TAXA DE JUSTIÇA
PRAZO DE PAGAMENTO
PAGAMENTO FORA DE PRAZO
REALIZAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS DE PROVA
Sumário


I- Não deve ser determinada a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte que, tendo, embora, sido notificada para efectuar o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescido da multa de igual montante, nos termos do n.º 3 do art.º 14.º do Regulamento das Custas Processuais, paga a taxa de justiça e a multa, demonstrando nos autos o pagamento, cinco dias antes da audiência final, ainda que já então tenha expirado o prazo de 10 dias de que dispunha para o efeito.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- No início da audiência de julgamento a que se procedeu na acção comum acima referida, que os AA. M. P. e esposa, movem aos RR. F. P. e “Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de M. L.”, por estes foi requerido que, tendo constatado que os Autores não efectuaram o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça no prazo estabelecido no art.º 14.º do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), e também não pagaram a taxa e o acréscimo da multa no prazo complementar, lhes seja aplicada a cominação prevista no n.º 4 daquele art.º 14.º, declarando-se que não poderão produzir prova no âmbito destes autos.
Responderam os Autores alegando, em síntese, que, quando regressaram do estrangeiro, onde se encontravam, solicitaram à Secretaria Judicial a emissão de uma 2.ª via para o pagamento da prestação da taxa de justiça em falta e da multa, tendo pago esta e aquele e feito juntar aos autos o comprovativo do pagamento, entendendo, assim, que estão “em condições de apresentarem e fazerem a sua prova em audiência de julgamento”.

Apreciando o suprarreferido requerimento o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

A análise dos autos não suscita reservas quanto à datação efectuada pelos réus da sucessão de actos processuais. Por isso, se atendermos ao artigo 14º, nº 2, este normativo dispõe que a 2ª prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final e diz que deve o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo. Se não o fizer, a secretaria deve notifica-lo para no prazo de 10 dias efectuar o pagamento omitido acrescido de multa de igual montante dentro dos limites que o nº 3 do artigo 14º estabelece. O nº 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais não diz, ao contrário do nº 2, que o documento comprovativo do pagamento ou a comprovação da realização desse pagamento deve ser realizada no prazo de 10 dias. Não diz isso. Diz: sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior se no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória não tenha sido junto ao processo o documento comprovativo ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento o Tribunal determina a impossibilidade da realização das diligências, ou seja, aqui não está estabelecido um prazo peremptório no sentido de que o prazo do nº 3 se não for respeitado impede de todo a produção de prova, há sim um prazo peremptório para a eventualidade de não ter a parte demonstrado o pagamento até ao início da audiência da taxa de justiça. Isto quer dizer o seguinte: que apesar de ter sido concedido à parte o prazo de 10 dias para pagar a 2ª prestação da taxa de justiça acrescida de multa, esta podia sempre fazer tal pagamento até começar a audiência. E, saliente-se, não me parece que seja diversa a assunção de jurisprudência, encontrando à luz do preceito mais ou menos correspondente que existia antes do Regulamento das Custas Processuais, que era o artigo 512-B do Código de Processo Civil, por exemplo o acórdão do Supremo de 03/02/2011, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, dizia-se: a demonstração do pagamento pode ser feita até ao início da audiência de julgamento e depois discorria-se sobre esta intenção, e diz-se assim a certo ponto deste acórdão: a penalização processual traduz-se - e aqui estou a salientar só os aspectos que me parecem mais relevantes - na impossibilidade de produção de prova requerida pela parte em falta. Por essa razão se marca como momento útil para a demonstração do pagamento da taxa de justiça e da multa aquele em que a prova vais ser produzida sendo certo que é na audiência final que a prova é produzida. A lei marca o correspondente dia como limite para o efeito e é por isso se diz que é também este o significado da expressão sem prejuízo do prazo concedido no número anterior. A norma actual vem também nesse sentido, significado esse que está de acordo com a sanção cominar e que em nada prejudica o desenrolar do processo a demonstração do pagamento, quer da taxa quer da multa, poder ser feita até ao início da audiência de discussão e julgamento. Deveria, portanto, ter sido deferido o requerimento para passagem de guias correspondentes à multa formulada pela parte a seu tempo. Mais encontramos o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/09/2008. Neste caso o que aconteceu foi o seguinte: no dia marcado para a audiência a parte pretendeu pagar a taxa de justiça e a multa antes de começar a produção de prova e essa pretensão foi-lhe negada e já tinha sido notificada para pagar a taxa de justiça acrescida de multa. E diz assim este aresto “tendo o requerimento sido apresentado quando ainda não se tinha iniciado efectivamente a audiência de julgamento, ainda estava em tempo a autora de requerer a passagem de ambas as guias, pagá-las na hora, imediatamente, e dar-se então início à audiência. Quando o nº 2 do artigo 512-B do CPC fala em dia de audiência final tem o significado até ao início efectivo da audiência final, até à sua abertura formal”. Deste modo entendo que era possível, como ocorreu, a secretaria procedeu à emissão de guias e facultar aos autores a possibilidade de pagarem os valores em falta. Tal pagamento encontra-se demonstrado nos autos, e, em conformidade, entendo não ser motivo que os autores possam produzir a prova indicada para estes autos. Indefere-se pois o requerido pelo réu F. P..”.
Inconformados, trazem os Réus o presente recurso pedindo a revogação do decidido e a prolacção de acórdão que determine que os Autores não podiam produzir qualquer prova, nomeadamente em audiência de discussão e julgamento, declarando-se nula ou anulada toda a prova por estes produzida.
Já nesta Relação foi determinado que o presente recurso, que se considerou ser de apelação autónoma, seja julgado em separado.
Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre decidir.

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II.- Os Apelantes formularam as seguintes conclusões:

1 - Os autores não procederam, dentro do prazo de 10 dias, a que alude o artigo 14.º-2, do RCP, a contar da notificação que lhes foi feita para a audiência final, ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça.
2 - E isto apesar de, para procederem a tal pagamento, cuja data limite era o dia 19 de junho de 2019, a secretaria, muito embora desnecessariamente por que isso não é exigido por lei, ter notificado expressamente os autores, juntando à notificação que 17 lhes fez, a guia respetiva.
3 - Tendo então a secretaria, e cumprindo o comandado no número 3, do mesmo artigo 14.º, do RCP, notificado os autores, para procederem, dentro do prazo de 10 dias, nesse normativo referido, ao pagamento de tal segunda prestação da taxa de justiça em falta, acrescido de multa de igual montante, com a advertência de que, se o não fizessem, ficariam sujeitos às cominações, previstas no número 4, do mesmo artigo 14.º, do RCP, prazo de 10 dias esse cujo dies ad quem era o dia 15 de julho de 2019, que é aquele que consta da guia, para esse pagamento enviada aos autores, juntamente com a notificação em questão.
4 - Pagamento esse a que os autores, e até esse dia 15 de julho de 2019, não procederam.
5 - O que levou a que o réu tivesse, no início da audiência de discussão e julgamento, requerido, ao Meritíssimo Senhor Doutor Juiz a quo, que, ao abrigo do estatuído no artigo 14.º-4, do RCP, determinasse a impossibilidade que os autores realizassem quaisquer diligências de prova, por eles requeridas ou a requerer.
6 - Requerimento esse sobre o qual recaiu despacho de indeferimento, sendo precisamente de tal despacho de indeferimento que vai interposto o presente recurso.
7 - E que se fundamenta em não ser sequer pensável, que o número 3, do artigo 14.º, do RCP, fixasse um prazo, no caso 10 dias, e que a violação desse prazo não tivesse qualquer consequência.
8 - Sendo certo que, se o legislador quisesse, que a segunda prestação da taxa de justiça, e a multa, prevista no número 3, do artigo 14.º, do RCP, pudesse ser feita até à audiência de discussão e julgamento, di-lo-ia expressamente, não fixando para tal pagamento um prazo de 10 dias, após a notificação para o mesmo, mas sim um prazo que se estenderia até à audiência de discussão e julgamento.
9 - Acrescendo ainda, que a interpretação, feita pelo despacho sob recurso, do artigo 14.º-3 e 4, do RCP, ao tratar de uma maneira igual aqueles que cumprissem o prazo de 10 dias, previsto no número 3, do artigo 14.º, do RCP, e os que o não cumprissem, padece do vício da inconstitucionalidade, por violar o Princípio da Igualdade, que é um princípio constitucional, que tem positivação no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
10 - Devendo pois tal interpretação ou dimensão normativa, desse artigo 14.º-3 e 4, do RCP, ser, numa decisão positiva da inconstitucionalidade dela, desaplicada.
11 - Pelo que o douto despacho sob recurso, violou diversas disposições legais, nomeadamente o artigo 14.º-2, 3 e 4, do RCP, e ainda o artigo 13.º, da CRP, padecendo pois, tal despacho, também e ainda do vício da inconstitucionalidade, que aqui fica, para os devidos e legais efeitos, invocado.
12 - Devendo, por isso, e muito embora sem que isso possa constituir, nem constitua, qualquer demérito, por pequeno, ou mínimo, até que seja, para com o Meritíssimo Senhor Doutor Juiz da 1ª instância que o proferiu, ser anulado, o aliás douto despacho sob recurso, prolatando-se, em substituição dele, não menos douto acórdão, que determine que os autores não podiam, naturalmente no âmbito destes autos, produzir qualquer prova, nomeadamente em audiência de discussão e julgamento, devendo pois ser declarada nula, ou anulada, toda a prova por eles autores neste processo produzida.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões acima transcritas a (única) questão a apreciar e decidir é a de saber se o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa fora do prazo referido no n.º 3 do art.º 14.º do R.C.P. determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte obrigada ao pagamento.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- Os factos que importa considerar para a apreciação do presente recurso constam do “Relatório”, que, por brevidade, se tem aqui por reproduzido.

Em síntese, os contornos fácticos da situação sub judicio são os seguintes:

a) Não tendo os Autores efectuado o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, foram notificados pela Secretaria para, no prazo de 10 dias, pagarem a referida segunda prestação da taxa acrescida da multa de igual montante.
b) O termo final deste prazo foi em 15/07/2019.
c) A pedido dos Autores foi emitida uma 2.ª via do documento para o pagamento em falta, que eles efectuaram em 6/09/2019, juntando aos autos (no formato electrónico) o documento comprovativo desse pagamento.
d) A audiência de julgamento teve lugar em 11/09/2019.
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V.- O art.º 14.º do R.C.P. regula os tempos do pagamento da taxa de justiça.

Para o que ora interessa dispõe o n.º 2 que: “A segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo.”.
Nos termos do n.º 3 “Se, no momento definido no número anterior, o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.”.
Dispõe o n.º 4: “Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior, se no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão do benefício de apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal determina a impossibilidade da realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta.”.
1.- O objecto do presente recurso consubstancia-se na interpretação deste n.º 4.

Os n.os 3 e 4 do art.º 14.º do R.C.P. praticamente transcrevem o art.º 512.º-B do anterior C.P.C., aditado pelo Dec.-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que procedeu à revisão do Código das Custas Judiciais, introduzindo alterações no Código de Processo Civil, no Código de Processo Penal, e em três outros Decretos-Lei, em matérias relacionadas com o pagamento das custas.
As alterações introduzidas integraram-se num conjunto mais vasto de medidas que, como ficou a constar do preâmbulo do referido Dec.-Lei 324/2003, visaram “introduzir maior celeridade na obtenção de decisões judiciais, removendo obstáculos ao funcionamento racional e eficaz do sistema”.
Não justificando, em concreto, os fins visados com a “medida” introduzida pelo aditado art.º 512.-B do anterior Código, o legislador critica “a ausência (excepto para o autor) de penalizações processuais efectivas pela falta de pagamento da taxa de justiça devida”, mas depois refere apenas a reconsagração da “regra do desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas, a operar apenas após a mesma ter sido sucessivamente notificada para o efeito”, como contributo “para a igual responsabilização das partes processuais, considerando que esta regra já existe no regime actualmente em vigor em relação ao autor” afirmando ainda que, deste modo se introduz “um factor acrescido de moralização no recurso aos tribunais”.
Ainda no domínio de vigência daquele art.º 512.º-B a questão colocada no presente recurso foi decidida pelo S.T.J. no Acórdão de 03/02/2011, no qual ficou referido, em síntese, que, tendo sido prevista como “penalização processual” da não demonstração nos autos do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça “a impossibilidade de produção da prova requerida (ou que venha a ser requerida) pela parte em falta”, posto que “é na “audiência final” que a prova (constituenda, naturalmente) é produzida, a lei marca o correspondente dia como limite regra para o efeito”, mais se afirmando ser também este “o significado da expressão “sem prejuízo do prazo concedido no número anterior” com que começa o nº 2 do artigo 512º-B do Código de Processo Civil; significado esse que está de acordo com a gravidade da sanção cominada e que em nada prejudica o desenrolar do processo: a demonstração do pagamento, quer da taxa, quer da multa, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento”, razões que “são as mesmas para o pagamento em si” (ut Proc.º 3711/05.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).
No mesmo sentido, ainda que sem adiantar qualquer justificação, se pronunciaram LEBRE DE FREITAS et AL, afirmando que “podia a parte ainda pagar até ao momento em que tivesse início, em audiência ou antes dela, a produção de prova por si requerida” (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, 2.ª ed., pág. 421).
Já no domínio de vigência do actual 14.º do R.G.P., a Relação do Porto, no Acórdão de 18/04/2017, decidiu que “O pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, os termos do disposto no n.º 3 do art. 14.º do Regulamento das Custas Processuais, tem de ser feito necessariamente no prazo de 10 dias, sob pena da parte não poder produzir prova, não podendo tal pagamento ser feito até à audiência de julgamento se aquele prazo já decorreu.”
Depois de fazer uma resenha histórica da legislação atinente ao pagamento da anteriormente designada taxa de justiça para julgamento, e referindo o Acórdão do S.T.J. acima citado, e de outros que decidiram pela in/admissibilidade do pagamento até ao dia do julgamento ou da diligência de produção de prova, justifica a inadmissibilidade com os seguintes fundamentos: “atendendo ao teor literal das normas, quando no n.º 4 do artigo 14.º do Regulamento se dispõe que «Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior…», esta expressão veicula a ideia de que «o prazo adicional concedido no número anterior», que é de 10 dias, tem de ser observado, isto é, não pode ser prejudicado e será prejudicado se não surtir efeitos, se não for preclusivo.”… “Porém, se se interpretar o preceito no sentido de que o pagamento sempre pode ser efectuado até à audiência de julgamento, então o prazo de 10 dias referido no n.º 1 do artigo 512.º-B, do Código de Processo Civil, não tem qualquer função, pois o pagamento sempre pode ser feito, sem qualquer sanção, até ao início da audiência de julgamento. Salvo melhor entendimento, um prazo só tem validade como prazo se da sua violação resultar alguma consequência.”.
E prossegue referindo: “Afigura-se que a ausência de consequências ou, por outras palavras, a interpretação que leva à igualdade de tratamento para o sujeito processual que cumpre o prazo de 10 dias e para o sujeito que não cumpre este mesmo prazo, mostra que esta interpretação não é a que corresponde ao real teor normativo da norma.
Com efeito, se a lei marca um prazo fá-lo por alguma razão e se não é observado alguma consequência tem de existir.
Afigura-se, por isso, que a interpretação correcta é a que exige o pagamento do preparo para julgamento no prazo de 10 dias, sob pena de não poder ser produzida prova.”.
“Ora, a verificação da omissão pode ocorrer em qualquer altura, inclusive no início da audiência de julgamento.
É para esta hipótese que vale o disposto no n.º 4, do artigo 14.º do RCP, quando diz que sem prejuízo do referido prazo de 10 dias, se a parte no dia da realização da audiência ou outra diligência de prova não comprovar o pagamento, não produz prova.
Ou seja, para produzir prova, a parte tem de mostrar que pagou a taxa de justiça subsequente, independentemente de estar ou não estar a correr ainda o prazo para pagar, como estará a correr quando a secretaria só se apercebe dois ou três dias antes da audiência, ou no próprio dia da audiência, que o pagamento não está realizado.” (ut Proc.º 1391/16.7T8AVR-A.P1, in https://www.direitoemdia.pt/ document/s/394b6f).
A jurisprudência tem-se dividido entre uma e a outra posições, como nos dá conta o Acórdão da Relação de Lisboa de 18/02/2020, que acolheu a posição do Aresto acima transcrito (ut Proc.º 9761/18.0T8LSB.L1-7, in www.dgsi.pt).
Ponderadas as razões esgrimidas por cada um dos lados, e atentas as que infra se vão expor, ressalvado o devido respeito pela tese defendida no Acórdão da Relação do Porto, crê-se que o legislador quis mesmo deixar em aberto a possibilidade de o pagamento ser efectuado até ao dia da audiência final ou da diligência probatória, devendo a parte em falta juntar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a sua realização antes de uma ou outra se iniciarem.
Esta prática tinha consagração legal no domínio do anterior Código das Custas Judiciais, que expressamente admitia o pagamento do preparo para julgamento até ao início da audiência.
Quer no domínio do art.º 512.º-B do anterior C.P.C., quer no art.º 14.º do R.C.P. o legislador associa o “documento comprovativo do pagamento” e/ou a “comprovação da sua realização” ao acto material do pagamento, na convicção, que parece segura, de que quem paga comprova/demonstra o pagamento. Se o não faz é porque não pagou, o que vem justificado pela imposição constante do n.º 3 de pagar a taxa de justiça em falta, acrescida da multa.
Não faz, assim, sentido interpretar de modo diferente as mesmas expressões consoante constem do n.º 3 ou do n.º 4 do art.º 14.º.
Se o legislador pretendesse a aplicação da cominação da impossibilidade de produção de prova em resultado do não pagamento no prazo referido no n.º 3, então aditar-lhe-ia, pura e simplesmente, os dizeres do n.º 4 – “o tribunal decreta a impossibilidade de realização das diligências de prova …”.
A exigência de comprovação ou demonstração do pagamento tem a ver com a auto-liquidação, introduzida no sistema de pagamento das taxas de justiça, multas e custas – a parte obrigada ao pagamento vai ao sistema informático e emite o DUC indo depois pagar. Em princípio, apenas o próprio sabe se efectuou ou não o pagamento, e daí a exigência da sua demonstração no processo.
Os fins (confessados) visados com a norma são os de compelir ao pagamento quem está obrigado a pagar.
Ora, estes fins são perfeitamente conseguidos quer o pagamento se faça no prazo referido no n.º 3, quer em tempo útil, antes do início da audiência final ou da diligência de produção de prova.
Em termos pragmáticos, um entendimento diferente poderá potenciar o surgimento de dois “sistemas” diferentes no mesmo tribunal se não na mesma secção – bastará que sejam diferentes os ritmos de trabalho ou o grau de controle dos processos, o que provocará divergentes momentos de notificação da parte para pagar, nos termos do n.º 3, e assim, a parte que foi notificada com mais de 10 dias de antecedência tem de efectuar o pagamento dias/semanas/meses antes da audiência final, e a que foi notificada mais tarde pode pagar até ao dia da audiência, já que, nos termos do disposto no n.º 6 do art.º 157.º do C.P.C., os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.
2.- Crê-se que este entendimento não belisca o princípio da igualdade desde que ambas as partes processuais possam usar do mesmo “benefício”.
O facto de uma das Partes efectuar o pagamento dentro do prazo estabelecido no n.º 2 e a outra o fazer até ao início da audiência final ou da diligência probatória não cria desequilíbrios nem favorecimentos já que a segunda está obrigada a pagar uma multa, que é a contrapartida do protelamento, no tempo, do pagamento da taxa devida.
O princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da Constituição, como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “tem a ver fundamentalmente com igual posição em matéria de direitos e deveres” e consiste “na proibição de privilégios ou benefícios no gozo de qualquer direito ou na isenção de qualquer dever; proibição de prejuízo ou detrimento na privação de qualquer direito ou na imposição de qualquer dever” (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, 4.ª ed. revista, págs. 338 e sgs.).
No essencial, como referem aqueles Constitucionalistas, “o princípio da igualdade traduz-se na regra da generalidade na atribuição de direitos e na imposição de deveres”, e, como vem sendo jurisprudência assente no Tribunal Constitucional, ele desdobra-se em duas dimensões: a proibição do arbítrio e a proibição da discriminação.
Ora, a interpretação do n.º 4 do art.º 14.º do R.C.P. que acima deixamos exposta, não prevendo nem pressupondo que a possibilidade do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça seja facultada apenas ao demandante ou ao demandado, não viola o princípio da igualdade, posto que a posição de equilíbrio entre ambas as partes do processo não é afectada.
A igualdade das partes sairia, isso sim, violada se o juiz, determinando a impossibilidade da realização das diligências de prova requeridas pela parte faltosa, viesse a realizá-las compelido pelo poder-dever de “realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”, nos termos consagrados no art.º 411.º do C.P.C..
3.- Na situação sub judicio crê-se que seria desproporcionado impedir os Autores, que residem no estrangeiro, de produzirem provas, apesar de terem efectuado o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, e da multa respectiva, cinco dias após o termo do prazo (considerando que se interpuseram as férias judiciais), havendo demonstrado nos autos esse pagamento cinco dias antes da audiência final.
Não pode, pois, conceder-se provimento à pretensão recursiva formulada pelos Apelantes.
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C) DECISÃO

Atento quanto fica exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas da apelação pelos Apelantes.
Guimarães, 15/10/2020

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho