.6TAVCT-D, in www.dgsi.pt, que mantém actualidade apesar de se referir à norma vigente antes da L 37/2015, de 05/05.
No mesmo sentido, vejam-se os seguintes acórdãos:
- da RP de 06/05/2015, relatado por Lígia Figueiredo, no proc. 43/12.1GCOVR-A.P1, www.clasi.pt, do qual citamos: "...Perante este quadro factual, não é possível afastar a existência de perigo de prática de novos crimes.
E esta afirmação, não colide nem é incompatível com o juízo de prognose positivo que esteve subjacente à aplicação da suspensão da pena, como parece pretender o arguido, cf conclusões XII a XV.
Na verdade, com o instituto da suspensão da pena, pretende-se em última análise atingir as finalidades da punição através nas palavras do Prof. Figueiredo Dias "da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência» ". (...)
Por sua vez a possibilidade de não transcrição das decisões prevista no art° 17° n° 1 da Lei 57/98 de 18 de Agosto, é ainda uma manifestação do princípio da legalidade consagrado no art° 2° da mesma Lei, mas subordinada aos princípios da necessidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade, em que se teve presente no acesso do registo criminal para fins particulares e administrativos, obstar, desde que verificados os requisitos legais, àquilo a que o Prof. Figueiredo Dias designa de "o anátema social que para o condenado deriva da publicidade dos seus antecedentes criminal". ...";
- da RP de 05/04/2006, relatado por Jorge França, no proc. 0516875, in www.dgsi.pt, do qual citamos: "... É verdade que na elaboração do juízo de prognose favorável feita a propósito da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena (art° 50°, 1, CP), a sentença condenatória do recorrente atendeu à sua personalidade, às condições da sua vida, ao seu comportamento e às circunstâncias do crime, concluindo, necessariamente, que a ameaça da prisão e a censura do facto realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [nelas incluídas as de prevenção especial].
Mas, não é menos verdade que o juízo a formular, a propósito do campo de aplicação do art° 17° em análise, não é exactamente coincidente com o anteriormente referido; com efeito, se assim fosse, logo se poderia concluir que não deveriam ser transcritas todas as condenações em pena de prisão até 1 ano, desde que a respectiva execução fosse suspensa... ...".
Assim, não podemos deixar de sustentar a promoção, datada de 2/03/2020, e a decisão judicial recorrida, datada de 9/03/2020, de não transcrição da condenação por as circunstâncias que rodearam a prática do ilícito em questão não permitirem concluir que não existe perigo da prática de novos crimes.
Convém não olvidar que a normalidade em matéria de registo criminal é a transcrição, sendo a não transcrição a excepção.
Na verdade, visando o registo criminal permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes, a não transcrição só pode mesmo ser considerada uma excepção, a qual tem na base razões de não estigmatização do condenado, já que se reporta a certificados para fins do exercício de profissão e sempre associadas a crimes de pequena gravidade, o que, manifestamente, não acontece no crime de tráfico de estupefaciente.
Para atingir tal desiderato, o art. 13º, n.º 1, da Lei n.º37/2015, de 5/05 estabelece três requisitos, de verificação cumulativa:
– Dois, de natureza formal:
a) condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade;
b) ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza.
– Um terceiro, de natureza material ou substantiva, traduzido num juízo negativo sobre a possibilidade de as circunstâncias que rodearam o crime induzirem o perigo de futura prática de novos ilícitos penais, isto é, “(…) das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”.
No caso em apreço, encontram-se verificados o primeiro e o segundo dos requisitos formais exigidos, pois o arguido recorrente foi condenado nestes autos numa pena não privativa de liberdade – 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa por igual período sujeita a regime de prova, pela prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-C deste diploma, e não tem antecedentes criminais.
É certo que confessou o óbvio, pois foi detido em flagrante delito, que foi aquilo que o arguido recorrente, na sua estratégia de defesa, optou por assumir, certamente por ser difícil negar de forma credível a prova constante dos autos, resultando, não no sentido de um sincero arrependimento, mas da expectativa de minorar as consequências penais da sua actuação, revestindo um valor atenuativo nulo.
Também é certa a elevada ilicitude da conduta criminosa e o comportamento do arguido recorrente que foi dado como provado no acórdão condenatório: transportava no interior do veículo uma mochila, que continha 5 embalagens de canabis (resina) e um saco de desporto vermelho que continha 3 embalagens também de canabis (resina), estando todas as embalagens envolvidas por fita-cola castanha e possuindo a totalidade da dita canábis (resina) o peso líquido de 5 735 gramas, sendo destinada a mesma por outrem à venda a terceiros.
