DESPACHO DE PRONÚNCIA
FUNDAMENTAÇÃO
INDÍCIOS
Sumário


I) A falta de fundamentação traduzida na não enunciação dos factos que se consideram suficientemente indiciados e aqueles que se consideram não suficientemente indiciados, quando verificada no despacho de não pronúncia, reconduz-se a uma mera irregularidade, ainda que de conhecimento oficioso.
II) A suficiência dos indícios para proferir despacho de pronúncia deverá ser aferida em função da existência, no quadro probatório disponível nos autos, de uma probabilidade elevada ou particularmente qualificada de condenação, assente numa convicção que, num juízo de prognose, tenha a potencialidade de, em julgamento, ultrapassar a barreira do princípio in dubio pro reo.
III) Só este critério da possibilidade particularmente qualificada ou probabilidade elevada de condenação responde convenientemente às exigências do processo equitativo, da estrutura acusatória, da legalidade processual e do Estado de Direito Democrático, e é o que melhor se compatibiliza com a tutela da confiança do arguido, com a presunção de inocência de que ele beneficia e com o princípio in dubio pro reo.

Texto Integral


Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No despacho de encerramento do inquérito com o NUIPC 421/18.2GCVRL.G1, que correu termos pela Procuradoria da República da Comarca de Vila Real - Procuradoria do Juízo Local Criminal de Vila Real - Secção de inquéritos, o Ministério Público concluiu não «(…) ter recolhido indícios suficientes de que a denunciada tenha efetivamente pretendido locupletar-se do dinheiro em seu benefício à custa do seu proprietário, mas simplesmente que ela recusou a devolução dele a quem entendeu não ser seu legítimo dono, tendo até devolvido por inteiro a quem entendeu sê-lo, os seus irmãos interditos. Ou seja, (…) entregou a coisa móvel alheia que lhe havia sido entregue por título não translativo de propriedade a quem entendeu ser seu dono, nunca tendo, durante quase 10 anos, dele usufruído» e que «cai por terra, portanto, o dolo de apropriação, isto é, o elemento subjetivo do crime abstratamente aqui em causa [abuso de confiança, previsto e punido pelo art. 205º, n.º 1, do Código Penal]».
Em conformidade, determinou o arquivamento do inquérito nos termos do art. 277º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
2. Discordando desse arquivamento, a ofendida, M. M., requereu a sua constituição como assistente e a abertura de instrução, pedindo que, a final, a arguida E. S. fosse pronunciada pelo referido crime.
3. Admitidos tais requerimentos e realizada a fase de instrução, no termo da mesma, o Mmº. Juiz proferiu decisão instrutória a não pronunciar a arguida, por entender não se verificarem os elementos objetivos, nem subjetivos, do crime de abuso de confiança, nem qualquer outro ilícito criminal.
4. Novamente inconformada, a assistente recorreu, rematando a respetiva motivação nos seguintes termos (transcrição[1]):
«CONCLUSÕES

1 – Nos presentes autos investiga-se a prática de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, al. b) do CP.
2 – Foi proferida decisão de não pronúncia.
3 – A Assistente interpõe o presente recurso alegando, para tanto, a nulidade da mesma,
4 – Em face da violação do disposto nos artigos 308.º, n.º 2 e 283.º, n.º 3, al. b) do CPP, ora,
5 – Não consta do douto despacho narração dos factos (indiciários ou não indiciários) que constituem fundamento da decisão de não pronúncia. Mais,
6 - O presente recurso tem como objeto matéria de direito, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 2 do CPP, nomeadamente:
7 – Os depoimentos das testemunhas produzidos em sede de instrução não foram valorados pelo Mm. Juiz de Instrução porque, no entendimento do tribunal, não são legalmente admitidos.
8 – Resulta, assim, a violação do disposto nos artigos 125.º e 129.º do CPP, uma vez que os referidos depoimentos, na parte em que devem ser considerados depoimentos indiretos, em face da verificação dos pressupostos, são prova admitida por lei.
9 – Ora, o Juiz de Instrução aplicou o regime dos depoimentos indiretos erradamente.
10 – Assegurando-se o contraditório dos depoimentos referidos (o que se verificou uma vez que responderam a todas as questões que a Ilustre Mandatária da denunciada colocou) e;
11 – Chamando-se a pessoa a que se ouviu dizer a depor (tendo a Assistente prestado declarações naquela mesma data), havia de se valorar, necessariamente, os referidos depoimentos.
12 – Versa, também, este recurso sobre matéria de facto.
13 – Em face da prova produzida há que considerar-se indiciariamente preenchido o elemento objetivo do tipo de crime.
14 – Assim, a quantia em causa foi entregue por título não translativo da propriedade, segundo a prova feita através das declarações da Denunciada (conforme transcrição feita no despacho de arquivamento), ouvida como testemunha, e pela Denunciante (Declarações M. M. 20200116144401_1384857_3994986).
15 – A Denunciada passou, a dado momento, a comportar-se como sua proprietária: não deu contas do que fez com o dinheiro durante todo aquele período;
16 - Não entregou os juros que se venceram ao longo dos 10 anos que teve o dinheiro numa conta titulada por si;
17 - Não entregou o dinheiro quando para tal foi solicitada;
18 - Transferiu o dinheiro para quem bem entendeu dispondo do dinheiro, que bem sabe não lhe pertencer, de um modo que a sua legítima proprietária não pretendia;
19 - Os valores constantes da conta que foram transferidos, conforme documento bancário comprovativo junto aos autos, estavam em conta titulada pela Assistente;
20 - As pensões auferidas pelos filhos interditos pela Segurança Social visam fazer face às despesas inerentes à sua sobrevivência, isto é, alimentação, despesas médicas e medicamentosas e todas as que se mostrem essenciais àquela.
21 - Através do depoimento das testemunhas ouvidas em sede de diligências de instrução (Declarações M. J. 20200116154450_1384857_3994986 e Declarações M. F. 20200116152742_1384857_3994986), que conjugado com as declarações prestadas pela Assistente (Declarações M. M. 20200116144401_1384857_3994986), que manteve o que havia dito em sede de declarações de ofendida perante o OPC, fez-se prova das condições económicas da Assistente (que permitem diluir a dúvida quanto à titularidade do valor em causa), nomeadamente: subsídio do gado; venda do gado; pensão auferida a seu título e a título do marido falecido; valor que adveio da venda de um imóvel - atente-se aos depoimentos acima transcritos.
22 – Assim, deverá atender-se aos depoimentos das testemunhas porque legalmente admissíveis.
23 – Ainda, em face da prova produzida há que considerar-se preenchido o elemento subjetivo do tipo de crime.
24 - A Denunciada agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que os montantes em causa não lhe pertenciam, com intenção de integrar definitivamente no seu património os mesmos, acabando por transferir as quantias para quem bem entendeu, consubstanciando-se, este, como ato concludente de que o agente inverteu o título de posse e passou a comportar-se perante a coisa como proprietário, verificando-se, portanto, a deslocação da propriedade.
25 – Atender, ainda, ao declarado pela Denunciada em sede de inquirição onde afirma que a Mãe lhe havia dito que “quando falecesse esse dinheiro ficava para a denunciada por ter sido sempre ela quem a ajudara a cuidar dos filhos deficientes”.
26 – Concluir, em face das regras da experiência comum e da lógica, que a Denunciada se comportou conforme o referido (depositando o valor de 38.000 € em contas tituladas pelos irmão interditos) porque a Assistente apresentou queixa no âmbito dos presentes autos e, de modo ressentido, decidiu que se ela não ficava com aquele dinheiro também a sua Mãe não ficava.
27 - Assim, em face da suficiência dos indícios recolhidos há que considerar-se altamente provável a futura condenação da denunciada e, em conformidade, ser proferida decisão de pronúncia de E. S. pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, al. b) do CP.

