ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Sumário

I – Na aferição/ponderação dos critérios materiais de decisão de atribuição da casa de morada de família inexiste, propriamente, uma hierarquia dos factores ponderáveis, nos termos do nº. 1, do artº. 1793º, do Cód. Civil, devendo a casa ser atribuída ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela ;
II – a culpa pelo divórcio configura-se como um factor irrelevante, pois não está em equação os efeitos decorrentes de maior ou menor imputação ou responsabilidade na crise desencadeada com o divórcio, antes urgindo tutelar uma necessidade provocada pela separação definitiva dos cônjuges ;
III - improcedendo a acção de atribuição da casa de morada de família, interposta pela Requerente, mantêm-se os efeitos do acordo provisório judicialmente homologado na sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento, no âmbito do qual a casa de morada de família foi atribuída ao cônjuge marido ;
IV - tal atribuição não tem por fonte a sentença apelada, que julgou improcedente a acção de atribuição da casa de morada de família, inexistindo, assim, qualquer justificação para aludir-se a uma pretensa atribuição, ex officio, por parte daquela mesma decisão.

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1 – MC…, residente na Praceta …, nº. …. …º Direito, Paivas, intentou o presente processo especial de jurisdição voluntária contra JJ…, residente na …, nº. …, …º, Lisboa, deduzindo o seguinte petitório:
- que seja julgada procedente a pretensão apresentada, na sequência do divórcio decretado entre a Requerente o Requerido, devendo, nos termos do artº. 990º, do Cód. de Processo Civil, ser-lhe atribuída a casa de morda de família.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:
· instaurou contra o Requerido acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que a 19/09/2017, convolaram em divórcio por mútuo consentimento ;
· na mesma data transitou em julgado a sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento entre a Requerente e o Requerido, e declarou dissolvido o respectivo casamento ;
· tendo ficado acordado que a casa de morada de família ficava atribuída, provisoriamente, ao cônjuge marido ;
· salvaguardando logo a Autora que pretendia intentar acção com vista à atribuição da mesma para si ;
· Requerente e o Requerido são ambos proprietários do imóvel sito na Praceta …, n.º …, …º Dto., Paivas, Amora ;
· depois do divórcio a Requerente viu-se obrigada a tomar de arrendamento um andar sito na mesma zona em que se situa o imóvel, propriedade de ambos, devido à proximidade dos locais onde desenvolve as suas actividades profissionais e mantém a proximidade das pessoas amigas e conhecidas ;
· o Requerido tem como habitação permanente a casa sita na Rua …, n.º …, Torrão, onde come, dorme e recebe diariamente pessoas amigas e familiares ;
· encontrando-se esta habitação integrada no círculo sócio profissional do Requerido, que se dedica à agricultura e a outras actividades profissionais ligadas ao campo, deslocando-se de vez em quando ao imóvel, propriedade de ambos, para passar fins de semana ;
· necessita a Requerente mais do que o Requerido daquela que foi a casa de morada de família, na qual tem fortes referências e de forma a mitigar os gastos que tem com o contrato de arrendamento.
2 – Designada data para tentativa de conciliação, nos termos do nº. 2, do artº. 990º, do Cód. de Processo Civil, veio esta a realizar-se, conforme acta de fls. 35 e 36, sem que se lograsse obter acordo.
3 – Notificado o Requerido para, querendo, apresentar contestação, veio apresentá-la a fls. 39 a 43, aduzindo, em súmula, o seguinte:
- o imóvel sito na Praceta …, n.º …, …º Dto, Paivas, Amora, foi adquirido com capitais próprios do Requerido, com o produto da venda da casa onde Requerente e Requerido viviam anteriormente ;
- e que havia sido comprada pelo pai do Requerido para este e o seu irmão e o capital remanescente na compra da mesma foi-lhe doado pelo seu falecido pai ;
- a Requerente dois anos antes do divórcio ter sido decretado arrendou outra casa de forma livre, tendo-se aí estabelecido e ainda vendeu um bem imóvel do casal que até ao momento não prestou contas ;
- não tem outra habitação para além da casa de morada de família, onde vive diariamente em comunhão de leito e habitação com a actual companheira desde Outubro de 2017 e encontra-se desempregado desde Julho do corrente ano 2018.
Conclui, no sentido de ser julgado improcedente o deduzido incidente, “devendo ser mantida a casa de morada de família na posse do requerido, bem como pedindo a condenação da requerente como litigante de má-fé, nos termos do artigo 542º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código de Processo Civil, porquanto deduziu pretensão, alegando factos, que bem sabe não corresponderem à verdade e que deve ser a casa de morada de família qualificada como bem próprio do requerido”.
4 – Designada data para a produção probatória, veio esta a ocorrer conforme actas de fls. 83 a 94 e 208 a 210.
5 – Posteriormente, foi proferida sentença – cf., fls. 213 a 218 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas:
a) julgo improcedente, por não provada, a presente ação e, consequentemente, absolvo o requerido do pedido de atribuição à requerente da casa de orada de família; e,
b) julgo improcedente, por não provado, o pedido de condenação da requerente como litigante de má fé deduzido pelo requerido, e em consequência, absolvo a requerente do pedido.
Custas a cargo da requerente.
Valor da acção: € 30.000,01.
Registe e notifique”.
6 - Inconformada com o decidido, a Requerente interpôs recurso de apelação, por referência à sentença prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem, na parte relevante, corrigindo-se os lapsos de redacção e consignando que existem repetições na numeração de várias sub conclusões):
“1ª O presente recurso tem por objecto a douta decisão proferida no proc. n.º 2016/17.9T8ALM-C, Juiz …, Juízo de Família e Menores de Almada, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que julgou improcedente, por não provado, o pedido da requerente, adiante apelante, para que lhe fosse atribuída a casa da morada da família.
2ª Na sua petição inicial a apelante alegou factos que se dão aqui com inteiramente reproduzidos, no sentido de lhe ser à atribuição de casa de morada da família, sita na Praceta …, n.º …, …º Dtº, …-… Paivas, Amora, Seixal.
3ª - O apelado na oposição por si deduzida limitou-se, no essencial, a impugnar o pedido da apelante e ao mesmo tempo a alegar que na casa de morada de família se encontra nela a habitar na companhia de uma companheira com quem vive diariamente em comunhão de leito e habitação desde Outubro de 2017;
a) - sem no entanto deduzir, como lhe competia, a competente reconvenção no sentido de ser atribuída a ele e não a apelante, a casa da morada da família.
4ª - Por sentença proferida em 12 de Julho de 2019, a tribunal “a quo” julgou “improcedente, por não provada, a presente ação e, consequentemente, absolvo o requerido do pedido de atribuição à requerente da casa de orada de família”
5ª - Num primeiro momento, quiçá devido ao facto do apelado não ter deduzido reconvenção, o tribunal não lhe conheceu o pedido, aliás inexistente, no sentido de lhe ser atribuída a casa de morada de família.
6ª - Por não se conformar com a decisão recorrida e depois de dela ter recorrido, tempestivamente, vem à presença de Vossas Excelências apresentar as razões que julga lhe possam assistir de harmonia com o disposto no artigo 644.º n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.
7ª Após a concatenação de cada um dos factos dados como provados e não provados pelo tribunal “a quo”, a apelante considera incorrectamente julgados os seguintes considerados como factos provados.
8ª - Da primeira incorrecção, sobre propriedade do imóvel
a) O facto constante no n.º 6 da decisão recorrida quando se dá como provado que a “requerente declarou aceitar a venda para sua habitação”, na medida em que quem aceitou a venda foram ambos, a apelante e o apelado, casados sob o regime de comunhão de adquiridos.
b) Na nossa convicção tal afirmação é susceptível de confirmar a versão que o requerido tem teimado dar no sentido de que tal imóvel foi adquirido com o dinheiro da sua família, portanto sua, e só dele, o imóvel adquirido.
c) Verificada a incorrecção, deve o facto dado como provado ser corrigido e substituído por outro onde passa a constar o seguinte:
ca) O referido imóvel foi adquirido por escritura de compra e venda celebrada no dia 23/08/2000, no Cartório Notarial do Seixal, sendo primeiros outorgantes JA… e esposa, MF…, e segundo outorgante o aqui requerido, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com MC…, que declararam aceitar a venda para sua habitação própria permanente, pelo preço de dez milhões de escudos, já recebido, da fracção autónoma letra E, … andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta …, números …, …-A e …-B, Paivas, freguesia de Amora, concelho de Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ….
9ª Da segunda incorrecção, sobre o abandono da casa de morada de família
1. O facto constante no n.º 8 da decisão recorrida quando se dá como provado que “O imóvel situado na Praceta …, n.° …, …° Dto., Paivas foi casa de morada de família desde a data da sua aquisição até a requerente a ter abandonado em 2015, cerca de dois anos antes do divórcio, na companhia da filha de ambos, MS…, nascida a …/04/1989.”
Ora,
2. a apelante não abandonou a casa de morada de família espontaneamente e de livre vontade em 2015, mas sim obrigada à fazê-la.
Senão vejamos:
3. no seu pedido de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge que a apelante moveu contra o apelado que deu origem ao processo principal a qual ficou apensado o presente processo de atribuição da casa de morada de família, vem alegado na petição inicial, além do mais o seguinte:
(…)
4. Temos assim que na altura a apelante deu a conhecer factos que se tivessem sido levados ao julgamento o tribunal era obrigado a pronunciar sobre a veracidade dos mesmos e, caso positivo, viria ao de cima a violência doméstica que deste sempre a apelante sofreu às mão do apelado, obrigando, assim, o tribunal a pronunciar-se sobre a sua existência.
a) - Na altura, como atrás se referiu no n.º 2 do 1º da petição inicial do requerimento de atribuição da casa de morada de família “ graças à pronta e decisiva intervenção da MMª Juiz, que teve o mérito de apaziguar a desavença entre os então cônjuges”, o divórcio de natureza litigiosa foi convertido em mútuo consentimento e que a casa de morada de família ficaria atribuída ao cônjuge marido, provisoriamente, até a apelante intentar acção com vista à atribuição da mesma para si.
5. Alega o apelado, com desassombro, na contestação/oposição, artigo 13º, que “não tem outra habitação para além da casa de morada de família, onde vive diariamente em comunhão de leito e habitação com actual companheira desde Outubro de 2017.
6. Temos assim que o apelado ficou à espera que transitasse em julgado o acordo homologado por sentença proferida 19 de Setembro de 2017 para passar a habitar com outra mulher àquela que era a casa da morada de família, onde a apelante tinha deixado tudo o que não pode levar no dia em que se viu obrigada, sob coação, violência doméstica, levando consigo apenas objectos pessoais, os dela e os da filha de ambos.
a) - O arrolamento dos bens do casal verificado na casa da morada de família, prova exactamente a afirmação acabada de fazer. Cfr. os autos de arrolamento do bens do casal apenso, tal como o processo de atribuição da casa de família, ao processo principal de divórcio entre a apelante e o apelado.
7. Na sessão da Audiência de Discussão e Julgamento realizada em 19 de Março de 2019 a apelante requereu a junção aos autos de documentos relativos a uma queixa por ela apresentada contra o apelado na PSP por violência doméstica;
a) - queixa esta que deu origem ao processo …/…T9SXl que corre seu termos no juiz …, Juízo Local Criminal do Seixal”.
8. Estranhamente a MMª Juiz indeferiu a pretensão da apelante com base na extemporaneidade da apresentação dos referidos documentos e, em consequência, ordenou a sua devolução à procedência, ao advogado da apelante. Cfr. acta de fls. 63 a 94
9. Para além dos elementos de prova documental, extraídos das peças processuais acabadas de referir, relativamente às razões que levaram a apelante a abandonar a casa de morada de família, temos, ainda, relativamente ao mesmo facto, a prova testemunhal prestada pelas seguintes testemunhas em audiência de julgamento realizada em 19 de Março de 2019.
(….)
8. Verificada a incorrecção, deve o facto dado como provado no n.º 8 da decisão recorrida, ser corrigido e substituído por outro onde passa a constar o seguinte:
a) - O imóvel situado na Praceta …, n.° …, …° Dto., Paivas foi casa de morada de família desde a data da sua aquisição até a requerente ser obrigada pelo recorrido à abandoná-la em 2015, cerca de dois anos antes do divórcio, na companhia da filha de ambos, MS…, nascida a …/04/1989;
10ª Da terceira incorrecção relativa à habitação do apelado
1. Relativamente aos elementos da prova documental relativa à verdadeira habitação do apelado temos:
2. A procuração forense outorgada pelo apelado à favor da sua advogada junta aos autos onde o mesmo expressamente afirma que reside na Rua …, …-…Torrão, Alcácer do Sal
3. Esta mesma declaração consta, ainda:
a) - da Morada do Estabelecimento Estável (quando diferente do Domicílio Fiscal) , cfr. fls. 64 dos autos;
b) - da Consulta dos cadernos de recenseamentos, cfr. fls, 83 dos autos;
c) - da Declaração do Instituto do Emprego e Formação Profissional do Alentejo Litoral, Serviço de Emprego do Alcácer do Sal, elaborada em 21 de Março de 2019, cfr. fls. 97 dos autos.
3. Refira-se e a propósito que esta declaração foi passada a pedido do apelado e junta aos autos, através da Sua Ilustre Advogada, na Audiência de Discussão e Julgamento realizado em 19 de Março de 2019. Cfr. acta defls.83 a 94 dos autos, que se dá aqui como inteiramente reproduzia para todos os efeitos legais.
4. Para além dos elementos de prova documental existente nos autos, acabados de referir, deve ser tomada em consideração o depoimento do irmão do apelado CJ…, assente, no nosso entender, em falsidades.
5. Refira-se a propósito que o depoimento desta testemunha, por se mostrar falso foi objecto da contradita (cfr. a acta atrás referida), facto que levou a MMª Juiz, no fim das instâncias levadas a cabo pelos advogados, a submetê-lo a nova inquirição relativa ao domicílio do irmão, o apelado
(….)
6. Verificada a incorrecção, deve o facto dado como provado no n.º 12 da decisão recorrida, ser corrigido e substituído por outro que dá como provado que “O requerente reside na Rua …, …-… Torrão, Alcácer do Sal”.
11ª Da quarta incorrecção relativa às situações económicas da apelante e do apelado
1. Relativamente aos elementos da prova documental relativa aos réditos da apelante,
a) -no n.º 10 da decisão recorrida deu-se como provado que a mesma “aufere mensalmente quantia não concretamente apurada”, e
b) - no n.º 13 que a mesma “No ano fiscal de 2017, declarou rendimentos profissionais, comerciais e industriais (rendimentos de actividades profissionais especificamente previstas na Tabela do art. 151° do CIRS), no montante de € 11.697,50”;
4. Relativamente aos elementos da prova documental relativa aos réditos do apelado profissionais, comerciais e industriais, rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores - vendas de mercadorias e de produtos:
a) - no ano fiscal de 2016, no valor de € 12.584,02 e de rendimentos prediais no valor total de € 510,42, cfr n.º 14;
b) - No ano fiscal de 2017, no valor de E 9.508,31 e de rendimentos prediais no valor total de € 531,25 ,cfr n.º 15;
c) - No dia 12/07/2018, apresentou uma declaração Trabalhadores Independentes com Actividade Empresarial, na Segurança Social, indicando como motivo da cessação da actividade empresarial redução do volume de negócios igual ou superior a 60%, cfr. n.º 16.
5. Que o apelado:
encontra-se inscrito no Centro de Emprego e Formação Profissional do Alentejo Litoral, Serviços de Emprego de Alcácer do Sal, como candidato a emprego, desde 21/03/2019, na situação de desempregado, à procura de novo emprego, cfr. n.º 17;
não está a receber qualquer pensão/subsídio/complemento/prestação do Instituto da Segurança Social, I.P”, cfr. n.º 18.
6. Perante estes factos dados como provados, a primeira questão que se coloca, que reputamos oportuna e pertinente, relativamente aos reais rendimentos auferidos é a seguinte:
a) - Encontrando-se na situação de desemprego e sem receber qualquer pensão/subsídio/ complemento/prestação do Instituto da Segurança Social, I.P., com que rendimentos é que o apelante sustenta as suas despesas pessoais, as da casa de morada de família e as ”da companheira com quem vive diariamente em comunhão de leito e habitação com actual companheira desde Outubro de 2017, cfr. art.º 13º da oposição?!.
7. Considerando que:
- a união de facto com outra mulher e ocupação da casa da morada da família, onde se encontram haveres da apelante, verificados, imediatamente após o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio entre ela e o apelado;
- a MMª Juiz tomou conhecimento do facto acabado de mencionar;
- da questão que se coloca é a razão porque o tribunal não se deu, com o devido respeito, a preocupação de procurar conhecer o estatuto económico da tal mulher e/ou, no mínimo, se a mesma se encontrava, ou se encontra, na situação de desemprego, para assim aferir a possibilidade económica do casal unidos de factos tomarem de arrendamento um imóvel para habitação.
É certo que a apelante, no dizer da MMª Juiz;
a) - “não logrou provar, como lhe impunha o respetivo ónus da prova, que o requerido reside permanentemente no Torrão, tendo-se apurado que o requerido ali mantém o seu domicílio fiscal e para efeitos de recenseamento, mas essa casa é da sua progenitora que está num Lar, mas desloca-se diariamente a sua casa; e que
b) - Compete ao cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais do que o outro da referida casa, sendo que a necessidade da habitação é uma necessidade atual e concreta, a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso.
c) - Entretanto não é menos certo que a MMª Juiz é titular do processo principal de divórcio no qual se encontram apensos os autos de arrolamento dos bens do casal e do pedido de atribuição da casa de morada de família;
d) - Igualmente, não é menos verdade, que a MMª Juiz titular dos ,processos tomou conhecimento pessoal e directo de todos os elementos de prova documental constantes dos referidos processos que per si denunciam com eloquência o calvário2 da apelante que, enquanto esposa e mãe, foi obrigada à percorrer à batuta do apelado.
8. Cabe aludir e a propósito, que está subjacente à vontade do juiz, o princípio do inquisitório, presente no artigo 411.º CPC, em que o juiz tem a iniciativa da prova, podendo ordenar e realizar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade, que no nosso entender, e com a devida vénia, não se mostrou eficaz na sua plenitude, porquanto deveria o tribunal, ter apurado, por uma simples consulta dos extratos de consumo de água, luz etc.. se o réu habitava ou não na referida habitação.
9. Verificada a incorreção, relativa às situações económicas da apelante e do apelado devem os factos dados como provados e constantes dos n.ºs n.ºs 14, 15, 16, 17 e 18 serem declarados não reais e que os mesmo foram adquiridos sob manifesta falsidade uma vez que o apelado, como facilmente se reconhece, é um agricultor alentejano abastado.
Tanto assim que,
10. no ano de 2017 foram arrolados ao apelante bens móveis, imóveis e contas bancárias (mais de 130 mil euros) no valor estimado em cerca de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros). Cfr autos de arrolamento apensado ao processo principal de divórcio entre apelante e o apelado que aqui se dá como inteiramente apurado.
11. Temos assim que, com o mais subido respeito, o tribunal não deveria, e nem deve, dar como provados factos que assentam em falsidades com dignidade criminal.
12ª Da ausência da reconvenção
12. Compulsando a oposição verifica-se que o apelado limitasse a impugnar os factos alegados na p.i ao mesmo tempo que coloca o tribunal perante um facto consumado, sem o conhecimento e consentimento da apelante.
Ou seja,
13. que na casa de morada de família já se encontra nela a habitar o apelante e uma companheira com quem vive diariamente em comunhão de leito e habitação com actual companheira desde Outubro de 2017.
14. A MMª Juiz, não tendo o apelado deduzido reconvencional no sentido de lhe ser atribuída a casa da morada de família, não lhe deveria ter atribuído, com o devido respeito, ex officio, ao arrepio dos mais elementares princípios e regras processuais civis respeitante ao direito de família”.
Conclui, no sentido de “ser declarada nula e sem efeito a sentença recorrida e, em consequência, ser substituída por outra decisão que atribui a casa de morada de família à apelante”.
7 – O Apelado/Recorrido não apresentou contra-alegações.
8 – Sem que exista despacho de expressa liminar admissão do recurso, foi ordenada a subida dos autos ao presente Tribunal da Relação – cf., despacho de fls. 384.
9 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
*
II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, por referência:
1.1 - ao facto provado 6
pretendendo-se que o mesmo, sendo alvo de correcção, passe a figurar com a seguinte redacção:
“O referido imóvel foi adquirido por escritura de compra e venda celebrada no dia 23/08/2000, no Cartório Notarial do Seixal, sendo primeiros outorgantes JA… e esposa, MF…, e segundo outorgante o aqui requerido, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com MC…, que declararam aceitar a venda para sua habitação própria permanente, pelo preço de dez milhões de escudos, já recebido, da fracção autónoma letra E, … andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta …, números …, …-A e …-B, Paivas, freguesia de Amora, concelho de Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número …”Conclusão 8ª ;
1.2 – ao facto provado 8
pretendendo-se que o mesmo, sendo objecto de correcção, passe a figurar com idêntica redacção:
O imóvel situado na Praceta …, n.º …, …º Dto., Paivas foi casa de morada de família desde a data da sua aquisição até a requerente ser obrigada pelo recorrido a abandoná-la em 2015, cerca de dois anos antes do divórcio, na companhia da filha de ambos, MS…, nascida a …/04/1989” - Conclusão 9ª ;
1.3 - ao facto provado 12
Pretendendo-se que o mesmo seja substituído por um novo facto, com a seguinte redacção:
“O Requerente reside na Rua …, …-…, Torrão, Alcácer do Sal” - Conclusão 10ª ;
1.4 - aos factos provados 14, 15, 16, 17 e 18
pretendendo-se que estes passem a figurar como factos “não reais”, ou seja, não provados - Conclusão 11ª,
o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA produzida ;
2. Seguidamente, quer se conclua pela requerida modificação (total ou parcial) da matéria de facto fixada, quer esta seja improcedente, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA.
Nesta, ponderar-se-á, em obediência ao objecto recursório, acerca da aludida ausência de reconvenção, que injustifica a permanência do Requerido na casa de morada de família - Conclusão 12ª.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte (consta a rectificação de alguns lapsos de redacção ; estão devidamente identificados, com * os factos impugnados ou pretendidos rectificar):
Do requerimento inicial:
1 – A requerente e o requerido contraíram casamento entre si, sem convenção antenupcial, no dia 31 de Maio de 1986;
2 – A 18 de Março de 2017, a aqui requerente intentou ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra o aqui requerido;
3 – Por sentença proferida a 19/09/2017, já transitada em julgado, foi homologado por sentença o acordo celebrado entre ambos os requerentes e decretado o Divórcio por Mútuo Consentimento entre a aqui requerida e requerido, declarando-se dissolvido o respectivo casamento;
4 – Nos autos de Divórcio por Mutuo Consentimento a aqui requerente e requerido acordaram, além do mais, o seguinte: (…)
2 - A casa de morada de família fica atribuída ao cônjuge marido, provisoriamente, sendo certo que a autora pretende intentar acção com vista à atribuição da mesma para si.
3 – Existem os seguintes bens comuns do casal:
- Quanto aos bens móveis os mesmos constam do auto de arrolamento.
- Bem imóvel constituído pela fracção E do prédio descrito na Conservatória do registo predial da Amora sob o número …/…-E sito na Praceta …, n.º … – …º to., Paivas, Amora.” (…);
5 – Encontra-se averbado pela Ap. 4 de 2000/09/01, na Conservatória do Registo Predial de Amora, a aquisição por compra da fracção autónoma designada pela letra “E” do imóvel constituído em propriedade horizontal sito na Praceta …, n.º …, …- A e …-B, Paivas, Amora, correspondente ao …º andar direito, descrita sob o n.º …-E, com o artigo matricial …, por parte do requerido JJ…, casado com MC…, no regime de comunhão de adquiridos;
6 – O referido imóvel foi adquirido por escritura de compra e venda celebrada no dia 23/08/2000, no Cartório Notarial do Seixal, sendo primeiros outorgantes JA… e esposa, MF…, e segundo outorgante o aqui requerido, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com MC…, que declarou aceitar a venda para sua habitação própria permanente, pelo preço de dez milhões de escudos, já recebido, da fracção autónoma letra E, … andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta …, números …, …-A e …-B, Paivas, freguesia de Amora, concelho de Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número … * ;
7 – Por escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança celebrada no dia 23/08/2000, no Cartório Notarial do Seixal, sendo primeiro outorgantes JJ… e esposa MC…, declararam vender, à segunda outorgante MCe…, pelo preço de catorze milhões de escudos, já recebido, que declarou aceitar a venda para sua habitação própria permanente, da fracção autónoma letra G, … andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, número …, Paivas, freguesia de Amora, concelho de Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número …;
8 – O imóvel situado na Praceta …, n.º …, …º Dto., Paivas foi casa de morada de família desde a data da sua aquisição até a requerente ter saído do mesmo em 2015, cerca de dois anos antes do divórcio, na companhia da filha de ambos, MS…, nascida a …/04/1989 [2] * ;
9 – Depois de sair da casa de morada de família, a requerente viu-se obrigada a tomar de arrendamento um andar sito na mesma zona onde se situa o imóvel, devido à proximidade dos locais onde desenvolve as suas actividades profissionais e mantém proximidade das pessoas amigas e conhecidas;
10 – A requerente exerce actividade profissional como explicadora, num Centro de Estudos/Explicações, a recibos verdes, auferindo mensalmente quantia não concretamente apurada;
11 – A requerente tem as seguintes despesas mensais:
a) Renda de casa, no valor mensal de € 350,00;
b) Alimentação, vestuário e transporte, em quantia mensal não concretamente apurada;
c) Consumos de electricidade, no período de facturação de 11 de fevereiro a 10 de março de 2019, no valor de € 36,89;
d) Consumo de água, no período de facturação de 5 de fevereiro a 4 de março de 2019, no valor de € 6,16;
e) IRS, no valor de € 151,60, € 152,23, € 152,83, € 156,66, nos meses de setembro, outubro, novembro de dezembro/2018, respectivamente;
*
Da oposição:
12 – O requerente vive na casa de morada de família, sita na Praceta …, n.º …, …º Dto. Paivas, Amora * ;
*
Mais se provou, que:
13 – No ano fiscal de 2017, a requerente declarou rendimentos profissionais, comerciais e industriais (rendimentos de actividades profissionais especificamente previstas na Tabela do art. 151º do CIRS), no montante de € 11.697,50;
14 – No ano fiscal de 2016, o requerido declarou auferir rendimentos brutos, de rendimentos profissionais, comerciais e industriais, rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores - vendas de mercadorias e de produtos, no valor de € 12.584,02 e de rendimentos prediais no valor total de € 510,42 *;
15 – No ano fiscal de 2017, o requerido declarou auferir rendimentos brutos, de rendimentos profissionais, comerciais e industriais - vendas de mercadorias e de produtos, no valor de € 9.508,31 e de rendimentos prediais no valor total de € 531,25 *;
16 – No dia 12/07/2018, o requerido apresentou uma declaração Trabalhadores Independentes com Actividade Empresarial, na Segurança Social, indicando como motivo da cessação da actividade empresarial redução do volume de negócios igual ou superior a 60% *;
17 – O requerido encontra-se inscrito no Centro de Emprego e Formação Profissional do Alentejo Litoral, Serviços de Emprego de Alcácer do Sal, como candidato a emprego, desde 21/03/2019, na situação de desempregado, à procura de novo emprego *;
18 – O requerido não está a receber qualquer pensão/subsídio/ complemento/prestação do Instituto da Segurança Social, I.P. *;
19 – A filha do casal, viveu com a mãe durante dois anos e atualmente, já não reside com a mãe;
20 – O requerido mantém o domicílio fiscal e para efeitos de recenseamento a morada da Rua …, n.º …, Torrão, …-… Torrão, Alcácer do Sal, Setúbal;
21 –A habitação sita na Rua …, n.º …, Torrão é dos pais do requerido, onde a mãe do requerido se desloca diariamente, embora esteja a viver actualmente num Lar.
*
Na mesma sentença, foram considerados NÃO PROVADOS os seguintes factos (consta a rectificação de alguns lapsos de redacção):
a) O imóvel situado na Praceta …, n.º …, …º Dto., Paivas, Amora é composto por um único complexo de divisões (casa de banho, cozinha, sala e quartos), com uma única entrada própria;
b) A requerente ainda tem a despesa da ajuda económica que de vez em quando sente que deve prestar a filha de ambos, que deixou de beneficiar de qualquer ajuda do requerente, durante anos;
c) O requerido tem como habitação permanente uma casa sita na Rua …, n.º …, …-… Torrão, onde come, dorme e recebe diariamente, pessoas amigas e familiares;
d) Esta habitação encontra-se integrada no círculo sócio profissional do requerido que se dedica à agricultura e a outras actividades profissionais ligadas ao campo, deslocando-se de vez em quando ao imóvel, sito na Amora, para passar fins-de-semana;
e) O requerido por ser uma pessoa abastada e de elevado estatuto sócio-económico, tem possibilidades económicas de tomar de arrendamento um imóvel, onde quer que seja, para passar os seus fins de semana quando se desloca do Alentejo;
f) O requerido vem garantindo a pessoas conhecidas e amigas do casal que a requerente jamais terá seja o que for da casa de morada de família, por ser tudo só seu e muito menos entrará nela, aconteça o que acontecer e ainda porque já estão divorciados;
g) A requerente necessita daquela que foi casa de morada de família para habitar devido ao facto de nela ter fortes referências;
h) A requerente vendeu um imóvel do casal que até ao momento não prestou contas;
i) A requerente aquando da saída da casa, dois anos antes da dissolução do matrimónio, levou consigo todo o recheio da casa;
j) O requerido encontra-se desempregado desde Julho de 2018.
*
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a Recorrente/Apelante deu cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do Cód. de Processo Civil, inclusive no que concerne à parte referente á prova constante de registo ou gravação, pelo que o presente Tribunal pode proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [3].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[4] (sublinhado nosso).
Vejamos.
- facto provado 6
Redacção consignada:
O referido imóvel foi adquirido por escritura de compra e venda celebrada no dia 23/08/2000, no Cartório Notarial do Seixal, sendo primeiros outorgantes JA… e esposa, MF…, e segundo outorgante o aqui requerido, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com MC…, que declarou aceitar a venda para sua habitação própria permanente, pelo preço de dez milhões de escudos, já recebido, da fracção autónoma letra E, … andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta …, números …, …-A e …-B, Paivas, freguesia de Amora, concelho de Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número …” ;
Redacção proposta:
“O referido imóvel foi adquirido por escritura de compra e venda celebrada no dia 23/08/2000, no Cartório Notarial do Seixal, sendo primeiros outorgantes JA… e esposa, MF…, e segundo outorgante o aqui requerido, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com MC…, que declararam aceitar a venda para sua habitação própria permanente, pelo preço de dez milhões de escudos, já recebido, da fracção autónoma letra E, … andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta …, números …, …-A e …-B, Paivas, freguesia de Amora, concelho de Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número …”.          
Alega a Apelante que existe incorrecção na redacção conferida ao presente ponto factual, na parte em que “se dá como provado que a “requerente declarou aceitar a venda para sua habitação”, na medida em que quem aceitou a venda foram ambos, a apelante e o apelado, casados sob o regime de comunhão de adquiridos”.
Aduz, ainda, que a menção feita consignar “é susceptível de confirmar a versão que o requerido tem teimado dar no sentido de que tal imóvel foi adquirido com o dinheiro da sua família, portanto sua, e só dele, o imóvel adquirido”.
Em sede de fundamentação da matéria de facto consignada na sentença, consta que a resposta dada a este ponto factual “resultou do teor da escritura de compra e venda do imóvel sito na Praceta …, de fls. 186 a 189 dos presentes autos”.
Decidindo:
Parece inquestionável a falta de razão da Apelante.
Efectivamente, conforme resulta do teor da aludida escritura pública de compra e venda do identificado imóvel, outorgada em 23/08/2000, apenas figura como segundo outorgante, e comprador, o ora Requerido/Apelado JJ…, fazendo-se menção do mesmo ser casado sob o regime de comunhão de adquiridos com MC…, ora Requerente/Apelante.
Consta, ainda, no teor do mesmo documento público, que o identificado segundo Outorgante, e apenas este, declarou aceitar “esta venda para sua habitação própria permanente”.
A ora Recorrente não teve qualquer intervenção na escritura, pelo que, fundando-se a factualidade provada no teor daquele documento com força de fé pública, logicamente que não podia ter sido consignado o teor de uma qualquer declaração de uma não interveniente no mesmo.
Por outro lado, e contrariamente ao indiciado na impugnação apresentada, o facto de apenas ter intervindo em tal aquisição do imóvel o ora Apelado marido, não traduz qualquer confirmação acerca da pretensa titularidade exclusiva do mesmo por parte do Requerido, ou que tal aquisição tivesse sido financiada com dinheiro familiar deste, susceptível de excepcionar as regras de aquisição legalmente equacionadas para a pendência do regime matrimonial de comunhão de adquiridos.
Pelo que, sem outras delongas, na improcedência da impugnação apresentada, o facto 6 mantém-se nos precisos termos consignados na decisão apelada.
- facto provado 8
Redacção consignada:
O imóvel situado na Praceta …, n.º …, …º Dto., Paivas foi casa de morada de família desde a data da sua aquisição até a requerente a ter abandonado em 2015, cerca de dois anos antes do divórcio, na companhia da filha de ambos, MS…, nascida a …/04/1989” ;
Redacção proposta:
“O imóvel situado na Praceta …, n.º …, …º Dto., Paivas foi casa de morada de família desde a data da sua aquisição até a requerente ser obrigada pelo recorrido a abandoná-la em 2015, cerca de dois anos antes do divórcio, na companhia da filha de ambos, MS…, nascida a …/04/1989”.
Referencia a Recorrente não ter abandonado a casa de morada de família espontaneamente e de livre vontade em 2015, tendo-o sido antes obrigada a fazê-lo.
Transcreve parte da petição inicial da acção de divórcio, enuncia vária prova documental e transcreve o teor de declarações por si prestadas em sede de audiência de julgamento, bem como o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas MFe… (sua irmã) e MS… (filha de Requerente e Requerido).
Fundamentando a prova de tal facto (em conjunto com o facto provado 9), consignou a sentença apelada que “a resposta dada aos artigos 8º e 9º dos factos provados, resultou do depoimento da filha do casal, MS…, que referiu que ficou com a mãe durante cerca de dois anos, quando a mãe saiu da casa onde viviam na Praceta …, n.º …, …º Dto., Paivas, Amora, em 2015, conjugado com o teor do assento de nascimento da filha do casal junto aos autos principais a fls. 25 a 27 e com o teor do documento de fls. 171 a 174 (contrato de arrendamento), datado de Agosto de 2015”.
Decidindo:
A factualidade dada como provada não faz nenhum juízo de valor ao facto objectivo provado de a Requerente ter abandonado a casa de moda de família no ano de 2015, ou seja, não consta se tal abandono foi ou não provocado, voluntário ou fruto de qualquer conduta do ora Requerido que o tivesse determinado.
E, reconheça-se, tal matéria configura-se de todo irrelevante para a sorte do presente processo de jurisdição voluntária, pois aquele facto não traduz, nem deve traduzir, um qualquer juízo de culpa, mas apenas certificar o acto de saída da casa de morada de família.
Esclarecendo, entendemos, conforme melhor veremos infra, que a culpa pela separação ou divórcio (juízo que actualmente perdeu muita da sua relevância ou premência) configura-se de todo irrelevante na aferição dos critérios materiais de decisão de atribuição da casa de morada de família. Alegada culpa, responsabilidade ou imputação que nem sequer foi apreciada nos autos principais de divórcio, atenta a convolação destes em divórcio por mútuo consentimento.
Donde, e independentemente da potencialidade dos meios probatórios enunciados, conclui-se pela irrelevância da pretendida alteração da matéria factual.
Todavia, atenta a natureza polissémica da palavra abandono, e de forma a não criar equívocos interpretativos, decide-se substituir a mesma pela expressão sair, passando o presente facto a ter a seguinte redacção:
O imóvel situado na Praceta …, n.º …, …º Dto., Paivas foi casa de morada de família desde a data da sua aquisição até a requerente ter saído do mesmo em 2015, cerca de dois anos antes do divórcio, na companhia da filha de ambos, MS…, nascida a …/04/1989”.
- facto provado 12
Redacção consignada:
“O requerente vive na casa de morada de família, sita na Praceta …, n.º …, …º Dto. Paivas, Amora” ;
Redacção proposta:
“O Requerente reside na Rua …, …-…, Torrão, Alcácer do Sal”.
A presente impugnação tem a ver com a actual residência do Requerido, tendo-se dado como provado que o mesmo reside na casa de morada de família, enquanto que a Requerente defende que a sua actual residência é noutro local, tal como já afirmara em sede de requerimento inicial.
Referencia, no sentido da impugnação apresentada, a existência de vária prova documental corroborante da “verdadeira habitação do apelado”, nomeadamente “a procuração forense outorgada pelo apelado à favor da sua advogada junta aos autos onde o mesmo expressamente afirma que reside na Rua …, …-…Torrão, Alcácer do Sal”, a “Morada do Estabelecimento Estável (quando diferente do Domicílio Fiscal) , cfr. fls. 64 dos autos”, o teor da “consulta dos cadernos de recenseamentos, cfr. fls, 83 dos autos”, bem como o teor da “Declaração do Instituto do Emprego e Formação Profissional do Alentejo Litoral, Serviço de Emprego do Alcácer do Sal, elaborada em 21 de Março de 2019, cfr. fls. 97 dos autos”.
Considera, ainda, que para além, de tais elementos de natureza documental, deve ser, ainda, “tomada em consideração o depoimento do irmão do apelado CJ…, assente, no nosso entender, em falsidades”, o qual foi “objecto da contradita”, pelo que foi submetido a nova inquirição relativa ao domicílio do irmão.
Na fundamentação da sentença consta o seguinte:
A resposta dada ao artigo 12º dos factos provados, ficou a dever-se ao depoimento da testemunha CJ…, irmão do requerido, que referiu que quando fala com o irmão este está nas Paivas e que a casa do Torrão é dos seus pais, e que a sua mãe vive num Lar, mas vai diariamente a casa.
A testemunha MS…, filha do casal não logrou abalar a credibilidade do depoimento do irmão do requerido, dado que referiu que o local onde o pai vive é dúbio, e que não sabe se vive ou não na Praceta …, n.º …, …º Dto., Paivas”.
Com implicação directa, transcreva-se, ainda, a motivação/fundamentação do facto não provado identificado sob a alínea c) – onde se afirma que o Requerido tem como habitação permanente uma casa sita na Rua …, nº. …, …-… Torrão, onde come, dorme e recebe diariamente pessoas amigas e familiares -, aí se referenciando que “relativamente à factualidade considerada não provada constante da alínea c), resultou do facto de ter sido feito prova do contrário, dado que a testemunha CC…, irmão do requerido, refere que sempre que fala com o irmão este está nas Paivas e que a casa do Torrão é dos seus pais, e nenhuma das demais testemunhas ouvidas foi capaz de contrariar tal afirmação”.
Decidindo:
O teor dos documentos referenciados, reportando-se, quase em exclusivo, ao âmbito profissional do Requerido, não se afiguram determinantes para o alterar da matéria factual fixada.
Com efeito, é perfeitamente natural e compreensível que a morada utilizada em vários documentos, nomeadamente daquela natureza profissional, não determinem, por si só, que a pessoa não possa ter outro domicílio onde efectivamente resida ou habite. São realidades perfeitamente compagináveis, inclusive a que resulta do facto de alguém figurar, durante anos, nos cadernos de recenseamento eleitoral de uma freguesia e município e ter como residência uma morada sita noutra freguesia e município. Realidade que foi vivenciada, durante anos, por várias pessoas no nosso país, com maior facilidade antes do surgimento do cartão de cidadão.
Por outro lado, a Recorrente referencia a falsidade do depoimento do irmão do Requerido, sem propriamente a justificar e explicitar, não se nos afigurando que esta possa ser sustentada, de forma clara e lógica, mediante o teor do depoimento prestado, ou apenas fundada na alegada dicotomia com a citada prova documental.
Esta não foi suficiente, segundo a percepção do Tribunal recorrido, para afectar a valoração de tal depoimento e, na ponderação do teor do declarado, também não descortinamos motivação ou fundamentação suficiente no sentido de alterar tal juízo.
Efectivamente, escalpelizado o teor das declarações prestadas pela testemunha MCo…, filha da Requerente e Requerido, referencia esta que o pai “teve sempre uma morada, um domicílio fiscal, em casa dos pais Torrão”, desconhecendo, na realidade, onde o mesmo actualmente reside.
Acrescentou, ainda, não conseguir dizer que o pai viva na casa de morada de família, pois não tem contacto com o mesmo e que não procura saber se a casa se encontra ou não ocupada, ainda que reconheça que por vezes vê as janelas abertas, noutras vezes fechadas, bem como a existência de roupa estendida.
Por outro lado, o identificado CJ…, irmão do Requerido, assegurou que aquela era a residência do irmão, ainda que o mesmo não tenha tratado de todos os documentos identificativos da morada, admitindo, porém, sem concretizar, que o irmão fique uma ou outra noite na casa do Torrão, pertença da mãe.
Pelo que, inexiste lastro probatório suficiente para alterar a factualidade ora questionada, sendo certo que, conforme supra referenciámos, tal alteração apenas deve ser operatória quando, na actuação do princípio da livre apreciação das provas, seja possível concluir, com a segurança necessária, pela existência de erro na apreciação daquele concreto ponto factual.
Donde, concluímos no sentido de julgar improcedente, quanto a este facto, a impugnação apresentada, mantendo-se integralmente a redacção do facto provado 12.
- factos provados 14, 15, 16, 17 e 18
Redacção consignada:
14 – No ano fiscal de 2016, o requerido declarou auferir rendimentos brutos, de rendimentos profissionais, comerciais e industriais, rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores - vendas de mercadorias e de produtos, no valor de € 12.584,02 e de rendimentos prediais no valor total de € 510,42 ;
15 – No ano fiscal de 2017, o requerido declarou auferir rendimentos brutos, de rendimentos profissionais, comerciais e industriais - vendas de mercadorias e de produtos, no valor de € 9.508,31 e de rendimentos prediais no valor total de € 531,25 ;
16 – No dia 12/07/2018, o requerido apresentou uma declaração Trabalhadores Independentes com Actividade Empresarial, na Segurança Social, indicando como motivo da cessação da actividade empresarial redução do volume de negócios igual ou superior a 60% ;
17 – O requerido encontra-se inscrito no Centro de Emprego e Formação Profissional do Alentejo Litoral, Serviços de Emprego de Alcácer do Sal, como candidato a emprego, desde 21/03/2019, na situação de desempregado, à procura de novo emprego ;
18 – O requerido não está a receber qualquer pensão/subsídio/ complemento/prestação do Instituto da Segurança Social, I.P. “.
Pretende a Recorrente que estes factos sejam declarados não reais, ou seja, que passem a figurar como não provados.
Alega, para tanto, e em resumo, que:
- perante esta factualidade, coloca-se a questão de aferir ou saber se “encontrando-se na situação de desemprego e sem receber qualquer pensão/subsídio/ complemento/prestação do Instituto da Segurança Social, I.P., com que rendimentos é que o apelante sustenta as suas despesas pessoais, as da casa de morada de família e as ”da companheira com quem vive diariamente em comunhão de leito e habitação com actual companheira desde Outubro de 2017, cfr. art.º 13º da oposição?!” ;
- também não se compreende como o Tribunal não se preocupou em “procurar conhecer o estatuto económico da tal mulher e/ou, no mínimo, se a mesma se encontrava, ou se encontra, na situação de desemprego, para assim aferir a possibilidade económica do casal unidos de factos tomarem de arrendamento um imóvel para habitação” ;
- efectivamente, está subjacente “à vontade do juiz, o princípio do inquisitório, presente no artigo 411.º CPC, em que o juiz tem a iniciativa da prova, podendo ordenar e realizar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade, que no nosso entender, e com a devida vénia, não se mostrou eficaz na sua plenitude, porquanto deveria o tribunal, ter apurado, por uma simples consulta dos extratos de consumo de água, luz etc.. se o réu habitava ou não na referida habitação” :
- pelo que, “verificada a incorreção, relativa às situações económicas da apelante e do apelado devem os factos dados como provados e constantes dos n.ºs 14, 15, 16, 17 e 18 serem declarados não reais e que os mesmo foram adquiridos sob manifesta falsidade uma vez que o apelado, como facilmente se reconhece, é um agricultor alentejano abastado” ;
- pois, no ano de 2017, “foram arrolados ao apelante bens móveis, imóveis e contas bancárias (mais de 130 mil euros) no valor estimado em cerca de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros). Cfr autos de arrolamento apensado ao processo principal de divórcio entre apelante e o apelado”.
Relativamente à factualidade ora questionada, consignou-se na fundamentação/motivação da sentença apelada o seguinte:
“A resposta dada aos artigos 14º e 15º dos factos provados, resultou do teor das declarações de rendimentos para efeitos de IRS dos anos fiscais de 2016 e 2017 de fls. 66 a 72 e 73 a 81/98 a 106, respetivamente.
A resposta dada ao artigo 16º dos factos provados, ficou a dever-se ao teor do documento junto aos autos de fls. 64.
A resposta dada ao artigo 17º dos factos provados, resultou do teor do documento de fls. 97.
A resposta dada ao artigo 18º dos factos provados, assentou no teor do documento junto aos autos a fls. 96”.
Decidindo:
A factualidade ora questionada fundou-se no teor da descrita prova documental, correspondendo a mesma ao resultante dos aludidos documentos. Ou seja, o que se fez inscrever como factualidade provada foi o teor daqueles mesmos documentos, correspondentes ás declarações de rendimentos para efeitos de IRS, documento emitido pelo Portal de Finanças relativamente á situação do contribuinte ora Requerido, declaração emitida pelo Instituto da Segurança Social, I.P. e demais declaração pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P..
Ora, atenta a natureza probatória de tais documentos, que não foram objecto de impugnação por parte da Requerente, aquela factualidade está devidamente enformada, não se entendendo como se pode concluir que a mesma assenta “em falsidades com dignidade criminal”.  
Questão diferenciada será, por exemplo, a da eventual fiabilidade dos valores declarados para efeitos fiscais, sendo certo que a Apelante não indica quaisquer outros nem especifica ou detalha quais os actos que o Tribunal a quo deveria ter praticado na procura de uma diferenciada percepção dos rendimentos auferidos. Que a Apelante apenas deixa subentendida, sem a precisar ou enunciar.
Por outro lado, a alegada oficiosidade decorrente do princípio do inquisitório, inscrito no artº. 411º, do Cód. de Processo Civil, não prescinde da colaboração das partes na procura da factualidade pertinente ao conhecimento da controvérsia colocada ao Tribunal. E isto, apesar de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária – cf., artº. 986º, nº. 2, do CPC -, no âmbito do qual tais poderes de oficiosidade se encontram previstos de forma acrescida.
Ademais, esta oficiosidade mostra-se cumprida pelo Tribunal a quo, na aferição da situação da Requerente e Requerido, conforme resulta, exemplificativamente, do teor do despacho de fls. 93, datado de 19/03/2019, sendo ainda certo não ter a ora Apelante especificado ou concretizado quais as efectivas diligências probatórias que deveriam ser realizadas e não o foram, capazes de traduzir uma diferenciada versão da factualidade que teve por base a aludida prova documental.
Adrede, mesmo as diligências invocadas nesta sede – consulta dos contratos de consumo de água e luz -, reportam-se a diferenciada factualidade, nomeadamente à já supra analisada, inscrita no facto 12 provado, e não à plasmada nos factos ora em apreciação.
Acresce, por fim, que a Recorrente apenas pugna pela consideração dos factos em equação como “não reais”, ou seja, não provados, não indicando outros que devessem ser considerados provados, em sua substituição, nem indicando, em concreto, quais as diligências probatórias omitidas, capaz de configurarem a existência de nulidade secundária, por omissão de acto legalmente prescrito. Que, ademais, também nunca foi invocada ou suscitada.
Por todo o exposto, e sem ulteriores delongas, conclui-se pela improcedência, nesta vertente, da impugnação da matéria de facto apresentada, mantendo-se, nos seus precisos termos, a factualidade provada sob os nºs. 14 a 18.   
*
Em resumo conclusivo, a alteração introduzida na matéria de facto ponderável, fruto do conhecimento da impugnação apresentada, traduz-se, apenas, na nova redacção conferida ao facto provado 8, que passa a figurar nos seguintes termos:
O imóvel situado na Praceta …, n.º …, …º Dto., Paivas foi casa de morada de família desde a data da sua aquisição até a requerente ter saído do mesmo em 2015, cerca de dois anos antes do divórcio, na companhia da filha de ambos, MS…, nascida a …/04/1989”.
Mantendo-se, na sua redacção inicial, e impugnada, a demais factualidade, nomeadamente constante dos factos provados sob os nºs. 6, 12 e 14 a 18.
II) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
Na sentença apelada ajuizou-se, basicamente, nos seguintes termos:
- in casu, a casa de morada de família constitui um bem próprio do casal, tendo sido adquirida na constância do matrimónio, celebrado no regime supletivo legal de comunhão de adquiridos ;
- todavia, não cabe aos presentes autos de atribuição de casa de morada de família a qualificação do imóvel como bem comum do casal ou bem próprio do Requerido ;
- pois, em ambas as situações, sempre a demandante poderia requerer, para si, a utilização da casa de morada de família ;
- o artº. 1793º, do Cód. Civil, enuncia os elementos ou factores a considerar, fazendo-o, exemplificativamente, por referência:
a) às necessidades de cada um dos cônjuges ;
b) ao interesse dos filhos ;
- a presente situação mais frágil do Requerido, em comparação com a situação da Requerente, sendo que compete ao cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais do que o outro da referida casa ;
- a necessidade de habitação deverá ser actual e concreta, a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso ;
- da matéria factual apurada não resulta uma necessidade actual e concreta da Requerente em dispor da casa de morada de família em termos de arrendamento ;
- pelo que, face à mesma matéria de facto “não se revela imperativo, nem justificado, em termos de necessidade/imprescindibilidade, o estabelecimento de uma relação arrenditícia a favor de um dos cônjuges em detrimento do outro”.
- e, daí, o juízo de improcedência do presente processo especial de jurisdição voluntária.
Na presente sede recursória, e aludindo a ausência de reconvenção, referencia a Recorrente que o Recorrido, na oposição apresentada, limitasse a impugnar os factos alegados na petição inicial, ao mesmo tempo que coloca o Tribunal “perante um facto consumado, sem o conhecimento e consentimento da apelante”, ou seja o encontrar-se a viver na casa de morada de família juntamente com uma companheira, em comunhão de mesa e habitação, desde Outubro de 2017.
Pelo que, não tendo o Apelado deduzido pedido reconvencional “no sentido de lhe ser atribuída a casa de morada de família, não lhe deveria ter atribuído, com o devido respeito, ex officio, ao arrepio dos mais elementares princípios e regras processuais civis respeitante ao direito da família”.
Donde, pugna no sentido de “ser declarada nula e sem efeito a sentença recorrida e, em consequência, ser substituída por outra decisão que atribui a casa de morada de família à apelante”.
Vejamos.
- Da ATRIBUIÇÃO da CASA de MORADA de FAMÍLIA
Como um dos efeitos do divórcio, ajuizando acerca da casa de morada da família, estatui o artº. 1793º, do Cód. Civil, que:
“1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
3 - O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária”.
Prevendo acerca das regras adjectivas de tal enunciação legal, referencia o artº. 990º, do Cód. de Processo Civil, tendo por epígrafe a atribuição da casa de morada de família, que:
“1 - Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105.º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.
2 - O juiz convoca os interessados ou ex-cônjuges para uma tentativa de conciliação a que se aplica, com as necessárias adaptações, o preceituado nos n.os 1, 5 e 6 do artigo 931.º, sendo, porém, o prazo de oposição o previsto no artigo 293.º.
3 - Haja ou não contestação, o juiz decide depois de proceder às diligências necessárias, cabendo sempre da decisão apelação, com efeito suspensivo.
4 - Se estiver pendente ou tiver corrido ação de divórcio ou separação, o pedido é deduzido por apenso”.
Referenciam Pires de Lima e Antunes Varela [5] permitir aquele artigo 1793º “a celebração, por imposição do Estado (ou seja, do tribunal), de um novo arrendamento, com um dos cônjuges, quer o prédio (a casa de morada de família) seja comum, quer seja pertença (coisa própria) do outro cônjuge”, existindo, deste modo, “uma verdadeira medida de expropriação prévia, embora limitada, dos poderes do contitular ou do proprietário singelo, para, com base neles, celebrar o contrato de arrendamento com o cônjuge em quem se considera encabeçada a família, depois do divórcio”.
A formulação de tal pedido existe, assim, “quer a casa seja um bem próprio de um dos cônjuges, quer seja titulado em compropriedade por ambos os consortes, quer seja um bem comum do casal”, sendo que, nesta última hipótese, “o deferimento deste pedido, em benefício de um dos cônjuges, não importa uma partilha antecipada desse bem, nem a definição antecipada dos termos em que se fará (ou se promete fazer) a partilha relativamente ao imóvel” [6].
Ora, questiona-se, a qual dos cônjuges deve ser atribuída primazia ou preferência na ocupação da casa ?
Rodrigues Bastos [7]referencia que em tal decisão deverá o Tribunal ter “em atenção todas as circunstâncias do caso concreto ; a referência que a lei faz às «necessidades de cada um dos cônjuges» e ao «interesse dos filhos do casal» tem manifestamente em vista apenas indicar os dois factores que, em regra, serão os mais relevantes na escolha a fazer”.
Acrescentam Pires de Lima e Antunes Varela [8] que a enunciação daqueles dois factores é feita “com intenção declaradamente exemplificativa”, sendo ainda de concluir não ter sido “puramente acidental a omissão, no nº. 1 do artigo 1793º, da chamada da culpa dos cônjuges na decretação do divórcio à galeria das circunstâncias atendíveis na resolução da contenda”.
Efectivamente, não se trata “de um resultado do ajuste de contas desencadeado pela crise do divórcio, que a lei queira resolver ainda com base na culpa do infractor, mas de uma necessidade provocada pela separação definitiva dos cônjuges, que a lei procura satisfazer com os olhos postos na instituição familiar”.
Desta forma, o primeiro factor a considerar traduz-se “na actual necessidade de cada um dos cônjuges, tendo em conta também, se for caso disso, a posição que cada um deles fica a ocupar, depois da dissolução do casamento, em face do agregado familiar”, configurando-se o segundo como “o do interesse dos filhos do casal (proximidade do estabelecimento do ensino que frequentam, do local em que trabalham, etc.)”, inexistindo qualquer “ordem rígida de prioridade entre os dois factores ou entre qualquer deles e outras circunstâncias atendíveis”.
Assim, e apesar da lei destacar, “a título exemplificativo, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal, o tribunal deve considerar as demais circunstâncias relativas à concreta relação matrimonial, nomeadamente a duração do casamento, a colaboração pretérita de cada um dos cônjuges para a economia do casal, nomeadamente as que se reflectem naquelas necessidades dos cônjuges (p. ex., a idade, a situação profissional, a possibilidade de emprego de cada um deles, a existência de outras possibilidades habitacionais), e no interesse dos filhos (p. ex., a idade dos filhos, a identificação do cônjuge com quem as crianças residirão, no âmbito da relação das responsabilidades parentais, quando elas sejam menores)” [9].
Acrescentam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [10] que “a causa de pedir será integrada pela alegação dos factos referentes á necessidade de casa de morada de família, em função das condições económicas, da situação profissional ou de outros fatores relevantes, designadamente relacionados com os filhos do casal”.
E, no que concerne aos critérios materiais de decisão de atribuição da casa de morada de família, acrescentam, citando Pereira Coelho [11], a seguinte síntese: “inexiste uma hierarquia entre os factores a ponderar ; a lei sacrificou deliberadamente o interesse do senhorio ao interesse da proteção da casa de morada de família ; a casa deve ser atribuída ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela, sendo irrelevante a culpa pela separação ou divórcio ; na apreciação da necessidade da casa releva a situação patrimonial dos cônjuges, havendo que apurar os rendimentos e proventos de cada um e os respectivos encargos, nomeadamente a obrigação de alimentos de um cônjuge ao outro, bem como aos filhos ; quanto ao interesse dos filhos, será de ponderar se é importante para aqueles viverem na casa com o progenitor guardião ; outras razões atendíveis são as que resultem da idade e estado de saúde de algum dos cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de cada um, a eventual disponibilidade do casal ou de um deles de dispor de outra casa onde possa residir” [12].
De retorno ao caso concreto, analisemos.
Se bem percepcionamos a posição da Apelante, entende esta que atenta a situação de facto do Requerido se encontrar a viver na casa de morada de família, e limitando-se a impugnar os factos alegados na petição inicial, sem ter deduzido reconvenção, a improcedência da acção implicou a atribuição, ex officio, da mesma casa de morada de família.
Ora, conforme facto 4, nos autos de Divórcio por Mutuo Consentimento Requerente e Requerido acordaram, além do mais, o seguinte: (…)
2 - A casa de morada de família fica atribuída ao cônjuge marido, provisoriamente, sendo certo que a autora pretende intentar acção com vista à atribuição da mesma para si”.
Tal acordo foi homologado, por sentença proferida em 19/09/2017, transitada em julgado, tendo sido decretado o divórcio e dissolvido o casamento entre Requerente e Requerido – cf., facto 3.
Ora, quando a sentença apelada julga improcedente a acção de atribuição da casa de morada de família, e contrariamente ao que aduz a Recorrente, não atribui, ex officio, a casa de morada de família ao Requerido.
O que sucede é que a atribuição provisória, fruto do acordo entre Requerente e Requerido obtido nos autos de divórcio, mantém a sua validade, perdurando nos seus efeitos.
Nas palavras do douto Acórdão do STJ de 17/01/2013 [13], ao efectuar a distinção relativamente ao acordo provisório relativo à utilização da casa de morada de família, na altura previsto no artº. 1407º, nº. 2, do Cód. de Processo Civil (presentemente, no nº. 2, do artº. 931º, do mesmo diploma, fruto das alterações introduzidas pela Lei nº. 41/2013, de 26/06), consignou-se que “solução diversa emerge da conjugação entre o preceituado no art. 1793º do CC, que concentra os critérios legais de atribuição da casa de morada de família, e no art. 1413º do CPC [correspondente ao vigente artº. 990º], que regulamenta a resolução do litígio sobre tal questão, de acordo com regras próprias dos processos de jurisdição voluntária (art. 1411º, nº 1, do CPC)”.
Acrescenta-se resultar da concatenação de tais preceitos e das especificidades da relação jurídico-familiar “que enquanto não houver modificação do regime de utilização da casa de morada de família, os efeitos do acordo provisório judicialmente homologado manter-se-ão, sendo que, uma vez transitada em julgado a sentença de divórcio, a qualquer dos cônjuges é facultada a possibilidade de requerer a resolução definitiva do eventual diferendo.
Não existe qualquer base legal para se sustentar uma solução que se traduza na caducidade automática do acordo provisório e, por consequência, na utilização da casa de morada de família em utilização injustificada ou indevida, susceptível de legitimar a invocação de eventual enriquecimento ilegítimo em prejuízo do cônjuge não utilizador” (sublinhado nosso).
Ou seja, improcedendo a acção interposta pela Requerente, mantêm-se os efeitos do acordo provisório judicialmente homologado, no âmbito do qual a casa de morada de família foi atribuída ao cônjuge marido.
Pelo que, e contrariamente ao aduzido pela Recorrente, tal atribuição não tem por fonte a sentença apelada, inexistindo, assim, qualquer justificação para aludir-se à ausência de instância reconvencional e a uma pretensa atribuição, ex officio, por parte daquela mesma decisão.
No demais, e para além da impugnação da matéria factual já supra analisada, a presente apelação não questiona, em concreto, a pertinência da valoração efectuada nos quadros do transcrito artº. 1793º, do Cód. Civil. Nomeadamente, e para além daquela impugnação, não questionou os factores ou pressupostos indicados que foram considerados pertinentes para a decisão tomada.
Relembremos o teor da decisão proferida:
“assim sendo, quanto aos fatores ou elementos essenciais a considerar na atribuição da casa de morada de família, diz a lei, a título meramente exemplificativo, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos – n.º 1 do art. 1793º do Cód. Civil.
No que diz respeito à filha do casal, apurou-se que a mesma já atingiu a maioridade e já se autonomizou relativamente aos seus progenitores, dado que ainda viveu com a mãe durante dois anos, quando esta saiu da casa de morada de família em 2915, e atualmente já não vive com a mãe.
Relativamente às necessidades de cada um dos conjugues, da matéria de facto apurada, parece resultar fora de dúvida que o requerido, atualmente, tem uma situação mais frágil do que a requerente, pois não trabalha, encontra-se inscrito no centro de emprego, não auferindo qualquer rendimento, subsídio, prestação ou pensão da Segurança Social.
A requerente, por sua vez, tem uma posição mais desafogada, em virtude de exercer atividade profissional como explicadora, num centro de estudos/explicações, embora não se logrando concretamente apurar os rendimentos mensais por si auferidos.
Não se logrou apurar qual a área da casa de morada de família, nem qual o valor da renda dessa habitação no mercado de arrendamento.
De todo o modo, a requerente já dispõe de uma casa para habitar desde 2015, pela qual paga de renda a quantia de € 350,00, sendo certo, que dado o valor atual do mercado de arrendamento, dificilmente seria de lhe atribuir a casa de morada de família com uma renda num valor inferior ao já por si pago, que se considera ser baixo.
Acresce que, dada a situação de desemprego do requerido, cremos que não teria possibilidades ou dificilmente conseguiria arrendar uma casa para sua habitação.
(….)
Compete ao cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais do que o outro da referida casa, sendo que a necessidade da habitação é uma necessidade atual e concreta, a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso.
A norma do artigo 1793º do Código Civil, tem como objetivo fundamental proteger o ex-cônjuge mais atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar.
Em face de todo o exposto, e da matéria de facto apurada, não resulta uma necessidade atual e concreta da requerente em dispor da casa de morada de família em termos de arrendamento.
Cremos que a solução definitiva para a questão habitacional da requerente e requerido pode e deve vir a resultar da partilha do património comum, tendo em conta que o cônjuge a quem aquela casa não seja adjudicada, terá as suas tornas em dinheiro, que lhe permitirão solucionar a questão por outra via.
Na verdade, deve ser a venda ou a partilha a solucionar esta questão, sendo certo que após o divórcio qualquer dos cônjuges pode exigir a partilha, isto é, não se revela imperativo nem justificado, em termos de necessidade/imprescindibilidade, face à matéria de facto apurada do caso em apreço, o estabelecimento de uma relação arrendatícia a favor de um dos cônjuges em detrimento do outro”.
Ora, reiteramos, tal entendimento e a eventual dissonância com o mesmo, para além da aludida impugnação da matéria de facto, que não logrou êxito, não figura como objecto recursório.
Donde, não urge aferir acerca da pertinência ou adequação dos critérios materiais de decisão adoptados na sentença recorrida, que, desate modo, se mantêm na íntegra, pois continuam a ter sustento na factualidade apurada e não alterada.
Pelo que, sem outras delongas, que se nos afiguram dispensáveis, concluímos pela  total improcedência da presente apelação.
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Relativamente à tributação, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Apelante/Recorrente no recurso interposto, é a mesma responsável pelo pagamento das custas devidas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Requerente/Apelante/Recorrente MC…, em que figura como Requerido/Apelado/Recorrido JJ… e, consequentemente, decide-se pela confirmação da sentença apelada.
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas do presente recurso são suportadas pela Apelante/Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.
                       
Lisboa, 08 de Outubro de 2020
Arlindo Crua - Relator
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Consta da redacção original o seguinte:
O imóvel situado na Praceta …, n.º …, …º Dto., Paivas foi casa de morada de família desde a data da sua aquisição até a requerente a ter abandonado em 2015, cerca de dois anos antes do divórcio, na companhia da filha de ambos, MS…, nascida a …/04/1989”.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285.
[4] Idem, pág. 285 a 287.
[5] Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 570.
[6] Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado, Vol. II, Coordenação Ana Prata, Almedina, 2017, pág. 702.
[7] Notas ao Código Civil, Vol. VI, Lisboa, 1998, pág. 232.
[8] Ob. cit., pág. 570 e 571.
[9] Rute Teixeira Pedro, ob. cit., pág. 704.
[10] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 443 e 444.
[11] RLJ, Ano 122º, pág. 120 e segs..
[12] Contrariamente ao exposto, referenciando a culpa exclusiva no divórcio como um dos factores a ponderar, em caso de igualdade de situações relativamente aos dois pressupostos ou requisitos nominados, cf., o douto Acórdão da RP de 07/10/2010 – Relator: Amaral Ferreira, Processo nº. 90/05.0TBMDR-B.P1, in www.dgsi.pt  ; no mesmo sentido, cf., o douto Acórdão desta Relação de 20/02/2014 – Relator: Ilídio Sacarrão Martins, Processo nº. 3589/11.5TCLRS.L1-8, in www.dgsi.pt  -, onde se defende que, em caso de dúvida, “devem tomar-se em consideração outras circunstâncias secundárias respeitantes á culpa no divórcio ou à ocupação da casa de morada de família”.
[13] Relator: Abrantes Geraldes, Processo nº. 2324/07.7TBVCD.P1.S1, in www.dgsi.pt .