Esclareceu que acedeu executar tal transporte, em troca de dinheiro, por conta da pessoa junto de quem costumava adquirir canábis para o seu consumo, tendo-o ajudado a acondicionar a canábis onde ela veio a ser encontrada. A conduta do arguido se limitou a um único dia, referiu-se a estupefaciente que não integra as denominadas drogas duras e não é das mais graves de entre as supostas pelo tipo legal de crime, sendo certo que os transportadores ocultos de droga são um dos factores que permitem a proliferação da sua venda. No entanto, é consumidor de estupefaciente, o que é um inegável factor de risco dado que frequentemente consumidores se envolvem no tráfico de estupefacientes para obterem dinheiro para financiar o seu próprio consumo ou o próprio estupefaciente para consumirem.”
E na decisão recorrida: cometeu um crime grave apenas motivado pelo lucro que ia obter, circunstância que que, por si só, não permite concluir que não se pode induzir perigo de prática de novos crimes.
Ademais, as suas condições pessoais (Desenvolve actividade por conta própria como gerente na firma “C…”, sociedade por quotas de transporte ocasional de passageiros na plataforma “D…”, auferindo cerca de € 1.000,00 por mês. Vive com a progenitora de 49 anos, solteira, licenciada, designer e psicoterapia, inativa profissionalmente, subsidiada em € 480,00 por mês. O companheiro da mãe, irlandês, encontra-se no país de origem. As rotinas do arguido centram-se na realização da actividade profissional em nome próprio, na frequência de sessões semanais de terapia, ocupando os seus tempos livres convivendo com alguns amigos, colegas do trabalho e com a família. Desde setembro de 2019 participa em sessões com carácter regular mais ou menos semanal de educação emocional, com resultados de progressão, evidenciando comportamento mais amadurecido e responsável), avaliadas no seu conjunto, também não permitem, salvo melhor opinião, construir um quadro fáctico de onde se possa retirar o perigo da prática de novos crimes, pois também se apurou que regista consumos de drogas, vulgo haxixe, desde os 16 anos, e posteriormente observou consumos excessivos de álcool especialmente em contextos recreativos e nocturnos, sobretudo entre os 26 e 27 anos de idade.
Por último, se a transcrição no registo criminal implicar a perda do posto de trabalho, e/ou exercício da actividade desenvolvida pelo arguido recorrente, apenas a si próprio pode imputar tal efeito, e não à aplicação da lei, sendo o registo um efeito legalmente previsto, que apenas pode ser afastado se verificados os pressupostos do art. 13º da Lei nº 37/2015, de 5/05, o que no caso dos autos não ocorre.
O arguido recorrente, com o 12.º ano de escolaridade, o curso de nível 5 CET, como Técnico de Exercício Físico e formação de técnico de exercício físico, outros cursos e formações de Março a Novembro de 2018 de massagens, de personal trainer (boxe) numa academia de boxe e de treinador de boxe em Agosto de 2019 tem condições para a almejada reinserção social, evitando a estigmatização e sequelas da condenação destes autos, nomeadamente em termos laborais e de acesso a outro emprego.
Em suma, entendemos que as circunstâncias que acompanharam o crime em causa permitem prognosticar a existência de perigo de prática de novos crimes, dada a dependência de estupefaciente do arguido recorrente e o lucro que ia obter com o transporte de estupefaciente para, pelo menos, satisfazer esta dependência, pelo que não poderá beneficiar da não transcrição no registo criminal da condenação em apreço, para os fins a que se referem os n.ºs 5 e 6 do art.10º, da Lei n.º 37/2015, de 5/05, sem prejuízo da sua reinserção social.

Conclusões:
I. O juízo de prognose quanto à existência, ou não, do perigo de, no futuro, o arguido recorrente cometer novos crimes previsto no art. 13º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5/05 é diferente do juízo de prognose previsto no art. 50º, n.º 1 do C. Penal.
II. A não transcrição da sentença condenatória para o certificado de registo criminal, a emitir para efeitos laborais é uma excepção.
III. A regra é a de que as condenações constam do certificado de registo criminal, pelo que não existiu aqui nenhuma decisão a ordenar a transcrição da condenação sofrida pelo arguido recorrente.
IV. A possibilidade de não transcrição de condenação no certificado de registo criminal visa a ressocialização do arguido recorrente, porém, o certificado de registo criminal pretende também acautelar a protecção e segurança de quem recruta para determinada função, não podendo esta última ficar preterida em razão da primeira.
V. No caso em apreço, encontram-se verificados o primeiro e o segundo dos requisitos formais exigidos pelo art. 13º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5/05, pois o arguido recorrente foi condenado numa pena não privativa de liberdade – 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa por igual período sujeita a regime de prova, pela prática de um crime de crime de tráfico e outras atividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-C Anexa a este diploma, e não tem antecedentes criminais.
VI. O arguido confessou o óbvio, pois foi detido em flagrante delito, que foi aquilo que, na sua estratégia de defesa, optou por assumir por ser difícil negar de forma credível a prova dos autos, resultando, não no sentido de um sincero arrependimento, mas da expectativa de minorar as consequências penais da sua actuação, revestindo-se um valor atenuativo nulo.
VII. Mas a não transcrição requerida depende da verificação de um juízo de prognose favorável quanto à inexistência de perigo para o cometimento de novos crimes.
O arguido recorrente não reúne este requisito.
VIII. As circunstâncias que acompanharam o crime em causa permitem prognosticar a existência de perigo de prática de novos crimes.
IX. A ilicitude da conduta criminosa é elevada.
X. O arguido recorrente é consumidor de estupefaciente, o que é um inegável factor de risco dado que frequentemente consumidores se envolvem no tráfico de estupefacientes para obterem dinheiro para financiar o seu próprio consumo ou o próprio estupefaciente para consumirem, e praticou o crime motivado pelo lucro.
XI. As condições pessoais do arguido recorrente, acima explanadas, avaliadas no seu conjunto, também não permitem, salvo melhor opinião, construir um quadro fáctico de onde se possa retirar o perigo da prática de novos crimes, pois também se apurou que regista consumos de drogas, vulgo haxixe, desde os 16 anos, e posteriormente
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Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, referindo que em causa está o “não cancelamento” com vista ao exercício da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica, regulada pela Lei nº 45/2018, de 10 de agosto, cujo artigo 11º estabelece o seguinte:
1-Sem prejuízo do disposto no número seguinte, são causas de falta de idoneidade para o exercício da atividade de motorista de TVDE quaisquer condenações por decisão transitada em julgado pela prática de crimes:
a) Que atentem contra a vida, integridade física ou liberdade pessoal;
b) Que atentem contra a liberdade e a autodeterminação sexual;
c) De condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;
d) Cometidos no exercício da atividade de motorista.
2-A condenação pela prática de um dos crimes previstos no número anterior não afeta a idoneidade de todos aqueles que tenham sido reabilitados, nos termos do disposto nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, nem impede o IMT, I. P., de considerar, fundamentadamente, que estão reunidas as condições de idoneidade, tendo em conta, nomeadamente, o tempo decorrido desde a prática dos factos.
O que se discute, portanto, no caso presente, é a eventual “não transcrição”, prevista no artigo 13º, da LIC, e não o “cancelamento”, definitivo ou provisório, a que aludem os artigos 11º e 12º do mesmo diploma. Ora, como resulta do disposto no nº 2 do preceito citado, havendo condenação por qualquer crime da natureza dos mencionados nas diferentes alíneas do nº 1 do mesmo artigo, o condenado só recupera a idoneidade para efeitos do exercício da atividade de motorista de TVDE se tiver sido reabilitado nos termos do disposto nos artigos 11.º e 12.º da LIC, ou o por decisão do IMT.
Ou seja, o legislador parece ter consagrado a regra de que a condenação por qualquer dos aludidos crimes afeta sempre a idoneidade do condenado para efeitos do exercício da atividade de motorista de TVDE, limitação que, por isso mesmo, não poderá ser removida por via da “não transcrição”, só deixando de subsistir se houver reabilitação, nos termos do disposto nos artigos 11º e 12º, da Lei n.º 37/2015, ou se o IMT vier a considerar que estão reunidas as condições de idoneidade, tendo em conta, nomeadamente, o tempo decorrido desde a prática dos factos.
Neste entendimento, será de rejeitar liminarmente a pretendida “não transcrição”.
Seja como for, ainda que seja outro o entendimento, cremos que, num caso como o presente, é manifesta a improcedência da pretensão recursória.
A “não transcrição” de condenação, prevista no artigo 13º da LIC, depende de um requisito formal – o arguido ter sido condenado em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade – e de um duplo requisito substancial – o arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e um juízo de prognose favorável, face às circunstâncias que acompanharam o crime, quanto ao seu comportamento posterior.
No caso em apreço, é incontroverso que, tendo o arguido sido condenado numa pena não detentiva, está verificado o mencionado requisito formal.
Está, igualmente, comprovada a inexistência de antecedentes criminais.
Porém, sendo viável a “não transcrição”, por se verificarem esses pressupostos, jamais a mesma poderia ser concedida unicamente com fundamento em que se tem em vista o exercício de profissão ou atividade para o qual a lei exige a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais, como sucede com o exercício da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica, regulada pela acima citada Lei nº 45/2018, de 10 de agosto.
Como claramente resulta da conjugação dos artigos 12º e 13º com o disposto na 2ª parte do nº 6 do artigo 10º, todos da LIC – diferentemente do que parece pretender o recorrente [cfr. conclusão X] – nos casos em que a lei exija a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais para o exercício de determinada profissão ou atividade, não é essa finalidade que justifica, por si, a “não transcrição”, mas antes a “não transcrição”, uma vez decidida nos termos do artigo 13º, que permite a emissão de certificado do registo criminal sem menção das respetivas condenações.
Só assim se assegurará o legítimo controlo, pelas autoridades, de um campo importante da cidadania, em prol do bem comum, que se pretende assegurar com o registo criminal, sem que com isso, evidentemente, se ponha em causa, de modo desproporcional e intolerável, qualquer princípio constitucional, designadamente, o direito ao trabalho, consagrado no artigo 58º, da CRP.
No caso em apreço, como bem salienta a magistrada do Ministério Público junto da instância recorrida, atenta a factualidade apurada e inserta na decisão condenatória não se afigura possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido.
«Com efeito, não obstante o arguido não apresentar antecedentes criminais e encontrar-se inserido familiar, profissional e socialmente tal não se mostra suficiente para inculcar um juízo de prognose no sentido de não se verificar a existência de perigo de cometimento de novos crimes, designadamente, de crime de idêntica natureza daquele pelo qual foi condenado.
A contrariar esse juízo, como se escreveu no acórdão, ressaltam:
Elevadas exigências de prevenção geral no que se refere ao crime de tráfico de estupefacientes; O crime em causa gera na comunidade um forte sentimento demandando uma solene punição dos seus agentes a fim de ser recuperada a confiança na vigência e validade das normas violadas; Agiu com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra directo e que representa maior desvalor. Milita a favor do arguido o facto de ter confessado, logo no início da produção de prova, os factos que ficaram demonstrados. Embora tal não possa deixar de evidenciar consciência crítica sobre os factos que cometeu, o não poderá deixar de militar a seu favor, o certo é que nem por isso lhe poderá ser atribuído um grande poder atenuante atento o facto de pouco ter contribuído para a descoberta da verdade e boa decisão da causa uma vez que o arguido foi detido em flagrante delito. É certo que a conduta do arguido se limitou a um único dia, referiu-se a estupefaciente que não integra as denominadas drogas duras e não é das mais graves de entre as supostas pelo tipo legal de crime, sendo certo que os transportadores ocultos de droga são um dos fatores que permitem a proliferação da sua venda. No entanto, é consumidor de estupefaciente, o que é um inegável factor de risco dado que frequentemente consumidores se envolvem no tráfico de estupefacientes para obterem dinheiro para financiar o seu próprio consumo ou o próprio estupefaciente para consumirem.
Deste modo, a actuação do arguido impõe exigências preventivas elevadas, por maioria de razão, para quem exerce a actividade de motorista da D…. E ainda que se encontrando integrado e trabalhando, tal não basta para diminuir o valor das circunstancias que acompanharam o crime cometido.».
Não é, pois, possível dar por afastada a existência de perigo de prática de novos crimes de idêntica natureza, o que constitui obstáculo incontornável à pretendida “não transcrição”.
2.3 – Dado que, em face do exposto, na nossa ótica, se apresenta de todo inviável a pretensão do recorrente, cremos que, por ser manifesta a sua improcedência, o presente recurso será de rejeitar liminarmente, à luz da jurisprudência contida no Acórdão do STJ, de 19-01-2000, proferido no Proc. nº 871/99, da 3ª Secção, STJ – Sumários de Jurisprudência, “http://www.cidadevirtual.Pt/stj/jurisp, segundo a qual: «O recurso ter-se-á por manifestamente improcedente quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se puder concluir, sem margem para dúvidas, que o mesmo está claramente votado ao insucesso, que os seus fundamentos são inatendíveis».