Termos em que concedendo V/Exas. total provimento ao presente recurso revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, nomeadamente em face da nulidade arguida e, ainda, no que à prova não valorada respeita ou, não prosseguindo os referidos pedidos, atentos os indícios suficientes recolhidos, lavrando-se, em substituição da decisão recorrida, decisão de pronúncia, assim fazendo V/Exas., como habitualmente, INTEIRA JUSTIÇA!»

5. A Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. A prova produzida em sede de inquérito e instrução é suficientemente elucidativa da inexistência de indícios suficientes da prática por parte da arguida do crime de abuso de confiança agravado que a assistente entende estar preenchido.
2. A decisão instrutória recorrida não padece de qualquer nulidade ou irregularidade mormente as invocadas pela assistente e encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, enunciando devidamente os factos em causa.
3. A referida decisão não é possuidora de qualquer vício que inquine a sua validade substancial ou formal, devendo ser mantida nos seus precisos termos, julgando-se assim o recurso improcedente.»
6. Também a arguida respondeu à motivação, concluindo «[q]ue não houve, no caso em apreço, qualquer erro que viesse a provocar alguma nulidade na apreciação da prova ou violação de normas jurídicas por parte do tribunal a quo mas uma fundamentação com base na prova produzida e amplamente discutida que resultou na não pronúncia da arguida E. S.».
7. Na intervenção a que se refere o art. 416º do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, porquanto, no que concerne à questão da nulidade insanável da decisão por falta de indicação dos factos indiciados e não indiciados, reconhecendo que a decisão instrutória deverá enumerar os factos indiciados e não indiciados, o que a decisão recorrida não contém, tal não configura a verificação da invocada nulidade, antes e apenas uma nulidade sanável e dependente de arguição, pelo que a assistente deveria ter arguido tal nulidade no prazo de dez dias a contar da data da leitura da decisão instrutória, o que não fez, e não em sede de recurso. Por seu lado, quanto à questão da indiciação do crime de abuso de confiança, os elementos coligidos não demonstram indiciariamente a intenção de agir "animo domini" em relação ao dinheiro por parte da arguida.
8. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta a esse parecer.
9. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do mesmo código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

De acordo com o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso.

No caso em apreço, em face das conclusões formuladas pela recorrente, as questões a apreciar são as seguintes:

a) - Saber se a decisão instrutória padece do vício de nulidade, por não conter a descrição dos factos indiciados e não indiciados.
b) - Em caso de improcedência dessa questão, saber se estão verificados os elementos típicos do crime de abuso de confiança.

2. DA DECISÃO RECORRIDA:

O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):

«Inconformada com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público a fls. 78 e seguintes dos presentes autos, veio a assistente M. M. requerer a abertura de instrução.
Alega a assistente em síntese, como razões de discordância relativamente ao despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, que a arguida se comportou com o dinheiro depositado numa conta por si titulada como dona do dinheiro, dinheiro esse que pertencia à assistente.
Concluem peticionando a prolação de despacho de pronúncia da arguida pela prática de factos que integram um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4.º, alínea b), do código penal.

***
Foi admitida a abertura de instrução.
Foram tomadas declarações para memória futura da assistente e inquiridas duas testemunhas.
Realizou-se debate instrutório.
***
O tribunal é competente.
Não há nulidades, exceções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
***
Cumpre decidir, em face dos elementos de prova carreados para os autos, da suficiência ou insuficiência de indícios que sustentem o despacho de acusação proferido pelo Ministério Público.
Importa proferir decisão a que alude o artigo 307.º, do código de processo penal.
O artigo 286.º, n.º 1, do código de processo penal, dispõe que a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Por sua vez, o artigo 308.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, estipula que, se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
O artigo 283.º, n.º 2, do citado diploma, dispõe que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena.
A suficiência dos indícios em face da prova produzida exige que seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou que esta seja mais provável do que a absolvição.
Para que se profira uma decisão de pronúncia, não é necessário uma certeza da existência da infração, mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, entre si e com as regras da experiência comum, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que é imputado.
***
A assistente imputa à arguida E. S., sua filha, a prática de factos que consubstanciam, em autoria material, um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 n.º 4, alínea a), do código penal.
O artigo 205.º, n.º 1, do código penal, dispõe que “quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Por seu turno, a alínea a), do n.º 4, do mesmo artigo, estabelece que «se a coisa referida no n.º 1 for de valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias».

O artigo 202.º, estatui:

«Para efeito do disposto nos artigos seguintes considera-se:

a) Valor elevado: aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto».
Considerando que a unidade de conta é de € 102, valor elevado refere-se a quantia superior a € 5100.
A este propósito escreve Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, p. 94, “Abuso de confiança é, segundo a sua essência típica, apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio; é (...) violação da propriedade alheia através de apropriação, sem quebra de posse ou detenção”. Mais adiante, afirma que neste tipo de ilícito “só a propriedade como tal é objeto de tutela e constitui assim integralmente o bem jurídico protegido”.
Constituem elementos objetivos do tipo a apropriação ilegítima, de coisa móvel alheia, entregue por título não translativo da propriedade.
Figueiredo Dias, ob. cit., p. 103, a propósito da consumação deste ilícito, afirma que “o agente, que recebera a coisa uti alieno, passa em momento posterior a comportar-se relativamente a ela – naturalmente, através de atos objetivamente idóneos e concludentes, nos termos gerais – uti dominus; é exatamente nesta realidade objetiva que se traduz a “inversão do título de posse ou detenção” e é nela que se traduz e se consuma a apropriação”.
Como escrevem Simas Santos e Leal-Henriques, Código Penal Anotado, 2º Vol., p. 686, citados no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8 de maio de 2002, C.J., ano XXVII, 2002, Tomo III, p. 43, “(...) de início, o agente recebe validamente a coisa passando a possuí-la ou a detê-la licitamente, a título precário ou temporário, só posteriormente vem a alterar, arbitrariamente, a título de posse ou detenção, passando a dispor da coisa ut dominus. Deixa então de possuir em nome alheio e faz entrar a coisa no seu património ou dispõe dela como se fosse sua, ou seja, com o propósito de não a restituir, ou de não lhe dar o destino a que estava ligada, ou sabendo que não mais o podia fazer”. E continuam:
“Mas deve ter-se em atenção que a inversão do título tem de resultar de atos objetivos, suscetíveis de revelarem que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse, designadamente quando a coisa continua em poder do agente sem ter sido por ele alienada ou consumida”.
Citando Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, p. 566, «o crime de abuso de confiança é um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação)».
Por outro lado, o preenchimento do tipo legal exige o dolo.
***
No caso concreto, cremos que não existem elementos indiciários que, de acordo com as considerações supra feitas, permitam concluir por uma probabilidade razoável de, em sede de julgamento, vir a ser aplicada uma pena e, assim, pela existência de indícios suficientes, em relação à alegada autoria material dos factos imputados à arguida.
Em sede de inquérito, recolhida a prova considerada pertinente nessa fase processual, tendo sido entendido pelo ministério público que permitiam concluir pela inexistência de indícios suficientes da prática pela arguida do crime que lhe era imputado.
Da prova testemunhal e documental junta aos autos, devidamente analisada e conjugada com as regras da experiência comum, permite-nos concluir que não subsistem indícios fortes e relevantes de que a arguida praticou os factos que lhe são imputados pela assistente no seu requerimento de abertura de instrução.
Com efeito, a assistente M. M. apresentou queixa a 25 de novembro de 2018, contra a sua filha E. S.. Imputa à denunciada, sua filha, factos que se reportam a que a mesma, por sua sugestão, levou a que a denunciante transferisse a quantia de € 38 268,39 para uma conta titulada pela filha. E que esta se recusa a devolver- lhe o dinheiro, sendo que esse dinheiro corresponde à poupança de toda a vida.
Inquirida a denunciada E. S., a mesma confirmou que pediu à mãe para abrir uma nova conta e depositar aí a quantia de € 38 000, dinheiro proveniente das pensões dos dois irmãos, declarados interditos e que vivem com a mãe.
Já procedeu ao depósito do dinheiro à ordem dos dois processos de interdição dos irmãos.
A assistente, em declarações para memória futura, referiu que pretende reaver esse dinheiro, que são a poupança de uma vida.
As duas testemunhas inquiridas em sede de instrução, M. F. e Maria, filhas da assistente e irmãs da arguida, demonstraram que não sabiam da existência da conta bancária em nome da ora arguida e onde foi depositado o valor de € 38 000, só recentemente é que ficaram a saber destes factos, porque a mãe lhes contou.
Significa isto que as testemunhas não têm conhecimento direto dos factos, apenas relataram o que a mãe lhes contou. E, como é sabido, estes depoimentos indiretos, não podem ser valorados pelo tribunal.
Independentemente de a assistente M. M. referir que o montante de € 38 000 se refere a poupanças de uma vida, o que é certo é que ficamos com dúvidas a que se reporta esse montante, isto é, se se refere apenas a dinheiro angariado pela assistente ou apenas ao dinheiro amealhado e aforrado relativamente às pensões dos dois filhos interditos da assistente, ou a ambas as situações.
O que é certo é que a denunciada E. S. não se locupletou com esse montante, antes pelo contrário, já o tendo depositado à ordem dos dois processos de interdição dos irmãos.
Não se vislumbra, da prova bancária junta aos autos, que a arguida tenha retido para si a verba correspondente a esse montante.
Por conseguinte, não se verificam os elementos objetivos, nem subjetivos, do crime de abuso de confiança, nem qualquer outro ilícito criminal.
Ou seja, em julgamento, mantendo-se as declarações da arguida e da assistente, dado que mais nenhuma pessoa presenciou os factos ou tem conhecimento direto dos mesmos, é mais provável a absolvição da arguida do que a sua condenação.
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Em conformidade, profiro despacho de não pronúncia da arguida E. S..
***
Custas a cargo da assistente, fixando a taxa de justiça em 2 uc’s.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1 – Da nulidade da decisão instrutória

Nas conclusões 3ª a 5ª, alega a recorrente que a decisão instrutória enferma do vício de nulidade (que no corpo da motivação qualifica de insanável), por violação do disposto nos arts. 308º, n.º 2, e 283º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, compêndio legal a que pertencem os preceitos doravante citados sem referência a qualquer diploma, por não conter a narração dos factos indiciados e não indiciados que constituem fundamento da decisão de não pronúncia.
3.1.1 - A jurisprudência é pacífica quanto à necessidade de o despacho de não pronúncia, enquanto ato decisório do juiz, ter de ser fundamentado, o que significa que nele devem ser especificados os motivos de facto e de direito da respetiva decisão (art. 97º, n.ºs 1, al. b), e 5), de forma a permitir a sua impugnação e o reexame da causa pelo tribunal de recurso.
Para além dessa imposição legal expressa, saliente-se que o cumprimento da exigência de fundamentação do despacho de não pronúncia que conheça do mérito da causa, com a indicação dos factos indiciados e não indiciados, é essencial para a fixação dos efeitos do caso julgado.
Com efeito, o despacho de não pronúncia por insuficiência de indícios deverá fixar expressamente quais os factos considerados não suficientemente indiciados. Isto porque sobre eles forma-se caso julgado, em termos de ser inadmissível a reabertura do processo face à eventual descoberta de novos factos ou meios de prova, ao contrário do que acontece com o inquérito arquivado, que pode ser reaberto se forem descobertos factos novos (art. 279º, n.º 1)[2].
A diferença de tratamento entre estas duas decisões justifica-se pela sua diferente natureza: enquanto o despacho de arquivamento constitui uma decisão do Ministério Público, que põe termo a uma fase processual caracterizada pela falta de contraditório, a decisão de não pronúncia é proferida após um debate público, contraditório e tematicamente vinculado, pelo que a tomada de posição sobre aqueles factos pelo juiz de instrução terá de beneficiar do princípio do caso julgado, como decisão jurisdicional que é.
Assim sendo, o juiz de instrução que, pronunciando-se sobre o objeto do processo, decide que não se indiciam suficientemente os factos imputados ao arguido e que, por isso, não o pronúncia, não seguindo o processo para julgamento, profere uma decisão de mérito, que tem força vinculativa, não só dentro do processo em que foi proferida, mas também fora dele, constituindo caso julgado material, só mediante recurso de revisão podendo ser reaberta a discussão sobre tais factos.
Daí que o despacho de não pronúncia tenha de especificar os factos em relação aos quais existe prova indiciária suficiente e aqueles em relação aos quais não existem indícios suficientes, uma vez que que tal omissão afeta intrinsecamente o valor daquela decisão e impede que o tribunal de recurso se pronuncie sobre ela.
Porém, contrariamente ao propugnado pelo recorrente, apoiando-se em parte da jurisprudência[3], em nossa opinião, tal vício não consubstancia a nulidade insanável da decisão instrutória por ausência de fundamentação, nos termos do art. 308º, n.º 2.
Nem tão pouco constitui uma nulidade sanável ou dependente de arguição perante o tribunal a quo (e já não em recurso), como também é sustentado por alguma jurisprudência[4].
Como já decidimos nos acórdãos desta Relação de 23-10-2017 e de 10-10-2018[5], nos quais também interviemos nas mesmas qualidades de relator e de adjunto, entendemos, aliás na esteira de várias decisões dos Tribunais Superiores[6], que o vício em questão constitui antes uma mera irregularidade, com base na seguinte linha de argumentação:
A remissão feita pelo n.º 2 do art. 308º para o art. 283º, n.º 3 [cuja al. b) comina de nulidade a acusação que não contenha a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança], só pode respeitar ao despacho de pronúncia, face ao teor das várias alíneas daquele n.º 3 do art. 283º, na medida em que as exigências contidas nas alíneas a) a f) não fazem qualquer sentido num despacho de não pronúncia, restando apenas a inócua al. g), que se reporta à data e assinatura, obrigatórias em qualquer despacho.
Assim, tudo indica que o legislador, com a referida remissão, disse mais do que pretendia, já que a mesma só se justifica em relação ao despacho de pronúncia, e já nunca ao despacho de não pronúncia, porquanto só o primeiro deve conter os requisitos formais de uma acusação, previstos nas alíneas do n.º 3 do art. 283º, entre eles a descrição dos factos imputados ao arguido [al. b)].
Daí que, tal como acontece com a acusação que não contenha a narração desses factos, que a lei fulmina com a nulidade, também o despacho de pronúncia que não descreva a factualidade suficientemente indiciada e não indiciada padece de nulidade, a qual é insanável, não obstante o art. 283º, n.º, 3, não o referir expressamente nem a mesma figurar do elenco do art. 119º. Tal conclusão decorre da conjugação com o disposto no art. 311º, n.ºs 2, al. a), e 3, al. b), que prevê a rejeição da acusação que não contenha a descrição dos factos, por ser manifestamente infundada, consequência essa aplicável ao despacho de pronúncia por força da remissão feita pelo art. 308º, n.º 2.
Já o despacho de não pronúncia que seja omisso quanto à descrição dos factos considerados indiciados e não indiciados não padece de nulidade, não tal não estar legalmente previsto, mas sim de mera irregularidade.
Com efeito, de acordo com o princípio da legalidade que vigora no regime geral das nulidades em processo penal, só são nulos os atos que, sendo praticados com violação ou inobservância da lei, esta expressamente comine essa consequência (art. 118º, n.º 1), sendo que, nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular (n.º 2 do mesmo artigo).
Em suma, somos de opinião que a falta de fundamentação traduzida na não enunciação dos factos que se consideram suficientemente indiciados e aqueles que se consideram não suficientemente indiciados, quando verificada no despacho de não pronúncia, reconduz-se a uma mera irregularidade, ainda que de conhecimento oficioso, embora se ocorrer no despacho de pronúncia já consubstancia uma nulidade insanável.
Com efeito, dentro da corrente jurisprudencial que considera que a falta de especificação dos factos indiciados e não indiciados constitui uma irregularidade, há quem considere que se está perante uma irregularidade sujeita ao regime geral do art.º 123°, só podendo ser conhecida mediante atempada arguição, e quem afirme tratar-se de uma irregularidade que influi no conhecimento da causa, sendo, por isso, de conhecimento oficioso nos termos do artigo 123º, n.º 2.
Seguimos esta última posição, pelo que, nos presentes autos, embora a assistente não tenha arguido tal irregularidade no momento temporal imposto pelo art. 123º, n.º 1, ou seja, no próprio ato em que foi cometida (leitura da decisão instrutória, uma vez que nela esteve assistida pela sua Exma. patrona), apenas o fazendo no presente recurso, o certo é que a irregularidade em apreço, por poder afetar o valor do ato praticado, é de conhecimento oficioso, podendo ordenar-se a sua reparação no momento em que dela se tomar conhecimento, conforme prevê o n.º 2 do art. 123º, não carecendo, pois, de ser invocada pelo interessado.
3.1.2 – Posto isto, vejamos se a decisão instrutória está eivada dessa irregularidade.
Da leitura da mesma constata-se que o Mmº. Juiz, depois de tecer considerações teóricas e doutrinárias sobre as finalidades da instrução, sobre o conceito de "indícios suficientes" para pronunciar o arguido e sobre os elementos típicos do crime de abuso de confiança, quando se debruça sobre o caso concreto, começa por afirmar genérica e conclusivamente que, «(…) não existem elementos indiciários que, de acordo com as considerações supra feitas, permitam concluir por uma probabilidade razoável de, em sede de julgamento, vir a ser aplicada uma pena e, assim, pela existência de indícios suficientes, em relação à alegada autoria material dos factos imputados à arguida», e que a «prova testemunhal e documental junta aos autos, devidamente analisada e conjugada com as regras da experiência comum, permite-nos concluir que não subsistem indícios fortes e relevantes de que a arguida praticou os factos que lhe são imputados pela assistente no seu requerimento de abertura de instrução».
Para demonstrar essa inferência, depois de sintetizar as versões apresentadas pela assistente e pela arguida e de referir que as duas testemunhas inquiridas em sede de instrução não têm conhecimento direto dos factos, o Mmº. Juiz conclui, em primeiro lugar, ter ficado com dúvidas sobre se o montante de € 38.000,00, depositado na conta bancária da arguida, se reporta ao dinheiro angariado e amealhado pela assistente ao longo da sua vida ou se às pensões dos seus dois filhos interditos e por ela aforrado ou, ainda, se a ambas as situações.
Em segundo lugar, entendendo que a arguida não se locupletou com esse montante, antes o tendo já depositado à ordem dos dois processos de interdição dos seus irmãos, o Mmº. Juiz não vislumbrou que a arguida tenha retido para si o referido dinheiro.
Por conseguinte, concluiu pela não verificação dos elementos objetivos e subjetivos do crime de abuso de confiança, nem de qualquer outro ilícito criminal, razão pela qual proferiu despacho de não pronúncia da arguida.
Constata-se, pois, que a decisão, por sinal demasiado sintética, contrariamente ao que se impunha, não contém uma enunciação expressa e formal dos factos considerados suficientemente indiciados e não suficientemente indiciados, relevantes para a decisão a proferir, limitando-se, a esse respeito, a aludir à mencionada não demonstração quer da origem do dinheiro quer do locupletamento da arguida com ele.
Porém, até pela simplicidade da situação factual, tal omissão não afeta intrinsecamente o valor da decisão, nem impede de forma irremediável que o tribunal de recurso se pronuncie sobre ela, na medida em que, sem ser exemplar, ainda assim permite discernir suficientemente o caminho lógico-racional que desembocou na não pronúncia.
Em suma, o Mmº. Juiz considerou, por um lado, não ter sido possível apurar com segurança se o dinheiro em questão foi angariado e amealhado pela assistente ao longo da sua vida ou se foi aforrado por ela relativamente às pensões dos seus dois filhos interditos e, por outro lado, que a arguida não se locupletou com ele, já o tendo depositado à ordem dos processos de interdição, o que afasta a verificação dos elementos objetivos e subjetivos do crime de abuso de confiança, concretamente, acrescentamos nós, a apropriação ilegítima do dinheiro e o dolo.
Consequentemente, não se mostra comprometida a reapreciação da decisão em sede de recurso, uma vez que a perceção do sentido da mesma não fica dependente da enunciação expressa desses factos, cuja falta não é suscetível de integrar, pois, a apontada irregularidade.
Pelo exposto, a decisão instrutória não padece da nulidade que lhe é assacada pela recorrente, nem do vício de irregularidade.
Improcede, portanto, este segmento do recurso.

3.2 - Da verificação dos elementos típicos do crime de abuso de confiança
Nas conclusões 6ª a 27ª, sustenta a recorrente que em face da prova produzida há que considerar indiciariamente preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, imputado à arguida, sendo altamente provável a futura condenação desta, devendo, assim, ser proferida decisão de pronúncia da mesma.
3.2.1 - Segundo o disposto no art. 286º, n.º 1, a instrução é uma fase processual facultativa que “(…) visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
De acordo com o estatuído no art. 308º, n.º 1, “[s]e, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.

Por força da remissão feita pelo n.º 2 desse preceito para o art. 283º, n.º 2, “[c]onsideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”.
De acordo com este critério legal, podemos afirmar que os indícios qualificam-se de suficientes quando justificam a realização de um julgamento, isto é, quando a possibilidade de condenação, em função dos indícios recolhidos, for razoável.
Existem, no entanto, algumas diferenças de entendimento sobre o que se deve entender por “indiciação suficiente”, conceito legal este que não tem tido uma interpretação uniforme, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no sentido de se exigir uma alta probabilidade ou apenas uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição, havendo até algumas interpretações algo ambíguas, misturando estas duas formulações.

Germano Marques da Silva[7] ensina que:

«Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.
Esta possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido.
(…) A lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulta uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança (…); não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final.
A lei não se basta, porém, como um mero juízo subjetivo, mas antes exige um juízo objetivo fundamentado nas provas dos autos. Da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução há de resultar a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos da acusação.»
Parte significativa da jurisprudência vem entendendo, de forma explícita ou implícita, que basta uma probabilidade dominante, ou seja, que os indícios são suficientes quando a possibilidade de futura condenação for mais provável do que a possibilidade de absolvição. Basta, assim, que predomine a probabilidade de condenação sobre a probabilidade de absolvição, sem se exigir que aquela seja manifestamente superior a esta[8].
Todavia, vem colhendo cada vez maior número de adeptos uma orientação mais exigente e mais compatível com os princípios do processo penal, mormente os princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo, entendimento esse assente no critério de uma possibilidade particularmente qualificada ou uma probabilidade elevada de condenação, segundo a qual os indícios serão suficientes quando os vários elementos de prova disponíveis criem no juiz a convicção de uma alta probabilidade de o arguido, em julgamento, vir a ser condenado[9].

Como é mencionado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-5-2003[10]:

«Em formulação doutrinalmente bem marcada, os indícios são suficientes, mas «só serão suficientes e a prova bastante quando já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição» (cfr., Figueiredo Dias, "Direito Processual Penal", vol. I, 1974, pág. 132-133). Quer isto dizer que na suficiência dos indícios está contida a «mesma exigência de verdade» requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo «prova bastante» para a acusação (ou para a pronúncia). (…)
Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado.
O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionaridade.
5. O despacho de pronúncia, como também a acusação, dependem, pois, da existência de prova indiciária, de prima facie, de primeira mas razoável aparência, quanto à verificação dos factos que constituam crime e de que alguém é responsável por esses factos.
Não se exigindo a certeza - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável - que tem de preceder um juízo condenatório, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação.»
Refira-se a este propósito que embora para a condenação se exija um juízo de certeza, naturalmente menos exigente que o juízo de probabilidade formulado no momento da acusação e da pronúncia, importa ter presente que também ele é, de certa forma, probabilístico, traduzido num tão alto grau de probabilidade que dissipe toda a dúvida razoável e que imponha uma convicção segura, porquanto a verdade que se busca em processo penal não é a verdade absoluta ou ontológica, mas sim uma verdade judicial, uma «verdade histórico-prática», em que a sua modalidade «não é a de um juízo teorético, mas a daquela vivência de certeza em que na existência, na vida, se afirma a realidade das situações, como tudo o que nestas de material e de espiritual participa»[11].
Com efeito, a verdade material que se busca em processo penal não é uma verdade absoluta, não é o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, que todos sabem estar para além da capacidade do conhecimento humano, mas sim a certeza bastante para as necessidades práticas da vida, a certeza histórico-empírica.
Como anota Antunes Varela[12], a prova de determinado facto não visa obter a certeza absoluta, irremovível da (sua) verificação, antes se reporta “[a]penas a certeza subjetiva, a convicção positiva do julgador ou, o que vale por dizer, apenas aponta para a certeza relativa dos factos pretéritos da vida social, e não para a certeza absoluta do fenómeno de carácter científico”.
Também para a dedução de acusação ou de pronúncia, o conceito de “indícios suficientes” não pode alhear-se do princípio da presunção de inocência, constitucionalmente consagrado, enquanto garantia fundamental dos direitos de defesa.
Aliás, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 439/2002[13], já decidiu que «(…) a interpretação normativa dos artigos citados [286.º n.º 1, 298.º e 308.º n.º 1, do CPP] que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no art. 32.º n.º 2, da Constituição».
Para tanto considerou-se que «[s]e o Tribunal que pronunciar não demonstrar que ultrapassou as dúvidas sobre uma efetiva possibilidade de condenação através de um juízo probabilístico apoiado nos factos concretos constantes da acusação, estará a enfraquecer intensamente de conteúdo a garantia processual, suportada pelo contraditório, consistente em poder infirmar a sustentabilidade da acusação e anulará, na prática, a possibilidade de o arguido impedir a sua submissão a julgamento.
A ulterior possibilidade de, no julgamento, se infirmar a acusação e a garantia de respeito pela presunção da inocência nessa última fase do processo não são suficientes para dar conteúdo à garantia de não ser submetido a julgamento em face de uma acusação que provavelmente não conduzirá a uma condenação. É a expressão concreta, nessa fase, da presunção de inocência que impõe uma tal conclusão. (…) Finalmente, a perspetiva de uma específica exigência de fundamentação do despacho de pronúncia orientada pelo princípio in dubio pro reo, aplicado no contexto da fase instrutória e na lógica dos respetivos fins, não está em conflito com a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional quanto à não inconstitucionalidade da irrecorribilidade do despacho de pronúncia nos termos do artigo 310º do Código de Processo Penal ou até mesmo a relativa à constitucionalidade dos despachos que indeferem diligências probatórias, nos termos do artigo 291º, nº 1, do Código de Processo Penal. Na verdade, a irrecorribilidade daquelas decisões, cuja não inconstitucionalidade o Tribunal asseverou, não implica, antes numa certa perspetiva contraria, a aceitabilidade do esvaziamento das exigência de fundamentação da decisão instrutória ou de um seu aligeiramento no que respeita à plenitude das garantias de defesa. A ser assim, as garantias de defesa estariam reduzidas excessivamente naquela fase processual, de modo a ser descaracterizado o próprio sentido da instrução. Requerer a instrução ou não a requerer equivaler-se-iam no seu efeito garantístico, o que não só seria absurdo como restringiria, desproporcionadamente, as garantias de defesa».
Assim, a presunção de inocência do arguido vigora ao longo de todo o processo e tem de conferir a titularidade de um estatuto efetivo e o direito a um tratamento favorável em todas as suas fases.
No mesmo sentido se pronuncia Maia Costa[14], entendendo que o enunciado normativo contido no art. 283º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal «[d]emonstra uma inquestionável similitude entre a posição do magistrado do Ministério Público que aprecia a prova do inquérito e a do juiz que analisa a prova da audiência de julgamento: em qualquer dos momentos, cada um daqueles magistrados, caso se confronte com uma dúvida inultrapassável sobre as provas produzidas, deve fazer funcionar a (mesma) regra (in dubio pro reo), arquivando o inquérito o Ministério Público, proferindo sentença absolutória o juiz. Considerações idênticas são válidas evidentemente para o juiz de instrução, após o debate instrutório, devendo portanto lavrar despacho de não pronúncia, imposto pela regra in dubio pro reo, no caso de se encontrar perante idêntica situação de dúvida quanto às provas».
Pelo exposto, a suficiência dos indícios deverá ser aferida em função da existência, no quadro probatório disponível nos autos, de uma probabilidade elevada ou particularmente qualificada de condenação, assente numa convicção que, num juízo de prognose, tenha a potencialidade de, em julgamento, ultrapassar a barreira do princípio in dubio pro reo.
Só este critério da possibilidade particularmente qualificada ou probabilidade elevada de condenação responde convenientemente às exigências do processo equitativo, da estrutura acusatória, da legalidade processual e do Estado de Direito Democrático, e é o que melhor se compatibiliza com a tutela da confiança do arguido, com a presunção de inocência de que ele beneficia e com o princípio in dubio pro reo.
Sintetizando, para efeitos de prolação do despacho de pronúncia, deve considerar-se existirem indícios suficientes, quando os elementos de prova disponíveis, relacionados e conjugados entre si, fizerem antever a culpabilidade do agente, de modo a gerarem a convicção pessoal de uma condenação futura e se conclua, com probabilidade razoável, que esses elementos se manterão em julgamento ou se anteveja que da ampla discussão em audiência, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido da condenação.
3.2.2 – Posto isto, vejamos se, com base nos elementos recolhidos nos autos (no inquérito e na instrução), é de formular um juízo de probabilidade elevada de, em julgamento, a arguida vir a ser condenada pelos factos que lhe são imputados pela assistente no requerimento de abertura de instrução.
O n.º 1 do art. 205º do Código Penal pune “quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade”.
Constituem, pois, elementos desse tipo de crime: a) - a apropriação ilegítima; b) - de coisa móvel; c) - entregue por título não translativo da propriedade; d) - e o conhecimento e a vontade de praticar o facto (dolo genérico).
A apropriação consiste em fazer sua a coisa e implica que haja inversão do título da posse ou da detenção, isto é, que o agente, que recebera a coisa uti alieno, passe em momento posterior a comportar-se relativamente a ela uti dominus (naturalmente através de atos objetivamente idóneos e concludentes, ativos ou omissivos, suscetíveis de revelarem que já está a dispor da coisa como lhe pertencendo), ou seja, que deixe de possuir a coisa em nome alheio e a faça ingressar no seu património, dispondo dela como se de coisa sua se tratasse.
Diferentemente do que sucede no crime de furto, em que a apropriação intervém como elemento do tipo subjetivo de ilícito (como intenção de apropriação), no abuso de confiança intervém na sua veste objetiva de elemento do tipo objetivo. Enquanto no furto a apropriação acompanha a posse ou detenção da coisa, no abuso de confiança a apropriação sucede à posse ou detenção. Aqui o agente recebe validamente a coisa, passando a possui-la ou a detê-la licitamente, a título precário ou temporário, mas, posteriormente altera, inverte, arbitrariamente, o título de posse ou detenção, passando a dispor dela uti dominus, sendo este o momento em que se dá a apropriação e a consumação do crime.
Na situação vertente está alegadamente em causa a ilegítima apropriação pela arguida da quantia de € 38.283,76 que, em 18-11-2009, a assistente transferiu de uma conta bancária sua para a conta daquela (cf. documento de fls. 8).

Recorde-se que a recorrente sustenta estar suficientemente indiciado o facto traduzido nessa ilegítima apropriação monetária, enquanto elemento objetivo do crime de abuso de confiança, ao invés do que, na decisão instrutória de não pronúncia, foi considerado pelo Mmº. Juiz, com fundamento em ter ficado com dúvidas sobre a que se reporta esse montante, isto é, se se refere apenas a dinheiro angariado pela assistente ou apenas ao dinheiro amealhado e aforrado relativamente às pensões dos seus dois filhos interditos ou a ambas as situações, e por a arguida não se ter locupletado com ele, tendo-o já depositado à ordem dos dois processos de interdição dos irmãos, sendo, pois, em julgamento, mais provável a absolvição da arguida do que a sua condenação.
Como é dado conta na decisão instrutória, estamos perante duas versões opostas.
Segundo a assistente, em 2009, por sugestão da arguida, sua filha, que lhe garantiu que dessa forma o dinheiro estaria mais seguro e renderia mais juros, transferiu de uma conta por si titulada para uma conta titulada pela arguida, a referida quantia monetária, que é a soma de todo o dinheiro angariado ao longo de uma vida de trabalho. Todavia, em julho de 2018, pretendendo abrir uma conta em nome de outros dois filhos (AL. e AR.), por forma a garantir-lhes um futuro melhor, já que padecem de acentuada deficiência mental e dependem totalmente de si, sendo sua tutora, solicitou à arguida a devolução do dinheiro, o que ela se recusou a fazer com o pretexto de que o mesmo não lhe pertence.
Por seu lado, segundo a arguida, efetivamente, em 18-11-2009, a sua mãe pediu-lhe que abrisse uma conta bancária com o montante de € 38.000,00, proveniente das pensões dos seus referidos irmãos, declarados interditos, porque não confiava nos restantes filhos (M. F., Maria e Manuel) nem mantinha qualquer diálogo com eles, chegando a dizer-lhe que caso os interditos falecessem, esse dinheiro ficaria para a arguida, pois foi ela que sempre a ajudou a cuidar dos mesmos.
Como explicação para a mãe lhe exigir agora a restituição do dinheiro, adianta a arguida que mantém atualmente uma relação conflituosa com ela, fruto de, apercebendo-se que os irmãos AL. e AR. seriam obrigados a trabalhar em excesso na agricultura e em casa e que seriam agredidos fisicamente pelo irmão Manuel, habitualmente alcoolizado e com eles residentes, por diversas vezes chamou a atenção à mãe para que apresentasse queixa, o que ela fez, mas, quando era chamada às autoridades, desmentia os factos e desistia de qualquer procedimento criminal, sendo que a situação se agudizou quando o AR. lhe começou a dizer que a AL. era abusada sexualmente pelo irmão Manuel, o que a fez levar a mãe à GNR e à APV.
Por fim, a arguida confirmou que, por causa desse conflito, se recusou a devolver o dinheiro à assistente, por entender que o mesmo pertence aos seus irmãos interditos, tendo-o já depositado à ordem dos respetivos processos de interdição.
Ora, como bem ponderou o Ministério Público no despacho de arquivamento, a versão da arguida é fortemente sustentada pela circunstância de a própria assistente, na queixa que apresentou, logo afirmar que pediu a devolução do dinheiro porque pretendia abrir com ele uma conta bancária em nome dos dois filhos deficientes, por forma a garantir-lhes um melhor futuro. O que, efetivamente, indicia que o considerava como pertencendo a eles ou, pelo menos, que queria que os mesmos fossem os seus beneficiários futuros, só assim fazendo sentido que o depositasse numa conta titulada pelos interditos, com todas as dificuldades inerentes à sua movimentação, que certamente não estaria disposta a enfrentar caso o dinheiro fosse seu, amealhado ao longo da vida de trabalho, sendo mais natural que pudesse dispor dele livremente.
Ademais, a versão da arguida também é suportada pelo facto, igualmente mencionado no despacho de arquivamento, de se encontrar pendente um inquérito em que se investiga, nomeadamente, a eventual prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência (a sua irmã AL.), no âmbito do qual a ora assistente, quando inquirida e na qualidade de tutora da ofendida, recusou que esta fosse sujeita a perícia com vista a determinar se havia indícios de abuso sexual, comportamento esse compatível com a postura que a arguida lhe imputa relativamente às suspeitas que lhe transmitiu.
Acresce que também se nos afigura difícil concluir que a arguida se quis apropriar da referida quantia de cerca de € 38.000,00, porquanto, ao longo de cerca de dez anos em que a manteve na sua disponibilidade, conservou-a integralmente, tendo-a já depositado, em duas parcelas de € 19.000,00, cada uma delas à ordem do processo de interdição dos irmãos AL. e AR., que considera serem os seus proprietários ou beneficiários. E fê-lo em momento anterior a ser chamada pela primeira vez aos presentes autos e de neles ser ouvida (cf. fls. 32 a 41), não resultando dos autos que quando procedeu a esses depósitos já tivesse conhecimento da queixa, constatação esta que contribui para infirmar o alegado na conclusão 26ª.
Refira-se que o aforro desse montante é compatível com o valor das pensões de incapacidade recebidas pelos interditos, uma vez que são beneficiários desde longa data (pelo menos anteriormente a 02/2004, atenta a informação de fls. 48) e tendo por referência os valores pagos a partir de 2014 (atenta a indisponibilidade de elementos relativos aos anos anteriores - cf. fls. 59 a 65).
Aliás, é perfeitamente normal e consentâneo com a experiência comum que a assistente, pessoa de idade avançada e naturalmente preocupada com o futuro dos dois filhos interditos, se preocupasse em amealhar esse dinheiro, porventura até acrescido de rendimentos provenientes do seu próprio trabalho, por forma de garantir a subsistência dos mesmos caso viesse a ficar incapaz de o fazer ou quando falecesse.
Da mesma forma que, perante o aludido desentendimento entre a assistente e a arguida, com a quebra do bom relacionamento até aí existente entre elas, é natural que, por um lado, a primeira quisesse reverter a situação de o dinheiro se encontrar na exclusiva disponibilidade da segunda, e, por outro lado, que esta, preocupada com o futuro dos interditos, receasse que os restantes irmãos pudessem vir a beneficiar dessa quantia.
Insurge-se a recorrente contra o facto de o Mmº. Juiz ter considerado que «[a]s duas testemunhas inquiridas em sede de instrução, M. F. e Maria, filhas da assistente e irmãs da arguida, demonstraram que não sabiam da existência da conta bancária em nome da ora arguida e onde foi depositado o valor de € 38 000, só recentemente é que ficaram a saber destes factos, porque a mãe lhes contou. Significa isto que as testemunhas não têm conhecimento direto dos factos, apenas relataram o que a mãe lhes contou. E, como é sabido, estes depoimentos indiretos, não podem ser valorados pelo tribunal».
Defende a recorrente ter sido violado do disposto nos art.s 125º e 129º, devendo tais depoimentos ser considerados prova admitida por lei e valorados, uma vez que a assistente prestou declarações na mesma data, respondendo a todas as questões que lhe foram colocadas pela mandatária da arguida.
Todavia, os factos que alegadamente terão sido relatados pela assistente às ditas testemunhas são apenas, segundo a redação utilizada pelo Mmº. Juiz, a existência da conta bancária em nome da arguida com o depósito da quantia de € 38.000,00, factos esses que se encontram documentalmente comprovados nos autos e não são postos em causa pela própria arguida, donde se retira a irrelevância do "conhecimento indireto" dos mesmos por parte das testemunhas, sendo certo que, como é invocado no recurso, a assistente prestou declarações em instrução, pelo que não se compreende a alusão à impossibilidade de valoração de tais depoimentos por serem indiretos.
Já na parte em que as testemunhas aludiram à factualidade relativa às condições económicas da assistente e aos rendimentos auferidos pela mesma, compatíveis com o aforro da quantia em apreço nos autos, não resulta do despacho recorrido que o Mmº. Juiz, nessa parte, tenha considerado tais depoimentos como indiretos e, por isso, não os pudesse valorar.
Todavia, tal factualidade é insuscetível de demonstrar que a quantia era proveniente desses rendimentos auferidos pela assistente, pois, como já referimos, as pensões de incapacidade dos interditos também eram compatíveis com o aforro de tal montante monetário, sendo igualmente natural que a assistente não necessitasse ou não quisesse utilizar a totalidade do valor das pensões para prover à subsistências dos interditos, antes se preocupando em o amealhar, acrescentando-lhe até algum dinheiro seu, em ordem a garantir o futuro dos mesmos quando ela lhes faltasse, o que tudo corrobora a versão da arguida quanto à destinação do dinheiro.
Tudo isto serve para afirmar que, tal como considerou o Mmº. Juiz, também se nos afigura não se encontrar suficientemente indiciado que a arguida se apropriou ilegitimamente da quantia em apreço, subsistindo sérias e fundadas dúvidas de que fosse essa a sua intenção, mas tão só acautelar o dinheiro que a sua mãe considerava pertencer aos filhos interditos ou que, pelo menos, pretendia destinar à subsistência futura dos mesmos. Ao longo de cerca de dez anos em que teve a disponibilidade desse dinheiro, nunca a arguida praticou qualquer ato objetivamente idóneo e concludente no sentido de o desviar do destino que lhe foi traçado pela assistente, ou seja, garantir a futura subsistência dos seus dois filhos deficientes e declarados interditos.
Perante os elementos de prova carreados para os autos e pelas razões supra expostas, não se torna possível concluir por uma probabilidade elevada da condenação da arguida em julgamento, assente numa convicção capaz de ultrapassar a barreira do princípio in dubio pro reo.
Por conseguinte, à luz das considerações supra expendidas, não merece censura o despacho recorrido de não pronúncia da mesma, impondo-se a sua confirmação.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pela assistente, M. M., e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Fixa-se em três unidades de conta a taxa de justiça devida pela assistente (art. 515º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal).
*
(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
*
Guimarães, 12 de outubro de 2020

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)
(assinado eletronicamente, conforme assinaturas apostas no canto superior esquerdo da primeira página)



1. - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a formatação e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do relator.
2. - Vd. Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros, 2014, Almedina, pág. 1024, no mesmo sentido se pronunciando Damião da Cunha, "Ne bis in idem e exercício da ação penal”, Que futuro para o processo penal?, pág. 557, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição atualizada, 2009, Universidade Católica Editora, pág. 778, anotação 10ª.
3. - Cf., designadamente, os acórdãos do TRC de 13-11-2013 (processo n.º 780/10.5PCCBR.C1) e de 09-12-2010 (processo n.º 185/08.8GAFIG.C1), do TRE de 22-04-2014 (processo n.º 258/12.2T3STC), de 26-02-2013 (processo n.º 410/10.5GDPTM.E1), de 20-12-2012 (processo n.º 908/09.8PBCSC.E1) e de 01-03-2005 (processo n.º 1481/04-1), do TRG de 04-05-2015 (processo n.º 154/14.9GBGMR.G1) e de 15-02-2012 (processo n.º 774/09.3GAPTL.G1), e do TRP de 26-04-2017 (processo n.º 719/16.4T9PRT.P1) e de 17-02-2010 (processo n.º 58/07.1TAVNH.P1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
4. - Cf., nomeadamente, os acórdãos do TRC de 16-06-2015 (processo n.º 12/11.9GTLRA.C1) e de 26-10-2011 (processo n.º 199/10.8GDCNT.C1), do TRE de 19-11-2013 (processo n.º 255/09.5TASTR.E1), do TRG de 02-11-2015 (processo n.º 44/14.5GAMSF.G1) e do TRP de 31-05-2017 (processo n.º 628/14.1TDPRT.P1), de 01-07-2015 (processo n.º 3321/12.6TDPRT.P1), de 21-01-2015 (processo n.º 9304/13.1TDPRT.P1), 27-02-2013 (processo n.º 1004/11.3TAVFR.P1), de 07-07-2010 (processo n.º 102/08.5PUPRT.P) e de 23-04-2008 (processo n.º 0810048), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
5. - Proferidos nos processos, respetivamente, n.ºs 781/14.4GBGMR-B.G1 (disponível em http://www.dgsi.pt) e 421/18.2GCVRL.G1.
6. - Cf. entre outros, os acórdãos do TRC de 03.07.2013 (processo n.º 1450/11.2TACBR.C1), do TRG de 09-07-2009 (processo n.º 504/07.4GBVVD-A.G1), de 12-02-2007 (processo n.º 2335/06-1 ) e de 27-09-2004 (processo n.º 1008/04-2), do TRP de 09-01-2019 (processo n.º 1069/14.6TAPRT.P1), de 14-06-2017 (processo n.º 5726/14.9TDPRT.P1), de 12-10-2016 (processo n.º 276/11.8TAVLC.P2), de 10-12-2014 (processo n.º 281/12.7TAVLG.P1), de 29.05.2013 (processo n.º 15847/09.4TDPRT.P1) e de 16-12-2009 (processo n.º 568/07.0GFVNG.P1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt, e ainda os acórdãos do TRP de 06-01-2016, in Coletânea de Jurisprudência n.º 268, Tomo I, pág. 187, e do TRG de 04-07-2005, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XXX, tomo IV, pág. 300.
7. - In Curso de Processo Penal, Volume III, 2ª edição atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 179.
8. - Cf. os acórdãos do STJ de 08-10-2008 (processo n.º 07P031) e do TRP de 07-12-2016 (processo n.º 866/14.7PDVNG.P1), disponível em http://www.dgsi.pt.
9. - Cf., na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do TRE de 16-10-2012 (processo n.º 76/08.2.MAPTM.E1), do TRL de 09-04-2013 (processo n.º 1208/11.9TDLSB.L1-5) e de 16-11-2010 (processo n.º 3555/09.TDLSB.L1-5) e do TRP de 28-10-2015 (processo n.º 202/13.0GAVLC.P1), todos disponíveis em http//www.dgsi.pt., e, na doutrina, Jorge Noronha e Silveira, O conceito de indícios suficientes no processo penal português, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, págs. 155 e ss., igualmente disponível online em http://www.odireitoonline.com/o-conceito-de-indicios-suficientes-no-processo-penal-portugues.html, Luís Osório, in Comentário ao Código de Processo Penal Português, volume IV, pág. 441, ao referir que “devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fizerem nascer em quem os aprecia a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado”, Jorge Gaspar, Titularidade da Investigação Criminal e Posição Jurídica do Arguido, in Revista do Ministério Público, n.º 88, 101 e ss., Carlos Adérito Teixeira, Indícios suficientes: parâmetro de racionalidade e “instância“ de legitimação concreta do poder-dever de acusar, in Revista do CEJ, n.º 1, 204, pág. 160, e Paulo Dá Mesquita, Direção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, 2003, pág. 90 e ss..
10. - Proferido no processo n.º 03P1493, disponível em http://www.dgsi.pt.
11. - Vd. Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, págs. 48-49.
12. - Revista de Legislação e Jurisprudência, 116.º, pág. 339.
13. - Proferido no processo n.º 56/2002, em 23 de outubro de 2002, publicado no Diário da República - II SÉRIE, N.º 276, de 29 de novembro de 2002.
14. - A Presunção de inocência do arguido na fase de Inquérito, in Revista do Ministério Público, n.º 92, pág. 71, também disponível on line in http://rmp.smmp.pt/ermp/rmp_92/index.html#p=32.