TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
UNIDADE HOTELEIRA
Sumário

I - O conceito de transmissão subjacente à norma do artigo 285º do Código de Trabalho, é amplo, incluindo todas as mudanças estáveis, ainda que não definitivas, na gestão do estabelecimento ou da empresa.
II - Ainda que os trabalhadores exercessem funções no hotel quando a Arguida - titular de licença para o explorar mas nunca tendo explorado nenhum estabelecimento de hotelaria-, moveu a ação onde foi proferida a decisão que ordenou a desocupação imediata do imóvel em questão e foi consumada a entrega, não tendo aquela ficado a explorar o hotel (nem se demonstrando que outrem tivesse ficado), tendo a clientela sido reencaminhada para hotéis da mesma cadeia que iniciou a exploração do hotel até então e ficando demonstrado que o recebido pela Arguida na procedência da ação declarativa de condenação não foi um estabelecimento coincidente com o que era explorado no imóvel, é de se considerar afastada a transferência da Unidade hoteleira para a Arguida.

Texto Integral

Processo nº 12806/19.2T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 2
Relatora: Teresa Sá Lopes
Adjunto: Desembargador António Luís de Oliveira Carvalhão
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório:
1.1. Não se conformando com a decisão da Autoridade para As Condições de Trabalho (ACT), que condenou a B…, Ldª e C… no pagamento de uma coima única no montante de € 9.180,00 (nove mil cento e oitenta euros) acrescida de custas processuais no valor de € 81,60 (oitenta e um euros e sessenta cêntimos), pela infração do disposto no artigo 285º do Código do Trabalho, vieram ambos impugnar judicialmente a mesma, ao abrigo do disposto no artigo 32º e seguintes da Lei nº 107/2009 de 14 de setembro, tendo sido formuladas as seguintes conclusões:
1.A condenação do impugnante, como responsável solidário da coima aplicada à arguida, por aplicação do disposto no artº 551º, nº 3 do Código do Trabalho, padece de inconstitucionalidade material, por violação do artº 30º, nº 3 da CRP.
2.Embora a responsabilidade solidária prevista no referido artº 551º, nº 3 do CT se refira apenas ao pagamento da coima, e sendo certo que esta assume enquanto sanção principal, natureza estritamente patrimonial, não sendo convertível em pena de prisão (artº 89º do RGCO), a mesma não pode ser vista como mero direito de crédito do Estado.
3.Efetivamente, a coima constitui uma reação social à contraordenação, sendo tal como a pena criminal, uma sanção de carater repressivo.
4.Atento tal caracter repressivo, o facto típico da contraordenação que não lhe dá origem tem forçosamente de ser imputável a um autor, no sentido de que o mesmo possa ser censurado pela comissão da infração (cfr artº 1º RGCO).
5.A norma em questão consagra a possibilidade da transmissão da responsabilidade contraordenacional, que é equiparável à responsabilidade penal, o que não é permitido pela Constituição (artº 30º, nº3), equivalente à punição dos administradores, gerentes ou diretores em termos de responsabilidade objetiva, ou seja, sem necessidade, ou seja, sem necessidade da verificação da imputação subjetiva a título de culpa.
6.Pelo exposto, terá de se considerar que a norma do nº 3 do artº 551º do Código do Trabalho, padece de inconstitucionalidade material por violar o disposto no nº 3 do artº 30º da Constituição da República Portuguesa, devendo, por isso, ser recusada a sua aplicação.
7.Por outro lado, sendo as contraordenações previstas no Código do Trabalho da responsabilidade do empregador e sancionadas em função do volume de negócios da empresa e do grau de culpa do infrator (artºs 551º, nº 1 e 554º, nº 1 daquele diploma), verifica-se que a corresponsabilização, em termos de solidariedade passiva, dos administradores, gerentes e diretores pelo pagamento da coima aplicada nos casos em que o infrator seja uma pessoa coletiva ou equiparada em que aqueles exerçam funções, tal como prevista no artº 551º, nº 3 do citado Código, coloca os responsáveis solidários numa situação mais precária do que se fossem pessoalmente responsáveis pela contraordenação.
8.Tal responsabilidade solidária afigura-se, por isso, excessiva e desrazoável, na perspetiva das consequências na esfera pessoal dos corresponsáveis.
9.Acresce que, a mesma responsabilidade não se mostra indispensável nem à realização dos deveres de proteção extraídos do artº 59º, nº 1, al. c) da Constituição, nem tão pouco, à garantia da cobrança efetiva da coima aplicada à pessoa coletiva – basta citar, a título de exemplo, soluções alternativas que passassem pela imposição aos próprios administradores, gerentes e diretores de pessoas coletivas ou equiparadas de deveres legais de garantia do cumprimento de regras tuteladoras dos direitos dos trabalhadores por conta da empresa ou de deveres de garantia (patrimonial) em caso de não pagamento pela empresa das coimas que lhe tivessem sido aplicadas (responsabilidade subsidiária).
10.Deste modo, o sacrifício imposto aos administradores, gerentes e diretores de pessoas coletivas ou equiparadas pela transmissão de parte essencial de responsabilidade contraordenacional destas últimas por via de solidariedade passiva quanto ao pagamento das coimas aplicadas não se mostra justificado pelas vantagens obtidas relativamente aos fins de proteção visados pelo artº 551º, nº 3 do Código do Trabalho.
11.Consequentemente, a responsabilidade solidária consignada nesse preceito legal viola o principio da proibição de transmissão da responsabilidade sancionatória pública, e como tal deverá ser revogada tal decisão, não responsabilizando o impugnante pelas coimas aplicadas à sociedade.
12.Na decisão administrativa foi aplicada à arguida uma coima no montante de € 9.180,00 nove mil cento e oitenta euros) por violação do estatuído no artº 285º do CT, infração que constitui contraordenação muito grave, nos termos do nº 6 do referido artigo.
13.A fundamentação da decisão relativa à prática da infração é totalmente omissa, cingindo-se, apenas, a elencar factos provados e a citar uma série de doutrina e legislação.
14.Da leitura dos factos provados, da doutrina e legislação elencados apenas é possível concluir que não existiu, no caso presente, qualquer transmissão de estabelecimento, pelo que, nunca poderia a aqui impugnante ser condenada pela prática de uma contraordenação.
15.Expressamente se impugna tudo o que é alegado na referida decisão, relativamente à existência de transmissão do estabelecimento comercial em causa, bem como do próprio auto de notícia.
16.A arguida dedica-se, com caracter de regularidade e escopo lucrativo, à gestão de imóveis próprios e construção de estabelecimentos de hotelaria e turismo.
17.A arguida é dona e legítima possuidora do edifício composto por duas caves, rés do chão e 4 pisos, destinados a serviços (unidade hoteleira), sito na …, nº …, freguesia …, concelho do Porto, descrito na CRP sob os nºs 2097, 2098, 5048 e 5218 e inscrito na respetiva matriz sob os artºs 4063, 6814, 6815 e 11818, a que foi concedido o alvará de utilização nº …., no processo …./../CMP.
18.Não obstante o seu objeto social, a arguida nunca explorou nenhum estabelecimento de hotelaria.
19.O referido imóvel, embora sua propriedade, nunca se encontrou apto a desenvolver a atividade de hotelaria, uma vez que não se encontrava dotado de bens suficientes e capazes de garantir tal atividade.
20.Em bom rigor, a arguida apenas terminou a construção do referido imóvel, com o único intuito de o arrendar ou vender.
21.Por tal motivo, em 1 de setembro de 2010, a arguida celebrou com D…, Lda, um contrato que denominaram por “contrato de arrendamento comercial e pacto de preferência”.
22.Após tal contrato, e uma vez que esta empresa pretendia exercer a atividade de hotelaria, dotou o referido imóvel, então arrendado, de todos os bens e pessoas necessárias ao desenvolvimento dessa mesma atividade.
23.Ou seja, apenas com o contrato de arrendamento celebrado, e após a D…, Lda equipar o imóvel, é que o mesmo se tornou um estabelecimento hoteleiro (por ação exclusiva desta empresa arrendatária), tendo começado, só a partir de tal momento, a funcionar como tal.
24.Algum tempo após a celebração do contrato de arrendamento e da D… equipar e dotar o imóvel da Arguida de forma a poder desenvolver a atividade de hotelaria, e exercer, efetivamente tal atividade, a administração Tributária entendeu que o contrato de arrendamento, então celebrado, deveria revestir a forma de contrato de cessão de exploração e pacto de preferência, pelo que foi celebrado um contrato de cessão de exploração.
25.A partir de 29 de janeiro de 2013, a D…, Lda deixou de cumprir com a obrigação a que voluntariamente se vinculou aquando da realização do contrato de arrendamento e, posteriormente, do contrato de cessão de exploração – o pagamento das prestações mensais, o que evidentemente, acarretou avultados prejuízos para a Arguida.
26.A Arguida intentou contra a D…, Lda uma ação em que peticionou a resolução do contrato celebrado e onde deduziu incidentalmente um pedido de despejo, cujo processo nº 1559/13.8TBBRG correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Instância Central de Braga – 1ª Seção Cível – J4.
27.A decisão, datada de 30 de outubro de 2015, decretou a imediata desocupação do imóvel por parte da D…, Lda.
28.Três dias após o conhecimento da decisão, a D…, Lda desocupou o imóvel.
29.Durante esses três dias, através de Agente de Execução, que abria e fechava o imóvel, a D…, Lda, retirou todos os seus bens do locado, propriedade da aqui impugnante (quer móveis, quer programas informáticos), deixando-o completamente devoluto, livre de pessoas e bens, apenas aí permanecendo as partes já integrantes do imóvel e pertencentes à Arguida.
30.Inclusivé, reencaminhou a clientela para outros hóteis pertencentes à cadeia de hóteis da D…, Lda.
31.Ou seja, após o despejo da D…, Lda, em 30 de outubro de 2015, o estabelecimento hoteleiro instalado no imóvel da impugnante perdeu a sua identidade económica, uma vez que o mesmo já não era apto a desenvolver a sua atividade.
32.Relembra-se e ressalva-se, porque nunca é demais, que o imóvel da Arguida apenas se tornou apto a desenvolver atividade de hotelaria após a celebração do contrato de arrendamento com a D… e quando esta o dotou de todos os bens e pessoas essenciais ao desenvolvimento daquela atividade.
33.Até então, nunca tal atividade poderia ser desenvolvida no imóvel da Arguida, por não estar o mesmo devidamente dotado e equipado para o efeito.
34.Ora, assumindo a impugnante a posição de senhoria da D…, Lda, após o despejo – e como se disse – aquela, três dias depois, entregou o locado livre de pessoas e bens, tendo o mesmo encerrado portas na data da desocupação da D…, Lda.
35.Encerrou o hotel, assim como toda a atividade relacionada com o mesmo.
36.E nunca a Arguida pretendeu reabri-lo e explora-lo – razão pela qual o mesmo permaneceu fechado.
37.Na verdade, e conforme resulta da decisão judicial supra referida, a motivação da Arguida foi evitar que a D…, Lda continuasse a locupletar-se, ilegitimamente, à sua custa, isto porque, naquela data, a dívida da D…, Lda para com a Arguida já ascendia a valores superiores a € 1.000.000.000,00 (um milhão de euros).
38.É inevitável concluir, que um despejo de imóvel, não é, nem nunca foi, uma transmissão ou reversão de estabelecimento comercial.
39.A transmissão do estabelecimento – regulada pelo artº 285º CT que transpõe a diretiva 2001/23/CE, não se dá por aplicação imperativa e automática dos preceitos, mas antes, a transmissão de posições nos contratos de trabalho que se dá, imperativamente, a partir do momento em que se verifique uma situação de facto que se possa considerar como uma transmissão de estabelecimento.
40.Não havendo qualquer automatismo, é sempre preciso verificar se de facto aconteceu uma transmissão de estabelecimento, para que exista a transmissão dos contratos de trabalho.
41.A Arguida ao manter o estabelecimento comercial encerrado após a exploração da D…, Lda e não correspondendo à sua efetiva vontade a exploração do mesmo, a transmissão/reversão do estabelecimento não operou (nem poderia), pois é pressuposto da transmissão/reversão do estabelecimento que este continue em pleno funcionamento.
42.A impugnante nunca pretendeu explorar o aludido estabelecimento comercial, daí o manter encerrado.
43.Mas também nunca adquiriu o complexo organizacional composto de instalações, colaboradores, equipamentos (p. ex, computadores e programas informáticos) e clientela.
44.Pois a D…, Lda retirou do estabelecimento todos os bens de que era proprietária, apenas deixando os bens pertencentes ao imóvel, que nunca foram aptos a permitir o desenvolvimento da atividade hoteleira.
45.Serve isto para dizer, que a Arguida mesmo que o quisesse – o que não se concede nem concebe e apenas se admite por mera cautela de patrocínio – nunca lhe foi transmitido o D…, com todo o ativo corpóreo mobiliário, designadamente, os equipamentos, utensílios, bem como a clientela, que se destinassem a assegurar a efetiva execução do seu fim.
46.Do exposto resulta, manifestamente evidente, que o referido estabelecimento comercial, após a exploração da D…, Lda., jamais manteve a sua identidade e para que ocorresse transmissão do estabelecimento, seria necessário englobar-se os seus bens móveis ou equipamentos, mas também bens incorpóreos, tais como a transmissão do Know how, a sucessão da actividade sem interrupção, a manutenção da clientela e a identidade da actividade desenvolvida após a transferência, o que não sucedeu.
47.Teria, ainda, aquele hotel de se encontrar a funcionar, aberto ao público, o que também não ocorreu.
48.Desta forma, naquele estabelecimento deixou de existir qualquer tipo de exploração, quer da atividade hoteleira, quer de qualquer outra, pelo que, nunca no presente caso poderia existir uma transmissão/reversão do aludido estabelecimento comercial, nos termos do disposto no artigo 285º CT.
49.E, bem assim, nunca a Arguida adquiriu, nem poderia, a posição de empregadora nos contratos de trabalho dos trabalhadores da D…, Lda.
50.A Directiva 2001/23/CE tem em vista assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente da mudança de proprietário.
51.Não obstante, o critério decisivo para estabelecer a existência de uma transferência na acepção desta directiva é, pois, o de saber se a entidade em questão mantém a sua identidade, o que resulta designadamente da continuação efectiva da exploração ou da sua retoma.
52.Na decisão de que aqui se recorre é dito, precisamente, que o Tribunal de Justiça da União Europeia define critérios, os quais não são fechados sendo que a sua concretização obedece a cada caso e que alguns dos critérios, não cumulativos são o cessionário continuar a desenvolver a mm atividade económica; manter a maioria dos trabalhadores, existir a transferência da clientela e ser a atividade exercida antes e depois”
53.Acrescenta, ainda, que há transmissão sempre que se verificar que a estrutura transmitida mantém a sua identidade na estrutura do adquirente, havendo identidade quando os fatores produtivos, ainda que noutra organização, continuam a exercer a mesma atividade com a manutenção do nexo funcional entre os diferentes fatores transferidos.
54.Face a esta fundamentação de direito plasmada na decisão, não se percebe, de todo, como pode ser dado como provado que em 11/11/2015, foi efetuada visita inspetiva ao estabelecimento em causa, o hotel designado de “D…” o qual estava encerrado e que no auto de entrega do imóvel consta que foram concluídas as diligencias em 05/11/2015, mencionado que foi entregue o imóvel contendo apenas os bens da arguida,
55.E concluir, sem mais, que houve uma transmissão da posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores!?
56.há uma visível contradição entre os factos provados e a fundamentação de direito (até porque de facto é inexistente) com a decisão proferida, sendo que, de acordo com a fundamentação existente, a decisão só poderia ser a de considerar inexistente a transmissão de estabelecimento comercial e consequentemente dos contratos de trabalho!
57.A possibilidade de se equacionar a existência de transmissão do estabelecimento nos moldes do presente caso, mais não é do que surreal, pois, com tal situação apenas se criaria uma nova e única solução jurídica, isto é: sempre que os senhorios dos imóveis onde se encontrem estabelecimentos comerciais resolvessem o contrato de arrendamento/exploração por falta de pagamento das rendas, estaríamos, portanto, perante uma situação de transmissão do estabelecimento nos termos do artigo 285º do CT, em que estes, além do prejuízo em virtude da falta de pagamento das prestações mensais, ainda teriam de responsabilizar-se pelos contratos de trabalho dos trabalhadores dos estabelecimentos que até então, funcionavam nos seus imóveis, sem que, no entanto, os senhorios tivessem qualquer relação com os mesmos, quer antes, quer após a suposta resolução do contrato.
58.A situação do presente caso, nada tem a ver com uma transmissão de estabelecimento.
59.E a considerar a mesma como tal, desvirtua-se, por completo, a ideia subjacente ao artigo 285º Código do Trabalho.
60.A titulo meramente académico, diremos apenas, que o facto jurídico que deu origem a esta discussão (existência de transmissão do estabelecimento comercial) foi a decisão de despejo, datada de 30/10/2015.
61.A considerar-se a existência da transmissão do estabelecimento comercial aqui em causa – o que não se concede – a mesma operou na data da sentença do despejo: 30/10/2015.
62.Não obstante, até 05/11/2015, a D… permaneceu no imóvel.
63.Os trabalhadores continuaram, até então, a exercer as suas funções e outras (como proceder à desinstalação dos bens pertencentes à D…), sobre direção e autoridade desta
64.Os trabalhadores foram remunerados até ao dia 05/11/2015 pela D….
65.Fica, assim, a duvida de quando ocorre a transmissão dos contratos de trabalho.
66.Ora, a transmissão ocorre em virtude do despejo (facto jurídico) em 30/10/2015, mas a transmissão dos contratos de trabalho, já ocorre posteriormente? quando a D… bem entendesse?!
67.Analisada adequadamente a situação subjacente aos presentes autos, facilmente se constata que é impossível ter existido uma transmissão do estabelecimento.
68.No caso não resultou apurado que a Arguida desenvolve-se, efetivamente, a atividade de hotelaria quer antes quer após o despejo.
69.Resultou, sim, demonstrado, que o imóvel da Arguida nunca esteve apto a funcionar como unidade hoteleira.
70.Tal facto só foi possível após o contrato de arrendamento com a sociedade D…, lda., que após efetuar o arrendamento do imóvel, o dotou de todos os meios necessários para desempenhar a função e atividade de hotelaria.
71.Após o despejo, a D…, lda. removeu todos esses meios (bens móveis, computadores, programas informáticos) e desviou a clientela para outros hotéis do grupo.
72.À arguida foi-lhe devolvido o imóvel devoluto de pessoas e bens.
73.Forçoso é de concluir, que o hotel que a D…, lda. explorava, quando entregue à Impugnante, perdeu toda a sua identidade económica, encontrando-se impossibilitado de prosseguir com o seu fim e atividade.
74.O mesmo foi encerrado e nunca a Impugnante pretendeu dotá-lo, por si, de meios e bens que permitissem “reiniciar” a atividade de hotelaria – motivo pelo qual continuou encerrado!
75.Pelo que, contrariamente ao alegado na decisão administrativa recorrida, não ocorreu – nem poderia – a transmissão do estabelecimento comercial e, consequentemente, não ocorreu a transmissão dos contratos de trabalho,
76.Não podendo, pois, ser condenada pela prática da contraordenação que lhe é imputada.

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O Ministério Público acompanhou a decisão da Entidade Administrativa.
Em 27.02.2020, foi proferida sentença, em cujo dispositivo se lê:
“Nos termos legais e fatuais expostos, julgo o presente recurso de contraordenação totalmente improcedente e, em consequência, confirmo integralmente a decisão recorrida.
Custas a cargo da Arguida, fixando em 1 UC a taxa de Justiça.
Notifique e deposite”.

A Arguida veio recorrer da mencionada sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
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O Ministério Publico respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, referindo em conclusão:
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A Ex.ª Sr.ª Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso, aí se lendo:
“(…)
Efetivamente, como refere a M. Juiz a quo, “Tanto a doutrina, como a jurisprudência, designadamente a do TJCE, hoje TJUE, têm vindo a adotar um conceito amplo de transmissão, dispensando designadamente a necessidade de um vínculo contratual entre o cedente e o cessionário, e admitindo-se um largo leque de situações no que se reporta ao fenómeno transmissivo.”
“(…) bastando para que tal se verifique “… a preservação da identidade económica transmitida…” – cfr. David Falcão / Sérgio Tenreiro Tomás, in Transmissão da Unidade Económica e suas Implicações no Contrato de trabalho: Jurisprudência do TJUE e Jurisprudência Nacional, in Questões Laborais, n.º 50, Almedina, págs. 22/23.”
“Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião, embora sem clientela que foi colocada em outras unidades hoteleiras da D…, Lda. e sem alguns bens, a atividade de hotelaria não foi prosseguida, porque, como refere a Arguida não o pretendia prosseguir.
No entanto, o imóvel, estabelecimento comercial, foi entregue à Arguida, que detinha o alvará necessário, em seu nome, e os bens que aquando da celebração do contrato de arrendamento e depois de cessão de exploração e pacto de preferência.
Decidiu-se em 26.10.2017 neste TRP, na apelação n.º 2351/15.0T8AVR-F.P1:
“I – No artigo 285.º do CT de 2009 prevê-se uma noção ampla de transmissão de empresa ou estabelecimento, ou uma sua parte, com a consequente transmissão da posição jurídica do empregador, sempre que ocorra uma transferência de uma unidade económica que mantenha a sua identidade, entendida esta como um conjunto organizado de meios com objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória – o que tem sido também afirmado pela jurisprudência do TJUE, à luz das Diretivas 77/187/CE, 98/50/CE e 2001/23/CE -, englobando-se nesse conceito uma multiplicidade de hipóteses, tais como o trespasse do estabelecimento, a transmissão decorrente da venda judicial, a mudança da titularidade do estabelecimento por força da fusão ou cisão de sociedades, a aquisição de uma empresa privada por uma pessoa coletiva de direito público e até situações de transmissão inválida, neste caso por a destruição do negócio não obstar à eficácia dos contratos de trabalho com o transmissário relativamente ao tempo em que os mesmos foram executados.
II – O regime estabelecido teve em vista, por um lado, garantir o direito à manutenção do posto de trabalho, que constitui uma das vertentes do direito constitucional consagrado no artigo 53.º da CRP, nos casos de transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, e, por outro, tutelar o próprio estabelecimento, ou seja garantir a continuidade do funcionamento da empresa que é objecto da transmissão.
(…)”.
Verificando-se o elemento objetivo da contraordenação imputável à Arguida, a mesma pode-lhe ser imputada a título de negligência, como advém da decisão administrativa.
Emite-se parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.”.

Colheram-se os vistos legais.

2. Objeto do recurso:
Tendo em conta as conclusões formuladas pela Recorrente e o supra decidido em sede de questões prévias, são as seguintes as questões nele suscitadas (pela ordem por que as apreciaremos):
- Saber se ocorre erro de julgamento por não se terem provado factos que permitam concluir pela transmissão do estabelecimento comercial (Unidade Hoteleira) para a Ré.

3. Fundamentação:
3.1. Na 1ª instância foi esta a decisão de facto:
“Com relevo para a decisão ficaram apurados os seguintes factos:
1. A empresa «B…, Lda» tem o NIF ………, CAE principal ….. - hotéis com restaurante.
2. O objeto principal da arguida é gestão de imoveis próprios, construção e exploração de estabelecimentos de hotelaria e turismo.
3. A arguida tem sede na Rua …, n.º …, 6º, sala .., ….-… Braga e local de trabalho sito na …, n.º …, ….-… Porto.
4. A arguida é representada legalmente por C…, com o NIF ……… e com residência/sede na Rua …, n.º …, 6º, sala .., ….-… Braga.
5. A B…, Lda é dona e legitima proprietária do edifício composto por duas caves, rés do chão e 4 pisos, destinado a serviços (Unidade Hoteleira), sito na …, nº …, freguesia …, concelho do Porto, descrito na CRP sob os nºs 2097, 2098, 5048 e 5218 e inscrito na respetiva matriz sob os artºs 4063, 6814, 6815 e 11818, a que foi concedido o alvará de utilização nº …., no processo …../../CMP.
6. Em 1 de setembro de 2010, a B…, Lda celebrou com a D…, Lda um acordo que denominaram “contrato de arrendamento comercial e pacto de preferência”, incidente sobre o referido edifício (com exceção de 3 lojas nele edificadas), tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 41 vº a 44 e 64 vº a 67, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7. A Fazenda Nacional veio a considerar o aludido contrato, para efeitos fiscais, não como “contrato de arrendamento comercial e pacto de preferência” mas um “contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial”.
8. A 11 de outubro de 2011, a B…, Lda celebrou com a D…, Lda, acordo denominado “contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial”, incidente sobre o estabelecimento comercial (Unidade Hoteleira) sito na …, nº …, freguesia …, concelho do Porto, descrito na CRP sob os nºs 2097, 2098, 5048 e 5218 e inscrito na respetiva matriz sob os artºs 4063, 6814, 6815 e 11818, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 46 a 52, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. Acordaram as partes que a 1ª Ré D…, Lda, pagaria à Autora B…, Lda, pela exploração do estabelecimento “uma prestação mensal composta por uma parte fixa e por uma parte variável”.
10. A B…, Lda instaurou ação declarativa de condenação contra D…, Lda e E… e F…, que correu termos sob o nº no Tribunal Judicial de Braga, pedindo que:
a) se reconheça e declare como válida a resolução do contrato de cessão de exploração levada a cabo pela Autora, com efeitos a partir de 29 de janeiro de 2013, pelo incumprimento definitivo e culposo por parte da 1ª Ré das respetivas obrigações;
b) se condene a 1ª Ré a reconhecer essa resolução do contrato e a entregar de imediato, o objeto do mesmo – estabelecimento comercial (Unidade Hoteleira) identificado na cláusula primeira – à Autora, livre e desembaraçado de pessoas e bens;
c) se condene a 1ª Ré e os 2ºs Réus, solidariamente, a pagarem à Autora a quantia global de € 111.299,20;
d) se condene a 1ª Ré a comunicar aos autos a faturação mensal bruta da exploração que fez do estabelecimento comercial em causa, entre 30 de setembro de 2011 e 29 de janeiro de 2013;
e) se condenem a 1ª Ré e os 2ºs Réus, solidariamente, a pagarem à Autora o saldo entretanto resultante da diferença entre a prestação mensal fixa de cada um desses meses e 25% da faturação mensal bruta de cada um dos mesmos meses.
11. Por sentença transitada em julgado foram os Réus condenados:
a) no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão, a comunicar a 1ª Ré à Autora a faturação mensal bruta da exploração que fez do estabelecimento comercial em causa, entre 1 de outubro de 2011 e 31 de outubro de 2015, acompanhada dos elementos contabilísticos e, caso haja saldo positivo, condenar os Réus solidariamente a pagar à Autora o saldo resultante da diferença entre a prestação mensal fixa de cada um desses meses e 25% da faturação mensal bruta de cada um dos mesmos meses.
12. Em 10 de novembro de 2015, deu entrada na ACT-CLGP uma comunicação da sociedade D…, Lda, na qual esta informa que em cumprimento da decisão judicial proferida no processo que sob o n.º 1559/13.8TBBRG corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Instância Central de Braga, 1ª Secção Civil, J4, a D…, Lda, NIPC ………, se viu obrigada a entregar a exploração do estabelecimento de hotelaria sito na …, n.º …, freguesia …, cidade e concelho do Porto, à proprietária do estabelecimento, a sociedade B…, Lda, NIPC ………, com sede na Rua …, n.º …, 6º, sala .. Freguesia …, Braga.
13. Mais juntou nessa comunicação «… a lista de trabalhadores relativamente aos quais se transmitiu a posição de empregador, que são todos os que prestam serviço no referido estabelecimento comercial, para conhecimento de V. Exa.”.
14. Em 11 de novembro de 2015, foi efetuada visita inspetiva ao estabelecimento em causa, o hotel designado de “D…”, o qual estava encerrado.
15. Em 13 de novembro de 2015, foi enviada notificação para apresentação de documentos, via CTT REG/AR, para a sede da arguida, a qual foi rececionada.
16. Em 18 de novembro de 2015, via correio eletrónico, foi recebida a resposta à Notificação atrás mencionada, na qual a arguida anexou a Declaração escrita dirigida à ACT, datada de 18 de novembro de 2015, onde a arguida propugna o entendimento da não transmissão do estabelecimento; a Petição inicial da ação judicial intentada pela ora autuada contra a sociedade D…, Lda, pessoa coletiva n.º ………, e outros, e respetivos documentos anexos, dos quais se destacam os seguintes: contrato de arrendamento comercial e pacto de preferência, contrato de exploração e pacto de preferência, relação de bens; e Incidente de despejo imediato.
17. Em 24 de novembro de 2015 teve lugar uma reunião nos Serviços da ACT na qual a arguida quando questionada sobre se o encerramento do hotel, referiu que se previa ser temporário.
18. O encerramento ocorreu em 5 de novembro de 2015 aquando da entrega do imóvel e estabelecimento.
19. A sociedade D…, Lda, foi igualmente notificada no âmbito deste processo, via CTT REG/ AR, para exibir diversa documentação.
20. Tendo remetido através de correio eletrónico, datado de 26 de novembro de 2015, cópia do alvará de utilização e Relação de bens datada de 01/09/2010.
21. Foi ainda exibido, na pendência deste processo, pela sociedade D…, Lda, cópia da carta enviada à Segurança Social intitulada “transmissão da posição de empregador” em relação aos trabalhadores mencionados na listagem anexa.
22. A arguida não exibiu nenhum documento com o mesmo teor.
23. Em 30 de novembro de 2015, foi rececionada por estes Serviços, através de correio eletrónico, uma declaração da arguida na qual reitera a sua posição no sentido da não transmissão da posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores em questão.
24. Na decisão do incidente de despejo imediato, datado de 30 de outubro de 2015, foi ordenada a desocupação imediata do imóvel em questão pela sociedade D…, Lda.
25. No auto de entrega do imóvel consta que foram concluídas as diligências em 5 de novembro de 2015, mencionado que “Foi entregue à A. o imóvel e o estabelecimento contendo o que o compõe exceto os bens constantes da relação anexa,” junta aos autos a fls. 20 a 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido
26. Foi emitido a favor da Arguida o alvará de utilização nº …., junto aos autos a fls. 64, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
27. Na relação de bens datada de 1 de setembro de 2010, junta aos autos a fls 64 vº a 67, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, constam os bens propriedade da arguida.
28. Aquando do despejo, foram removidos pela sociedade D…, Lda em 5 de novembro de 2015 os bens constantes do documento junto aos autos a fls 20 a 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
29. A construtora com designação de «G…, Lda» decidiu fazer um Hotel.
30. Mais tarde, já a meio das obras de construção decidiram criar a empresa que é ora arguida, que terminou a obra e ficou detentora do imóvel.
31. Tiveram uma proposta dos «D…» para arrendamento em 2010, contrato que celebraram por 5 anos,
32. Os «D…», depois de terem convertido o contrato, pagaram as rendas durante uns meses, depois foram pagando parcialmente e finalmente deixaram de pagar em dezembro de 2012.
33. A arguida teve conhecimento que havia 5 ou 6 trabalhadores inscritos na Segurança Social como sendo seus trabalhadores.
34. Considerando que a arguida nunca fez qualquer comunicação de trabalhadores à segurança Social, solicitou explicações àquela entidade, da qual nunca tiveram resposta, embora passados alguns dias algumas dessas inscrições tivessem desaparecido.
35. A arguida estava com intenção de poder fazer negociações com terceiros interessados os quais pudessem «levar» os trabalhadores.
36. As ações que os trabalhadores intentaram contra a arguida e D…, Lda, terminaram com acordos celebrados entre a arguida e os trabalhadores, em que aquela se comprometeu a pagar-lhes uma indemnização.
37. Tratava-se de cerca de 10 trabalhadores, a quem pagaram no total aproximado de €20.000,00, em março ou abril de 2016.
38. A Arguida não deu entrada de ação de direito de regresso desta verba contra D…, Lda.
39. A Arguida nunca explorou nenhum estabelecimento de hotelaria.
40. Uma vez que a D…, Lda pretendia exercer a atividade de hotelaria, dotou o referido imóvel, então arrendado, outros bens, que não os constantes da relação de fls. 64 vº a 67, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e pessoas necessários ao desenvolvimento dessa mesma atividade.
41. Tendo começado, só a partir de tal momento, a funcionar como estabelecimento hoteleiro.
42. Após notificação de decisão de desocupação, a D…, Lda, 3 dias depois desocupou o imóvel.
43.Durante esses três dias, através da Agente de execução que abria e fechava o imóvel, a D…, Lda retirou os seus bens do locado, os da relação junta aos autos a fls 20 a 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, deixando-o livre de pessoas.
44. A clientela foi reencaminhada para outros hotéis pertencentes à cadeia de hotéis da D…, Lda.

Factos não provados:
a) que a partir do dia seguinte ao da entrega do imóvel e estabelecimento, ou seja 6 de novembro de 2015, verificou-se a transmissão do estabelecimento, que constitui uma unidade económica – conclusivo;
b) pelo que se transmitiu para a ora autuada a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores, que constam na listagem anexa como doc. n.º V – conclusivo;
c) que a arguida não podia desconhecer a sua obrigação de assumir as suas obrigações com os trabalhadores após a transmissão do estabelecimento, que não fez – conclusivo;
d) que o referido imóvel, nunca se encontrou apto a desenvolver a atividade de hotelaria, uma vez que não se encontrava dotado de bens suficientes e capazes de garantir tal atividade.
e ) que o imóvel foi deixado pela D…, Lda. totalmente livre de bens.
*
Motivação de facto:
Na determinação da matéria de facto atrás dada como assente teve o Tribunal por base a análise critica e conjunta de todos os meios de prova carreados para os autos pela Autoridade para as Condições do Trabalho e pela Arguida.
Vejamos.
a) quanto aos factos vertido sob os nºs 1 a 4, teve o Tribunal por base a análise da cópia da certidão de registo comercial, relativa à Arguida e retirada do Portal da Justiça, de fls. 10 a 13 e na qual consta a designação da mesma, data da constituição, sede, objeto social e ainda a forma de obrigar a mesma e o gerente.
b) quanto aos factos vertidos sob os nºs 5, 6, 7, 8 e 9, teve o Tribunal por base a análise dos contratos firmados entre a Arguida e D…, Lda, juntos aos autos a fls. 41 vº a 44 e 64 vº a 67 e 46 a 52.
Tais factos constavam já da decisão administrativa e não foram expressamente impugnados pela Arguida no seu articulado de impugnação.
Releva ainda que, em sede de impugnação apresentada pela Arguida, tais documentos não foram impugnados.
c) quanto aos factos vertidos sob os nºs 10 e 11, teve o Tribunal por base a leitura e análise da petição inicial junta aos autos a fls. 29 a 39 e dos documentos que a acompanhavam, a saber, de fls 40 a 59 e as decisões proferidas no âmbito do processo, a saber, a decisão proferida nos autos que sob o nº 1559/13.8TBBRG, correram termos na 4ª Seção do Juízo Central de Braga, de fls 401 a 433, o Acórdão proferido a 26 de outubro de 2017, pela Relação de Guimarães de fls 349 a 400 e o Acórdão proferido a 22 de novembro de 2018, pelo Supremo Tribunal de Justiça e junto aos autos a fls. 305 a 348.
d) quanto aos factos vertidos sob os nºs 12 a 17, 19 a 23, 29 a 38, resultaram os mesmos da consulta dos autos, do depoimento prestado pela testemunha H…, inspetora do trabalho, que fez a intervenção inspetiva e que de forma clara e concisa, reportou ao Tribunal as diligências realizadas no âmbito do processo, a saber, as comunicações feitas à D… e à Arguida, as reuniões com as mesmas com vista à resolução da situação dos trabalhadores, a visita que fez ao Hotel encontrando-se o mesmo fechado e ainda da previsão de que tal encerramento fosse temporário, por parte da Arguida-
Relevante foi ainda a não impugnação expressa dos mesmos factos por parte da Arguida, em sede de impugnação.
e) quanto aos factos vertidos sob os nºs 18, 24, 25 e 28, teve o Tribunal por base a decisão proferida nos autos que sob o nº 1559/13.8TBBRG, correram termos na 4ª Seção do Juízo Central de Braga, de fls 60 a 63, datada de 30 de outubro de 2015 e na qual é ordenada a desocupação imediata do imóvel, do auto de entrega do imóvel de fls. 16 a 18 e da relação de bens de fls 19 a 22, relação essa dos bens que a D… retirou do Hotel e ainda a notificação de 6 de novembro de 2015, de fls. 15 e na qual se notifica o mandatário da Ré (D…, Lda) da realização da desocupação.
f) quanto ao facto vertido sob o nº 26, teve o Tribunal por base a cópia do Alvará de Utilização emitido a favor da Arguida e junto aos autos a fls. 64.
g) quanto ao facto vertido sob o nº 27, teve o Tribunal por base o documento junto aos autos a fls. 64 vº a 67, designado por relação de bens (anexo dois), datado de 1 de setembro de 2010, e assinado pelos legais representantes da Arguida e da D…, Lda e ao qual se refere a cláusula primeira do contrato de arrendamento comercial e pacto de preferência de fls 41 vº a 44 dos autos.
Importa ainda ter em atenção que, em sede de impugnação apresentada pela Arguida, tanto a relação de bens como o contrato não foram impugnados.
h) quanto aos factos vertidos sob os nºs 39 a 41 e 44 teve o Tribunal por base o depoimento das testemunhas F…, diretora de Recursos Humanos da D…, Lda e I…, filho do sócio gerente da sociedade Arguida.
Destes depoimentos foi possível aferir que a sociedade G1…, Lda iniciou a construção do imóvel em causa que foi transmitido à Arguida e foi causa da sua constituição.
Destes depoimentos foi possível aferir que a o imóvel foi finalizado em finais de 2011 inicio de 2012 e a ideia era dar de arrendamento a uma entidade o mesmo.
Foram analisadas propostas e fizeram inicialmente um contrato de arrendamento e porque a Autoridade Tributária os andava a abordar sobre o assunto e mudaram o contrato para cessão.
Destes depoimentos foi possível também aferir que a Arguida, antes de celebrar estes contratos, em nenhum momento explorou aquele ou outro hotel.
Do depoimento da primeira testemunha foi ainda possível aferir que inicialmente havia um hotel, que não tinha sido explorado e não tinha clientela, hotel que se encontrava equipado, com mobiliário. A D… entrou ali, tendo adquirido loiças e outros bens.
Após o despejo, a D… saiu de lá, tendo recolocado os clientes em hotéis à volta, designadamente o J…. Os funcionários eram contratados para o hotel em questão, mas podiam em casos muitos específicos ir trabalhar para outros hotéis.
Deste depoimento resultou ainda que após o despejo, o hotel ficou fechado para obras pois quando saíram havia problemas (um tempo) e depois reabriu, sabendo deste facto pois chegou a alojar lá pessoas, em situações de overbooking sendo a fatura era emitida por B…, Lda.
i) quanto aos factos vertidos sob os nºs 42 e 43, teve o Tribunal por base a análise do a decisão proferida nos autos que sob o nº 1559/13.8TBBRG, correram termos na 4ª Seção do Juízo Central de Braga, de fls 60 a 63, datada de 30 de outubro de 2015 e na qual é ordenada a desocupação imediata do imóvel, do auto de entrega do imóvel de fls. 16 a 18 e da relação de bens de fls 19 a 22, relação essa dos bens que a D… retirou do Hotel e ainda a notificação de 6 de novembro de 2015, de fls. 15 e na qual se notifica o mandatário da Ré (D…, Lda) da realização da desocupação.
No demais, a prova produzida não logrou convencer o Tribunal no sentido de dar os demais factos como provados.
Vejamos.
a) quanto ao elencado sob as alíneas a) a c), não respondeu o Tribunal uma vez que se tratam, não de factos, mas de conclusões.
b) quanto ao facto vertido sob a alínea d) o referido imóvel, entendeu-se que o mesmo foi contrariado pelos documentos de fls 41 vº a 44, 64 vº a 67 e 46 a 52, a saber os contratos firmados entre a Arguida e D…, sendo que no primeiro dos mesmos, a saber, na cláusula primeira se declara que “o local arrendado destina-se exclusivamente ao exercício da atividade hoteleira, para o que se encontra devidamente equipado (…)”.
Ou seja, as partes naquele contrato, designadamente a ora Arguida declararam qual o destino do imóvel e que este se encontrava devidamente equipado para aquele efeito.
c) quanto ao facto vertido sob a alínea e) o mesmo é contrariado pelos documentos a decisão proferida nos autos que sob o nº 1559/13.8TBBRG, correram termos na 4ª Seção do Juízo Central de Braga, de fls 60 a 63, datada de 30 de outubro de 2015 e na qual é ordenada a desocupação imediata do imóvel, do auto de entrega do imóvel de fls. 16 a 18, designadamente desta última página onde se refere que “Foi entregue à A o imóvel e o estabelecimento com tudo o que o compõe exceto os bens constantes da relação anexa”, ou seja a relação de bens de fls 19 a 22, relação essa dos bens que a D… retirou do Hotel.
Ora, atendendo às relações de bens constantes dos contratos de arrendamento e de cessão firmados entre a Arguida e D…, Lda, juntos aos autos a fls. 41 vº a 44 e 64 vº a 67 e 46 a 52, naturalmente que esses terão sido deixados uma vez que eram propriedade da ora Arguida.

3.2. Fundamentação de Direito:
A questão a conhecer tem por objeto saber se a sentença padece do erro de julgamento que a Arguida invocou.
Na sentença foi entendido que “(…) para que se considere existir transmissão do estabelecimento, não é necessário que existam relações contratuais diretas entre os sucessivos adquirentes do estabelecimento (…) o que aliás decorre do artº 285º, nº 3 do Código do Trabalho, que determina a aplicação do regime referido no nº 1 às situações de transmissão, cessão ou reversão de exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica.
É também de salientar que, como decorre do atrás referido nº 1, do artº 285º, a transmissão do estabelecimento não tem que ser titulada, podendo ocorrer por qualquer título. Ponto é que se verifique, de facto, a transmissão, sendo irrelevante o título sob o qual a mesma ocorre.
(…)
Revertendo ao caso sub judice, a construtora com designação de “G…, Lda” decidiu fazer um Hotel, sendo que mais tarde, já a meio das obras de construção decidiram criar a empresa “B…, Lda” que tem o NIF ………, CAE principal ….. - hotéis com restaurante, sendo o seu objeto principal a gestão de imoveis próprios, construção e exploração de estabelecimentos de hotelaria e turismo.
Assim, a B…, Lda terminou a obra dona e é a legitima proprietária do edifício composto por duas caves, rés do chão e 4 pisos, destinado a serviços (Unidade Hoteleira), sito na …, nº …, freguesia …, concelho do Porto, descrito na CRP sob os nºs 2097, 2098, 5048 e 5218 e inscrito na respetiva matriz sob os artºs 4063, 6814, 6815 e 11818, a que foi concedido o alvará de utilização nº …., no processo …../../CMP.
Tal sociedade teve uma proposta dos «D…» para arrendamento em 2010, tendo em 1 de setembro de 2010, celebrado um acordo que denominaram “contrato de arrendamento comercial e pacto de preferência”, incidente sobre o referido edifício (com exceção de 3 lojas nele edificadas).
Uma vez que a D…, Lda pretendia exercer a atividade de hotelaria, dotou o referido imóvel, então arrendado, de todos os bens e pessoas necessários ao desenvolvimento dessa mesma atividade, tendo começado, só a partir de tal momento, a funcionar como estabelecimento hoteleiro.
Ora, a Fazenda Nacional veio a considerar o aludido contrato, para efeitos fiscais, não como “contrato de arrendamento comercial e pacto de preferência” mas um “contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial”.
Assim, a 11 de outubro de 2011, a B…, Lda celebrou com a D…, Lda, acordo denominado “contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial”, incidente sobre o estabelecimento comercial (Unidade Hoteleira) sito na …, nº …, freguesia …, concelho do Porto, descrito na CRP sob os nºs 2097, 2098, 5048 e 5218 e inscrito na respetiva matriz sob os artºs 4063, 6814, 6815 e 11818, tendo acordado as partes que a D…, Lda, pagaria B…, Lda, pela exploração do estabelecimento “uma prestação mensal composta por uma parte fixa e por uma parte variável.
Em sede de ação instaurada pela B…, Lda contra a D…, Lda e em decisão do incidente de despejo imediato, datado de 30 de outubro de 2015, foi ordenada a desocupação imediata do imóvel em questão pela sociedade D…, Lda.
No auto de entrega do imóvel consta que foram concluídas as diligências em 5 de novembro de 2015, mencionado que “Foi entregue à A. o imóvel e o estabelecimento contendo o que o compõe exceto os bens constantes da relação anexa.”, os de fls. 20 a 22
Ou seja, os bens constantes do documento junto aos autos a fls. 51 a 52, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, entre outros, móveis, mesas cadeiras, sofá, bancos de bar, mesas de apoio, bancadas, máquina de gelo, máquina de lavar, máquina de sumos, espremedor, trituradora, bancada refrigerada, forno, suporte de forno, grelhador, fogão e forno, cozedor de massas, bancadas, armários, etc, foram entregues à Arguida, uma vez que era dos mesmos proprietária, como fizera constar das cláusulas 1ª dos contratos de arrendamento e de cessão de exploração que com a D…, Lda celebrara.
A clientela foi reencaminhada para outros hotéis pertencentes à cadeia de hotéis da D…, Lda e o hotel ficou, desde 5 de novembro de 2015, encerrado.
Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião, embora sem clientela que foi colocada em outras unidades hoteleiras da D…, Lda e sem alguns bens, a atividade de hotelaria não foi prosseguida, porque, como refere a Arguida não o pretendia prosseguir.
No entanto, o imóvel, estabelecimento comercial, foi entregue à Arguida, que detinha o alvará necessário, em seu nome, e os bens que aquando da celebração do contrato de arrendamento e depois de cessão de exploração e pacto de preferência, compunham, segundo a cláusula 1ª, o estabelecimento comercial, ou seja, os utensílios, máquinas e licenças e que constam duma relação elaborada em duplicado e assinada por todas as partes e que fica a fazer parte integrante do presente contrato e se dá integralmente, por reproduzida, ou seja, a relação de fls. 51 e 52, dos autos.
Temos pois que, com algumas diferenças, foi transmitido, através do despejo ordenado, à Arguida o estabelecimento comercial de hotelaria, sendo certo que a mesma podendo, porque titular do Alvará e dos utensílios, máquinas e licenças, não prosseguiu tal atividade, não recebendo os trabalhadores.
Daqui decorre a verificação do elemento objetivo da contraordenação imputável à Arguida.
Mas será que a mesma lhe pode ser imputada a título de negligência, como advém da decisão administrativa?
No que à culpa diz respeito importa, fundamentalmente, aferir da forma como a Arguida agiu, isto é, com dolo ou negligência, e ainda aferir do grau de dolo – direto, necessário ou eventual – e da negligência – inconsciente ou consciente.
Afastada na decisão administrativa, a conduta dolosa da Arguida, importa aferir se a mesma lhe pode ser imputada a título de negligência, tendo-se em atenção que, conforme decorre do artº 550º (…) a negligência nas contraordenações laborais é sempre punível.
No âmbito das contraordenações, a culpa, na modalidade de negligência funda-se na violação de procedimento que uma determinada norma imponha ao agente, ou seja e dito de outro modo, a imputação subjetiva a título de negligência materializa-se na factualidade imputada ao agente, a quem incumbia observar um certo procedimento imposto por uma determinada norma.
Ou seja, sendo o elemento subjetivo do foro interno do agente, na ausência de confissão, terá de ser retirado dos factos provados.
Por esse motivo, vejamos, o que ficou assente.
Dos autos resultou apurado que a construtora com designação de “G…, Lda” decidiu fazer um Hotel, sendo que mais tarde, já a meio das obras de construção decidiu criar a empresa “B…, Lda” que tem o NIF ………, CAE principal ….. - hotéis com restaurante, sendo o seu objeto principal a gestão de imoveis próprios, construção e exploração de estabelecimentos de hotelaria e turismo.
Assim, a B…, Lda terminou a obra sendo dona e legitima proprietária do edifício composto por duas caves, rés do chão e 4 pisos, destinado a serviços (Unidade Hoteleira), sito na …, nº …, freguesia …, concelho do Porto, descrito na CRP sob os nºs 2097, 2098, 5048 e 5218 e inscrito na respetiva matriz sob os artºs 4063, 6814, 6815 e 11818, a que foi concedido o alvará de utilização nº …., no processo …./../CMP.
Tal sociedade teve uma proposta dos «D…» para arrendamento em 2010, tendo em 1 de setembro de 2010, celebrado um acordo que denominaram “contrato de arrendamento comercial e pacto de preferência”, incidente sobre o referido edifício (com exceção de 3 lojas nele edificadas), junto aos autos a fls. 41 vº a 44, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual resulta que a Arguida deu a esta última o prédio supra referido, destinado a Hotel, com todos os bens, utensílios e equipamentos (…) sendo a aquisição de outros equipamentos e utensílios que venham a ser necessários ao bom funcionamento da unidade hoteleira da responsabilidade desta.
Uma vez que a D…, Lda pretendia exercer a atividade de hotelaria, dotou o referido imóvel, então arrendado, de todos os bens e pessoas necessários ao desenvolvimento dessa mesma atividade, tendo começado, só a partir de tal momento, a funcionar como estabelecimento hoteleiro.
Ora, a Fazenda Nacional veio a considerar o aludido contrato, para efeitos fiscais, não como “contrato de arrendamento comercial e pacto de preferência” mas um “contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial”.
Assim, a 11 de outubro de 2011, a B…, Lda celebrou com a D…, Lda, acordo denominado “contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial”, incidente sobre o estabelecimento comercial (Unidade Hoteleira) sito na …, nº …, freguesia …, concelho do Porto, descrito na CRP sob os nºs 2097, 2098, 5048 e 5218 e inscrito na respetiva matriz sob os artºs 4063, 6814, 6815 e 11818, tendo acordado as partes que a D…, Lda, pagaria B…, Lda, pela exploração do estabelecimento “uma prestação mensal composta por uma parte fixa e por uma parte variável.
Em sede de ação instaurada pela B…, Lda contra a D…, Lda e em decisão do incidente de despejo imediato, datado de 30 de outubro de 2015, foi ordenada a desocupação imediata do imóvel em questão pela sociedade D…, Lda.
No auto de entrega do imóvel consta que foram concluídas as diligências em 5 de novembro de 2015, mencionado que “Foi entregue à A. o imóvel e o estabelecimento contendo o que o compõe exceto os bens constantes da relação anexa.”, os de fls. 20 a 22
Porém, os bens constantes do documento junto aos autos a fls. 51 a 52, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, entre outros, móveis, mesas cadeiras, sofá, bancos de bar, mesas de apoio, bancadas, máquina de gelo, máquina de lavar, máquina de sumos, espremedor, trituradora, bancada refrigerada, forno, suporte de forno, grelhador, fogão e forno, cozedor de massas, bancadas, armários, etc, foram entregues à Arguida uma vez que era dos mesmos proprietária, como fizera constar das cláusulas 1ª dos contratos de arrendamento e de cessão de exploração que com a D…, Lda celebrara.
A clientela foi reencaminhada para outros hotéis pertencentes à cadeia de hotéis da D…, Lda e o hotel ficou, desde 5 de novembro de 2015, encerrado.
Ora, a 10 de novembro de 2015, deu entrada na ACT-CLGP uma comunicação da sociedade D…, Lda, na qual esta informa que em cumprimento da decisão judicial proferida no processo que sob o n.º 1559/13.8TBBRG corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Instância Central de Braga, 1ª Secção Civil, J4, a D…, Lda, NIPC ………, se viu obrigada a entregar a exploração do estabelecimento de hotelaria sito na …, n.º …, freguesia …, cidade e concelho do Porto, à proprietária do estabelecimento, a sociedade B…, Lda, NIPC ………, com sede na Rua …, n.º …, 6º, sala .. Freguesia …, Braga. Mais juntou nessa comunicação «… a lista de trabalhadores relativamente aos quais se transmitiu a posição de empregador, que são todos os que prestam serviço no referido estabelecimento comercial, para conhecimento de V. Exa.”.
Em 11 de novembro de 2015, foi efetuada visita inspetiva ao estabelecimento em causa, o hotel designado de “D…”, o qual estava encerrado.
Em 13 de novembro de 2015, foi enviada notificação para apresentação de documentos, via CTT REG/AR, para a sede da arguida, a qual foi rececionada. Em 18 de novembro de 2015, via correio eletrónico, foi recebida a resposta à Notificação atrás mencionada, na qual a arguida anexou a Declaração escrita dirigida à ACT, datada de 18 de novembro de 2015, onde a arguida propugna o entendimento da não transmissão do estabelecimento; a Petição inicial da ação judicial intentada pela ora autuada contra a sociedade D…, Lda, pessoa coletiva n.º ………, e outros, e respetivos documentos anexos, dos quais se destacam os seguintes: contrato de arrendamento comercial e pacto de preferência, contrato de exploração e pacto de preferência, relação de bens; e Incidente de despejo imediato.
Em 24 de novembro de 2015 teve lugar uma reunião nos Serviços da ACT na qual a arguida quando questionada sobre se o encerramento do hotel, que ocorrera a 5 de novembro de 215, referiu que se previa ser temporário.
A sociedade D…, Lda, foi igualmente notificada no âmbito deste processo, via CTT REG/ AR, para exibir diversa documentação, tendo remetido através de correio eletrónico, datado de 26 de novembro de 2015, cópia do alvará de utilização e Relação de bens datada de 01/09/2010, de fls. 20 a 22 dos autos.
Foi ainda exibido, na pendência deste processo, pela sociedade D…, Lda, cópia da carta enviada à Segurança Social intitulada “transmissão da posição de empregador” em relação aos trabalhadores mencionados na listagem anexa, sendo que a arguida não exibiu nenhum documento com o mesmo teor.
Em 30 de novembro de 2015, foi rececionada por estes Serviços, através de correio eletrónico, uma declaração da arguida na qual reitera a sua posição no sentido da não transmissão da posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores em questão.
A arguida teve conhecimento que havia 5 ou 6 trabalhadores inscritos na Segurança Social como sendo seus trabalhadores. Considerando que a arguida nunca fez qualquer comunicação de trabalhadores à Segurança Social, solicitou explicações àquela entidade, da qual nunca tiveram resposta, embora passados alguns dias algumas dessas inscrições tivessem desaparecido.
A arguida tinha intenção de poder fazer negociações com terceiros interessados os quais pudessem «levar» os trabalhadores.
As ações que os trabalhadores intentaram contra a arguida e D…, Lda, terminaram com acordos celebrados entre a arguida e os trabalhadores, em que aquela se comprometeu a pagar-lhes uma indemnização. Tratava-se de cerca de 10 trabalhadores, a quem pagaram no total aproximado de €20.000,00, em março ou abril de 2016.
A Arguida não deu entrada de ação de direito de regresso desta verba contra D…, Lda.
Ora, será que destes factos se pode imputar à Arguida o não reconhecimento da transmissão da posição do transmitente nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão do estabelecimento que constitua uma unidade económica?
Vejamos.
A Arguida constituiu-se tendo como objeto social a construção e exploração de estabelecimentos de hotelaria e turismo.
Por outro lado, embora nunca tenha exercido a atividade hoteleira, a Arguida era titular de Alvará de utilização nº …., no processo …../../CMP, de fls. 64 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que permitia o uso do prédio como estabelecimento de hotel de 3 estrelas com 94 quartos.
A 1 de setembro de 2010, a Arguida celebrou com D…, Lda um contrato de arrendamento de fls. 41 vº a 44 e 64 vº a 67, pelo qual deu a esta de arrendamento o prédio destinado a Hotel, com todos os bens, utensílios e equipamentos, destinando-se o mesmo exclusivamente a atividade hoteleira, para o que se encontra devidamente equipado.
Porque a Fazenda Nacional veio a considerar o aludido contrato, para efeitos fiscais, não como “contrato de arrendamento comercial e pacto de preferência” mas um “contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial”, acabou por celebrar um contrato de cessão de exploração, de fls. 46 a 52, pelo qual cedeu a exploração do estabelecimento comercial com todos os bens, utensílios e equipamento e obrigando-se (conforme nº 3 da cláusula 2ª) a proceder ao competente licenciamento do estabelecimento comercial de hotelaria, cedido em exploração, junto de quaisquer autoridades e entidades competentes que tutelam a área do turismo e hotelaria.
Ou seja, destes factos resulta que a Arguida podia exercer a exploração hoteleira porque assim o pretendeu, uma vez que fixou como objeto social essa exploração, requereu o Alvará para o efeito e dotou o imóvel destinado a hotel de bens, utensílios e equipamentos para o efeito.
Por outro lado, após a entrega, por efeito do despejo, do estabelecimento, embora a Arguida tenha declarado à ACT que propugnava o entendimento da não transmissão do estabelecimento, a verdade é que o seu comportamento foi distinto, a saber:
a) em 24 de novembro de 2015 teve lugar uma reunião nos Serviços da ACT na qual a Arguida quando questionada sobre se o encerramento do hotel, que ocorrera a 5 de novembro de 215, referiu que se previa ser temporário.
b) a arguida teve conhecimento que havia 5 ou 6 trabalhadores inscritos na Segurança Social como sendo seus trabalhadores. Considerando que a arguida nunca fez qualquer comunicação de trabalhadores à Segurança Social, solicitou explicações àquela entidade, da qual nunca tiveram resposta, embora passados alguns dias algumas dessas inscrições tivessem desaparecido.
c) a arguida tinha intenção de poder fazer negociações com terceiros interessados os quais pudessem «levar» os trabalhadores.
d) as ações que os trabalhadores intentaram contra a arguida e D…, Lda, terminaram com acordos celebrados entre a arguida e os trabalhadores, em que aquela se comprometeu a pagar-lhes uma indemnização. Tratava-se de cerca de 10 trabalhadores, a quem pagaram no total aproximado de €20.000,00, em março ou abril de 2016.
e) a arguida não deu entrada de ação de direito de regresso desta verba contra D…, Lda.
Ou seja, de todas estas condutas somos levados a concluir que a Arguida sabia que para si se transmitiram os contratos de trabalho, caso contrário, não referiria que o encerramento do hotel era temporário, não referiria que tinha intenção de negociar com terceiros de forma a serem levados os trabalhadores, não negociaria com estes indemnizações em sede de ações intentadas também contra a D…, Lda.
Estes elementos factuais permitem concluir pela direção de vontade da Arguida que, declarando não aceitar a transmissão do estabelecimento e com ela os contratos de trabalho, não assumindo efetivamente os mesmos e as obrigações deles decorrentes, de forma tácita agiu como que responsável pelos mesmos (tentando-se desobrigar dos mesmos).
Agiu, pois, com negligência, violando o procedimento que uma determinada norma lhe impunha.», (realce, sublinhado e alteração do tamanho de letra nossos).
Conclui, em suma, a Arguida que a partir do momento em que a D…, Ld.ª foi despejada e retirou os bens e clientela deixou de existir uma unidade económica estável dotada de autonomia técnico-organizativa própria, autónoma e com organização específica, pelo que nada se transmitiu à Recorrente.
A Ex.ª Sr.ª Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação pronunciou-se no sentido de que se verifica o elemento objetivo da contraordenação imputável à Arguida, podendo a mesma ser-lhe imputável a título de negligência.
Vejamos:
Atenta a data em que ocorreu a entrega à Ré, na sequência do despejo determinado na ação movida por aquela, é ao caso aplicável o Código de Trabalho de 2009, Lei n.º 14/2018, de 19/03, redação anterior à Lei nº 14/2018, de 19/03, que, no seu artigo 285º, sob a epígrafe “Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento” dispõe:
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 – (…)
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta.
7 - A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo.
8 - O transmitente deve informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral:
a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;
b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5.
9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa.
10 - Constitui contraordenação muito grave:
a) A conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido;
b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração.
11 - A decisão condenatória pela prática de contraordenação referida na alínea a) ou na alínea b) do número anterior deve declarar, respetivamente, que a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores não se transmitiu, ou que a mesma se transmitiu.
12 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 7, 8 ou 9.”.
Lê-se no Acórdão desta secção de 05-03-2018 (relatora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt), a propósito desta disposição legal na sua versão anterior à introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19/03: «Esta disposição legal transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 2001/23/CE do Conselho de 12/03/2001 relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (cfr. art. 2º, al. l), da Lei 7/2009), Diretiva essa que revogou a Diretiva nº 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, com a redação que lhe foi dada pela Diretiva nº 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho, importando referir que a mencionada Diretiva 2001/23/CE foi, pela primeira vez, transposta para o direito nacional pela Lei 99/2003, de 27.08, que aprovou o Código do Trabalho de 2003 (CT/2003), encontrando-se a matéria regulada no seu art. 318º (que corresponde ao atual art. 285º). E, no que se reporta ao conceito de transmissão de empresa, estabelecimento ou unidade económica, o CT/2009 não introduziu alterações de relevo relativamente ao que constava do CT/2003 (as alterações verificadas em tais conceitos ocorreram, essencialmente, em relação ao então art. 37º da LCT, revogado pelo CT/2003).
A preocupação comunitária e nacional, esta com respaldo no art. 53º da CRP, privilegiam o princípio da segurança no emprego, impondo que os vínculos laborais não sejam afetados pelas vicissitudes decorrentes da mudança da titularidade da empresa ou estabelecimento ou da sua entidade exploradora e, assim, determinando o primado da manutenção do vínculo laboral.”.
Como se diz no Acórdão desta Relação, de 19.05.2014, proferido no Processo 418/09.3TTBGC.P1[1], reportando-se embora ao artigo 318º do Código de Trabalho de 2003, “Tal regime legal encontra fundamento na necessidade de proteger o direito dos trabalhadores à segurança no emprego, com consagração constitucional no art. 53º da Constituição, que ficaria seriamente comprometido se a sorte das relações laborais ficasse dependente da vontade do transmitente ou do transmissário em caso de transmissão da titularidade do estabelecimento. Protege-se também, ainda que não seja esse o escopo essencial, a continuidade da empresa ou do estabelecimento que é objeto da transmissão.”.
Assim também, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2009, in www.dgsi.pt, em que se refere que “o que bem se compreende, já que o regime jurídico enunciado apresenta uma dúplice justificação: por um lado, pretendem-se acautelar os interesses do cessionário em receber uma empresa funcionalmente operativa; mas, por outro lado, como foi enfatizado no âmbito do direito comunitário pela Diretiva nº 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, alterada pela Diretiva nº 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho e revogada pela Diretiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, transposta para o nosso ordenamento pelo artigo 2º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, a manutenção dos contratos de trabalho existentes à data da transmissão para a nova entidade patronal pretende proteger os trabalhadores, garantindo a subsistência dos seus contratos e a manutenção dos seus direitos quando exista uma transferência de estabelecimento.
(…)
Tanto a doutrina, como a jurisprudência, designadamente a do TJCE, hoje TJUE, têm adotado um conceito amplo de transmissão, dispensando designadamente a necessidade de um vínculo contratual entre o cedente e o cessionário, e admitindo-se um largo leque de situações no que se reporta ao fenómeno transmissivo.
Assim, diz-nos Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª Edição, Almedina, pág. 690, que “Quanto ao âmbito do fenómeno transmissivo, é qualificada como transmissão, para efeitos da sujeição a este regime legal, não apenas a mudança de titularidade da empresa ou do estabelecimento, por qualquer título (…). Deste modo, o conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa. (…)”.
Assim também, Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág. 821, onde se refere que: “(…), o Tribunal de Justiça [da União Europeia] começou relativamente cedo a formar que a aplicação da diretiva não pressupunha necessariamente a existência de um vínculo contratual entre o cedente e o cessionário. A transferência podia ocorrer em várias etapas (…).Decisiva, para o Tribunal de Justiça [da União Europeia], é sempre a manutenção da entidade económica e para verificar se esta entidade continuou a ser a mesma, apesar das várias vicissitudes, o tribunal destacou que há que recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode, de resto, variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua atividade ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objeto de uma apreciação global, não sendo, em princípio, decisivo qualquer um deles. Numa indicação meramente exemplificativa — aliás, o próprio Tribunal não parece pretender apresentar uma lista exaustiva — podem ser relevantes elementos como a transmissão de bens do ativo da entidade, designadamente, bens imóveis ou equipamentos, mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how, a própria manutenção da maioria ou do essencial dos efetivos, a duração de uma eventual interrupção da atividade, a eventual manutenção da clientela e o grau de semelhança entre a atividade desenvolvida antes e a atividade desenvolvida depois da transferência”. E, a pág. 822, em nota de rodapé (nota 2039), em comentário a um acórdão, destaca, no sentido da existência de transmissão, a transmissão de um espaço (elemento corpóreo) e o facto da desnecessidade de acordo entre os sucessivos responsáveis da exploração do estabelecimento.
Ainda quanto à aceção ampla do conceito de transmissão, veja-se Diogo Vaz de Marecos, in Código do Trabalho Anotado, Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, Wolters Kluwer e Coimbra Editora, a pág. 708: “A jurisprudência do anterior Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, ora Tribunal de Justiça da União Europeia, adotou um conceito amplo de transmissão, abrangendo a locação, (…)” e João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pág. 194: “a previsão legal abrange, portanto, a transmissão total ou parcial, de empresa ou estabelecimento. E abrange a transmissão da titularidade ou da exploração da unidade económica (trespasse, fusão, cisão, venda judicial, doação, concessão de exploração, etc). Como se intui, no tocante ao objeto do negócio transmissivo o âmbito de aplicação deste regime é muito vasto, sendo também o conceito de transmissão definido em moldes muito amplos. (…)”.
Do mesmo modo, David Falcão/Sérgio Tenreiro Tomás, Transmissão da Unidade Económica e suas Implicações no Contrato de trabalho: Jurisprudência do TJUE e Jurisprudência Nacional, in Questões Laborais, nº 50, Almedina, págs. 22/23: “Na determinação da verificação da transmissão de unidade económica e, em concreto, no que concerne à questão da manutenção da identidade da entidade transmitida, o TJUE enuncia que devem relevar todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o graus de semelhança da atividade exercida antes e depois da transmissão, a assunção de efetivos, a estabilidade da estrutura organizativa, variando a ponderação dos critérios de acordo com casa caso. (…). Portanto, para aferir se se verifica transmissão da empresa ou estabelecimento, ou de partes, o critério é o da preservação da identidade económica transmitida enquanto conjunto de meios organizado com o objetivo de prosseguir uma atividade económica.
De acordo com a noção acolhida, para verificar se há transmissão, o primeiro passo é indagar se o objeto transmitido constitui uma unidade económica estável, autónoma e adequadamente estruturada; o segundo é aferir se tal unidade económica mantém a sua identidade própria, o que deve ser visível no exercício da atividade prosseguida ou retomada, Deve, no entanto, a ponderação dos critérios variar em função de cada caso concreto.”
Assim também, e entre outros, o Ac. do STJ de 24.3.2011, bem como o Acórdão do STJ de 25.11.2010, a este pertencendo o seguinte excerto: “Na apreciação concreta, de molde a afirmar a existência de uma transmissão de estabelecimento, ou empresa, impõe-se que o tribunal indague se há uma entidade que desenvolve uma atividade económica de modo estável e se essa entidade, depois de mudar de titular, manteve a sua identidade. Isto é, a afirmação da transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade. (…)”.
(…)
É, pois, hoje, um dado adquirido que, para que ocorra a transmissão do estabelecimento, não é necessário que existam relações contratuais diretas entre os sucessivos adquirentes do estabelecimento (cfr. Acórdão do TJUE no Processo C-340/01, interpretando a precedente Diretiva 77/187/CEE) o que aliás decorre do art. 285º, nº 3, que determina a aplicação do regime referido no nº 1 às situações de transmissão, cessão ou reversão de exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica.
É também de salientar que, como decorre do nº 1, do art. 285º, a transmissão do estabelecimento não tem que ser titulada, podendo ocorrer por qualquer título. Ponto é que se verifique, de facto, a transmissão, sendo irrelevante o título sob o qual a mesma ocorre.
Como se diz no Acórdão desta Relação de 26.06.2017, proferido no Processo 2351/15.0T8AVR.P1[2] “(…) Daí que, tal como aliás resulta da utilização no artigo 285.º (e antes, artigo 318.º do CT/2003) da expressão “por qualquer título” (n.º 1), a transmissão aí consagrada engloba todas as situações em que se verifique a passagem para outrem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado, seja a que título for, podendo assim corresponder quer a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, quer também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração, abrangendo todas as alterações estáveis, ainda que não necessariamente definitivas, na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.”.
Entre outra jurisprudência comunitária, citemos, porque relevantes, alguns dos considerandos tecidos no Acórdão de 20/01/2011, Processo C-463/09, Clece SA contra Marria Socorro Martin Valor e Ayuntmineto de Coisa[3]:
“(…)
29 A este respeito, decorre de jurisprudência bem assente que o alcance da referida disposição não pode ser apenas apreciado com base na interpretação literal. Dadas as diferenças entre as versões linguísticas desta directiva e as divergências entre as legislações nacionais sobre o conceito de cessão convencional, o Tribunal de Justiça interpretou este conceito de modo suficientemente flexível para satisfazer o objetivo da dita diretiva que, como decorre do seu terceiro considerando, é o de proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário (v., neste sentido, acórdão de 13 de Setembro de 2007, Jouini e o., C-458/05, Colect., p. I-7301, n.º 24 e jurisprudência referida).
30 O Tribunal decidiu, assim, que a Directiva 77/187, codificada pela Diretiva 2001/23, era aplicável a todas as situações de mudança, no âmbito de relações contratuais, da pessoa singular ou colectiva responsável pela exploração da empresa, que contrai as obrigações de entidade patronal relativamente aos empregados da empresa (v. acórdãos de 7 de Março de 1996, Merckx e Neuhuys, C-171/94 e C-172/94, Colect., p. I-1253, n.o 28, e de 10 de Dezembro de 1998, Hernández Vidal e o., C-127/96, C-229/96 e C-74/97, Colect., p. I-8179, n.º 23).
(…)
33 Contudo, para que a Diretiva 2001/23 seja aplicável, a transferência deve ter por objecto, de acordo com o artigo 1.º, n.º 1, alínea b), desta diretiva, uma entidade económica que mantém a sua identidade após a mudança de empresário.
34 Para determinar se essa entidade mantém a sua identidade, há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a reintegração ou não do essencial dos efetivos pelo novo empresário, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transferência e a duração da eventual suspensão destas atividades. Estes elementos constituem apenas aspectos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não podem, por isso, ser apreciados isoladamente (v., designadamente, acórdãos de 18 de Março de 1986, Spijkers, 24/85, Colect., p. 1119, n.º 13; de 19 de Maio de 1992, Redmond Stichting, C-29/91, Colect., p. I-3189, n.º 24; de 11 de Março de 1997, Süzen, C-13/95, Colect., p. I-1259, n.º 14; e de 20 de Novembro de 2003, Abler e o., C-340/01, Colect., p. I-14023, n.º 33).
(…)
37 Neste aspeto e como resulta do n.º 31 do presente acórdão, pouco importa que a retoma de uma parte essencial dos efetivos seja efetuada no âmbito de uma cessão convencional negociada entre o cedente e o cessionário ou resulte da decisão unilateral do anterior empresário de resolver os contratos de trabalho dos efetivos transferidos, seguida da decisão unilateral do novo empresário de contratar o essencial dos mesmos efetivos para executarem as mesmas tarefas.
38 Com efeito, se, no caso da retoma de uma parte essencial dos efetivos, a existência de uma transferência, na aceção da Diretiva 2001/23, estivesse exclusivamente sujeita ao requisito da origem contratual dessa retoma, a proteção dos trabalhadores pretendida por esta diretiva ficaria à discrição dos empresários, os quais, mediante a não celebração de um contrato, poderiam contornar a aplicação da referida diretiva, em detrimento da manutenção dos direitos dos trabalhadores transferidos, que no entanto é garantida pelo artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 2001/23.”.”.», (realce, sublinhado e alteração do tamanho da letra da nossa autoria).
Resulta da doutrina e jurisprudência a que expressamente é feita alusão no Acórdão que se deixou transcrito, que o conceito de transmissão, para o efeito que aqui importa, é amplo, incluindo todas as mudanças estáveis, ainda que não definitivas, na gestão do estabelecimento ou da empresa, abarcando inclusive o arrendamento.
Desde já se adianta que em concreto, da factualidade supra elencada, não aferimos que ocorreu efetivamente uma transmissão da unidade económica – a Unidade hoteleira - e que mercê de tal transmissão, a Arguida tenha assumido ex legis a posição de empregadora nos contratos de trabalho, em causa.
Considerou-se na sentença recorrida pela verificação do elemento objetivo da contraordenação imputável à Arguida porquanto foi-lhe transmitido, através do despejo ordenado, o estabelecimento comercial de hotelaria, podendo a mesma, já que titular do Alvará e dos utensílios, máquinas e licenças, prosseguir tal atividade, mas porque, como a mesma referiu, não o pretendia, não foi a atividade de hotelaria prosseguida e não foram os trabalhadores recebidos.
Mais se considerou que a Arguida sabia que para si se transmitiram os contratos de trabalho, caso contrário, não referiria que o encerramento do hotel era temporário, não referiria que tinha intenção de negociar com terceiros de forma a serem levados os trabalhadores, não negociaria com estes indemnizações em sede de ações intentadas também contra a D…, Ld.ª, concluindo que a Arguida de forma tácita agiu como responsável pelos contratos de trabalho, mas não assumindo efetivamente os mesmos e as obrigações deles decorrentes, agindo com negligência, violando o procedimento que uma determinada norma lhe impunha.
Começando por analisar os pressupostos objetivos da contraordenação imputada à Arguida:
Da factualidade provada decorre não ter ocorrido um primeiro momento em que os trabalhadores tivessem trabalhado para a Arguida para depois passarem a trabalhar para a empresa com quem aquela celebrou os contratos, referidos nos itens 6º e 8º, a D…, Ld.ª.
Ao invés, ficou mesmo provado não só que a Arguida nunca explorou nenhum estabelecimento de hotelaria, como ter sido a D…, Ld.ª que dotou o imóvel de outros bens e de pessoas, necessários ao desenvolvimento da atividade de hotelaria, tendo, só a partir de tal momento, começado a funcionar o estabelecimento hoteleiro (cfr. itens 39º, 40º e 41º dos factos provados).
Não pode, pois, falar-se de uma retoma da Unidade hoteleira pela Arguida.
Isto independentemente de à Arguida ter sido emitido um alvará de utilização (cfr. item 26º da factualidade provada).
Ou seja, ainda que a Arguida fosse titular de licença para explorar o hotel, o facto de poder explorar o imóvel como tal, ou seja como Unidade hoteleira, não significa por si só que alguma vez o tenha feito ou que tenha ocorrido para si a transmissão do estabelecimento hoteleiro que ali funcionou antes do respetivo encerramento, em 05 de Novembro de 2015 (itens 41º e 18º dos factos provados).
Aliás, resultou mesmo provado que a arguida nunca explorou nenhum estabelecimento de hotelaria (item 39º dos factos provados).
Assentamos igualmente que não obstante no auto de entrega do imóvel, efetuada depois de judicialmente ordenada, no incidente de despejo imediato, a desocupação imediata do imóvel em questão pela D…, Ld.ª se ter feito constar que “Foi entregue à A. o imóvel e o estabelecimento contendo o que o compõe exceto os bens constantes da relação anexa”, tal não permite sem mais concluir-se que a Unidade hoteleira reverteu então para a Arguida, ou seja, pela transferência daquela para esta última, nesse momento, desde logo, por o hotel ter permanecido desde então encerrado (cfr. itens 18º, 24º e 25º da factualidade provada).
Note-se que os móveis que foram entregues à Arguida já eram propriedade desta, antes do hotel começar a funcionar, sendo que como já referido, foi a D…, Ld.ª que dotou o imóvel de outros bens e de pessoas, necessários ao desenvolvimento da atividade de hotelaria, tendo, só a partir de tal momento, começado a funcionar o estabelecimento hoteleiro.
Absolutamente relevante se nos afigura também aqui de ponderar o facto de aquando da desocupação determinada na referida decisão judicial, a D…, Ld.ª ter não só retirado os seus bens do locado, como deixado o mesmo livre de pessoas, tendo a clientela sido reencaminhada para outros hotéis pertencentes à respetiva cadeia de hotéis (cfr. itens 43º e 44º dos factos provados).
Na verdade, a Unidade hoteleira funcionou com aquela clientela, aferindo nós tratar-se de clientela da D…, Ld.ª já que com a desocupação levada a cabo, volvidos 3 dias da notificação da decisão que ordenou a desocupação imediata do imóvel em questão, foi a mesma reencaminhada para hotéis da mesma cadeia, tendo, como já salientado, a Unidade hoteleira que aí funcionou encerrado aquando da entrega.
Dito de outro modo, a deslocação da clientela afigura-se-nos um dado objetivo e no caso sub judice desde logo suscetível de afastar a transferência da Unidade hoteleira para a Arguida.
Não podemos, pois, aferir da factualidade assente que tal unidade económica manteve a sua “identidade própria”, já que não ficou assente que continuou a funcionar como um hotel, antes se tendo apurado uma descontinuidade da atividade, tendo a clientela sido transferida e o hotel encerrado.
Por último, não se nos afigura aqui decisivo que a Arguida só não tenha ficado a explorar o hotel porque não quis.
Ou seja, não somos sensíveis à conclusão de que depois de lhe ter sido entregue o imóvel com os bens móveis que aí se encontravam antes do hotel começar a funcionar e da clientela deste ter sido colocada em outras unidades hoteleiras pertencentes à D…, Ld.ª, a atividade de hotelaria não ter sido prosseguida pela Arguida só porque está não a pretendeu prosseguir.
Se assim fosse, isso significaria que ao mover a ação judicial que levou à decisão de despejo necessariamente a Arguida, porque titular de licença para o efeito, teria de assumir a exploração do estabelecimento caso lograsse aquele desiderato [apesar de, como resulta do item 10º dos factos assentes, a arguida quando instaurou a ação declarativa de condenação aí referida, não ter visado chamar para si a exploração do estabelecimento, visando sim chamar para si o imóvel preparado para exploração do estabelecimento, “livre e desembaraçado de pessoas e bens” na medida em que não se encontrava a receber o pagamento da contrapartida monetária pela exploração do estabelecimento nesse seu espaço], obrigação que entendemos não ter aquela de aceitar.
Na verdade, o que consideramos significativo é ter ficado assente que ainda que os trabalhadores exercessem funções no hotel quando a Arguida moveu a ação onde foi proferida a decisão que ordenou a desocupação imediata do imóvel em questão e foi consumada a entrega, certo é que aquela não ficou a explorar o hotel (nem ficou demonstrado que outrem tivesse ficado), tendo a clientela sido reencaminhada para hotéis da mesma cadeia que iniciou a exploração do hotel até então, a D…, Ld.ª, resultando ainda do constante dos itens 27º, 40º, 41º, 43º e 44º dos factos provados que o recebido pela Arguida na procedência da ação declarativa de condenação não foi um estabelecimento coincidente com o que era explorado no imóvel.
Analisando agora a factualidade em que o Tribunal a quo ponderou a vontade da Arguida para lhe imputar a atuação com negligência.
Desde logo, não se nos afigura que o acordo alcançado na ação movida pelos trabalhadores contra a Arguida, signifique por parte desta última o assumir da qualidade de empregadora.
Na verdade, ficou tão só provado que as ações que os cerca de 10 Trabalhadores, em causa, intentaram contra a Arguida e D…, Ld.ª terminaram com acordos celebrados entre a Arguida e os mesmos Trabalhadores, tendo a primeira se comprometido a pagar-lhes uma indemnização e sido pago aqueles o total aproximado de €20.000,00, em março ou abril de 2016 (itens 36º e 37º dos factos provados).
Ora, o desfecho por transação das ações nos moldes que resultam da factualidade assente – considerando esta globalmente -, nada mais releva a não ser que qualquer uma das partes optou por obviar ao risco de uma decisão que lhe não fosse favorável, mas já não necessariamente que tal evidencie uma atuação da Arguida como responsável, enquanto entidade empregadora, pelos contratos de trabalho, em causa.
E igualmente nada em nosso entender permite concluir de uma outra forma, mesmo tendo ficado assente que a arguida não deu entrada de ação de direito de regresso da referenciada verba de € 20.000,00 contra D…, Ld.ª – cfr. item 38º da factualidade provada -, já que as razões para assim ter sucedido podiam ser de diversa índole e em nada ficaram esclarecidas, nada tendo ficado assente a esse respeito.
Nada aferimos outrossim da previsão referenciada pela Arguida, numa reunião ocorrida em 24 de Novembro de 2015, nos Serviços da ACT, no sentido de ser temporário o encerramento do hotel.
Na verdade, o que resulta da factualidade assente como provada nos itens 17º, 18º e 24º, é que tal encerramento ocorreu em 05 de Novembro de 2015, aquando da entrega efetuada depois de proferida a decisão no incidente de despejo imediato, em que foi ordenada a desocupação imediata do imóvel em questão pela D…, Ld.ª e que volvidos 19 dias, a Arguida referiu na referida reunião que se previa ser tal encerramento temporário.
Porém, nada ficou assente quanto ao hiato de tempo que tal previsão pressupunha, nem ter a mesma se concretizado, nem sequer ter a Unidade hoteleira, em causa, entretanto, voltado a funcionar, ou seja, a ser explorada quer pela Ré quer por outrem, antes e tão só que a Arguida nunca explorou nenhum estabelecimento de hotelaria, aí se incluindo aquela Unidade (cfr. item 39º dos factos provados).
Da intenção da Arguida de poder fazer negociações com terceiros que viessem a «levar» os trabalhadores (cfr. item 35º da factualidade provada), igualmente nada aferimos, desde logo por se desconhecer o conteúdo de tais negociações – se pressupunham inclusive a utilização do imóvel onde funcionou a Unidade hoteleira, entretanto entregue à Arguida-, sendo que a hipótese de com tais negociações se conseguir um vínculo laboral para os trabalhadores não significa que forçosamente se estivesse a transmitir um vínculo já existente, ou seja que tal sucederia por transmissão da qualidade de empregadora da Arguida para outrem.
Por último, ainda que a Arguida tenha tido conhecimento que havia 5 ou 6 trabalhadores inscritos na Segurança Social como sendo seus trabalhadores, tal não basta para se concluir por uma atuação por parte da Arguida, como responsável pelos respetivos contratos, até porque o que ficou provado é ter sido a D…, Ld.ª a exibir uma carta enviada à Segurança Social, intitulada “transmissão da posição de empregador” em relação aos trabalhadores, tendo a Arguida solicitado aquela entidade explicações sobre as inscrições, em causa, da qual nunca obteve resposta, tendo as inscrições desaparecido (cfr. itens 21º, 33º e 34º da factualidade provada).
Não acompanhamos a análise efetuada na decisão recorrida, não aferindo verificar-se o elemento objetivo da contraordenação imputada à Arguida, nem a atuação negligente por parte da mesma na violação de um procedimento legalmente imposto.
Em conformidade, procede a Apelação.

4. Decisão:
Em face do exposto acorda-se em revogar a sentença recorrida, absolvendo-se a Arguida da prática da contraordenação pela infração prevista e punida no nº6 do artigo 285º e 548º do Código do Trabalho.
Sem custas.

Porto, 24 de Setembro de 2020.
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão