CONVERSÃO DA PENA DE MULTA EM PRISÃO
REQUERIMENTO DO ARGUIDO
PROVA DE QUE A RAZÃO DO NÃO PAGAMENTO DA MULTA NÃO IMPUTÁVEL AO ARGUIDO
Sumário

I – Quando o arguido condenado em pena de multa não procede ao pagamento deverá o tribunal tentar a cobrança coerciva.
II – Concluindo o tribunal pela impossibilidade de obter a cobrança coerciva o arguido cumpre a prisão subsidiária.
III – O legislador quis que fosse o condenado a requerer a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, afastando a iniciativa oficiosa do tribunal.

Texto Integral

Processo número 334/19.0SJPRT-A.P1

Relatora – por vencimento- Maria Manuela Paupério
Adjunto – Desembargador Francisco Marcolino

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
Nos autos de processo sumário que, sob o nº 334/19.0SJPRT, correm termos pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi (entre outros) o arguido, ora recorrente, B… submetido a julgamento e condenado, por sentença transitada em julgado em julgado em 08.07.2019, pela prática de um crime de furto p. e p. pelo art . 203º nº 1 do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo arte 86°, nº 1, alínea d) da Lei 5/2006, de 23/02, com referência aos arts. 2°, nº 3, alíneas p) e ab) e 3°, nº 5, alínea e) da mesma Lei, na pena única de 160 dias de multa à taxa diária de €5, perfazendo o total de €800.
O arguido, ora recorrente, não procedeu ao pagamento da pena de multa, não requereu o pagamento em prestações, nem requereu a substituição daquela por prestação de trabalho a favor da comunidade
Depois de considerar inviável a cobrança coerciva, em 21.11.2019 a magistrada do Ministério Público promoveu que “se determine o cumprimento da prisão subsidiária, ao abrigo do disposto no artigo 49°, n.º 1, do Código Penal.” (cfr. fls. 31 destes autos de recurso em separado).
Conclusos que lhe foram os autos no dia 21.11.2019, nessa mesma data, a Sra. Juíza proferiu o seguinte despacho que aqui é objeto de recurso (despacho esse constante de fls. 32 destes autos de recurso em separado e que passa a transcrever com os realces também nele constantes):
“Por sentença proferida nestes autos e já transitada em julgado, foi o arguido B… condenado, pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203º, nº 1 do Código Penal e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, alínea d) da Lei 5/2006, de 23/02, na pena única de 160 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, o que perfaz o montante global de 800,00€.
Até ao momento o arguido não procedeu ao pagamento da pena de multa nem requereu a sua substituição por trabalho a favor da comunidade.
Não se mostra viável a obtenção do pagamento coercivo da pena de multa, atentas as informações juntas aos autos (cfr. fls. 225).
Nos termos do disposto no art. 49º, nº 1 do Código Penal, “se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente, reduzido a 2/3, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº 1 do art. 41º”.
Assim, decide-se converter a pena de multa não paga pelo arguido em prisão subsidiária.
Procedendo-se ao desconto de um dia de detenção sofrido pelo arguido à ordem destes autos (cfr. fls. 2 e 3 e art. 80º, nº 1 do Código Penal), o arguido tem ainda a cumprir 159 dias de multa, no montante global de 795,00 €, a que correspondem 106 dias de prisão subsidiária.
O arguido cumprirá, por isso, 106 (cento e seis) dias de prisão subsidiária.
*
Notifique o Ministério Público, o arguido e o seu defensor.
O arguido deverá ser notificado, também, nos termos do disposto no art. 49º, nºs 2 e 3 do Código Penal.
*
Transitado este despacho passe e entregue de imediato os respetivos mandados de captura, fazendo constar dos mesmos o montante da pena de multa ainda em dívida (795,00€), bem como o montante a descontar por cada dia ou fração em que o arguido vier a estar detido (7,50€) – cfr. art. 491º-A, nº 3 do Código de Processo Penal.
No ato de captura deverá o arguido ser novamente notificado nos termos do art. 49º, nºs 2 e 3 do Código Penal.”

Inconformado com o assim decidido veio o arguido interpor o presente recurso, finalizando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“I – O presente recurso tem por objecto o douto Despacho, proferido em Novembro último, que converteu a pena de multa não paga em 106 dias de prisão subsidiária.
II - É certo que o arguido foi condenado, por sentença de fls. ss, na pena concreta de 160 dias de multa à taxa diária de €5,00, no total de €800,00.
III - Por desconhecimento e alguma limitação, e, porque não tinha condição financeira para o fazer, deixou passar o prazo de pagamento sem nada requerer.
IV - Com efeito, o arguido tem atravessado uma fase muito complicada em termos financeiros, pois encontra-se desempregado, sem qualquer rendimento sendo ajudado pela mãe, também de modesta condição financeira.
V - Por este mesmo motivo, o arguido não conseguiu pagar a multa, não porque não o quisesse, ou deixasse passar os prazos, mas porque não teve qualquer possibilidade de o fazer, pois não tem.
VI - Esse fato foi confirmado pelo Tribunal, pois confirmou-se que não tem quaisquer bens que pudessem ser executados.
VII - Ora refere o art.º 49º n.º3 do CP que ...« Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.»
VIII - Na prática, o recorrente não pagou por pura impossibilidade, porque não tem, sendo a sua prisão por tal facto, mesmo inconstitucional, uma vez que viola o princípio da igualdade, com garante na Constituição.
IX - Acresce que, o arguido só deve cumprir a pena efectiva de prisão, em que foi condenado, se esta for a única forma de alcançar as finalidades visadas com a punição, ou, como refere Figueiredo Dias. ob. Cit., 115, se a privação de liberdade for o único meio adequado de "estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na vigência da norma violada, podendo, ao mesmo tempo servir a socialização do arguido".
X - O recurso às penas privativas de liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, não se mostrem adequadas as sanções não detentivas, dando-se, assim, realização aos princípios político-criminais da necessidade proporcionalidade e subsidiariedade da pena de prisão.
XI - "São exigências de prevenção geral e de adequação à culpa que, sobretudo na criminalidade grave, continuam a justificar a aplicação de penas de prisão efectivas e contínuas: o que vale por dizer que, nomeadamente no que se refere às penas de prisão de curta e média duração, os seus inconvenientes superam de muito as vantagens que lhe podem ser assinaladas."- F. Dias, Direito Penal Português, 53., desde logo porque, pela sua curta duração, não permitem a concretização de nenhum projecto de reinserção, não lhes sendo reconhecidos efeitos educativos visíveis.
XII - Por outro lado, "os crimes supõem um certo desvalor ético, enquanto que, nos chamados delitos de tráfico, sobretudo quando não produzem resultado danoso, não se suscita no meio ético e social uma reprovação com a categoria de um "verdadeiro" delito." Ac. RC de 07.02.2001, CJ, I, 2001.
XIII - Assim, no caso concreto, o cumprimento pelo arguido, de uma pena de prisão, esta pena terá certamente efeitos muito gravosos, não só para o próprio como, quem sabe, no futuro, para toda a comunidade.
XIV - Aliás, ela terá efeitos inversos aos pretendidos, designadamente no que se prende com a ressocialização do arguido e a sua reintegração na sociedade, operando-se, assim, uma "dessocialização" e uma "desintegração" na sociedade do arguido.
XV - Em consequência, a Douta Sentença recorrida, violou por errada interpretação o disposto nos art.s 49º n,º3 CP e art.º 13º e 32º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes Termos, dando provimento ao recurso V. Ex.as farão como sempre JUSTIÇA”

O recurso foi admitido por despacho datado de 09.12.2019.

O Magistrado do Ministério Público, junto da 1ª instância, respondeu ao recurso pugnando no sentido do seu indeferimento e manutenção da decisão recorrida.

Depois de instruídos estes autos de recurso em separado – nos quais a Sra. Juíza a quo, no uso da prerrogativa a que alude o artigo 414º, nº 4, do CPP, tabelarmente, manteve o despacho recorrido - subiram os mesmos a esta Relação.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto (a fls. 49 e 50), divergindo da posição evidenciada na resposta que havia sido apresentada pela magistrada do Ministério Público da primeira instância, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, sendo que na redação desse parecer, depois de transcrever o sumário do Acórdão da Relação de Évora de 24.10.2017 (Proc. nº 542/14.0GBSLV.E1 e acessível in www.dgsi.pt), deixou também exarado o seguinte: “Nos presentes autos, a PSP do Porto informou, em 14/11/19, que o arguido não possui bens suscetíveis de penhora, nem veículo automóvel, não tem emprego e vive com os pais.
Assim sendo, justifica-se que o tribunal, apesar da inércia do arguido, determine a suspensão da prisão subsidiária aplicada, pelo período de um ano, subordinadamente ao dever de prestar trabalho a favor da comunidade.”

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, o arguido respondeu, mantendo a posição que já havia evidenciando no recurso (cfr. fls. 53 a 55).

Colhidos o vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

Apreciando:
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respetiva motivação (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, a questão que se coloca consiste, essencialmente, em saber se o tribunal a quo, ao invés de determinar o cumprimento da prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa, deveria ter determinado a suspensão da execução da prisão subsidiária nos termos do artigo 49º nº 3 do Código Penal.
Desde já adiantamos que a decisão proferida pelo tribunal recorrido não merece qualquer censura, sendo a que, nos termos da lei, se impunha.
Passamos a explicar.
Estabelece o artigo 49º do Código Penal que:
«1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
4 - O disposto nos n.os 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.
Decorre da simples leitura deste preceito legal que quando o arguido, condenado em pena em multa não a pague de modo voluntário, o tribunal deverá, antes de qualquer outro procedimento, tentar obter a sua cobrança coerciva. Para tanto terá de averiguar se o arguido é possuidor de bens ou rendimentos suscetíveis de serem penhorados. Se o tribunal concluir pela impossibilidade de obter essa cobrança coerciva, ou seja, dito de outro modo, se concluir que o arguido não é possuidor de bens ou rendimentos suscetíveis de penhorada então, nos termos do nº 1 do artigo 49º do Código Penal, deve ser cumprida prisão subsidiária.
Porém a lei consagra ainda modos de evitar o cumprimento dessa prisão; pode o condenado a todo o tempo pagar a multa em que foi condenado, obstando assim à execução da pena de prisão subsidiária ( cfr. número 2 do artigo 49º do Código Penal) ou requerer a suspensão dessa execução provando que a falta de pagamento da multa não se ficou a dever a culpa sua. (cfr. número 3 do artigo 49º do Código Penal)
Se vencesse o entendimento, aqui sufragado pelo Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, de que, independentemente de qualquer ação ou atitude por parte do arguido, a evidenciação, no processo, de que este não tinha bens penhoráveis deveria levar o tribunal, sem mais e desde logo, a suspender a execução da prisão subsidiária, não faria qualquer sentido manter-se a redação do número 3 do artigo 49º do Código Penal.
Na realidade o estatuído nesse número não é tautológico nem despiciendo. O legislador quis que fosse o condenado, revelando assumir a responsabilidade que lhe advém de uma condenação penal, a requerer a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária e a provar que o não pagamento da multa não se ficou a dever a culpa sua.
Quem é condenado por um tribunal deve ter para com essa condenação uma atitude de respeito e de responsabilidade, sentindo a censura resultante dela e envidando reais esforços quanto ao seu cumprimento. Só assim a condenação realizará as finalidades que lhe subjazem, posição que já defendemos em anteriores decisões.[1]
As decisões dos tribunais são para cumprir.
Esperar que o arguido, junto do tribunal que o condenou, requeira a suspensão da execução da prisão subsidiária da multa em que foi condenado, não é excessivo, nem desnecessário. Não depende tão pouco de uma especial capacidade de entendimento. Só se condenam pessoas capazes de entender e para que nenhuma dúvida exista ou persista é por isso que o Estado providencia para que todos os arguidos estejam sempre acompanhados de defensor.
Ademais, a lei exige que a decisão que converte a pena de multa em prisão subsidiária seja notificada ao arguido e ao seu defensor. Nenhum sentido faria a exigência desta notificação se, ao tribunal, fosse permitido ex oficio suprir a inércia de um arguido que, como sucede no caso em apreço, condenado numa pena de multa se alheou completamente do seu cumprimento, nada disse, nada requereu, mesmo quando foi notificado de que se não efetuasse o pagamento da multa ou se nada viesse requer poderia ter de cumprir prisão subsidiária.
No caso em apreço, como o arguido não pagou a multa em que foi condenado, nada requereu, o tribunal oficiosamente, como se lhe impõe a lei – nº 1 do artigoº 49º do Código Penal – foi averiguar da possibilidade de, coercivamente, obter o seu pagamento. Concluindo por esta impossibilidade, o tribunal proferiu a decisão que lhe tinha de ser proferida; converteu em prisão subsidiária a pena de multa não paga. Não poderia ter sido outra a decisão.
E quanto ao acórdão que no mesmo parecer o senhor Procurador Geral Adjunto chama à colação (Acórdão da Relação de Évora de 24.10.2017 (Proc. nº 542/14.0GBSLV.E1 e acessível in www.dgsi.pt) parecendo tratar um caso igual ao presente lida o teor da decisão retira-se que é diversa a situação sobre a qual tal acórdão versa, porque da matéria ali apreciada consta o seguinte:
O aqui condenado notificado que foi para se pronunciar sobre a eventual conversão da pena de multa em prisão subsidiária, no seguimento do promovido pelo M.P., veio requerer a suspensão da prisão subsidiária.
O que lhe foi indeferido, por se ter entendido que o Arguido não alegou, nem resulta dos autos que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, razão pela qual, salvo melhor entendimento, é inaplicável o disposto no artigo 49.º n.º3 do Código Penal.», ou seja, o sentido da decisão é sobre uma factualidade totalmente diversa da que se aprecia aqui. Nesse processo, ainda que numa intervenção mínima, o arguido foi ao processo requerer a suspensão da execução da prisão subsidiária. Não se quedou alheado e indiferente perante a condenação. E não se diga que sendo apenas um requerimento… o tribunal pode prescindir dele, já que esse requerimento é, no mínimo demonstrativo de que o arguido sabe que tem uma pena para cumprir; que tem obrigações decorrentes da sua condenação a que não deve mostrar-se alheio.
Aliás, no mesmo sentido vai a decisão proferida no tribunal da Relação de Coimbra[2]:
Também aqui os factos assentes são diversos daqueles que estamos a apreciar:
Daquela decisão consta o seguinte:
(…) Assente está [nunca foi colocado em crise] ter sido o arguido condenado, por sentença transitada em julgado em 21.10.2013, na pena de 60 [sessenta] dias de multa, à razão diária de €6,00 [seis euros].
Em 29.11.2013, invocando dificuldade, decorrente da sua situação sócio-económica, para satisfazer integralmente a pena de multa, requereu o arguido, ora recorrente, o respetivo pagamento em prestações, o que lhe foi deferido por despacho de 07.01.2014.
Verificada a falta de pagamento de qualquer das prestações, ultrapassado que se mostrava o prazo para o efeito, em 11.06.2014 foram as mesmas declaradas integralmente vencidas [artigo 47.º, n.º 5 do C. Penal] e, simultaneamente, determinada a emissão de guias para pagamento integral.
Notificado da decisão, veio o arguido, em 23.06.2014, justificar o não pagamento da pena de multa em virtude de se encontrar, para tanto, economicamente impossibilitado, alegando, então, serem os seus rendimentos «parcos e mal darem para comer», adiantando, contudo, acreditar vir a estar, no fim do mês de Agosto, em condições de poder satisfazer a pena de multa, requerendo, em consequência, o deferimento do seu integral pagamento para o início de Setembro.
(…)
Por requerimento de 07.04.2015, uma vez mais, fazendo apelo à sua debilitada situação sócio-económica, solicitou o ora recorrente que lhe fosse autorizado o respetivo pagamento dentro do prazo de um ano. (…)
Face aos elementos já constantes dos autos entendeu então aquele tribunal de recurso que o arguido não teria de fazer mais prova do que aquela que abundantemente constava já do processo, prova que o arguido, em vários requerimentos apresentados, tinha já carreado para os autos e outra obtida pelo tribunal quando, debalde, tentou obter o pagamento da multa de modo coercivo. Este é um entendimento que sem custo igualmente sufragamos.
Coisa substancialmente distinta o que aqui nos convoca.
Deveria o tribunal recorrido ter proferido decisão diversa daquela que proferiu quando o arguido condenado em multa não a pagou voluntariamente e o tribunal não logrou obter o pagamento coercivo? Já acima dissemos que não.
A decisão proferida é a que dá cabal cumprimento ao legalmente estatuído – cfr. artigo 49º do Código Penal.
Perante a inércia e indiferença total do arguido no que respeita à sua condenação em multa, perante o seu silêncio face à notificação que lhe foi feita de que o não pagamento da multa poderia ter de cumprir prisão subsidiária, deveria o tribunal ter suspendido a execução da prisão subsidiária? Também não porque o legislador pretendeu fazer recair sobre o condenado a obrigação de o requerer, provando que o não pagamento da multa se não ficou a dever a culpa sua.
De tudo o que se vem de dizer decorre a falta de fundamento do recurso interposto que, por isso, tem de improceder.
Decisão:
Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, confirmando a decisão proferida.

Fixa-se em 3UCs a taxa de justiça devida pelo recorrente.

Porto, 26 de fevereiro de 2020
Maria Manuela Peupério
Francisco Marcolino
______________
Declaração de Voto
Como inicial relator voto vencido, pelas razões que de seguida, e de forma muito sintética, passo a anunciar:
Não obstante o arguido, ora requerente, em momento prévio ao despacho recorrido, não ter vindo aos autos requere a suspensão da execução da pena daquela prisão subsidiária da pena de multa, tal qual o mesmo até assume em sede de recurso - cfr. conclusão III, sendo que logo, as conclusões IV e V, também refere que "tem atravessado uma fase muito complicada em termos financeiros, pois encontra-se desempregado, sem qualquer rendimento sendo ajudado pela mãe, também de não modesta condição financeira. Por este mesmo motivo, o arguido não conseguiu pagar a multa, não porque não quisesse, ou deixasse passar os prazos, mas porque não teve qualquer possibilidade de o fazer, pois não tem) - , o certo é que existem elementos nos autos bem demonstrativos da sua insofismável condição económica precária, em termos de podermos chegar à conclusão de que o não pagamento da pena de multa não lhe era imputável.
Com efeito, da informação recolhida pela PSP no dia 14.11.2019, a pedido do próprio tribunal a quo, decorre que o arguido, ora recorrente B... "não possui bens susceptíveis de penhora, bem como não possui veículo automóvel (...) não tem emprego e vive com os pais" (cfr. data do despacho recorrido, como ainda atualmente, o arguido apenas conta 18 anos de idade.
E, ja à data da prolação da sentença condenatória, essa situação económica também era precária. Repare-se na factualidade dada como provada na mesma sentença, a propósito das condições económicas do arguido ora recorrente, quando ali tinha sido dado como provado: 9) O arguido B... frequenta um curso de cozinha que lhe dará equivalência ao 9º anos de escolaridade, é solteiro e vive com os pais que o sustentam".
Ora, salvo o muito devido respeito pela posição que fez vencimento, a qual, ao fim e ao cabo, acaba por fazer depender a possibilidade da suspensão da execução da prisão subsidiária de um comportamento pro-activo por parte do arguido no sentido de demonstrar que o não pagamento não lhe seja imputável, tal como o aqui signatário já havia deixado consignado no Acordão que nesta Relação do Porto, no dia 26.10.2016, havia proferido no âmbito do recurso do Proc. n.º 445/14.9PHMTS-A.P1 (acordão esse acessível in www.dgci.pt).
"Existindo nos autos elementos demonstrativos da precária situação económica do arguido, conducente à conclusão de que o não pagamento da multa não lhe é imputável, deve a tal situação ser conhecida pelo tribunal mesmo que o arguido nada tenha requerido com vista à suspensão da execução da pena subsidiária."
Ora, como supra referimos, existindo nos autos elementos concretos que evidenciam a precária situação económica do arguido, consideramos dever prevalecer a regra da verdade e da justiça material, em detrimento de puras razões de carácter formalista susceptíveis de conduzir ao cumprimento efectivo da pena de prisão ( pena esta que, como consabido, constitui a última ratio das reações criminais).
E como também é referido no Acordão da Relação de Coimbra, de 13.07.2016 (Proc. 9/11.9PECTB.C1, relatora Maria Pilar de Oliveira, in www.dgci.pt) a propósito do n.º 3 do artigo 49º do Código Penal, "A previsão do artigo citado tanto se deve dirigir às situações em que o arguido activamente prova a sua falta de culpa no não pagamento e requer a suspensão da prisão subsidiária, como aquelas em que apenas prova essa situação de facto embora não requerendo a suspensão, como ainda aquelas em que o é o Tribunal que recolhe prova nesse sentido, Assim determina o principio da igualdade; de tratamento igual de situações materialmente iguais."
Daí que, e tal como ressuma do parecer que o Exmo. Procurador Geral Adjunto lavrou nos autos, a descrita situação que se apurou é reveladora da falta de capacidade económica do arguido para proceder ao pagamento integral da multa a que foi condenado, insuficiência essa que justifica o não cumprimento da pena, o qual não lhe è, assim, imputável.
Assim, face ao acima sumariamente exposto, no projeto de acordão vencido entendeu o ora signatário no sentido de se dever concluir que muito embora se impusesse a conversão da multa em prisão subsidiária, deveria esta ter sido suspensa na sua execução, nos termos previstos no artigo 49º, n.º3 do Código Penal, pelo prazo de um ano subordinada ao cumprimento dos deveres ou regras de conduta direccionados para a frequência de programa ou actividade de conteúdo não económico ou financeiro susceptível de assegurar as finalidades preconizadas no citado artigo 49º, n.º 3 do Código Penal, a ter lugar em horário e local compatível com s área de residência e possibilidade de deslocação por parte do arguido, devendo, para tanto, a DGRSP elaborar relatório que forneça ao tribunal os elementos destinados a definir o programa ou actividade e os termos da sua frequência.
Nesta confluência, com estas assinaladas condicionantes, concederia provimento ao recurso e revogaria o despacho recorrido, na parte em que determinou o cumprimento efetivo da prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa ainda não paga.

Luís Coimbra
______________________
[1] Ver acórdão de ambas as subscritoras de 14/03/2018 in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/
[2] Pesquisado em http://www.dgsi.pt/jtrc.ns, datado de 18/11/2015 e relatado pela Desembargadora Maria José Nogueira com o seguinte sumário:
«I - Visando a aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 49.º do CP, a demonstração de que o não pagamento da pena de multa não é imputável ao condenado pode fazer-se por via da prova de factos positivos, de onde resulte essa não imputabilidade.
II - Por que a suspensão da prisão subsidiária se traduz num poder-dever ou poder-vinculado do tribunal, constando dos autos elementos demonstrativos de uma situação de precariedade económica/financeira do condenado, induzindo fundamentadamente o juízo de que o não pagamento da multa decorre de razão que àquele não é imputável, então é mister concluir encontrarem-se reunidas as condições para decidir pela suspensão da execução da prisão subsidiária [sanção de constrangimento, visando, de facto, em último termo, constranger o condenado a pagar a multa], nos precisos termos previstos no normativo acima indicado.