CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO
ARRESTO
Sumário

Um contrato de concessão de exploração de serviço de cafetaria tipo snack-bar em centro hospitalar com limitações impostas ao concessionário como sejam por exemplo, a tabela de preços e produtos vendidos, mais não é que um contrato de cessão de exploração de um serviço público, contrato actualmente tipificado no CCP, razão pela qual a posição contratual não é susceptível de penhora (cfr. 737.º, nº 1 do CPCivil) e por lógica implicância objecto de arresto (artigo 391.º, nº 2 do mesmo diploma legal).

Texto Integral

Processo nº 935/20.4T8VNG-A.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia-J3
Relator: Des. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, residente na …, …, …, intentou a presente providência cautelar de arresto contra C…, D…, Lda., E…–Unipessoal, Lda, F…, G…, Lda., e H…, pedindo o arresto de:
1 - quota no valor nominal de € 4.750,00 que a 1ª Requerida detém no capital social da sociedade D…, Lda.;
2 - quota no valor nominal de € 20.000,00 que a 1ª Requerida detém no capital social da sociedade G…, Unipessoal, Lda.;
3 - quota no valor nominal de € 4.750,00 que a 1ª Requerida detém no capital social da sociedade E…, L.da;
4 - posição contratual que a sociedade E…, Lda, tem no contrato de concessão de exploração dos bares do Centro Hospitalar …, Santa Maria da Feira, que nele ingressou por cedência da posição contratual efectuada pela 2ª Requerida, mercê de decisão da 1ª Requerida na qualidade de sócia-gerente das duas sociedades.
Para tanto, alega em resumo que detém um crédito sobre as 1ª e 2ª Requeridas, sendo certo que a 1ª Requerida tem, como únicos bens, as quotas sociais indicadas para arresto, e que a 2ª Requerida apenas tinha, como acervo patrimonial, a posição contratual indicada para arresto, a qual veio a transmitir à 3ª Requerida.
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Tendo o processo seguido os seus regulares termos foi proferido pelo tribunal recorrido e na parte que aqui nos interessa o seguinte despacho:
“(…)
Finalmente, em relação ao requerido arresto da posição contratual que a sociedade E… tem no contrato de concessão da exploração dos bares do Centro Hospitalar …, e que lhe terá sido transmitida pela sociedade D…, L.da (documento junto aos autos em 28/5/2020, que aqui se dá por integralmente reproduzido), há que referir que, nos termos do art. 391º nº2 do Código de Processo Civil, o arresto consiste numa apreensão judicial de bens à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora. Por outro lado, refere o art. 737º nº1, do mesmo diploma, que estão isentos de penhora os bens de entidades concessionárias de serviços públicos que se encontrem especialmente afectados à realização de fins de utilidade pública. Ora, a posição da requerida E… no contrato de concessão da exploração dos bares do CHEDV constitui, precisamente, um direito afecto a fins de utilidade pública–tanto que se trata de contrato de concessão de direito público, celebrado ao abrigo das normas do Código dos Contratos Públicos (arts. 407º e ss.) e, portanto, sujeito às regras do Direito Administrativo (cfr. Ac. RC de 27/4/2017, proc. 836/16, disponível em http://www.dgsi.pt), aí se prevendo até expressamente que a cessão da posição contratual do concessionário depende de autorização do CHEDV. Assim, não sendo aquela posição contratual susceptível de penhora, não está igualmente sujeita a arresto, razão pela qual a providência terá de ser indeferida, também nessa parte.
Pelo exposto, nos termos do art. 590º nº1 do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente a presente providência:
a) Na totalidade, em relação aos requeridos D…, Lda., E…–Unipessoal, L.da, F…, G…, L.da, e H…;
b) Em relação à requerida C…, na parte em que vem pedido o arresto das quotas da mesma nas sociedades E…–Unipessoal, L.da, e G…, Lda.”
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Não se conformando com o assim decidido veio a Requerente interpor o presente recurso, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. Da exegese do despacho judicial aqui em crise, conclui-se que a razão que conduz ao indeferimento do arresto da posição contratual da vantagem global no contrato de exploração de Bar no Hospital … centra-se exclusivamente no facto, de este contrato constituir um contrato administrativo, que prossegue fins públicos e, nessa medida, insusceptível de apreensão.
2. A concessão de exploração de um bar de uma entidade pública empresarial não é um serviço de utilidade pública, nem visa a realização de fins de utilidade pública.
3. A contratação de exploração do Bar de Um hospital EPE não visa satisfazer uma imediata utilidade pública, mas antes o de obter uma receita com a exploração de um bar, um estabelecimento inserido dentro das instalações físicas do Hospital.
4. Os hospitais do Serviço Nacional de Saúde-entre os quais se inclui o CDHV são pessoas colectivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa e financeira, cuja capacidade jurídica abrange todos os direitos e obrigações necessários à prossecução dos seus fins definidos legalmente.
5. Tais fins são, como resulta da lei, a prestação de cuidados de saúde, efectivando a responsabilidade assumida pelo Estado "na protecção da saúde individual e colectiva (art°s. 1º e 2º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde aprovado pelo DL 11/93, de 15 de Janeiro, no desenvolvimento da Lei 48/90, de 24 de Agosto-Lei de Bases da Saúde).
6. A exploração de um Bar poderá proporcionar alguns benefícios de comodidade ao pessoal e utentes (incluindo as famílias dos doentes), todavia, não se vislumbra que tal actividade possa enquadrar-se no "serviço público de prestação de cuidados de saúde", tarefa administrativa de que o Hospital está incumbido.
7. Para que se possa falar em concessão de serviço público é necessário-hoje mais que nunca, até por imposições do direito comunitário, como se deixou expresso-que exista entre o objecto do contrato (ou do acto) e os fins legal e necessariamente prosseguidos pelo ente público concedente, uma conexão intensa, próxima e directa. (Sentido idêntico pode colher-se na fundamentação do Ac. do Tribunal de Conflitos, de 18.01.2006, p. 20/03, disponível na base de dados do ST A).
8. Essa conexão (intensa, próxima e directa) não existe, patentemente, entre o objecto do contrato dos autos e as atribuições legais (de prestação de cuidados de saúde) do Hospital.
9. Soçobrando, deste modo, a decisão judicial aqui em causa, de indeferir o arresto requerido, com o fundamento, de tal apreensão não ser possível, por se tratar de um contrato administrativo que prossegue um fim público.
10. O contrato aqui em causa não prossegue um fim público, e, por essa razão, é susceptível de apreensão, e portanto d penhora ou arresto.
11. Decidiu incorrectamente o Tribunal de 1ª Instância violando as normas ínsitas nos arts. disposto no art. 391° n°2 e 737° n° 1 do Código de Processo Civil.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram dispensados os vistos legais.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. cfr. arts. 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se existia, ou não, fundamento para indeferir a providência cautelar de arresto em relação à posição contratual da E…-Unipessoal, Lda. no contrato de exploração de Bar no Hospital ….
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A dinâmica factual a ter em conta para a dilucidação da questão colocada é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá por reproduzida.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar:
a)- saber se existia, ou não, fundamento para indeferir a providência cautelar de arresto em relação à posição contratual da E…-Unipessoal, Lda. no contrato de exploração de Bar no Hospital ….
Como se evidencia da decisão recorrida, a razão que conduziu ao indeferimento do arresto da posição contratual no contrato de exploração em causa centrou-se, exclusivamente, no facto de este contrato constituir um contrato administrativo que prossegue fins públicos e, nessa medida, insusceptível de apreensão.
Deste entendimento dissente a recorrente, alegando em resumo que a concessão de exploração de um bar de uma entidade pública empresarial não é um serviço de utilidade pública, nem visa a realização de fins de utilidade pública, sendo que a contratação de exploração do Bar de Um hospital EPE visa antes obter uma receita com a exploração de um bar, um estabelecimento inserido dentro das instalações físicas do Hospital.
Quid iuris?
Salvo o devido respeito por diferente opinião, não sufragamos o entendimento plasmado nas alegações recursivas e respectivas conclusões apresentadas pela recorrente.
Não há dúvida, como a própria recorrente refere, que os hospitais do Serviço Nacional de Saúde, entre os quais se inclui o CHEDV, são pessoas colectivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa e financeira, cuja capacidade jurídica abrange todos os direitos e obrigações necessários à prossecução dos seus fins definidos legalmente.
Como se mostra nos autos entre o CHEDV e a D…, foi celebrado o contrato de concessão da exploração dos bares do Centro Hospitalar …, cuja cópia foi junta aos autos em em 28/5/2020, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
Ora, nos termos do disposto no artigo 16.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL 18/2008, de 29 de Janeiro existe lei específica que submeta o contrato em causa nos presentes autos, ou que admita que seja submetido, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, pelo que, por força do disposto na al. e), do n.º 1, do artigo 4.º do ETAF e, bem assim, do artigo 16.º do CCP, estamos perante um contrato, em que uma das partes é uma pessoa colectiva de direito público e que pode/deve ser submetido a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
Analisando agora as cláusulas inseridas em tal contrato, verifica-se que na cláusula 6ª foram impostas uma séria de obrigações à segunda outorgante e parente o cedente, que claramente demonstram que o que está em causa mais não é que um contrato de cessão de exploração de um serviço público, contrato actualmente tipificado no CCP.
Veja-se, a título de exemplo, entre outras, a necessidade de a tabela de preços ou sua variação ser submetida à autorização prévia do Conselho de Administração do cedente, a de comercializar produtos que contribuam para uma alimentação saudável (com baixo teor de lípidos e índices de açúcar) etc., ou mesmo a cláusula 9ª onde se prevê expressamente que a cessão da posição contratual do concessionário depende de autorização do CHEDV.
Portanto, o cedente actua fazendo uso do seu ius imperium, impondo determinadas obrigações à concessionária que, numa “normal” cessão de exploração não acontece.
E tal apenas foi possível dada a veste em que o cedente actua, na defesa do interesse público, neste caso da comunidade que utiliza as instalações dos hospitais em causa, limitando assim que a entidade cessionária, no exercício da livre concorrência de mercado, vendesse o que quisesse e pelos preços que entendesse, ou seja, a actividade concessionada pelo cedente mais não é que uma obrigação sua, sendo, portanto, uma actividade desenvolvida para e no interesse dos utentes dos serviços hospitalares e, em última análise, no interesse público.
Destarte e tal como se refere na decisão recorrida, a posição da requerida E… no contrato de concessão da exploração dos bares do CHEDV constitui direito afecto a fins de utilidade pública, razão pela qual não sendo aquela posição contratual susceptível de penhora, não está igualmente sujeita a arresto, face ao estatuído nos artigos 391.º, nº 2 e 737.º, nº 1 do CPCivil.
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pela recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente (artigo 527.º, nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 24/09/2020.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)