ABUSO SEXUAL DE MENOR
PENA
SUSPENSÃO
REQUISITO FORMAL
Sumário

São de salientar as prementes necessidades de prevenção geral no que concerne aos crimes de abuso sexual de incapaz, de abuso sexual de criança e de violência doméstica, atendendo à necessidade de defesa da sociedade perante os ilícitos em causa e à repugnância social por este tipo de ilícitos, com proeminente preocupação social exacerbada pela mediatização de situações similares, dentro e fora do meio familiar.

O arguido não confessou os factos não revelando qualquer capacidade de autocensura, nem revelou qualquer arrependimento, o que revela a não interiorização da gravidade e censurabilidade das suas condutas;
Na determinação da pena neste tipo de crimes há que ter em conta o inequívoco sentimento de repulsa da comunidade perante os abusos sexuais praticados dentro do ambiente familiar e/ou equiparado, e, também, da forte incidência da criminalidade de índole sexual com crianças e incapazes na sociedade portuguesa actual e do alarme social que lhe está hoje associado.

Tendo em consideração que a pena fixada é de 6 anos de prisão, face à falta do requisito formal para a sua eventual aplicação (pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos – cfr. artigo 50º, nº 1 do Código Penal) fica prejudicada a sua apreciação.

O Segredo, o silêncio e a consequente ocultação dos factos ocorridos e tipificados como abuso sexual de crianças são considerados os maiores impedimentos na intervenção das entidades competentes para proteção do menor.

Sem conhecimento do crime não é possível auxiliar a vítima.

O motivo que leva o menor a ocultar a realidade do abuso ou “síndrome do segredo”, incidindo em casos, na sua maioria, intrafamiliares assenta no pressuposto da ligação afetiva entre o abusador e a vítima, mormente a sua influência na criança

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3ª Seção do Tribunal da Relação de Lisboa


 
IRELATÓRIO:


1.1.No Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 411/18.5JAPDL a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Ponta Delgada - JC Cível e Criminal - Juiz 1, em que é arguido JP_____, com os demais sinais dos autos, após realização da audiência de julgamento, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo, no segmento que ora nos importa:

Pelo exposto, tudo visto e ponderado acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo relativamente a JP_____:
1.- Absolver o arguido da prática de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, alínea b) e c), do Código Penal.
2.- Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 1, nº 3, alínea b) e artigo 177.º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão (facto nº 6);
3.- Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, alínea a), e artigo 177.º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão (facto nº 8);
4.- Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, alínea a) e artigo 177.º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão (factos nº 9 e 10);
5.- Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 1 e artigo 177.º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão (factos 12, 13 e 14);
6.- Condenar o arguido pela prática de um crime de coação agravada, p. e p. pelo artigo 154.º, nº 1 e artigo 155.º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão (facto nº 26);
7.- Fazendo o cúmulo das penas referidas condenar o arguido na pena única de seis anos de prisão.
8.- Determinar a recolha de amostra de ADN e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro.
9.- Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
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1.2.Inconformado com essa decisão dela recorreu o arguido JP_____, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:
1.- O presente recurso tem como objeto a matéria de facto e de direito (dosimetria das penas parcelares e pena única aplicada) do acórdão condenatório proferido
2.- O recorrente foi condenado pela prática de,  um crime de abuso sexual de criança agravado, por referência ao n.º 1 do art. 171.º do C.P., na pena parcelar de 4 anos; e,  três crimes de abuso sexual de criança, por referência ao n.º 3 daquele preceito legal, nas penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um deles;  um crime de coação agravada, p. e p. pelo do art. 174.º, nº 1 e art. 155º, nº 1, alínea a) do C.P., na pena de dois anos de prisão; 
Em cúmulo das penas parcelares acima determinadas, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

A)Da matéria de facto
3.- Como decorre das transcrições supra aludidas, feitas a partir da reprodução magnetofónica realizada na audiência de julgamento, a douta sentença recorrida enferma de manifesto vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e erros na apreciação da prova que contrariam as mais elementares regras da experiência comum.
4.- Com o que a douta sentença recorrida viola os arts.º 410º, n.º 2, al. a) e c) do C.P.P..
5.- A douta decisão recorrida violou, ainda, a alínea c) do n.º 2 do citado art.º 410º do C.P.P. porquanto, pois dá como provados factos nºs 13 e 14) que não ocorreram nem sequer foram referidos como tais pelo depoimento da menor (único em que suporta a prova).
6.-Ao dar como provados factos que não foram sequer minimamente referidos em audiência de julgamento – sendo certo que não existe sobre os mesmos qualquer outra prova – a douta sentença viola frontalmente o art.º 355º do C.P.P. bem como os mais elementares princípios constitucionais e garantias de defesa do arguido (arts.º 32º, n.º 1 e 20º, n.º 4 – fine da C.R.P.).
7.- Livre apreciação de prova é uma coisa; ausência total dela é outra. Por mais generoso que tenha sido o legislador no art.º 127º do C.P.P. manifestamente não estava no seu horizonte contemplar casos, em que há uma total ausência de prova.
B)Da dosimetria das penas parcelares e da pena única aplicada em cúmulo jurídico.
8.- Ao recorrente foram aplicadas as penas parcelares de de 4 anos; por referência ao crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelo n.º 1 do art. 171.º e 177, nº 1 al. a) do C.P.;1 ano e 6 meses de prisão por cada um dos (três) crimes de abuso sexual de crianças, por referência ao crime previsto no n.º 1 do art. 171.º do C.P., e dois anos de prisão por um crime de coação agravada, p. e p. pelo do art. 174.º, nº 1 e art. 155º, nº 1, alínea a) do C.P.
9.- Em cúmulo das penas parcelares, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
10.- Considerando a culpa, o grau de ilicitude e as condições pessoais do arguido, as penas parcelares aplicadas excederam as necessidades de prevenção geral e especial, prejudicando a possibilidade de reinserção do Recorrente.
11.- O Tribunal não teve em conta, na pena unitária aplicada ao presente concurso de crimes, a ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, bem como o exame crítico sobre a interligação dos mesmos, de molde a poder valorar-se o ilícito global praticado.
12.- Os crimes em concurso evidenciam uma estreita conexão, quer pela circunstância da ofendida ser a mesma, quer pela repetição, quer pelo idêntico contexto em que foram cometidos, no curto período compreendido entre 15 de Junho a Setembro de 2016.
13.- Não valorou, o Tribunal, o ilícito global, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a conexão de homogeneidade entre eles e a sua relacionação com a personalidade unitária do arguido. 
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1.3.O recurso foi objeto de despacho de admissão.
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1.4.O Ministério Público respondeu ao recurso e apresentou as seguintes conclusões:
1.- O acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios.
2.- A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no art.º 127º do CPP.
3.- O recorrente limita-se a expor o seu julgamento dos factos, divergente daquele que foi feito pelo Tribunal, e tendo, como se verificou, este formado a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formulou o recorrente.
4.- A pena imposta aos arguidos, situa-se no circunspecto de ponderação da gravidade do crime – ponderada a personalidade do agente -, e foi graduada de harmonia com as necessidades punitivas (ressocialização e prevenção), tudo conforme os artigos 40º, 70º e 71º, do Código Penal.
5.- Por todo o exposto, o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, optou, de forma correta, pela aplicação aos arguidos/recorrentes de pena de prisão efetiva situada junto do limite médio da moldura abstrata aplicável, mostrando-se adequada e justa, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.
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1.5.Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto aderiu à posição assumida pelo MP da 1ª Instância.
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1.6.Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.
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1.7.Efetuado o exame preliminar e corridos os vistos teve lugar conferência.
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II.–FUNDAMENTAÇÃO

2.1.O acórdão recorrido na parte que aqui releva tem o seguinte teor:

II.Fundamentação de Facto

A.Factos provados

Em sede de audiência de julgamento provaram-se os seguintes factos: A) Da acusação:
1.- A menor EM____ nasceu a 05.04.2009 (à data dos factos infra tinha 7 anos) e é filha do arguido JP_____.
2.- Por força do acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais, a partir de 15 de junho de 2016, a menor começou a passar o dia de Sábado e até à noite de Domingo, de 15 em 15 dias, com o seu pai, o aqui arguido, o que aconteceu pelo menos até à Festa da Senhora da Piedade, em setembro de 2016.
3.- Durante tais períodos, a menor passava o tempo com o seu pai na garagem que funcionava como oficina do arguido, sita na Rua  , em Santo ..., Capelas, e na casa que fora da mãe do arguido sita na, Santo António Ponta Delgada, locais onde sucederam todos os factos infra narrados.
4.- Em data não concretamente apurada, mas compreendida no lapso temporal referido em 2, o arguido disse à menor que os coelhos transformavam-se em bebé quando a “bloca enfiava na mijona”.
5.- Na já referida garagem do arguido, a menor encontrou uma revista pornográficas onde a menor viu mulheres desnudas.”.
6.-Em data não concretamente apurada, no interior da residência da mãe do arguido, também naquele período, o arguido colocou uma cassete no respetivo leitor e passou um filme onde se viam relações sexuais entre duas mulheres e um homem; a menor disse-lhe que não queria ver aquele vídeo, tenho o arguido obrigado a criança a continuar a ver, sentando-a no seu colo e apertando-a.
7.- Após tais factos, o arguido disse à menor que, caso contasse à sua mãe o que lhe tinha feito, mataria a sua mãe.
8.-Em data não concretamente apurada, mas compreendida naquele período, o arguido disse à menor para mexer no seu pénis, o que a criança negou fazer.
9.-Em data não concretamente apurada, mas compreendida naquele período, quando a menor estava a dormir, o arguido puxou as cuecas que a menor envergava, deixando-as pelos joelhos da mesma, e observou a zona genital da criança.
10.-De seguida, a menor EM______ acordou e, assustada, tapou-se.
11.- Em data não concretamente apurada, no referido período e na residência do arguido, a menor encontrou numa divisão do piso inferior, uma gaveta contendo vários objetos plásticos na forma de um pénis, de diversas cores.
12.- O arguido mostrou à criança um objeto plástico na forma de um pénis e esta perguntou ao arguido o que era aquilo.
13.- Ato contínuo, o arguido pegou no aludido objeto, pegou na menor e sentou no seu colo, agarrou a menor com força, apesar da resistência da menor que começou a espernear, e, por cima dos calções que a menor envergava, pressionou e friccionou repetidamente aquela objeto contra a zona genital da menor,
14.- A criança continuou a debater-se e a arranhar o arguido até que este parou, e aquela conseguiu fugir para a casa-de-banho, com dores naquela zona e uma ferida, na sua pele.
15.-Pouco depois, nesse mesmo dia, a mãe da criança telefonou-lhe, altura em que EM____ pediu-lhe que a fosse buscar, recusando-se a passar fins-de-semana com o arguido desde então.
16.- O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, em obediência a sucessivos e renovados desígnios, com o propósito concretizado de manter o aludido contacto sexual com a menor EM____, sua filha, não obstante bem saber que aquela tinha apenas sete anos de idade e não tinha qualquer experiência ou conceção da vida sexual e assim era incapaz de se autodeterminar sexualmente, bem sabendo que a vítima não tinha discernimento para apreender e se opor a tais condutas atenta a sua idade e que, ao agir do modo narrado, impedia o regular desenvolvimento da personalidade e determinação sexual da menor.
17.- Mais sabia o arguido que por força da relação familiar, da sua idade, da sua ascendência física e do facto de a menor se encontrar em sua casa, aos seus cuidados e da confiança depositada em si como seu pai, a menor se encontrava particularmente indefesa face aos seus atos e, ainda assim, não se absteve de praticar as condutas narradas supra, com a intenção de satisfazer os seus próprios instintos libidinosos, o que logrou fazer.
18.-O arguido agiu, ainda, de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de criar medo e receio à menor, nomeadamente de que iria tirar a vida à sua mãe, com o intuito de a coibir de contar o que o arguido lhe havia feito, assim, constrangendo-a e causando-lhe sofrimento.
19.-O arguido sabia que a suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas.
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C)Mais se provou que:
20.- JP_____, de 58 anos de idade, com o 6.º ano de escolaridade, residia, à data dos factos, com um irmão, A_____, na casa que era de seus pais, sita à Rua   freguesia de Santo ..., C...; e encontrava-se desempregado, ainda que inscrito na Agência para a Qualificação e Emprego.
O arguido nasceu na freguesia de , concelho de Ponta Delgada, integrado em agregado constituído pelos pais e por 8 irmãos.
JP____ ingressou na escola com 6 anos, apresentando um percurso escolar sem registo de problemas de comportamento, interrompido aos 13 anos, após terminar o 6.º ano, quando iniciou atividade laboral como tratador de gado por conta de outrem. Exerceu esta atividade até aos 18 anos, altura em que conseguiu trabalho em Ponta Delgada numa empresa de aluguer de automóveis, onde desempenhava funções de lavagem e pequenas reparações em automóveis.
Permaneceu na área automóvel e a trabalhar em Ponta Delgada até aos 27 anos, altura em que abriu uma oficina automóvel na freguesia de origem, e iniciou atividade laboral por conta própria.
O arguido contraiu matrimónio com 22 anos com MA_____, com quem teve 3 filhos, atualmente com 34 anos, 31 anos e 21 anos. JP_____ divorciou-se no ano de 2010.
Teve uma relação com LM_____, da qual nasceu EM_____, eventual vítima nos presentes autos.
Uma vez que encerrou a oficina automóvel em 2010 – ano em que se divorciou da primeira mulher -, ficou na condição de desempregado e procedeu à inscrição na Agência para a Qualificação e Emprego de Ponta Delgada, tendo integrado diversos programas de emprego, e beneficiado de prestação de subsídio de desemprego até novembro de 2019, altura em que ficou sem rendimentos.
Embora a oficina de reparação automóvel tenha atividade encerrada desde 2010, JP_____ sempre teve acesso ao local, por fazer parte da casa onde o arguido residiu com a ex-mulher (e onde esta, e a filha de ambos, Inês , ainda habitam).
O seu agregado atual é constituído pela companheira, FB_____, 48 anos, desempregada, e por 2 filhos e 1 sobrinha desta, um rapaz com 15 anos e uma menina de 13, e a sobrinha de 11 anos (ao seu cuidado), todos estudantes.
O arguido encontra-se, no presente, desocupado e aguarda resposta a pedido de reforma por invalidez, já se tendo submetido a Junta Médica. Passa os dias na freguesia de origem, ocupando os dias com o apoio aos filhos da companheira – que por vezes leva e trás da escola -, e pequenas atividades agrícolas no quintal da casa onde também tem animais.
É tido no meio como pessoa bem integrada, com conduta pró social, responsável e com hábitos de trabalho. Não apresenta problemática aditiva.
Encontra-se atualmente desocupado, aguardando o resultado da Junta Médica para saber se ficará na qualidade de reformado por invalidez
21.- Do seu certificado de registo criminal consta a seguinte condenação:
por decisão proferida em 04.01.2017, o arguido foi condenado pela prática, em 29.05.2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa à razão diária de 5 € e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses.
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B.Factos não provados

Nada mais resultou provado, designadamente:
a)- O referido no facto nº 3 também ocorreu na residência sita na Estrada ..., N.º ..., na ... da..., P... D....
b)- O referido no facto nº 5 ocorreu no mesmo dia que o referido no facto nº 4.
c)- Após, e nesse mesmo dia, o arguido abeirou-se da menor e abriu um site, no seu telemóvel, onde mostrou à sua filha uma mulher nua, usando meias de rede, e carregou no vídeo fazendo a menor ver a referida mulher ser penetrada por dois homens, um à sua frente e outro atrás de si, não obstante a menor pedir ao arguido para parar de lhe mostrar aquele vídeo, o arguido fê-la continuar a ver.
d)- O referido em c) aconteceu pelo menos mais uma vez.
e)- Relativamente ao facto nº 8: o arguido exibiu o seu pénis sem roupa à
menor.
f)- No que concerne ao facto nº 10: o arguido perguntou à menor se queria
que ele “lhe beijasse a mijona”.
g)- No que concerne ao facto 11: o arguido disse à menor que se tratavam
de “coisas da vida”.
h)- Nesse mesmo dia, no quarto de dormir, a criança encontrou um objeto plástico na forma de um pénis, preto, debaixo da cama do arguido, pegou no mesmo e perguntou a arguido o que era aquilo.
i)- Relativamente ao facto nº 14: a ferida sangrou.
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C.Motivação

De acordo com o disposto no artigo 374.º, nº 2, do Código de Processo Penal, o Tribunal deve indicar as provas que serviram para fundamentar a sua convicção.
A prova produzida foi apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, de acordo com o princípio ínsito no artigo 127.º, do Código de Processo Penal. Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
O Tribunal alicerçou a convicção probatória referente à factualidade provada na apreciação crítica e articulada de toda a prova produzida em julgamento, à luz das elementares regras da experiência, do senso comum e da normalidade.
O arguido prestou declarações descrevendo os factos nº 1, 2 e 3 tal como constam da factualidade provada. Nesta parte as suas declarações foram credíveis, porquanto foram corroboradas pela demais prova produzida.
No que respeita à demais factualidade, afirmou que não aconteceu – e nesta parte o Tribunal não acreditou, porquanto da prova produzida com coerência, assertividade e rigor (dizendo que aconteceu quando foi caso disso e dizendo que não aconteceu, quando tal se verificou: declarações de EM____ ) resultam que os referidos factos ocorreram e nos exatos termos que constam da factualidade provada.
Lúcia MR___, mãe da menor EM____ , explicou que a menor passou a pernoitar em caso do arguido quando a mãe deste faleceu e que a determinada altura a filha deixou de querer visitar o pai. Recorda-se ainda de uma das vezes que telefonou à filha esta lhe ter pedido, a chorar, para a ir buscar.
Viu o diário da menor (onde esta desenhara um pénis e escrevera que o pai fizera coisas) e a menor contou-lhe o sucedido. Instou a menor relativamente ao motivo porque é que não contou logo e esta explicou que tinha medo que o arguido lhe fizesse mal (o arguido ameaçara a menor dizendo que matava a mãe se lhe contasse).
Mais explicou que, antes da mãe do arguido falecer, a menor saía com o pai feliz. Depois da avó falecer, a menor deixou de querer ir ter com o pai.
A menor, EM____ MR___, prestou declarações para memória futura. No entanto não foi possível ouvir as declarações para memória futura, uma vez que as mesmas eram impercetíveis. Por este motivo e porque (à semelhança do que habitualmente sucede neste tipo de crimes, a que só assistem vítima e agressor) as declarações da menor eram imprescindíveis para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, o Tribunal ouvir a menor presencialmente. E foi um depoimento assertivo no modo de expressão verbal (o que disse a menor por palavras) e não verbal (a menor concretizou em gestos a sua linguagem verbal, de forma absolutamente coerente), demonstrando perturbabilidade considerável (choro de difícil controlo, necessidade de contenção afetiva) o que é compatível com uma vivência traumática real (tal como foi assinalado no relatório pericial de fls. 206v). As suas declarações foram ainda corroboradas pela apreensão realizada (de uma revista pornográfica dentro do micro-ondas).
Não contou o sucedido em momento anterior porque o arguido ameaçou que se o fizesse matava a mãe. E se estes motivos surtiriam efeito num adulto, muito mais eficazes são para uma criança de 7 anos.
Na verdade, o Segredo, o silêncio e a consequente ocultação dos factos ocorridos e tipificados como abuso sexual de crianças são considerados os maiores impedimentos na intervenção das entidades competentes para proteção do menor.
Sem conhecimento do crime não é possível auxiliar a vítima. Neste contexto, o segredo releva como seguimento do abuso, tendo TILMAM FURNISS estudado o motivo que leva o menor a ocultar a realidade do abuso e tendo intitulado como “síndrome do segredo”, incidindo em casos, na sua maioria, intrafamiliares. Esta teoria é desenvolvida assentando no pressuposto da ligação afetiva entre o abusador e a vítima, mormente a sua influência na criança. O silêncio, após uma situação de abuso sexual, é devido ao medo sentido pela criança e incutido pelo abusador, na desacreditação por parte dos outros adultos ou no seu sentimento de culpa pelo abuso. O silêncio manifesta fatores externos e internos, sendo os primeiros ligados a ameaças por parte do agressor, castigos ou receio destes, bem como a tentativa frustrada de denunciar. Os fatores internos são respeitantes à própria vítima, encontrando-se manipulada e dominada pelo agressor (Cláudia Sofia Fortunato Saraiva, in A Tutela dos Interesses da Vítima  Menor   Nos   Crimes de   Abuso Sexual, pág. 75, disponível em http://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/1180/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf
O segredo e o esforço do menor por manter o segredo (até que não aguentou mais, como desabafou a menor) é, pois, próprio do crime de natureza sexual em que a vítima é uma criança e o agressor um familiar ou alguém com uma forte influência na vítima.
Acresce que nem a menor nem a mãe demonstraram qualquer interesse na condenação do arguido, sendo que não realizaram qualquer pedido de indemnização civil.
Foi realizada perícia médico-legal, sendo objeto da perícia avaliar a aptidão física e mental (capacidade) da criança para prestar testemunho, avaliar a credibilidade do referido testemunho. Neste constata-se que a menor distingue a verdade da mentira e é resistente à sugestão, apresenta perturbabilidade considerável aquando da tentativa de abordagem dos abusos (choro compulsivo, necessidade de contenção afetiva) o que é compatível com a vivência traumática real. Conclui-se ainda que a menor é uma menina que revela ainda uma considerável fragilidade emocional e dificuldades no controlo das emoções negativas associadas, o que pode comprometer o salutar desenvolvimento e estruturação da sua personalidade (relatório pericial junto aos autos a fls. 204/207, cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido).
O Tribunal ficou convencido que as declarações da menor foram verdadeiras e correspondem ao que de facto aconteceu.
O facto nº 1 resulta do assento de nascimento da menor junto aos autos a fls. 55/56.
O facto nº 2 resulta do assento de nascimento da menor junto aos autos a fls. 55/56, conjugado com as declarações do arguido (que afirmou que apesar de antes visitar a menor, só a partir do falecimento da sua mãe - com quem coabitava - em 15 de junho 2016 é que passou a levar a menor para sua casa para pernoitar, sendo que essas visitas duraram até setembro de 2016, dia da festa da senhora da Piedade), de LM______ (que explicou que a menor só passou a ir para casa do pai dormir após o falecimento da avó da menor, tendo as visitas cessado em momento que não recorda com exatidão) e da menor (que explicou que só passou a ir para casa do pai dormir após o falecimento da avó, tendo as visitas cessado em momento que não recorda com exatidão, tendo os factos ocorrido no Verão de 2016 – o que é coerente inclusive com a roupa que envergava pelo menos em parte dos factos: calções).
O facto nº 3 resultou de forma unânime da prova produzida.
Resultou não provado o facto a) porquanto nenhuma prova foi produzida quanto ao mesmo (sendo certo que a residência sita na Estrada Regional,  , na  Ponta Delgada passou a ser a residência do arguido apenas em momento posterior aos factos (em 2017).
O facto nº 4 resultou das declarações da menor EM_____ .
O facto nº 5 resultou das declarações da menor EM_____  e foi corroborado pelo auto de diligência e apreensão de fls. 83/89 (do qual se verifica que o arguido tinha guardada dentro do micro-ondas uma revista pornográfica – tal como afirmou EM____ ).
O facto nº 6 resultou das declarações da menor EM_____ .
O facto nº 7 resultou das declarações da menor EM_____ .
O facto nº 8 resultou das declarações da menor EM_____ .
Os factos nº9 e 10 resultam das declarações da menor EM_____.
O facto nº 11 resultou das declarações da menor EM_____ .
Os factos nº 12, 13 e 14 resultam das declarações da menor EM_____ .
O facto nº 15 resultou das declarações da menor EM_____ .
Quanto elemento subjetivo (factos nº 16, 17, 18 e 19): valorou o Tribunal as regras da normalidade e da experiência comum, conjugadamente com todos os meios de prova produzidos, ficando assim convencido que o arguido, enquanto Homem médio (nenhuma prova foi feita no sentido de que o mesmo não se insere nesta categoria de Homens), sabe perfeitamente que não podia atuar nos termos descritos (praticando atos de natureza sexual em relação a uma menor, e de forma mais grave, porquanto sendo pai da mesma tem especial dever de a proteger) que fazendo-o está a praticar um crime. E sabendo disso o homem médio, disso sabe o arguido. Por conseguinte, se o homem médio decide, sabendo do exposto, atuar como o arguido atuou é porque age pretendendo com as suas atuações satisfazer os seus instintos libidinosos sobre uma criança que sabia ter apenas 7 anos de idade, colocando em causa a autodeterminação sexual da menor. Mais sabia o arguido que ao proferir as expressões que proferiu evitava que este contasse os atos descritos, ciente da idoneidade das palavras que lhe dirigia como forma de a fazer temer pela vida da mãe bem como para lhe condicionar a liberdade de ação, determinação e paz individual.
Acresce que em situações como a dos autos, dizem-nos as regras da experiência comum e da normalidade, que o agente age de forma livre, voluntária e consciente, sendo certo que nenhuma prova se fez no sentido de que o arguido não agiu, nos termos descritos, livre, deliberada e voluntariamente.
Por tudo o exposto e resumidamente, conjugando os factos relacionados de 1 a 17, com a prova que a eles conduziu e as regras da experiência comum e da normalidade, não pode o Tribunal deixar de considerar provados os factos relacionados com o elemento subjetivo do tipo, indicados a 18, 19 e 20.
O facto b) resultou não provado, porquanto não resultou com assertividade da prova produzida. Os factos c) e d) resultaram não provados uma vez que a menor, de forma absolutamente isenta e credível (dizendo que aconteceu quando foi caso disso e dizendo que não aconteceu, quando tal se verificou), explicou que o pai lhe mostrou vídeos com relações sexuais por uma única vez, em casa da avó e na televisão. Nunca viu vídeos pornográficos no telemóvel.
Os factos e) e f) resultaram não provados uma vez que a menor, de forma absolutamente isenta e credível (dizendo que aconteceu quando foi caso disso e dizendo que não aconteceu, quando tal se verificou), afirmou que o pai nunca lhe exibiu o pénis sem roupa e não aconteceu o referido no facto f).
O facto g) resultou não provado, por não ter resultado com assertividade da prova produzida.
O facto h) resultou não provado uma vez que a menor, de forma absolutamente isenta e credível (dizendo que aconteceu quando foi caso disso e dizendo que não aconteceu, quando tal se verificou), afirmou que não encontrou nenhum pénis de plástico debaixo da cama do arguido.
O facto i) resultou não provado uma vez que a menor, de forma absolutamente isenta e credível (dizendo que aconteceu quando foi caso disso e dizendo que não aconteceu, quando tal se verificou), afirmou que a ferida doeu, mas não sangrou.
***

As condições económico-sociais do arguido resultaram do relatório social junto aos autos.
A condenação registada resulta do certificado de registo criminal. 
(…)

B. Determinação da pena

Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.
Conforme ensina o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal II, pág. 229), a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal aplicável ao caso (medida abstrata da pena); na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição do legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida.
Vejamos, em concreto, estas diversas etapas.
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No que concerne ao crime de abuso sexual (artigo 171.º, nº 1, do Código Penal)
O crime de abuso sexual de menor é punido com pena de prisão de um ano a oito anos (artigo 171.º, nº 1, do Código Penal).
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A determinação concreta da pena é feita nos termos equacionados no artigo 71.º, nº1, do Código Penal, ou seja, em função da culpa do agente, que constitui limite inultrapassável (traduzindo-se, assim, num princípio fundamental do Estado de Direito), tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes (Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pág. 198).
Por outro lado, como dispõe o nº 2 do referido preceito, deverão ainda ser consideradas todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
No que diz respeito à culpa, a que se refere o artigo 71.º, nº1 do Código Penal, é esta entendida, no seu sentido comum, como elemento do conceito de crime (quer dizer, como juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado como podia, de acordo com a norma).
Acresce que, como limite que é, a medida da culpa serve para determinar o máximo da pena – que não poderá ser ultrapassado – e não para fornecer, em última análise, a medida da pena. Esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção.
Tendo em conta este princípio, consideremos agora as circunstâncias relevantes em termos de medida da pena concreta.
No caso em apreço, para além dos aspetos já aludidos, importa ponderar os seguintes:
As exigências de prevenção geral são elevadas, atendendo, ao alarme social causado pela prática deste tipo de crimes.
- Atuou com dolo direto (facto desfavorável ao arguido);
- O grau de ilicitude do facto típico: é moderado uma vez que corresponde ao normal modo de cometimento do crime (que, não obstante ser extremamente reprovável, quando comparado com situações igualmente integradoras deste tipo legal de crime, se mostra de ilicitude moderada); - O arguido tem antecedentes criminais
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Nestes termos, por tudo quanto vem exposto, entende este Tribunal como adequada e suficiente a pena de quatro anos de prisão pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 1, do Código Penal (factos 12, 13 e 14).
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No que concerne ao crime de abuso sexual (artigo 171.º, nº 3, do Código Penal)
O crime de abuso sexual de menor é punido com pena de até três anos (artigo 171.º, nº 3, do Código Penal).
Valorando, então, os diferentes fatores de determinação da pena a que se referem as diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71º do Código Penal, no caso em apreço, verifica-se que:
- Atuou com dolo direto (facto desfavorável ao arguido);
- Em termos de ilicitude, entendemos que esta é moderada, uma vez que corresponde ao normal modo e cometimento do crime; - O arguido não tem antecedentes criminais;
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Tudo ponderado, o Tribunal considera adequada uma pena de um ano e seis meses de prisão por cada um dos (três) crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, do Código Penal ((facto nº 6), (facto nº 8 e (factos nº 9 e 10),).
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Do crime de coação (artigo 154.º, nº 1 e artigo 155.º, nº 1, alínea a), do Código Penal)
O crime de coação (artigo 154.º, nº 1 e artigo 155.º, nº 1, alínea a), do Código Penal) é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos.
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No caso em apreço, para além dos aspetos já aludidos, importa ponderar os seguintes:
- Atuou com dolo direto (facto desfavorável ao arguido);
- Em termos de ilicitude, entendemos que esta é mediana, uma vez que corresponde ao normal modo de cometimento do crime, mas é elevada atendendo à concreta idade da vítima;
- O arguido não tem antecedentes criminais;
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Nestes termos, por tudo quanto vem exposto, entende este Tribunal como adequada e suficiente a pena de dois anos de prisão pela prática de um crime de coação agravada, p. e p. pelo artigo 154.º, nº 1 e artigo 155.º, nº 1, alínea a), do Código Penal (facto nº 7).
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3.Cúmulo Jurídico

Determinadas as penas concretamente aplicáveis ao arguido, passemos então à determinação da pena unitária a aplicar ao presente concurso real homogéneo de crimes.
Como resulta do artigo 77.º, nº1, do Código Penal, na determinação da medida concreta da pena unitária a aplicar nos casos de concurso de crimes serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Ora, nos termos do nº 2 do citado normativo, a moldura abstrata da pena unitária oscilará entre um limite mínimo correspondente à mais elevada das penas parcelares a cumular e um limite máximo igual à soma dessas penas, sem que ultrapasse 25 anos de prisão ou 900 dias de multa.
Tendo em atenção o disposto no artigo 77.º, nº 2, do Código Penal, deverá ser construída uma moldura penal com um limite mínimo de quatro anos de prisão e o limite máximo de dez anos e 8 meses, onde o Tribunal deverá ter em conta os factos e a personalidade do agente, ou, como refere Figueiredo Dias, “a gravidade do ilícito global perpetrado”, apontando este autor como critério avaliativo a seguir o da “conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”. Para além de uma “avaliação da personalidade unitária” reconduzível ou não a uma tendência criminosa (“Direito Penal Português”, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 421).
Assim, na formação da pena única, assume importância fundamental a visão de conjunto na ponderação da eventual conexão dos factos entre si e da relação “desse bocado da vida criminosa com a personalidade”: do conjunto dos factos decorrerá a gravidade do ilícito global perpetrado, adquirindo valor decisivo a avaliação relativa à conexão e ao tipo de conexão que entre aqueles se verifique; na avaliação da personalidade relevará a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa (ou mesmo a uma “carreira”) ou tão-só a uma pluriocasionalidade (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-09-2010, processo nº 851/09.0JAPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Numa avaliação conjunta dos factos verifica-se que assume elevada gravidade atendendo ao desrespeito manifestado pela ordem jurídica vigente (na prática quatro crimes de abuso sexual da filha, p. e p. pelo artigo 171.º do Código Penal e um crime de coação agravada, p. e p. pelo artigo 154.º, nº 1 e artigo 155.º, nº 1, alínea a), do Código Penal).
Assim, procedendo-se à efetivação do cúmulo jurídico das penas parcelares, considera-se ajustada a pena unitária de seis anos de prisão.
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2.2.Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso.[1]
É manifesto o raciocínio algo confuso plasmado nas conclusões do recurso quando o recorrente invoca os vícios previstos no artº 410º, nº 2 do Código de Processo Penal. Não obstante tal evidência, e a despropositada extensão e manifesta falta de condensação dessas conclusões, com recurso a uma leitura mais apurada, consegue-se descortinar as questões efetivamente colocadas a este Tribunal.
Assim, no caso em apreço, e do que é possível descortinar, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: A. Vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro na apreciação da prova); B. Dosimetria das penas parcelares e da pena única;
C.–Da suspensão da execução da pena de prisão.
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2.3.Dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova)
O arguido/recorrente argumenta que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado os factos nº 6, 8, 9, 10,11, 12, 13 e 14 porque entende que os mesmos não resultam das declarações prestadas pela menor em sede de audiência de julgamento.
Para fundamentar o invocado transcreve alguns segmentos das declarações prestadas pela menor com referência aos factos em causa, para demonstrar, segundo é o seu entendimento, a insuficiência para dar como provados os factos em causa.

Vejamos:

Estabelece o art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a)- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
(…)
c)- Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àqueles estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.[2]
Existe o vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito, ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas as ilações do tribunal recorrido. A insuficiência da matéria de facto determina a incorreta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respetivas premissas[3]. Dito de outro modo: quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão.[4]
Finalmente, ocorre o vício previsto na alínea c), do nº 2 do art. 410º quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente.[5] Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
Logo o erro notório na apreciação da prova é o “que se verifica quando da leitura, por qualquer pessoa medianamente instruída, do texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, for detectável qualquer situação contrária à lógica ou regras da experiência da vida”.[6]
Desta limitação resulta que fica “desde logo vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe sejam externos”. É que o recurso tem por objeto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida”.[7]
Cotejando o teor do acórdão recorrido existem os invocados vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP?
Pode dizer-se já que o Tribunal a quo teve o cuidado de apreciar com suficiente detalhe a prova produzida e de explicar as razões pelas quais a mesma era credível ou não. Fê-lo com base na análise crítica e ponderada à luz da experiência da razão e da lógica.
Efetivamente, examinada a decisão recorrida na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, constata-se que a mesma se encontra logicamente sistematizada, consignando clara e taxativamente a matéria fáctica dada como provada e a dada como não provada, que foi fixada de acordo com um raciocínio lógico e coerente. 

Mais:

No que concerne especificamente aos pontos 6, 8, 9, 10,11, 12, 13 e 14 dos factos provados, que o recorrente invoca, sufragamos a posição do MP constante na resposta ao recurso. Efetivamente, “as declarações prestadas pela menor EM______  são claras e coerentes e não deixam duvidas de que os factos dados como provados ocorreram nos exatos termos em que o tribunal os deu como provados.
Por outro lado, o depoimento prestado pela testemunha LM______, mãe da menor, corroboram a versão da menor, como se pode ler no douto acórdão “Recorda-se ainda de uma das vezes que telefonou à filha esta lhe ter pedido, a chorar, para a ir buscar. Viu o diário da menor (onde esta desenhara um pénis e escrevera que o pai fizera coisas) e a menor contou-lhe o sucedido. Instou a menor relativamente ao motivo porque é que não contou logo e esta explicou que tinha medo que o arguido lhe fizesse mal (o arguido ameaçara a menor dizendo que matava a mãe se lhe contasse).”
Ora, o que se constata na motivação do recurso é que o recorrente ao invocar que se verifica insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova produzida em audiência, fá-lo tão só porque a apreciação feita pelo tribunal difere daquela que ele próprio formou, não aceitando que o tribunal a quo tivesse efetuado apreciação diversa.
Contudo, é ao tribunal que incumbe apreciar a prova, com plena observância das regras legais e, sendo estas observadas, como é o caso, não tem que ser confrontada a sua convicção, porque diversa daquela a que chegaram os demais intervenientes processuais, no caso o arguido/recorrente.
É, assim, em nosso entender, manifesta a falta de razão do recorrente quando pretende atacar a convicção do tribunal apenas porque difere daquela que ele próprio formou.
E outra não pode ser a conclusão se não a de que o tribunal apreciou corretamente a prova produzida em audiência e fundamentou com clareza e objetividade a sua convicção, esclarecendo porque conferiu credibilidade a determinados meios de prova em detrimento de outros, em observância das regras que norteiam a apreciação da prova, sendo por isso insuscetível de qualquer crítica.
Assim, a decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no artigo 127º do CPP, pelo que aderimos à exaustiva e criteriosa apreciação feita pelo tribunal. 
Neste quadro, constata-se que o acórdão recorrido quando procede ao exame critico da prova produzida - na sua fundamentação de facto e de direito - analisa todos os pressupostos que permitiram tipificar a matéria fáctica apurada com obediência ao art.º 374º, nº 2 do C.P.P., em observância com o princípio da livre apreciação da prova constante do art.º 127. º do CPP.
Não se verificam, pois, os vícios previstos no referido artigo 410º, nº 2 do CPP, improcedendo o recurso nesta parte.
***

2.4.Dosimetria das penas parcelares e da pena única

Argumenta o arguido/recorrente que a decisão recorrida violou o disposto nos artºs 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
Argumenta, ainda, que são circunstâncias que militam a favor do arguido/recorrente ter um único antecedente criminal por crime de condução em estado de embriaguez praticado no ano de 2016 e a sua inserção social/profissional, e, consequentemente, devem repercutir-se no quantum das penas parciais pois permitem fazer um juízo de prognose favorável. Ou seja, por outras palavras, sustenta que a decisão impugnada não teria valorado suficientemente a personalidade do arguido, as suas condições de vida e a conduta anterior ao crime, bem como das circunstâncias deste. 
Vejamos:
Nos termos do art. 71.º do Código Penal, a pena concreta é fixada em função da culpa do agente e das exigências da prevenção.
O art. 40.º do mesmo diploma legal estabelece que as penas visam assegurar a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.
As penas têm uma finalidade essencialmente preventiva, geral e especial, visando satisfazer as exigências comunitárias de repressão do crime, posto que, bem entendido, sem prejuízo dos interesses da reintegração social do delinquente. Mas essas exigências têm um limite, estabelecido pela culpa do agente, que deriva da necessidade de salvaguarda da dignidade da pessoa desse agente do crime.
Assim, considerando estes pressupostos de carácter geral, a pena terá de fixar-se de acordo com os fatores indicados no n.º 2 do citado art. 71.º do CP, os quais são de classificar em três grupos: 
a)-execução do facto — [alíneas a), b) e c): grau de ilicitude do facto, modo de execução do crime, grau de violação das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo, sentimentos manifestados na execução do crime e fins ou motivação do mesmo]; 
b)-personalidade do agente — [alíneas d) e f): condições pessoais do agente e situação económica, falta de preparação para manter conduta licita]; 
c)-conduta anterior ou posterior ao crime — [alínea e)].
Cotejando o teor do acórdão recorrido, já supratranscrito e que para lá remetemos no segmento que nos importa, não descortinamos nenhuma razão que pudesse servir de fundamento para discordarmos da fixação das penas parcelares e respetiva pena única em que o arguido veio a ser condenado, sem desdouro para o esforço argumentativo do arguido por entendimento diferente. 
Ademais, o argumento do arguido/recorrente de que “… na formação da pena única, elabora em erro, no limite máximo fixado (dez anos e 8 meses de prisão), excedendo a soma das penas parcelares concretamente aplicadas.”, não tem fundamento legal.
Cotejando o teor do acórdão no segmento que ora nos importa constata-se que de facto a moldura penal abstrata máxima resultante da soma das penas parcelares perfazem efetivamente o valor numérico de [dez anos e 8 meses de prisão – 4 anos (crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 1, do Código Penal (factos 12, 13 e 14) + (1 ano e seis meses x 3 = 4A8M - um ano e seis meses de prisão por cada um dos (três) crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, do Código Penal ((facto nº 6), (facto nº 8 e (factos nº 9  e 10),) + dois anos de prisão -  um crime de coação agravada, p. e p. pelo artigo 154.º, nº 1 e artigo 155.º, nº 1, alínea a), do Código Penal (facto nº 7) = 10A8M). 
Assim, adere-se às considerações vertidas pelo MP na resposta ao recurso quando expende:
Neste segmento do recurso o recorrente manifesta a sua discordância com a pena que lhe foi aplicada, considerando-a exagerada. Porém sem razão.
A este propósito há que ter em atenção que a determinação da medida da pena é feita dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.
As finalidades das penas residem na tutela dos bens jurídicos e na reinserção do agente na comunidade. Reportando- se as exigências de prevenção constantes no texto legal, à prevenção positiva decorrente do principio politicocriminal da necessidade da pena inscrita no artigo 18°, n°. 2 da Constituição da Republica Portuguesa. A medida da pena "(...) há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto ... a protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida" (cfr. Professor Figueiredo Dias "Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime" - Noticias Editorial, pág. 227).
Em sede de prevenção, para a vertente de prevenção geral, a pena deve contribuir para fortalecer o sentimento de confiança da comunidade nas normas que protegem os valores que pretende ver defendidos e servir de inibição dos seus membros da prática de catos ilícitos.
Do ponto de vista da prevenção especial, a pena tem por fim a integração do agente, devendo causar-lhe só o mal necessário.
Na determinação da medida da pena o tribunal ponderou as exigências de prevenção geral que considerou serem elevadas neste tipo de criminalidade, a ilicitude mediana e o dolo direto.
Consideramos, assim, que o tribunal teve presente que as penas visam a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa, devendo o juiz na operação de determinação da medida da pena conduzir-se por duas ideias fundamentais: a culpa e a prevenção, quer geral quer especial, respeitando o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal e acentuar o papel preponderante das finalidades preventivas e das exigências de ressocialização. Fê-lo criteriosamente e a pena que lhe foi cominada mostra-se, em nosso entender, equilibrada e justa.

Diremos mais:

O tribunal a quo, como resulta de forma clara e bem explanada no douto acórdão recorrido, na determinação das penas parcelares por cada um dos crimes e na pena única, teve em conta as funções de prevenção geral e especial das penas, sem perder de vista a culpa do agente, tendo sido ponderadas as demais agravantes e atenuantes, designadamente o grau de ilicitude dos factos, tendo em atenção a intensidade do dolo direto, reconhecido nos factos, as condições do arguido, pessoais e económicas, encontrando-se o mesmo inserido profissional e socialmente, a negação da generalidade dos factos pertinentes, sem demonstração de arrependimento ou confissão, e a sua idade à data da prática dos factos.
São de salientar as prementes necessidades de prevenção geral no que concerne aos crimes de abuso sexual de incapaz, de abuso sexual de criança e de violência doméstica, atendendo à necessidade de defesa da sociedade perante os ilícitos em causa e à repugnância social por este tipo de ilícitos, com proeminente preocupação social exacerbada pela mediatização de situações similares, dentro e fora do meio familiar.

Ou seja:

Reitera-se que a crítica aduzida pelo arguido/recorrente, quanto ao quantum das penas parcelares fixadas pelo tribunal recorrido, é manifestamente infundada. Isto desde logo porque, por um lado (i) o arguido não confessou os factos não revelando qualquer capacidade de autocensura, nem revelou qualquer arrependimento, o que revela a não interiorização da gravidade e censurabilidade das suas condutas; e, por outro lado, bem ao contrário do que sustenta, (ii) o tribunal não deixou de sopesar, nesta sede, todas as circunstâncias que ora convoca, sendo que o registo de apenas um antecedente criminal tem aqui diminuto significado[8], atento o tipo de crimes, e a sua inserção socio/profissional não o coibiu de satisfazer os seus instintos libidinosos com a adopção de um comportamento desrespeitador dos mais elementares direitos de autodeterminação sexual da ofendida. E convirá não esquecer ainda, como parece querer fazer o arguido/recorrente, o peso concreto, muito significativamente elevado, das circunstâncias, apuradas na decisão, que depõem contra si.
Acresce dizer que sobressai nos factos provados a elevada ilicitude e culpa do arguido. Na verdade, o grau de desrespeito pelos deveres de proteção e até de guarda da menor, como o é igualmente o dolo com que agiu.
Sendo, por outro lado, pouco relevantes as circunstâncias que o arguido/recorrente convoca a seu favor, a verdade é que, como vimos, elas não deixaram de ser devidamente sopesadas pelo Tribunal. O que explica, dentro da moldura abstrata correspondente a cada um dos crimes cometidos, que o tribunal a quo tenha fixado as penas claramente na metade inferior de cada uma das respetivas molduras penais abstratas. Mesmo um único antecedente criminal publicitado não tem, no domínio da criminalidade sexual, o valor relevante que o recorrente lhe pretende atribuir.
Por ultimo, o arguido/recorrente parece olvidar as razões de prevenção geral que foram equacionadas no acórdão recorrido e que, no fundo, são decorrentes do inequívoco sentimento de repulsa da comunidade perante os abusos sexuais praticados dentro do ambiente familiar e/ou equiparado, e, também, da forte incidência da criminalidade de índole sexual com crianças e incapazes na sociedade portuguesa actual e do alarme social que lhe está hoje associado.
Tudo circunstâncias mais que suficientes para justificar as penas parcelares fixadas pelo tribunal a quo. 
No que concerne à pena única de 6 anos de prisão fixada pelo tribunal a quo:
A medida concreta da pena do concurso (quatro anos de prisão a dez anos e 8 meses de prisão - n.º 2 do art. 77.º do Código Penal) é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, a que, agora, acresce a necessidade de apreciação em conjunto dos factos e da personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, segundo segmento, do CP).
Na esteira dos ensinamentos de Figueiredo Dias[9], «tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique».
In casu, o arguido/recorrente foi condenado pelo crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 1, nº 3, alínea b) e artigo 177.º, nº 1, alínea a) do Código Penal, um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, alínea a), e artigo 177.º, nº 1, alínea a) do Código Penal, um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 3, alínea a) e artigo 177.º, nº 1, alínea a) do Código Penal, um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 1 e artigo 177.º, nº 1, alínea a) do Código Penal e um crime de coação agravada, p. e p. pelo artigo 154.º, nº 1 e artigo 155.º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
Neste quadro, há que considerar que o ilícito global revela uma gravidade acentuada, sendo que o comportamento do arguido denota um considerável desvio em relação aos valores fundamentais da vida comunitária e é revelador de uma personalidade perigosa para a ordem jurídica, indiciadora de alguma falta de assimilação dos valores fundamentais da comunidade, especialmente na área dos bens jurídicos de carácter pessoal.
Não pode ignorar-se a ausência de confissão e arrependimento, ou seja, como já afirmado, sem interiorização da gravidade e censurabilidade da sua conduta. O facto de apenas constar um registo criminal de condenação anterior e a sua inserção social/profissional, tal como já deviamente equacionados aquando da apreciação da fixação das penas parcelares, também aqui não se lhe pode dar o peso que o arguido/recorrente lhe pretende atribuir. Ou seja, são circunstâncias que foram devidamente sopesadas a favor do arguido, mas como é usual dizer-se com “conta, peso e medida”.
Neste quadro, tendo em conta que a moldura penal do concurso de crimes tem como limite mínimo quatro anos de prisão (pena parcelar mais elevada) e o
limite máximo de dez anos e 8 meses de prisão (soma de todas as penas parcelares), a pena única fixada 6 anos de prisão revela-se ajustada à gravidade do ilícito global, já devidamente salientada e à personalidade revelada pelo arguido na sua referência à totalidade dos crimes, não se nos afigurando muito elevada em face quer daqueles limites e das exigências de prevenção, quer da medida da culpa, enquanto englobadas naquele totalidade.
Nestes termos, improcede também o recurso nesta parte.
***

2.5. Da suspensão da execução da pena de prisão

O recorrente invoca a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, considerando que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Tendo em consideração que a pena fixada é de 6 anos de prisão, face à falta do requisito formal para a sua eventual aplicação (pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos – cfr. artigo 50º, nº 1 do Código Penal) fica prejudicada a sua apreciação.
Improcede, assim, o recurso.
***

IIIDECISÃO:

Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido JP_____ e
confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
Notifique.
***


Lisboa e Tribunal da Relação, aos 7 de outubro de 2020


Processado e revisto pelo relator (artº 94º, nº 2 do CPP).
 
Alfredo Costa
Vasco Freitas
 
 
[1]Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e
Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995
[2]Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., pg. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pg. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 77 e ss.
[3]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.1998, Proc. nº 98P212, em www.dgsi.pt.
[4]Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 69.
[5]Germano Marques da Silva, ob. cit., pg. 341 e ss. e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.96, Proc. nº 045267, www.dgsi.pt.
[6]Ac. STJ 2/2/2011, sendo Relator o Sr. Cons. Pires da Graça, in www.dgsi.pt.
[7]Cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 339, Acs. STJ de 2/2/2011 e de 23/9/2010 sendo Relatores Maia Costa e Souto Moura, respetivamente, www.dgsi.pt.
[8]decisão proferida em 04.01.2017, o arguido foi condenado pela prática, em 29.05.2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa à razão diária de 5 € e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses
[9]In “Direito Penal Português – As Consequência Jurídicas do
Crime”, pág. 291.