Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ARBITRAGEM NECESSÁRIA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
MEDICAMENTO
CERTIFICADO COMPLEMENTAR DE PROTEÇÃO
COMPETÊNCIA
LEI INTERPRETATIVA
Sumário
- A Lei n.º 62/2011, de 12-12, na sua versão inicial, submetendo a composição dos litígios emergentes de direitos da propriedade industrial relativos a medicamentos de referência e medicamentos genéricos à arbitragem necessária, cedo desencadeou em sede de interpretação, duas correntes de sentido oposto a propósito da viabilidade/competência de o Tribunal Arbitral poder conhecer/apreciar a excepção peremptória da nulidade ou anulabilidade de patente ou outro direito de propriedade industrial; – À controvérsia aludida em 4.1, porém, com as alterações que o artº 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro , introduz nos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro , veio o legislador por termo, optando pela tese mais abrangente ou ampliativa , ou seja, a que pugnava pela competência do Tribunal arbitral . – Porque se verificam todos os pressupostos que justificam qualificar o artº 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro [ o qual procede à alteração da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro ] como lei interpretativa, impõe-se portanto a sua aplicação a factos e situações anteriores tal como decorre do disposto no artigo 13.º ,nº1, do Código Civil.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA
1.- Relatório A [ ….CIENCES,INC ], com sede nos EUA, veio [ com fundamento no artigo 3º, nº 8, da Lei nº 62/2011, de 12/12, e artºs 18º, nº 9, 46º, nº 3, alínea a), subalínea iii) e 59º, nº1, alínea f), estes últimos da Lei nº 63/2011, de 14/12 ] contra B [ ….. MEDICINAL, S.A ]., com sede na Rua da Tapada Grande, 2, Abrunheira 2710-089 Sintra, Portugal, impetrar [ na sequência de acção arbitral necessária desencadeada – através de notificação para inicio de arbitragem dirigida à demandada em 18/6/2018 - no âmbito do regime processual especial instituído pela Lei 62/2011, de 12/12 ] a ANULAÇÃO DE DECISÃO ABITRAL INTERLOCUTÓRIA e por meio da qual se declarou o TRIBUNAL ARBITRAL ( por Despacho de 11 de Fevereiro de 2020 ) com “ Competência para conhecer, ainda que com meros efeitos inter partes, a questão da invalidade do CCP 202, suscitada pela Demandada na sua Contestação” .
1.1 - No essencial e em síntese, baseia a A, a sua pretensão nos seguintes fundamentos:
A) A ora Requerente desencadeou contra a Requerida uma acção arbitral necessária, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12/12, por meio de carta datada de 18 de Junho de 2018, centrando-se o objecto do litígio na defesa dos direitos de propriedade industrial que à demandante assistem e emergem do CCP 202 (tendo como patente de base a Patente Europeia n.º 0915894), bem como na Patente Europeia n.º 0998480, relativamente a medicamentos genéricos, incluindo os medicamentos genéricos “Emtricitabina + Tenofovir Farmoz”, cuja Autorização de Introdução no Mercado (“AIM”) foi requerida a 8 de maio de 2018, e publicitada a 20 de maio de 2018, e os quais compreendem as substâncias activas “Emtricitabina; Tenofovir, disoproxil fumarato”, na forma farmacêutica de comprimido revestido por película, tendo como medicamento de referência o Truvada;
B) Na referida acção, a Demandada, na sua Contestação, invocou a excepção de invalidade (e consequente inoponibilidade) do CCP 202, tendo a demandante A, vindo a defender e a suscitar, inter alia, pela incompetência dos Tribunais Arbitrais para apreciarem da validade de direitos de propriedade industrial, competência que, no seu entendimento, recai exclusivamente sobre o Tribunal da Propriedade Industrial, no âmbito da acção própria para o efeito;
C) Porém, por decisão de 11 de Fevereiro de 2020 , veio o Tribunal Arbitral - composto pelos Ex.mos(a) Senhores(a) Dra. Maria Raquel Moreira, Prof. Doutor João Paulo Remédio Marques e Prof. Doutor Rui Manuel Moura Ramos (este último, enquanto Presidente) , a pronunciar-se pela sua competência para apreciar da validade do CCP 202, com efeitos inter partes;
D) Discordando a Requerente da referida decisão, e porque pretensamente errada [ com o fundamento de que não se mostra de todo o litígio a dirimir entre A e B, abrangido pela Lei n.º 62/2011, de 12/12 ] , ou seja, não dispõe de todo o Tribunal Arbitral de competência para poder apreciar e conhecer da validade de um Certificado Complementar de Protecção , forçoso é assim que seja a mesma anulada,
E) É que, e desde logo, importa atentar que o novo [ introduzido pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro ] artigo 3.º, n.º3, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro [ cria um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos ], e ao dispor que “ No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes”, não é uma norma interpretativa, pelo que as regras de aplicação da lei no tempo não a tornam imediatamente aplicável ao caso dos autos e não pode fundar a competência dos tribunais arbitrais necessários para conhecer da validade de direitos de propriedade industrial com efeitos meramente inter partes.
F) De facto, e para que o artigo 3.º, n.º 3, pudesse ser considerado lei interpretativa (por natureza), seria necessário que o legislador tivesse: (i) mantido o regime de arbitragem necessária instituído pela Lei 62/2011, na sua versão original, e (ii) consagrado que no processo arbitral [ NECESSÁRIO ] poderia ser invocada e reconhecida a invalidade de patentes/CCPs com meros efeitos inter partes, o que, manifestamente, não fez.
G) Tal entendimento, de resto, não apenas foi já confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça como outrossim por este Tribunal da Relação de Lisboa , o que se retira da Decisão Sumária proferida pela 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa - proferida no Processo n.º 1275/17.9YRLSB – e igualmente no âmbito do processo n.º 1956/18.2YRLSB e da mesma Secção , no qual decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa que “o Tribunal Arbitral [necessário], ainda que a título meramente incidental ou por via de excepção processual, carece de competência para apreciar e decidir, com efeitos inter partes, da nulidade ou anulabilidade de uma EP [patente europeia] ou de outro direito de propriedade industrial, cabendo tal competência, em exclusivo, ao Tribunal da Propriedade Industrial, nos termos do art.º 35.º do Código da Propriedade Industrial” e que o novo artigo 3.º, n.º 3, não se aplica aos processos arbitrais iniciados antes da sua entrada em vigor;
H) No seguimento do referido, ou seja, não se aplicando in casu o novo artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, certo é que a grande maioria dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo da Lei 62/2011, bem como o Tribunal da Relação de Lisboa e, por mais do que uma vez, o próprio Supremo Tribunal de Justiça (vide e.g. acórdão de 14 de Dezembro de 2016 [ Processo n.º 1248/14.6YRLSB.S1], acórdão de 26 de Março de 2018 [Processo n.º 1053/16.5YRLSB.S1.S1 ],e acórdão de 12 de Fevereiro de 2019 (Processo n.º 861/16.1YRLSB.L1.S1), sempre decidiram que os Tribunais Arbitrais não são competentes para conhecer de questões de validade e declarar a invalidade de direitos de propriedade industrial.
I) Não olvidando o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 251/2017 e de 24/5/2017 , certo é que assenta o mesmo em premissas de todo desadequadas/inexistentes [ vg : a) que a instauração da acção de nulidade não terá influência; c) que o ónus de interposição de acção de declaração de nulidade em momento prévio ao da demanda em processo arbitral seja excessivo ], além de não ser proporcional e não respeitar o artigo 18º,nº3, da CRP, e , ademais, tem sido ele em absoluto desconsiderado pelo Supremo Tribunal de Justiça em vários acórdãos de 2018 e 2019 ;
J) É que, manifestamente, a Competência questionada ( para a declaração de nulidade ou a anulação), e tal como acontece com a patente – a qual, como sucede com o CCP é um direito absoluto - , mostra-se claramente/expressamente atribuída ( pelo artº 35º do CPI ) ao Tribunal Judicial, mais exactamente ao Tribunal da Propriedade Intelectual ( cfr. artº 111º, alínea c), da LOSJ), rezando o referido normativo do CPI que a “declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial” ;
L) A justificar outrossim o entendimento da A, ou seja, a inarbitrabilidade da invalidade de direitos de propriedade industrial por tribunais arbitrais, acresce a aplicação in casu de três princípios fundamentais, a saber : i) a natureza dos direitos em causa; ii) a solenidade associada ao procedimento administrativo de concessão de direitos de propriedade industrial; e iii) razões de lealdade da concorrência e transparência do mercado.
M) Com efeito, a natureza de direito absoluto, oponível “erga omnes", e consequentemente a decisão que anula uma patente, obriga a que - e "para evitar o risco de decisões contraditórias" - apenas o órgão jurisdicional competente para a declaração de invalidade possa da referida matéria decidir, posição esta que está em linha com a jurisprudência, tanto arbitral como judicial, em particular a do Tribunal da Relação de Lisboa, (vejam-se, por exemplo, os Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 1053/13.7YRLSB-29, 1465/14.9YRLSB-6 e, mais recentemente, no processo nº 751/17.0YRLSB, todos in www.dgsi;
N) E Justifica também a exigência de um processo pendente em órgão jurisdicional, porque de procedimento adequado se trata que permite assegurar as imprescindíveis cautelas e garantias de legalidade, sendo, pois, apenas natural que a certificação legal de um título pela entidade administrativa competente implique a presunção da respectiva validade - e que tal presunção apenas possa ser afastada por via de uma acção que ofereça iguais garantias de legalidade e especialidade.
O) Por último, sempre se aduz que uma interpretação dos artigos 35º, nº 1 do CPI e 2º da Lei nº 62/2011, segundo a qual é admissível a declaração de nulidade de uma patente (ou de um CCP) por um tribunal arbitral com efeitos inter partes, importa a diminuição da extensão e do alcance do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade industrial dos titulares de patentes e de CCPs de forma desproporcional, sendo materialmente inconstitucional por violação dos artigos 42º, 62º e 18º, nºs 2 e 3 da CRP, e representa uma solução, em violação do artigo 13º da Lei Fundamental.
P) Deve assim a Decisão Processual do Tribunal Arbitral, de 11 de Fevereiro de 2020, ser anulada na parte em que o Tribunal Arbitral decidiu que a competência para, com efeitos, inter partes, decidir sobre a exceção de invalidade de invalidade do CCP 202 invocada pela B.
Q) Ademais, a própria Lei nº 62/2011, elemento definidor da competência do Tribunal Arbitral, não inclui (como não podia incluir) os litígios resultantes da existência ou validade de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos.
R) É assim que o que literalmente nos diz o artigo 2º da Lei n.º 62/2011 é que estão sujeitos a arbitragem necessária os litígios emergentes da invocação de direitos de rrcpriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos.
S) E é assim também que o artigo lº da LAV esclarece que são inarbitráveis os litígios que, por lei especial, estejam submetidos exclusivamente à jurisdição dos Tribunais do Estado, sendo que a referência à "lei especial" reporta-se, claro, " à lei geral que a LAV se arroga ser, porque a subtração de um litígio à arbitragem ou ao critério de arbitrabilidade da LAV tanto pode resultar de leis especiais como de leis gerais na matéria que regulam .
T) Em face do exposto, é evidente a incompetência do Tribunal Arbitral para decidir sobre a validade do CCP 202, razão porque deve ser anulada a decisão que proferiu a 11 de Fevereiro de 2020 e por meio da qual se declarou competente para conhecer e decidir sobre a validade do referido CCP [ Certificado Complementar de Protecção ].
1.2 - Cumprido o disposto no artº 60º, nº2, da LAT, veio a requerida B, deduzir OPOSIÇÃO, pugnando a final pela manutenção na íntegra da decisão interlocutória impugnada.
1.3 - No essencial e em síntese, fundamenta a requerida B, a sua OPOSIÇÃO nos seguintes termos:
A) A requerente fundamenta o requerimento de impugnação do despacho arbitral interlocutório objecto daquele, melhor identificado em 1.º do requerimento inicial, com base na disposição conjugada do artigo 18.º, n.º 9, da lei de arbitragem voluntária (‘LAV’), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, com o artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iii), constante do mesmo diploma normativo e com o artigo 59.º, n.º 1,alínea f), da mesma LAV.
B) Sucede que o despacho arbitral interlocutório impugnando não tem enquadramento nas normas invocadas pela requerente para fundar o requerimento apresentado, designadamente no disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iii), da LAV, constituindo, assim, a presente impugnação judicial tão-somente um recurso travestido – aliás, processualmente inadmissível – interposto sobre decisão interlocutória, pela qual o tribunal arbitral se afirmou competente para julgar a matéria de excepção aduzida pela parte demandada;
C) É que, para poder a requerente lançar mão da presente acção, forçoso é que demonstrasse [ o que não é o caso ] que a convenção não era válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da própria LAV, ou que a sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem, ou contém decisões que ultrapassam o âmbito da convenção.
D) Ora, a verdade é que a decisão interlocutória visada pela A não extravasa o objecto do litígio definido na acta de instalação do tribunal arbitral e/ ou excede o âmbito daquela, logo, o pedido de impugnação que deduz não encontra suporte nas várias alíneas do artigo 46.º, n.º 3, LAV, particularmente o previsto na alínea a), subalínea iii), impondo-se, por isso, a respectiva rejeição, por inadmissível;
E) Seja como for, também na questão de fundo [ o saber se dispõe (ou não) o tribunal de competência para apreciar, por via da dedução de excepção, a questão da nulidade do CCP’202 concedido à primeira das referidas sociedades por referência ao produto ‘emtricitabina, tenofovir disoproxil fumarato’], não tem a requerente razão relativamente á pretensão que deduz;
F) Na verdade, é o tribunal arbitral constituído no quadro da presente acção e à luz do disposto na Lei 62/2011, o competente para apreciar, a título de excepção com efeitos inter partes, a validade do CCP’202, emergindo a referida competência expressa e directamente do disposto no n.º 3 do artigo 3.º da Lei 62/2011,na actual redacção;
G) Acresce que, existindo anteriormente uma divergência/ controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a matéria e optando por uma das soluções em confronto (que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei), veio o legislador a consagrar expressamente a competência (legal) dos tribunais arbitrais – no contexto da arbitragem necessária instituída pela referida Lei 62/2011 – para conhecer da invalidade de uma patente e/ ou de um certificado complementar de protecção;
H) E, para o efeito, alterou a redacção conferida inicialmente ao artigo 3.º da Lei 62/2011, no sentido de prever nova norma, conduzida ao n.º 3, estatuindo que: ‘No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes.’;
I) Por conseguinte, o artigo 4.º do Decreto-Lei 110/2018, na parte em que adita o novo n.º 3 ao artigo 3.º da Lei 62/2011, assume natureza interpretativa, tal como o veio a entender o STJ em acórdão relatado por Nuno Pinto Oliveira, tirado, em 14 de Março de 2019, no processo n.º 582/18.0YRLSB.S1, que julgou que: “ O art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo n.º 3 ao art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, tem natureza interpretativa”;
J) Ademais, a possibilidade de invocação da invalidade de decisões administrativas de concessão de patentes e de certificados complementares de protecção, por via de defesa por excepção, com meros efeitos inter partes, em sede de acções arbitrais, é uma prática comum dos tribunais nacionais e estrangeiros, encontrando-se, aliás, consagrada nos sistemas jurídicos de países como os Estados Unidos da América, a Austrália, o Japão, a Suíça, a Índia, o Canadá, o Brasil, a Argentina, o Reino Unido, a Espanha, a Alemanha e a Itália;
L) E no mesmo sentido - o da admissibilidade de invocação da invalidade de patente e de certificado complementar de protecção por via de defesa por excepção - aponta a jurisprudência emanada dos tribunais judiciais portugueses.
M) Igualmente no plano doutrinário, certo é que J. P. REMÉDIO MARQUES e DÁRIO MOURA VICENTE sempre se pronunciaram em sentido favorável à admissibilidade de invocação, por via de defesa por excepção, da invalidade do ato de concessão de patente e de certificado complementar de protecção;
N) Acresce que é de todo compreensível que os tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do regime instituído pela Lei 62/2011 gozem de especiais prerrogativas, impostas pela necessidade de prossecução e defesa do interesse público, entre as quais se situa a possibilidade de conhecimento – ainda que a mero título de excepção – de qualquer invalidade do ato de concessão do certificado complementar de protecção que seja invocada pela parte demandada na acção arbitral instaurada;
O) Tal natureza jurídica especial dos tribunais arbitrais necessários – que os aproxima dos tribunais estaduais – decorre da fixação, ex lege, de competência para conhecer de determinados litígios e correspondentes questões jurídicas, conforme inclusive já reconheceu o Tribunal Constitucional, através do seu acórdão n.º 230/2013;
P) E nem se argumente, em sentido contrário, com o disposto no artigo 84.º, n.º 1, alínea c), da lei de organização e funcionamento dos tribunais judiciais, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2011, de 24 de Junho, e no artigo 111.º, n.º 1, alínea c), da lei de organização do sistema judiciário (aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto), que atribuem ao tribunal da propriedade intelectual competência para conhecer das questões relativas a ‘acções de nulidade e de anulação previstas no Código da Propriedade Industrial’.
Q) É que o referido preceito normativo não se aplica às acções arbitrais sujeitas ao regime jurídico especial consagrado na Lei 62/2011, distinto e autónomo do regime geral fixado pelo CPI.
R) Acresce que, a entender-se que não podia a requerida defender-se, por excepção, mediante invocação da invalidade do CCP’202, no que a B não concede, ficaria impossibilitada de contestar os pedidos formulados pela Gilead Sciences, Inc. e, em resultado, coarctada do argumento (crucial) de defesa, sendo que a ‘proibição de indefesa’ constitui uma das principais emanações do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º, números 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, conforme vem, aliás, sendo reconhecido pela jurisprudência constante e uniforme do Tribunal Constitucional, designadamente a consagrada nos acórdãos n.º 287/2003, n.º 658/2006, n.º 20/2010, n.º 437/2012 e n.º 439/2012;
S) Em suma, tem, inevitavelmente, de concluir-se, também no caso em apreço, que o tribunal arbitral é competente para conhecer, por via de excepção, da invalidade (do facto constitutivo) do CCP’202 ainda que com meros efeitos inter partes e, em consequência, que a decisão interlocutória proferida pelo tribunal arbitral objecto da presente impugnação foi proferida em conformidade total com o alcance da competência atribuída pela Lei 62/2011, razão porque : I) deve ser rejeitada, por inadmissível, a presente impugnação judicial, designadamente por ausência do fundamento invocado pela requerente; II) Na eventualidade de, ainda assim, se entender de modo diverso, designadamente no sentido da eventual e hipotética admissão do pedido formulado pela requerente, hipótese que se admite apenas no exercício cauteloso do patrocínio forense, deve a impugnação desferida pela Gilead Sciences, Inc. ser julgada totalmente improcedente, por não provada, indeferindo-se, em consequência e na íntegra, a anulação peticionada pela requerente e mantendo-se na ordem jurídica o despacho arbitral interlocutório nos exactos termos em que foi proferido pelo tribunal arbitral, resultando ainda a A condenada no pagamento da totalidade das custas processuais.
1.4 – Em sede de resposta da A [ à matéria da excepção relacionada com a invocada INADMISSIBILIDADE DA AÇÃO DE ANULAÇÃO ARGUIDA PELA B ], vem a mesma aduzir que argumentação da requerida não pode proceder, pois que inequívoco é que a LAV, no artigo 18.º, n.º 9, dispõe que “a decisão interlocutória pela qual o Tribunal Arbitral declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente, ao abrigo das subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º, e da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º, norma que tem aplicação ao caso vertente [ na medida em que em nada é contrariada pelos números 1 a 7 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, nem tampouco pelas regras processuais definidas pelas partes ].
*
1.5. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do conhecimento deste Tribunal delimitado pelas “conclusões” [ em correspondência com as limitações cognitivas decorrentes do pedido deduzido na petição inicial da acção das partes/recorrentes , cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ], e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, temos assim que a questões a apreciar e a decidir resumem-se às seguintes
A) Aferir se a impugnação judicial deduzida pela A deve ser rejeitada, porque inadmissível, designadamente por ausência do fundamento invocado pela requerente ;
B) Aferir se a decisão interlocutória impugnada [ proferida pelo Tribunal Arbitral, e no âmbito da qual se declarou competente para conhecer/decidir sobre a questão da invalidade do Certificado Complementar de Protecção nº 202 e que foi suscitada pela Entidade Demandada B, - por via de excepção em sede de oposição ] se deve manter ou, ao invés, se se impõe ser revogada.
*
2. - Motivação de Facto
A matéria de facto a atender com relevância para a apreciação do mérito da presente decisão é a que se mostra explanada no âmbito do relatório supra, e para o qual se remete, apenas se justificando acrescentar também ( para melhor compreensão do julgado ) a seguinte :.
2.1 – No âmbito do regime processual especial instituído pela Lei 62/2011, de 12/12, veio em Junho de 2018 a A, com sede nos EUA, desencadear acção arbitral contraB;
2.2. - O objecto do litigio indicado na notificação para inicio de arbitragem dirigida pela demandante à demandada, e identificada em 2.1. consiste no exercício dos direitos de propriedade industrial que emergem da Patente Europeia nº 0998480 e do Certificado Complementar de Protecção nº 202 (que tem como patente de base a Patente europeia nº 0915894), relativamente a medicamentos genéricos incluindo, mas sem limitar, os medicamentos genéricos objecto do pedido de Autorização de Introdução no Mercado (AIM), publicado com referência de publicação, em 20 de Maio de 2018, os quais compreendem o Tenofovir Disoproxil Fumarato + Emtricitabina, sob a forma farmacêutica de comprimido revestido por película, nas dosagens de 200mg + 245 mg.;
2.3. – A decisão proferida na acção identificada em 2.1. e objecto da presente tem o seguinte teor:
“ (….) 1. No presente processo, a Demandada excepcionou, na Contestação, a invalidade do Certificado Complementar de Protecção n.º 202, concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial em 30 de Setembro de 2005, nos termos do Regulamento (CEE) n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992 (de ora em diante, simplesmente CCP 202), que, na petição inicial, a Demandante considerara encontrar-se ameaçado de violação pelos medicamentos genéricos da Demandada. E sustentou, a competência deste Tribunal Arbitral para julgar, a título de excepção com efeitos inter partes, a questão da validade daquele Certificado, fundando-se na actual redacção do n.º 3 do artigo 3.° da Lei n.º 62/2011 e no sentido da alteração legislativa (aprovada pelo Decreto-Lei n.° 110/2018, de 10 de Dezembro) que a consagrou, na linha, de resto, da jurisprudência do Tribunal Constitucional iniciada pelo acórdão n.º 252/2017, de 24 de maio. Indicou, a propósito, ser esta posição acolhida quer por alguma jurisprudência nacional (e também do Tribunal de Justiça da União Europeia) quer por um sector da nossa doutrina, acrescentando ainda que seria inconstitucional, por violação do princípio da indefesa, a interpretação normativa (suportada designadamente na conjugação entre o artigo 2.° da Lei n.º 62/2011 e os artigos 35.°, n.º 1, e 101.°, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial) que consagrasse solução contrária. Por sua vez, na Resposta às excepções, a Demandante invocou a falta de competência do Tribunal Arbitral para conhecer a questão da invalidade do CCP 202, considerando caber tal competência exclusivamente ao Tribunal da Propriedade Industrial, e invocando a jurisprudência nesse sentido do Supremo Tribunal de Justiça. Tendo a Demandante insistido no sentido do esclarecimento desta questão, e considerando a não oposição da Demandada, cumpre decidir. Como de resto é referido pela Demandada no seu requerimento de 10 do corrente, a questão perdeu entretanto actualidade, face à redacção actual do n.º 3 do artigo 3.° da Lei n.º 62/2011 e à natureza interpretativa que deve ser reconhecida à alteração que introduziu a disposição actualmente nele contida. Na verdade, aquele preceito dispõe hoje claramente que «No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes», o que torna irrecusável que o legislador pretendeu dirimir neste sentido a controvérsia anteriormente existente. Tal é de resto reconhecido quer por alguns dos Autores que anteriormente se haviam pronunciado no sentido referido pela Demandante (assim Evaristo Mendes, "O Fim da Arbitragem Necessária em Matéria de Patentes Farmacêuticas. Velhos e Novos Problemas", in Revista de Direito Comercial, 2019), quer pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça onde anteriormente predominara a posição contrária. Neste sentido, veja-se o Acórdão deste tribunal de 14 de Março de 2019 onde se afirmou que " Face à natureza interpretativa do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo n.º 3 ao artigo 3.° da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, deverá concluir-se que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer, por via de excepção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente, "com meros efeitos inter partes". Nestes termos, e sem mais, o Tribunal Arbitral afirma a sua competência para conhecer, ainda que com meros efeitos inter partes, a questão da invalidade do CCP 202, suscitada pela Demandada na sua contestação.” 2. Em momento anterior, o Tribunal Arbitral ouviu as partes sobre a prorrogação (tornada entretanto necessária) do prazo para conclusão da presente arbitragem, não se tendo as partes oposto a ela. Assim, e não sendo viável a conclusão da presente arbitragem no prazo inicialmente previsto, o Tribunal Arbitral prolonga este prazo pelo período (doze meses), previsto no n.º 2 do artigo 43.° da LAV, disposição aplicável por força da alínea rr) das Regras Processuais constantes da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral. Lisboa, 11 de Fevereiro de 2020
Rui Manuel Moura Ramos “
*
3.- DO DIREITO.
3.1.- Se a impugnação judicial deduzida pela A deve ser rejeitada, porque inadmissível, designadamente por ausência do fundamento invocado pela requerente
Pacífico é que a requerente A fundamenta o requerimento de impugnação do despacho arbitral interlocutório no disposto no artigo 18.º, n.º 9, da Lei de Arbitragem Voluntária ( doravante designada por ‘LAV’), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, e em articulação com o artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iii), constante do mesmo diploma normativo e com o artigo 59.º, n.º 1,alínea f), da mesma LAV.
Não obstante, é entendimento da B, [ qual questão prévia ] que o despacho arbitral interlocutório impugnado não pode enquadrar-se nas normas invocadas pela A, designadamente no disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iii), da LAV, constituindo assim a presente impugnação judicial tão-somente um recurso travestido – aliás, processualmente inadmissível – interposto sobre decisão interlocutória, pela qual o tribunal arbitral se afirmou competente para julgar a matéria de excepção aduzida pela parte demandada.
Ou seja, no entender da B., apenas poderia a A,lançar mão da presente acção/impugnação de decisão interlocutória caso demonstrasse [ o que não faz ] que a convenção não era válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da própria LAV, ou que a sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem, ou contém decisões que ultrapassam o âmbito da convenção.
Adiantando desde já o nosso veredicto, temos para nós que a presente questão prévia não justifica ser atendida. Vejamos.
Tendo presente o objecto da presente impugnação, certo é que em sede de processo arbitral vigora a regra de que apenas da decisão arbitral final cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo [ cfr. artº 3º, nº 7, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, diploma que cria um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos ].
A referida regra mostra-se outrossim plasmada no art.º 39º, nº 4, da actual LAV [ LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA , aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro ], ao dispor ele que “ A sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”.
Já no que às decisões interlocutórias diz respeito [ vg as “ têm simplesmente por objecto a ordenação do processo arbitral ou a resolução de questões processuais incidentais que se suscitem no decurso da instância, e não são de molde a pôr em causa a subsistência desta “ e “ as que se pronunciam sobre questões ou meios de defesa que podem, dependendo da solução que o tribunal adoptar, determinar a cessação total ou parcial do processo arbitral“ (1) ], máxime a que aprecia a excepção da in/competência do tribunal arbitral, a opção do legislador foi diferente.
É assim que, do Artigo 18º da LAV, e sob a epígrafe de “ Competência do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a sua competência”, consta que: 1- O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção. (…) 4- A incompetência do tribunal arbitral para conhecer da totalidade ou de parte do litígio que lhe foi submetido só pode ser arguida até à apresentação da defesa quanto ao fundo da causa, ou juntamente com esta. (…) 8- O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua competência quer mediante uma decisão interlocutória quer na sentença sobre o fundo da causa .
9 – A decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que tem competênciapode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente, ao abrigo das subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º, e da alínea f) do n.º 1 do artigo 59. 10 - Enquanto a impugnação referida no número anterior do presente artigo estiver pendente no tribunal estadual competente, o tribunal arbitral pode prosseguir o processo arbitral e proferir sentença sobre o fundo da causa, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 5.
A impugnação imediata/autónoma de uma decisão interlocutória dirigida para o reconhecimento da competência do tribunal arbitral, e ao invés do que sucedia com a anterior LAV[ aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, e cujo artº 21º, nº3, estipulava expressis verbis que “ A decisão pela qual o tribunal arbitral se declara competente só pode ser apreciada pelo tribunal judicial depois de proferida a decisão sobre o fundo da causa e pelos meios especificados nos artigos 27.º e 21º “ ] é assim uma faculdade adjectiva ao dispor de parte de processo de arbitragem.
Prevê-se pois, actualmente e expressis verbis, a possibilidade de impugnação imediata das decisões interlocutórias quando decidam sobre a competência do Tribunal Arbitral e, desde que o façam no sentido afirmativo, declarando-se o Tribunal competente.
Isto dito, inquestionável é que a decisão interlocutória visada pela A tem por objecto a apreciação de excepção de competência do tribunal arbitral, vício arguido pela mesma A em resposta à excepção invocada pela demandada – na contestação B e referente à invalidade do CCP nº 202.
E, ademais, tem por objecto uma decisão que, apreciando a excepção de competência do tribunal arbitral, integra um julgamento afirmativo, ou seja, através da qual o tribunal arbitral declara que tem competência .
Em face do referido, verifica-se portanto a previsão da primeira parte do nº 9, do artº 18º, da LAV, o que por si só basta para que permitido/lícito seja à A, da decisão interlocutória visada discordando, deduzir a competente impugnação dirigida a este Tribunal da Relação.
Não se olvida que, na segunda parte do nº 9, do artº 18º da LAV, se acrescenta que a impugnação em apreço é então deduzida ao abrigo das subalíneas i) e iii) ,da alínea a) ,do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, o que, em rigor, equivale a dizer que é a impugnação deduzida [ pela via do pedido da anulação da decisão interlocutória ] com fundamento em vício formal alheio ao objecto da causa, o qual será atendido e/ou julgado procedente desde que verificado algum dos fundamentos taxativamente previstos nas subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.,da LAV.
Ou seja, uma vez impugnada a decisão interlocutória do tribunal e de reconhecimento da sua competência, certo é que a anulação pelo tribunal estadual competente apenas se imporá desde que demonstre o impugnante que : i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei ; ou iii) decisão interlocutória pronuncia-se sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta.
Perante o exposto, temos assim que prima facie nada obsta a que a A deduza [ como o faz ] junto deste Tribunal da Relação o pedido de Anulação da decisão interlocutória proferida pelo tribunal e de reconhecimento da sua competência, mas, para que seja aquele atendido e/ou deferido, exige já o legislador que a respectiva procedência se fundamente em pressuposto correspondente a um “erro in procedendo” [ reportado à relação processual de arbitragem e não à relação substantiva pleiteada ] específico e subsumível a qualquer uma das subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.,da LAV.
Seja como for, e como com total pertinência o salienta a A [ na resposta à oposição da B,] , certo é que não se descortina sequer como não considerar que o pedido de anulação da decisão interlocutória se enquadra em pretensa verificação de pressuposto a que se refere o artigo 46.º n.º 3, alínea a), inciso iii), da LAV, a saber, que a matéria da competência dos tribunais arbitrais para apreciar a validade de patentes com efeitos inter partes não está abrangida pelo âmbito da Lei .º 62/2011, de 12 de Dezembro.
Em suma, a impugnação – de decisão interlocutória - deduzida pela A e dirigida a este tribunal da Relação encontra pertinente suporte legal no art.º 18.º, n.º 9, da LAV e pelo menos no fundamento previsto no artigo 46.º,n.º 3, alínea a), inciso iii) , do mesmo diploma legal, razão porque não existe questão prévia atendível que obste à respectiva apreciação e decisão.
*
3.2. - Aferir se a decisão interlocutória impugnada [ proferida pelo Tribunal Arbitral, e no âmbito da qual se declarou competente para conhecer/decidir sobre a questão da invalidade do Certificado Complementar de Protecção nº 202 e que foi suscitada pela Entidade Demandada B - por via de excepção em sede de oposição ] se deve manter ou, ao invés, se se impõe ser revogada.
A questão essencial que é objecto da acção desencadeada por A, contra B, em rigor, é precisamente a mesma que tivemos já a oportunidade de apreciar, e que foi objecto de Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa, em 6/6/2019 e no Processo nº 2227/18.0YRLSB.
Porque no fundamental tudo o que naquele acórdão se expôs se mantém actual, brevitatis causa, passa-se a transcrever a fundamentação de Direito nele vertida : “ (…) Como decorre do Relatório do presente Acórdão e, bem assim, dos fundamentos [ os quais mostram-se por nós alinhados nos itens 1.1. e 1.2., ambos do presente acórdão ] que cada uma das “partes” invoca em abono da “tese” que perfilham, inegável é que entronca o objecto da instância recursória com questão que há muito consubstancia uma verdadeira vexata quaestio [ quer na doutrina, quer na jurisprudência e, neste particular , quer na segunda instância dos tribunais judiciais e no Supremo Tribunal de Justiça, quer também no Tribunal Constitucional ], e a qual no essencial reside em aferir se o “ tribunal arbitral necessário previsto na Lei 62/2011 é competente para apreciar, por via da dedução de excepção peremptória, a questão da nulidade da patente ou Certificado Complementar de Protecção relativa a medicamento”. A apontada diversidade/oposição de entendimentos, atingiu um grau tal de divergência e de polarização que, obstando a que o julgador cumpra a sua missão em conformidade com o disposto no artº 8º, nº2, do Código Civil, tem desencadeado designadamente a prolação pelo mesmo tribunal de decisões totalmente antagónicas, e, inclusive, a prolação de julgamentos divergentes no âmbito da mesma Secção Civil de um tribunal de 2ª instância. É assim que, vg., se o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 10-04-2018[ do qual foi Relator MANUEL MARQUES (2)] , concluiu que : “ 1. Não foi propósito do legislador negar a possibilidade da introdução da matéria da invalidade da patente na defesa a deduzir, por via de excepção, no processo arbitral regulado na Lei n.º 62/2011, de 12/12, com efeitos inter partes, visando a paralisação do direito do demandante. 2. A solução que permite o conhecimento pelo tribunal arbitral, a título incidental e com efeitos inter partes, da excepção peremptória de nulidade da patente, não é estranha, pois que, para além de vigorar em outros sistemas jurídicos, é a própria legislação comunitária que admite a possibilidade da questão da validade das patentes poder ser conhecida pelos tribunais de um Estado-Membro, quer por via de acção, quer por via de excepção ( cfr. art. 24º, n. 4, do Regulamento UE n.º 1215/2012, de 12/12). 3 A interpretação contrária dos arts. 2.º, da Lei n.º 62/2011, e 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial, seria inconstitucional, por violação do princípio da proibição de indefesa (artigo 20.º da Constituição em conjugação com o seu 18.º, n.º 2), como se entendeu no Ac. do Tribunal Constitucional nº 251/2017, de 24 de Maio de 2017”. Já o mesmo Tribunal, agora em recente Acórdão de 07-02-2019[ do qual foi Relatora GABRIELA CUNHA RODRIGUES (3) ], vem concluir que : I - O Direito da União não define quais as jurisdições de cada Estado membro com competência para apreciar a validade das patentes. II - Impõe, no entanto, que, se um Estado Membro estabelece uma jurisdição especializada para o efeito, esta jurisdição possui competência para a acção e para a excepção. III - Tal como a nulidade de uma patente só pode ser apreciada, mesmo de forma incidental, no tribunal exclusivamente competente (em termos de competência internacional e territorial), também a competência (material) exclusiva dos tribunais estaduais estabelecida no artigo 35.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial impede a apreciação incidental da validade da patente fora desses tribunais. IV - O Tribunal da Propriedade Intelectual tem competência exclusiva para apreciar a validade das patentes por meio de acção ou por via de excepção peremptória. V - O Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer da excepção da nulidade da patente de medicamento”. E é assim também que, se no âmbito da 6ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 5-07-2018[ do qual foi Relatora MARIA DE DEUS CORREIA(4) ] , se concluiu que : I - O tribunal arbitral necessário previsto na Lei 62/2011 é competente para apreciar, por via da dedução de excepção peremptória, a questão da nulidade da patente ou Certificado Complementar de Protecção relativa a medicamento. II – Embora o Tribunal Constitucional reconheça que nem toda a restrição ao princípio do contraditório implica, necessariamente, uma violação do artigo 20.º da Constituição, acaba por concluir que a norma constante do art.º 35.º do CPI revela-se excessiva porquanto prejudica de modo desproporcionado o direito à defesa do requerente de AIM. III - Termos em que deve ser julgada inconstitucional por violação do princípio da proibição de indefesa (artigo 20.º da Constituição em conjugação com o seu 18.º, n.º 2 ). Já a mesma 6ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 02-05-2019 [ do qual foi Relator MANUEL RODRIGUES(5)] , vem concluir que : “ O Tribunal Arbitral [ necessário ], ainda que a título meramente incidental ou por via de excepção processual, carece de competência para apreciar e decidir, com efeitos inter partes, da nulidade ou anulabilidade de uma EP [ patente europeia ] ou de outro direito de propriedade industrial, cabendo tal competência, em exclusivo, ao Tribunal da Propriedade Industrial, nos termos do art.º 35.º do Código da Propriedade Industrial” . Incidindo agora a nossa atenção sobre o caminho que tem vindo a ser traçado pelo nosso mais ALTO Tribunal, ou seja, pelo Supremo Tribunal de Justiça, vemos que, até muito recentemente, sempre “prescreveu”/perfilhou o referido Tribunal a tese mais restritiva, a saber, a que sustenta que “ O tribunal arbitral necessário, constituído ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12-12 (na versão anterior ao DL n.º 110/2018, de 10-12) para dirimir litígio relativo a medicamentos genéricos, não tem competência para conhecer da invalidade da patente registada, arguida por via de excepção ou de reconvenção“ , entendimento este que se mostra sufragado designadamente nos seus Acórdãos de 14.12.2016[ do qual foi Relator LOPES DO REGO (6) ] , de 22.03.2018[ do qual foi Relatora FERNANDA ISABEL PEREIRA (7) ] e de 12-02-2019[ do qual foi Relator HENRIQUE ARAÚJO (8) ] . Ou seja, em qualquer dos 3 aludidos Acórdãos, e não obstante se reconhecer a pertinência de alguns dos fundamentos invocados pela tese mais abrangente ou ampliativa, importava – para o STJ - malgré tout seguir o entendimento que, partindo do pressuposto pacífico de que o art. 35.º, n.º 1, do CPI (9) atribuía [ ao dispor no seu artº 35º, nº1, que “A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial “] uma reserva de competência material exclusiva ao Tribunal da Propriedade Intelectual (TPI) relativamente à declaração de nulidade ou de anulação da patente, com eficácia erga omnes, a melhor solução seria a de negar a competência do tribunal arbitral necessário para formular esse juízo de validade ou de invalidade, ainda que invocada como mera excepção peremptória e com efeitos limitados ao processo. Ocorre que, já muito recentemente, também a referida uniformidade de julgamento do STJ , veio igualmente a ser quebrada, o que sucedeu com o Acórdão que vem a ser proferido já em 14/3/2019 [ do qual foi Relator NUNO PINTO OLIVEIRA (10), e que teve precisamente por objecto o Acórdão proferido em 5-07-2018 pela 6ª Secção Civil deste Tribunal da Relação de Lisboa e supra mencionado ], e o qual, rompendo com o entendimento que vinha até então a ser seguido, veio concluir que, impondo-se considerar que “ o art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo n.º 3 ao art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, temnatureza interpretativa”, consequentemente deveria igualmente concluir-se que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer, por via de excepção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente, “com meros efeitos inter partes”. E qual a ratio do abandono radical [ porque envereda-se pela tese mais abrangente ou ampliativa , quando até então vinha pugnando pela aplicação/sufragação da tese restritiva] do caminho decisório que até 14/3/2019 vinha sendo seguido ? Para a conhecer, nada como, data venia, que transcrever de seguida as competentes passagens do aludido Acórdão. Assim, e com atinência relativamente à questão que nos ocupa, consta do mesmo que (sic) : “(…) Os critérios enunciados devem hoje reapreciar-se ou reponderar-se, atendendo à alteração à Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro . O novo n.º 3 do art. 3.º da Lei n.º 62/2011 tem a seguinte redacção: “No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes” . Ora o art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, na parte em que adita o novo n.º 3 ao art. 3.º da Lei n.º 62/2011, deve qualificar-se como lei ou como norma interpretativa . O Supremo Tribunal de Justiça tem consistentemente declarado que o critério determinante da qualificação de uma lei como interpretativa depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: o primeiro consiste em “a lei [nova] regular um ponto de direito acerca do qual se levantam dúvidas e controvérsias na doutrina e jurisprudência” e o segundo, em “a lei [nova] consagrar uma solução que a jurisprudência pudesse tirar do texto da lei anterior, sem intervenção do legislador” .. Convocando a formulação do Professor Baptista Machado, dir-se-á que o primeiro requisito está em que a solução do direito anterior, da lei antiga, “seja controvertida ou, pelo menos, incerta” e que o segundo requisito está em que a solução da lei nova se situe dentro dos quadros da controvérsia ou da incerteza, de forma a que “o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei” . Ora a solução para a solução da lei antiga para o problema da competência do Tribunal Arbitral para conhecer da invalidade (do facto constitutivo) da patente era controvertida . Como se diz, designadamente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2018, no processo n.º 1053/16.5YRLSB.S1.S1, desenharam-se duas correntes na doutrina e na jurisprudência: a corrente ampliativa, no sentido da competência, e a corrente restritiva, no sentido da incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da invalidade (do facto constitutivo) da patente. A solução da lei nova — competência do Tribunal Arbitral para conhecer a invalidade (do facto constitutivo) da patente, como meros efeitos inter partes — situa-se dentro dos quadros da controvérsia ou da incerteza. Corresponde à corrente ampliativa; consagra uma solução a que o intérprete poderia chegar, sem ultrapassar os limites impostos à interpretação — sem ultrapassar, designadamente, os limites impostos a uma interpretação conforme à constituição . O raciocínio poderá ser reforçado pela circunstância de a competência do tribunal arbitral para conhecer a questão da invalidade ser mais justificada em face da lei antiga que em face da lei nova —, em que a arbitragem era necessária, que em face da lei nova, em que a arbitragem deixa de ser necessária e passa a ser (só) voluntária. Face à natureza interpretativa do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo n.º 3 ao art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, deverá concluir-se que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer, por via de excepção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente, “com meros efeitos inter partes”. Em suma, ao qualificar o artº 4º, do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro [ diploma que, concomitantemente, e além do mais, aprova o Código da Propriedade Industrial, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2015 - que aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (reformulação) - e a Directiva (UE) 2016/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2016, relativa à protecção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais, e , bem assim, procede à primeira alteração à Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que cria um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, procedendo à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, e à segunda alteração ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de Maio ] , na parte em que adita o novo n.º 3 , ao art. 3.º , da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro , como Lei interpretativa, acaba o STJ por considerar que finalmente vem o legislador a pôr termo à controvérsia que vinha tendo lugar, porque tal como reza a primeira parte do nº1, do artº 13º, do Código Civil, a “lei interpretativa integra-se na lei interpretada”. O que dizer? Antes de mais, é nossa convicção que não importa, para justificar a opção a adoptar por este tribunal no tocante à decisão a proferir, voltar a revisitar toda a argumentação que, ad nauseam , tem vindo a ser esgrimida pela doutrina e tribunais, quer em abono da tese mais abrangente ou ampliativa , quer da tese restritiva , cada uma de resto bem alicerçada em fundamentação ajuizada e defensável. Em rigor, apenas porque não tem a questão controvertida vindo a ser apreciada , jurisdicionalmente, de modo uniforme e reiterado, é que não se justifica que possa a mesma [ quanto aos fundamentos que alicerçam cada uma das teses em confronto ] do nesta ser objecto de decisão liminar nos termos do disposto no artº 656º, in fine, do CPC [ ou seja, remetendo as partes para o conteúdo de precedentes decisões judiciais ]. Pacífico é também que, o legislador, a justificar as alterações introduzidas na Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro , através do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, vem reconhecer que “ o circunstancialismo que levou à aprovação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que criou um regime de composição dos litígios emergentes dos direitos de propriedade industrial quando estavam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, foi ultrapassado e se mostram reunidas as condições para revisitar esta matéria, opta-se por revogar o regime de arbitragem necessária então criado, deixando às partes a opção entre o recurso a arbitragem voluntária ou ao tribunal judicial competente. Ou seja, o legislador , como o explica Evaristo Mendes (11), se com a Lei 62/2011 instituiu “ um sistema de resolução de litígios que envolvem direitos industriais relativos a medicamentos – em especial, patentes e CCP - consistente (i) numa arbitragem necessária e (ii) numa acção especial simplificada de acertamento (preventivo) dos direitos, a propor nos tribunais arbitrais, com o objectivo primordial de desembaraçar os medicamentos genéricos de obstáculos processuais à sua entrada tempestiva no mercado, retirando também dos tribunais administrativos o contencioso maciço neles então existente “, vem agora, sete anos volvidos [ com Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro ] , a abolir o regime da arbitragem necessária, mas mantendo “ a acção especial - a intentar no TPI ou, havendo acordo dos interessados, num tribunal arbitral -, que acresce, assim, aos meios gerais de tutela das patentes e CCP, de que se pode lançar mão neste tribunal. Mas o que outrossim Evaristo Mendes (12) reconhece é que, sendo inquestionável que a questão da possibilidade de invocar na acção arbitral, como excepção (com efeitos inter partes), a invalidade da patente ou CCP, se tratava de matéria que se tornou muito controvertida[ embora no seu entendimento tudo aponta para que vinha prevalecendo a tese da incompetência dos TA na jurisdição arbitral e na jurisdição comum ], certo é que após as alterações introduzidas na Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro - com o DL n.º 110/2018, de 10 de Dezembro - , de problema se trata que foi resolvido, devendo desaparecer na prática. Isto é, ao dispor o n.º 3 , do artigo 3º, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro , que “ No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter parte “ , e tendo este preceito como “ pano de fundo o artigo 34 do NCPI (antigo art. 35) e o art. 111.1c) da LOSJ, segundo os quais, o TPI tem competência exclusiva para as acções de declaração de nulidade e de anulação de DPI como as patentes e CCP, bem como a controvérsia doutrinal e jurisprudencial que se gerou em torno da admissibilidade ou não desta defesa por excepção nas acções arbitrais instauradas ao abrigo da Lei 62/2011” (13) , claro parece [ no entender de Evaristo Mendes ] que o legislador pretendeu intervir na controvérsia, pondo termo à mesma, e fazendo-o optando por consagrar a tese afirmativa. Ainda assim, e ainda segundo o entendimento de Evaristo Mendes (14) , tal não impede que estando em causa uma arbitragem voluntária, tudo passe a depender da convenção de arbitragem, pois que, tanto pode esta ultima admitir tal possibilidade de defesa como excluí-la, isto é, nada aponta para que a norma em apreço seja imperativa, impedindo a exclusão. Em suma, não há como [ no entender de Evaristo Mendes ] considerar que resulta do preceito do artº 3º, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro (com as alterações nele introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro ) uma dupla consequência : “ por um lado, admite, na arbitragem, este meio de defesa, apesar dos conhecidos inconvenientes do mesmo, acolhendo a tese perfilhada no AcTC n.º 251/2017(15) ; por outro lado, sendo a convenção de arbitragem omissa, haverá lugar à sua aplicação. Como se indicou anteriormente, o problema não é, em rigor, um problema constitucional, mas estava, naturalmente, na liberdade conformadora do legislador optar por uma das soluções em confronto.” Também para Eleonora Viegas (16), pacifico é que a alteração introduzida no n.º 3, do art. 3.º, vem pôr fim a uma das principais controvérsias geradas no domínio da anterior redacção do preceito, passando a dispor que no processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes, sendo que, se tal possibilidade suscitará algumas questões de concorrência e de segurança jurídica, pelo menos no caso dos medicamentos genéricos terá como principal vantagem competitiva a da chegada ao mercado em primeiro lugar. “ De facto, a patente reconhecida como inválida para as partes de um determinado processo arbitral mantém, fora dele e para todos os outros eventuais interessados, a presunção da sua validade, existindo ainda o risco de serem proferidas decisões contraditórias por diferentes tribunais arbitrais em litígios relativos à mesma patente, ou mesmo entre estes e o TPI.” Aqui chegados, temos para nós que, tal como o entendimento sufragado no supra mencionado Ac do STJ de 14/3/2019, manifesto nos parece que se verificam todos os pressupostos que justificam qualificar o artº 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro [ o qual procede à Alteração da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro ] como lei interpretativa, impondo-se consequentemente a sua aplicação a factos e situações anteriores tal como decorre do disposto no artigo 13.º ,nº1, do Código Civil. É que, inequivocamente, vem o mesmo normativo “consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar” (17) , não violando assim quaisquer expectativas seguras e legitimamente fundadas, sendo que, são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu conteúdo controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado “ – e que in casu efectivamente adoptaram como vimos supra . Depois, entrando em vigor [ as alterações que o artº 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro , introduz nos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro] a 9 de Janeiro de 2019, certo é que não consagra a Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro , qualquer norma transitória que regule os efeitos da alteração legislativa em causa sobre os processos arbitrais pendentes. Tal equivale a dizer, que na prática, o nº 3, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, qual alteração legislativa ( que em rigor o não é , de todo ) subsumível à previsão do nº 2, do artº 38º, da Lei n.º 62/2013,de 26 de agosto, do qual resulta que, fixando-se a competência no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de direito, certo é que a modificação de direito é já relevante quando dela resulta a atribuição de competência a um tribunal que inicialmente da mesma carecia para o conhecimento da causa. Ao acabado de aduzir, acresce que, não se olvidando que rezava o [ como igualmente o dispõe o actual artº 34º,nº1, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro ] artº 35º, nº1, do Código da propriedade Industrial, aprovado pelo DL n.º 36/2003, de 05 de Março, que “ A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial”, a verdade é que deste normativo legal não resulta inevitável e forçosamente [ Cfr. Remédio Marques (18)] que outros tribunais não possam conhecer, a título incidental ou de excepção, da invalidade de direito de propriedade industrial e, ademais, como bem se nota no acima citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e de 10-04-2018, não foi sequer “propósito do legislador negar a possibilidade da introdução da matéria da invalidade da patente na defesa a deduzir, por via de excepção, no processo arbitral regulado na Lei n.º 62/2011, de 12/12, com efeitos inter partes, visando a paralisação do direito do demandante.” Por último, e como bem se chama à atenção do recente Ac. do STJ e de 14/3/2019, pacifico é que o entendimento subjacente à decisão interlocutória impugnada mostra-se reforçado pela circunstância de a competência do tribunal arbitral para conhecer a questão da invalidade ser inclusive mais justificada em face da lei antiga [ em que a arbitragem era necessária ], que em face da lei nova [ nos termos da qual a arbitragem deixa de ser necessária e passa a ser (só) voluntária]. Impondo-se concluir, e mais não se justificando acrescentar [ de questão se trata que foi já objecto de pormenorizada e abrangente discussão e estudo, quer na doutrina, quer na jurisprudência, não existindo argumentos inovadores e originais que se justifiquem carrear para a presente decisão, e que não tenham sido já esmiuçados à exaustão ], deve assim a apelação improceder com fundamento nas sintéticas razões acima explanadas. Ou seja nada justifica determinar aANULAÇÃO DA DECISÃO ABITRAL INTERLOCUTÓRIA impugnada.”
Aqui chegados, e decorrido pouco mais de um ano após a prolação do “ nosso” acórdão de 6/6/2019 (19), certo é que de então para cá nada de relevante veio a ocorrer que justifique modificar/alterar o entendimento então perfilhado, bem pelo contrário.
Na verdade, tendo a A do referido Acórdão interposto a competente REVISTA, a verdade é que em Acórdão proferido a 15/1/2020 veio o STJ a confirmar a “nossa” decisão, na mesma concluindo que “ O art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo n.º 3 ao art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, deve qualificar-se como lei interpretativa. (20)
Outrossim o mesmo STJ, em Acórdão de 17-12-2019 (21), e revogando a Decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 2/5/2019 [ da 6ª Secção, sendo Relator MANUEL RODRIGUES e acima mencionada ] e pela demandante invocada , veio decidir que “ Face à natureza interpretativa do artigo 4º do DL nº 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo nº 3 ao artigo 3º da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, deverá concluir-se que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer, por via de excepção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente, “com meros efeitos inter partes”.
Já em Acórdão proferido por este mesmo tribunal e 6ª Secção cível da Relação de Lisboa, a 07-05-2020 (22), volta-se a decidir/concluir que O tribunal arbitral necessário previsto na Lei 62/2011 é competente para apreciar, por via da dedução de excepção peremptória, a questão da nulidade da patente ou Certificado Complementar de Protecção relativa a medicamento”.
Semelhante entendimento veio este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa a perfilhar em 22-10-2019 (23) ao considerar que face à natureza interpretativa do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo n.º 3 ao art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, deverá concluir-se que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer, por via de excepção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente, “com meros efeitos inter partes, e, outrossim em 08-10-2020 (24), em sede de acórdão proferido por esta mesma 6ª Secção, e no qual se concluiu v.g. que :
“ 1 - O artº 91º do CPC contém uma regra de extensão de competência que permite a um tribunal, que não é materialmente competente para a apreciar e decidir, conhecer de determinada questão suscitada pelo réu como meio de defesa. 2 - Á luz da mencionada regra da extensão da competência, o tribunal arbitral (necessário) instituído nos termos da Lei 62/2011, de 12/12, embora não seja materialmente competente para apreciar a questão da invocada (pelo réu) nulidade do CCP 189, pode/deve dela conhecer incidentalmente com eficácia inter partes. 3 - E á mesma conclusão se chega face à alteração da Lei 62/2011, de 12/12, pelo DL 110/2108, de 10/12, de que resultou que o artº 3º nº 3 daquela Lei 62/2011, passou a ter a seguinte redacção: “No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes”. 4 - Trata-se de norma interpretativa face à divergência jurisprudencial que se verificava e, como tal, integra-se na lei interpretada e tem a mesma esfera de aplicação que esta, portanto, às situações anteriores à sua entrada em vigor.
Em rigor, temos assim que vem a recente jurisprudência a enveredar esmagadoramente pelo entendimento contrário ao perfilhado pela A e, para todos os efeitos, certo é que o nº 3, do artº 8º, do CC nos adverte que “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
Logo, a acção/apelação só pode improceder, como improcede.
*
4.- Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC). Acima transcrio
*
5.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa , em , não concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado por A;
5.1.- Não alterar/revogar a DECISÃO ABITRAL INTERLOCUTÓRIA impugnada [ proferida a 11 de Fevereiro de 2020 ] e por meio da qual se declarou o Tribunal Arbitral competente para conhecer e decidir sobre a invalidade do Certificado Complementar de Protecção nº 202 suscitada – como excepção peremptória - pela Entidade Demandada.
*
As custas serão suportadas :
Pela Recorrente/impugnante A.
*
(1) Cfr. Sampaio Caramelo, em Temas do Direito da Arbitragem, “Decisões Interlocutórias e Parciais no Âmbito do Processo Arbitral – Seu regime e Objecto, 2009, pág. 179
(2) Proferido no Processo nº 861.16.1YRLSB.L1-1, e disponível in www.dgsi.pt.
(3) Proferido no Processo nº 2552/18.0YRLSB.L1-2, e disponível in www.dgsi.pt
(4) Proferido no Processo nº 582/18.0YRLSB-6, e disponível in www.dgsi.pt
(5) Proferido no Processo nº 1956/18.2YRLSB-6, e disponível in www.dgsi.pt
(6) Proferido no Processo nº 1248/14.6YRLSB.S1, e disponível in www.dgsi.pt
(7) Proferido no Processo nº 1053/16.5YRLSB.S1.S1, e disponível in www.dgsi.pt
(8) Proferido no Processo nº 861/16.1YRLSB.L1.S1, e disponível in www.dgsi.pt.
(9) Aprovado pelo DL n.º 36/2003, de 05 de Março.
(10) Proferido no Processo nº 582/18.0YRLSB.S1, e disponível in www.dgsi.pt.
(11) Em texto que corresponde a uma versão condensada de artigo destinado aos estudos em homenagem ao Prof. Doutor Germano Marques da Silva, a editar pela UCE, publicado na Revista de Direito Comercial, 10 de Janeiro de 2019 e ao qual se pode aceder em https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5c3730d8aa4a99740a71efcd/1547120858421/2019-03.pdf.
(12) Ibidem, págs 92 e 95.
(13) Cfr. Evaristo Mendes, ibidem, pág. 108.
(14) Ibidem, págs 107/108.
(15) Acórdão ( proferido no Processo n.º 297/16,1.ª Secção, sendo Relatora a Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros ) que julgou inconstitucional a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro e artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, a parte não se pode defender, por excepção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes;
(16) Boletim da Ordem dos Advogados, Revogação do Regime da Arbitragem Necessária Em Matéria de Medicamentos de Referência e Genéricos, in http://boletim.oa.pt/project/mar19-revogacao-do-regime-da-arbitragem-necessaria-em-materia-de-medicamentos-de-referencia-e-genericos/
(17) Cf. Baptista Machado , in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1993, págs. 246/247 .
(18) In A Arbitrabilidade da Excepção de Invalidade da Patente no Quadro da Lei nº 62/2011, anotação ao acórdão da Relação de Lisboa, de 13 de Fevereiro de 2014, Revista de direito intelectual, Coimbra, Almedina, N.º 2 (2014), págs. 211-257.
(19) Acórdão de 6/6/2019, Proferido no Processo nº 2227/18.0YRLSB.L1-6, sendo subscrita pelos Adjuntos Eduardo Petersen Silva e Cristina Isabel Ferreira Neves , e disponível in www.dgsi.pt.
(20) Proferido no Processo nº 2227/18.0YRLSB, sendo RELATOR NUNO PINTO OLIVEIRA e disponível in www.dgsi.pt.
(21) Proferido no Processo nº 1956/18.2YRLSB.S1, sendo Relator ILIDIO SACARRÃO MARTINS e disponível in www.dgsi.pt.
(22) Proferido no Processo nº 772/19.9YRLSB-6 , sendo Relatora MARIA DE DEUS CORREIA e disponível in www.dgsi.pt.
(23) Proferido no Processo nº 465/19.7YRLSB-7, sendo Relator JOSÉ CAPACETE e disponível in www.dgsi.pt.
(24) Proferido no Processo nº 725/19.7YRLSB-6, sendo Relator ADEODATO BROTAS e disponível in www.dgsi.pt
*
LISBOA , 22/10/2020
António Manuel Fernandes dos Santos Ana de Azeredo CoelhoEduardo Petersen Silva