2.4 – Pelo exposto, emitimos parecer no sentido de que – caso não seja sumariamente rejeitado por ser manifesta a sua improcedência, nos termos dos artigos 414º, nº 3, 417º, nº 6, al. b), e 420º, nº 1, al. a), do C. P. Penal – deverá o presente recurso ser julgado não provido, confirmando-se o despacho impugnado.
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Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
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II. Objeto do recurso e sua apreciação.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

É assim composto exclusivamente por matéria de Direito, pretendendo-se a não transcrição da condenação do arguido no registo criminal.
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Do enquadramento dos factos.

Conteúdo do despacho objecto de recurso.
Da não transcrição da condenação nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do art.º 10.º da Lei n.º 37/2015, de 05-05(cfr. ref.ª 25266032):
Para que seja ordenada a não transcrição da decisão condenatória nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, de 05-05, ou seja, para fins de emprego, é necessário que tenha sido aplicada a pessoa singular pena de prisão até 1 ano ou pena não privativa da liberdade, que o arguido não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.
A aplicação do regime da não transcrição pressupõe a coexistência de dois requisitos formais e um requisito material.
Os dois primeiros, relacionam-se com a natureza da condenação e com os antecedentes criminais do arguido: a pena aplicada tem de ser não privativa da liberdade ou, sendo de prisão, terá de se fixar até 1 ano; por outro lado, o arguido não pode ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza.
O requisito material, traduz-se em não decorrer das circunstâncias do crime o perigo de prática de novos crimes.
Contudo, a lei apenas exige que não seja efetuado um juízo de prognose desfavorável, de aferição das hipóteses de não verificação do perigo. Daí que seja correto afirmar que este juízo de prognose favorável não se confunde com o que é formulado a propósito da suspensão da execução da pena.
Na verdade, não só porque o tribunal não está obrigado a determinar a não transcrição da sentença sempre que esta não seja superior a 1 ano de prisão ou tenha a sua execução sido suspensa, mas também por tal diferença se compreender por a medida prevista no art.º 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, ser de carácter administrativo e precária uma vez que resulta do seu n.º3 um mecanismo de correção automática da decisão tomada ao abrigo do n.º 1, do art.º 13, em caso de frustração do juízo de prognose efetuado pelo juiz.
Assim, o facto de ter sido aplicada uma pena de prisão que foi suspensa na sua execução, por si só, não permite considerar verificada a inexistência de perigo de prática de novos crimes.
Apesar de o arguido ser primário à data dos factos, o certo é que, estando inserido familiar, social e profissionalmente, cometeu um crime grave apenas motivado pelo lucro que ia obter, circunstâncias que que, por si só, não permitem concluir que não se pode induzir perigo de prática de novos crimes.
Pelo exposto e ao abrigo dos citados preceitos legais, não ordeno a não transcrição da condenação nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, de 05-05.
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Matéria de facto provada na sentença proferida nos autos:
“I. No dia 23 de outubro de 2018, pelas 21h.25m, na …, nesta cidade do Porto, B…, aqui arguido, conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca “Smart” e matrícula “..-LI-..” transportando no seu interior uma mochila de marca “Deeply”, de cor preta, que continha 5 embalagens de canabis (resina) e um saco de desporto vermelho que continha 3 embalagens também de canabis (resina), estando todas as embalagens envolvidas por fita-cola castanha e possuindo a totalidade da dita canabis (resina) o peso líquido de 5 735 gramas, sendo destinada a mesma por outrem à venda a terceiros.
Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido ainda trazia consigo um telemóvel da marca Huawei, modelo …, um hotspot da marca Alcatel e um telemóvel da marca Apple, modelo ….
O arguido agiu sabendo e querendo deter e transportar a dita canabis, cujas características, natureza e efeitos conhecia, sabendo que a mesma se destinava a ser cedida a terceiros, em troca de dinheiro, com a intenção de auferir contrapartida económica.
Agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
II. O arguido é filho único, oriundo de um agregado familiar de condição socioeconómica estável, sendo que ainda bebé, os progenitores separaram-se por problemas aditivos de drogas e de violência do pai.
A mãe do arguido voltou posteriormente a consorciar-se duas vezes, mantendo o arguido, na adolescência e juventude, dificuldades de integração e na relação junto dos padrastos, por vezes passando alguns períodos de tempo junto de uma tia avó materna, F…, quando em crises relacionais ou em especial quando a mãe por motivos laborais passava temporadas no estrangeiro.
O arguido frequentou escolaridade em idade regular, tendo repetido o 9.º ano de escolaridade, e aos 18 anos concluiu o 12.º ano de escolaridade. Dos 24 aos 25 anos o arguido concluiu curso de nível 5 CET, como Técnico de Exercício Físico. Encetou atividade profissional aos 20 anos como gestor de stock em sapataria, onde se manteve cerca de dois anos. Aos 23 anos desenvolveu atividades diversificadas e de ocupação episódica, animador em festas de crianças e em cargas e descargas durante um período de cerca de um ano. Após formação de técnico de exercício físico, realizou outros cursos e formações de março a novembro de 2018, de massagens, como de personal trainer (boxe) numa academia de boxe e de treinador de boxe, esta última ocorrida em agosto de 2019.
Registou consumos de drogas, vulgo haxixe, junto de pares desde os 16 anos e posteriormente observou consumos excessivos de álcool especialmente em contextos recreativos e noturnos, sobretudo entre os 26 e 27 anos de idade.
À data dos factos o arguido integrava o agregado familiar junto da referida tia avó materna, de 67 anos, viúva, reformada, residente na Rua …, n.º …, nesta cidade do Porto, e trabalhava no E…, auferindo um vencimento de € 600. Manteve-se ali por seis meses, até janeiro de 2019. Após término de contrato não foi aquele renovado. Mantinha uma relação afetiva de namoro que foi, entretanto, esmorecendo.
Na atualidade, o arguido encontra-se a desenvolver atividade por conta própria como gerente na firma “C…”, sociedade por quotas de transporte ocasional de passageiros na plataforma “D…”, auferindo cerca de € 1.000 por mês. Vive com a progenitora de 49 anos, solteira, licenciada, designer e psicoterapia, inativa profissionalmente, subsidiada em € 480 por mês. O companheiro da mãe, irlandês, encontra-se ainda no momento no país de origem.
As rotinas do arguido centram-se na realização da atividade profissional em nome próprio, na frequência de sessões semanais de terapia, ocupando os seus tempos livres convivendo com alguns amigos, colegas do trabalho e com a família.
Na verdade, realiza desde setembro de 2019 intervenção individual em contexto privado em sessões com carácter regular mais ou menos semanal de educação emocional, com resultados de progressão, evidenciando comportamento mais amadurecido e responsável.
III. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os factos assentes, nomeadamente, que:
I.A totalidade da canabis (resina) pertencesse ao arguido;
O telemóvel da marca Huawei, modelo …, o hotspot da marca Alcatel e o telemóvel da
marca Apple, modelo …, tenham sido adquiridos pelo arguido com os proventos da atividade de venda de estupefaciente e utilizados no exercício da mesma; e O arguido destinasse a dita canabis a ser vendida por si próprio.
ESCOLHA E MEDIDA DA SANÇÃO:
O crime de tráfico e outras atividades ilícitas cometido é punido com uma pena de prisão de 4 a 12 anos (cfr. art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro).
A determinação da medida da pena de prisão tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, sendo a função desempenhada por cada um destes critérios definida de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico (cfr. art.º 71.º, n.º1, do C.P. e ANTUNES, Maria João, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, pág. 41e segs.).
Deste modo, a prevenção geral de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar (cfr. art.º40.º, n.º 1, do C.P.).
Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (cfr. art.º40.º, n.º 2, do C.P.).
Ora, dentro desses limites cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente.
Assim, importa ter em conta, dentro dos limites abstratos definidos pela lei, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra os arguidos, na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para exigências preventivas.
São acentuadamente elevadas as exigências de prevenção geral no que se refere ao crime de tráfico de estupefacientes face à urgente necessidade de desmotivar a sua prática tendo em conta o
alarme social e o repúdio que suscita na nossa sociedade e os efeitos nefastos que nesta provoca, constituindo um dos fatores de maior perturbação social, quer pelos riscos para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica dos destinatários de tal atividade, quer pelas ruturas familiares e fraturas na coesão social que provoca, com a proliferação de uma vasta criminalidade
associada ao consumo de estupefacientes.
Assim, o crime em causa gera na comunidade um forte sentimento demandando uma solene punição dos seus agentes a fim de ser recuperada a confiança na vigência e validade das normas violadas.
O arguido agiu com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra direto e que, assim, sendo a forma mais gravosa de dolo, representa maior desvalor.
Milita a favor do arguido o facto de ter confessado, logo no início da produção de prova, os factos
que ficaram demonstrados. Embora tal não possa deixar de evidenciar consciência crítica sobre os factos que cometeu, o não poderá deixar de militar a seu favor, o certo é que nem por isso lhe poderá ser atribuído um grande poder atenuante atento o facto de pouco ter contribuído para a descoberta da verdade e boa decisão da causa uma vez que o arguido foi detido em flagrante delito.
É certo que a conduta do arguido se limitou a um único dia, referiu-se a estupefaciente que não integra as denominadas drogas duras e não é das mais graves de entre as supostas pelo tipo legal de crime, sendo certo que os transportadores ocultos de droga são um dos fatores que permitem a proliferação da sua venda.
Milita a favor do arguido o facto de não lhe serem conhecidos antecedentes criminais, bem como a sua inserção familiar, social e profissional.
No entanto, é consumidor de estupefaciente, o que é um inegável fator de risco dado que frequentemente consumidores se envolvem no tráfico de estupefacientes para obterem dinheiro para financiar o seu próprio consumo ou o próprio estupefaciente para consumirem.
Tudo ponderado, afigura-se adequada às circunstâncias do caso a pena de 4 ANOS E 4 MESES DE PRISÃO.
No que se refere ao arguido, o mesmo deu mostras de uma relativa autocensura, sendo primário à data da prática dos factos aqui em causa, estando a ser acompanhado em sessões de terapia semanais de educação emocional, mostrando-se mais amadurecido e responsável.
Face a essas circunstâncias, afigura-se ser ainda possível que a simples censura do facto e a ameaça da prisão afaste o arguido definitivamente deste género de criminalidade, vivendo no seio da comunidade que os viu delinquir.
Segundo o disposto no art.º 50.º, n.º 1, do C.P. “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
De acordo com o art.º 50.º, n.º 5, do C.P. “o período da suspensão é fixado entre 1 e 5 anos”.
Desde modo, face às condições de vida atuais do arguido, afigura-se adequado suspender a execução da pena aplicada por igual período tempo.
No entanto, face aos riscos existentes, é essencial que o referido arguido definitivamente inverta o rumo da sua vida.
De acordo com o disposto no art.º 50.º, n.º 2, do C.P. “o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova”.
Por outro lado, segundo a lei penal, podem ainda ser impostas ao condenado, pelo tempo de duração da suspensão, regras de conduta de conteúdo positivo e negativo, destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, sendo o elenco que aquela faz das mesmas meramente exemplificativo (cfr. art.º 52.º, n.º 2, do C.P.).
O tribunal pode ainda, obtido o consentimento prévio do condenado, determinar a sua sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada (cfr. art.º 52.º, n.º 3, do C.P.).
Por outro lado, se tal for conveniente para promover a dita reintegração, pode ainda a suspensão da execução de uma pena de prisão ser acompanhada de regime de prova, assente num plano de reintegração social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de suspensão, dos serviços de reinserção social (cfr. arts. 53.º e 54.º, do C.P.).
Ora, tendo em conta as circunstâncias do caso e as condições de vida do arguido, afigura-se adequado que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada fique condicionada a REGIME DE PROVA assente num plano de reinserção social, a definir e a executar com vigilância e apoio pelos serviços de reinserção social, ficando a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido desde já condicionada à obrigação de o mesmo continuar a participar nas sessões de terapia de educação emocional, enquanto forem consideradas necessárias sob o ponto de vista médico, em cumulação com a obrigação de se inscrever numa "Consulta de Especialidade", mediante o pagamento pelo condenado das taxas moderadoras, se necessário, em data e hora a definir pelos serviços de reinserção social, para despiste de problemas de toxicodependência e/ou avaliação da necessidade de tratamento médico dessa problemática e consequente tratamento, se considerado necessário sob o ponto de vista médico.
As exigências de prevenção geral associadas a este género de criminalidade demandam que o arguido sinta algum sacrifício para que de futuro manifestem cautelas, evitando a adoção de comportamentos censuráveis como aqueles em causa nestes autos e demostre que assumiu, de facto, maior consciência crítica da sua conduta.”
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Cumpre apreciar.
A única questão que o recorrente apresenta no recurso é a pretendida não transcrição da condenação no registo criminal nos termos do art.13º nº1 da Lei nº37/2015, sustentando, para o efeito, as circunstâncias de haver confessado os factos e se encontrar inserido profissional e socialmente.
Primeiramente cabe precisar que os argumentos invocados pelo Digno Procurador Geral Adjunto, afiguram-se a este Tribunal de recurso inteiramente certeiros. Em particular quando se entendeu que a lei especial que regula a aptidão para o exercício da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica, concretamente a Lei nº 45/2018, de 10 de agosto, no seu artigo 11º nº1 veio regular como causa de falta de idoneidade a condenação com trânsito em julgado pela prática de crimes que atentem contra a integridade física, onde forçosamente se integra o crime de tráfico de estupefaciente cujo bem jurídico cimeiro é a saúde humana.
Se é verdade que o art.10º nº6 da Lei nº37/2015 (LIC) constitui uma disposição geral para todos os regimes legais que no exercício de profissões imponham a ausência total ou parcial de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa dos candidatos, devendo nesses casos, os certificados criminais conter todas as decisões, excepto precisamente as decisões canceladas no termos dos arts.11º, 12º e que não devam ser transcritas nos do art.13º nº1 da Lei nº37/2015. Porém, diversamente, o nº2 do art.13º da Lei nº45/2018, como lei especial que é, só permite a recuperação da idoneidade do candidato para efeitos do exercício da atividade de motorista de TVDE, como se sustentou no Douto parecer, se o candidato tiver sido reabilitado nos termos do disposto nos artigos 11.º e 12.º da LIC, ou por decisão do IMT. Portanto, no art.13º nº1 da Lei nº37/2015 sendo lei especial face ao disposto no nº6 do art.10º da LIC, afasta a possibilidade da não transcrição prevista no art.13º nº1 da Lei nº37/2015.
Ainda que se entendesse o contrário (o que não é o caso), sempre se dirá que a regra é a publicidade dos dados da identificação criminal das condenações no certificado de registo criminal no seu tempo de vigência (cfr.art.11º da LIC). Diversamente, o disposto no art.13º nº1 da Lei nº37/2015, necessariamente, como tem sido entendido pela jurisprudência, é de natureza excepcional. E se o juízo de prognose aí previsto nada tem que ver com os parâmetros do art.50º do CP (normativo este, bem mais complexo, que testa a funcionalidade e a eficácia de uma pena de substituição face à pena de prisão efectiva, visando as finalidades preventivas expressas no art.40º nº1 do CP); já o art.13º nº1 da LIC (num quadro cumulativo de três requisitos, todos eles apontando para uma situação de reduzida gravidade) prevê um juízo de prognose neste parâmetro de excepcionalidade face à hipótese de publicidade da condenação, que necessariamente só se poderá firmar em situações com motivações ocasionais (provavelmente não repetíveis), não devendo, nesses casos, o cidadão ficar com um anátema de uma condenação, por força de uma reacção emotiva mal medida, v.g. agressão, ameaça ou injúria que surge no calor de uma discussão. No quadro da Lei de Identificação Criminal pretende-se publicitar a diversas instituições, com destaque para os Tribunais e entidades empregadoras (cfr.arts.8º e 10º nºs5 e 6 da LIC), o passado criminal dos arguidos, no caso dos tribunais, não só para aquilatar da medida do grau de censura do delito em apreciação, das situações de concurso e de reincidência, mas também para aferir das exigências de prevenção especial, ou seja, do perigo que inerentemente se transporta nas condenações anteriores, de tal modo, que essa publicidade pretende dar notícia desses índices de perigo.

No caso dos autos, pese embora a natureza da pena de substituição e a sua primariedade, a pena concreta cominada tem gravidade manifesta pela sua expressão temporal de 4 anos e 4 meses, embora suspensa na sua execução, o que constitui indicador muito relevante, suficiente para afastar a possibilidade do art.13º nº1 da LIC que, como se viu, enquadra-se em contextos de reduzida gravidade, tanto mais, que o móbil de obter lucro fácil (apenas como correio de droga) poderá ser alvo de renovadas tentações. Por outro lado, diversamente do que sustenta o arguido a sua confissão não teve a relevância que lhe atribui, dado o manifesto flagrante delito. Depois, a sua condição de consumidor de estupefaciente liga-o ao mundo da droga, incrementando o risco a um nível que torna inoperante a possibilidade prevista no referido art.13º nº1 da LIC, devendo improceder na totalidade as conclusões do recurso.

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso penal totalmente improcedente e consequentemente, nos termos e fundamentos expostos, manter a decisão do Tribunal a quo.


Custas deste recurso cuja taxa de justiça se fixa em 3 ucs a cargo do arguido recorrente - 513º, n.º 1 do Código Processo Penal).

Notifique.

Sumário.
(Alcance da não transcrição de decisões do art.13º nº1 da Lei de Identificação Criminal)
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Porto, 14 de Julho 2020.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha