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ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
Sumário
1- No requerimento inicial de alteração à regulação do exercício das responsabilidades o requerente deve alegar, ainda que sucintamente, factos concretos que ilustrem as circunstâncias supervenientes que, em seu entender, justificam essa alteração; 2- Tais circunstâncias supervenientes devem reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas, com reflexo na alteração substancial da causa de pedir. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Apelação nº 653/10.1TMSTB-D.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal
Juízo de Família e Menores de Setúbal – Juiz 3
Apelante: (…)
Apelado: (…) *** Sumário do Acórdão (da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC) (…) *** Acordam os Juízes da 1 ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte: I – RELATÓRIO
(…) veio instaurar, em representação de seu filho (…), nascido em 19/04/2012, contra o pai da criança (…) o presente apenso de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais atinentes ao (…) alegando e requerendo, em suma, o seguinte:
«(…) Por douta sentença datada de 23-03-2017, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto ao menor (…).
Resultou daí a obrigação de o progenitor, a título de pensão de alimentos a favor do filho menor, proceder ao pagamento do valor mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), a transferir para a quanta bancária da requerente até ao dia 8 de cada mês.
Todavia, não foi fixada qualquer comparticipação do requerido nas despesas médicas, medicamentosas e escolares do menor.
Tendo em conta que a progenitora continua a suportar a totalidade de tais despesas, o que apenas consegue com o auxílio económico dos seus familiares próximos, impõe-se fixar a medida da comparticipação do requerido em tais encargos, o que se requer (…)».
A Digna Magistrada do Ministério Público pugnou pelo indeferimento da pretensão da Requerente.
Subsequentemente foi proferida em 13/02/2020 pelo Tribunal a quo a seguinte sentença, que passamos a reproduzir salientando o seu teor em itálico:
“I – Relatório Neste apenso de alteração das responsabilidades parentais, vem a progenitora, (…), alegar e requer o seguinte: «(…) Por douta sentença datada de 23-03-2017, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto ao menor (…). Resultou daí a obrigação de o progenitor, a título de pensão de alimentos a favor do filho menor, proceder ao pagamento do valor mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), a transferir para a quanta bancária da requerente até ao dia 8 de cada mês. Todavia, não foi fixada qualquer comparticipação do requerido nas despesas médicas, medicamentosas e escolares do menor. Tendo em conta que a progenitora continua a suportar a totalidade de tais despesas, o que apenas consegue com o auxílio económico dos seus familiares próximos, impõe-se fixar a medida da comparticipação do requerido em tais encargos, o que se requer (…)». A Digna Magistrada do Ministério Público pugnou pelo indeferimento da pretensão da Requerente. II - Factos 1. Por sentença proferida no apenso B, em 23.03.2017, transitada em julgado, foi fixado o seguinte regime de regulação das responsabilidades parentais, relativamente ao menor (…): «(…)1. O (…) residirá com a mãe. 2. As responsabilidades parentais, mesmo quanto às questões de particular importância para a vida do (…), serão exercidas em exclusivo pela mãe. 3. O pai poderá visitar e contactar com o filho sempre que quiser e se encontre em Portugal, mediante acordo prévio com a mãe e sem prejuízo dos horários de repouso e atividades escolares daquele. 4. O pai pagará uma pensão de alimentos a favor do filho no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros) mensais, por transferência para a conta bancária que a mãe indicar, até ao dia 8 de cada mês (…)». 2. A 03.10.2019, procedeu-se à realização de uma conferência de pais, no âmbito da qual as partes foram notificadas para alegarem o que tivessem por conveniente, quanto ao presente apenso e E e F, tendo-se remetido ao silêncio. III - Direito Tal como determina o artigo 42º, n.º 1, do RGPTC, «Quando o acordo ou a decisão não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um deles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for o territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.» Vejamos, Podemos verificar que no acordo, nada foi estipulado relativamente à comparticipação do progenitor nas despesas médicas, medicamentosas e escolares. Da alegação da Requerente não resulta que existam circunstância novas que justifiquem a alteração do regime fixado, muito menos tal resulta demonstrado. Assim, não havendo acordo, deverá improceder por não provado, o requerido. IV – Decisão Perante o exposto, julgo improcedente por não provada a presente ação. Valor da ação: 30.000,01 euros. Custas pela Requerente. Registe e notifique”.
*
Inconformada com a decisão a Requerente apresentou requerimento de recurso dirigido a este Tribunal da Relação alinhando as seguintes conclusões:
“E- CONCLUSÕES:
1. O menor (…) encontra-se com 8 anos de idade.
2. As necessidades do menor face ao seu sustento e diversas despesas nomeadamente: médicas, medicamentosas e escolares estão comprovadas nos autos.
3. A progenitora continua a suportar todas despesas consideradas complementares ou extraordinárias, designadamente as respeitantes a escola, medicamentos, consultas médicas e tratamentos clínicos.
4. Comprovado está ainda, por força das suas declarações que os seus rendimentos não fazem face às despesas.
5. A requerente declarou que desde 2015, que as despesas com menores aumentaram muito substancialmente.
6. Desde modo devem ser consideradas.
7. O requerido ganha em Inglaterra consideravelmente, podendo este suportar tais despesas.
8. Deste modo, deve entender-se que existir fundamento bastante para a participação do progenitor contribuir com metade das despesas com saúde e educação dos menores.
7. Uma vez que, em relação à outra sentença proferida de 17-01-2011, ao menor (…), foram reguladas as responsabilidades parentais cuja as despesas médicas e medicamentosas e escolares já estão contempladas.
8. Por outro lado, recaindo as responsabilidades parentais sobre ambos os progenitores em condições de plena Igualdade nos termos do art.º 36.º, n.º 2, CRP.
9. O Tribunal “a quo” violou o disposto nos n.º 1 e n.º 2 do art.º 2003.º; 2004.º e 2005.º n.º 1 e n.º 2 ambos do Código Civil e ainda art.º 13.º e 36.º, n.º 2, da Constituição República Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de e com mui douto suprimento de V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores, deverá o presente Recurso ser aceite, considerado procedente por provado e consequentemente a prestação alimentar a cargo do requerido ser mantida no valor de € 150,00 mensais e ainda ser regulada as despesas complementares inerentes à educação e saúde uma vez que as necessidades dos menores foram alteradas, conforme documentos junto aos autos.”
*
O progenitor Apelado (…) não apresentou resposta ao recurso. *
O Ministério Público, por seu turno, respondeu ao recurso nos termos que a seguir se reproduzem:
“O Ministério Público, neste tribunal e no processo supra referenciado, vem apresentar resposta às alegações de recurso apresentadas por (…), o que faz nos seguintes termos:
I. Objeto do recurso
A recorrente (…) requereu que fosse alterado o regime de exercício das responsabilidades parentais, quanto ao filho (…), que tem em comum com (…), solicitando que na regulação das responsabilidades parentais passe a ser fixada a comparticipação do progenitor no pagamento das despesas escolares, médicas e medicamentosas da criança.
Por douta sentença proferida a 13 de fevereiro de 2020, foi julgada improcedente, por não provada, a ação interposta pela requerente, ora recorrente, com a fundamentação que não foram alegadas, nem comprovadas, circunstâncias supervenientes que justificassem a requerida alteração das responsabilidades parentais.
Não se conformando, veio a recorrente colocar em crise a douta sentença impugnada, esgrimindo, em síntese, os seguintes fundamentos:
1. A necessidades do menor (…), de oito anos de idade, e as diversas despesas médicas, medicamentosas e escolares estão comprovadas nos autos;
2. A progenitora continua a suportar todas as despesas complementares ou extraordinárias, designadamente escolares, medicamentosas, consultas médicas e tratamentos clínicos;
3. Comprovado está, por força das suas declarações, que os seus rendimentos não fazem face às despesas;
4. A requerente declarou que, desde 2015, as despesas com os filhos aumentaram muito substancialmente, pelo que devem ser consideradas;
5. O requerido ganha em Inglaterra consideravelmente podendo suportar tais despesas;
6. Deste modo, deve entender-se existir fundamento bastante para o progenitor contribuir com metade das despesas com saúde e educação dos filhos;
7. Com efeito, em relação à outra sentença proferida em 17 de janeiro de 2011, no tocante ao menor (…), as despesas médicas, medicamentosas e escolares já estão comtempladas na regulação das responsabilidades parentais;
8. O tribunal “a quo” violou, assim, o disposto nos artigos 2003º, nºs 1 e 2, 2004º e 2005º, nºs 1 e 2, todos do Código Civil, e ainda o preceituado nos artigos 13º e 36º, nº 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Ora, salvo o devido respeito, é nosso entendimento que falece a razão à recorrente.
Efetivamente, na sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais da criança (…), não foi fixada a comparticipação do progenitor nas despesas escolares e de saúde.
Contudo, para que se possa alterar o regime de exercício das responsabilidades parentais vigente, mostra-se necessário que seja alegada, e comprovada, a existência de circunstâncias supervenientes que tornem indispensável alterar esse regime.
Porém, no caso vertente, a requerente, agora recorrente, não o fez.
De facto, no requerimento inicial, a recorrente limitou-se a alegar que continua a suportar a totalidade das despesas escolares, médicas e medicamentosas do Ivan, razão pela qual entende que importa fixar a medida de comparticipação do requerido de tais encargos, não tendo alegado, nem comprovado, as alteraçõessupervenientes que terão ocorrido na sua situação económica e na situação económica doseu agregado familiar, que tornaram necessária a alteração requerida.
Assim, bem decidiu a Mma. Juíza “a quo” ao julgar improcedente, por não provada, a ação de alteração do exercício das responsabilidades parentais interposta pela recorrente.
Deste modo, a sentença recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos, não padecendo de qualquer nulidade, nem tendo violado qualquer norma legal, designadamente as invocadas pela recorrente.
Porém, Vossas Exas. farão, como sempre, a costumada Justiça.
*
O recurso foi recebido na 1ª Instância como de apelação e com efeito meramente devolutivo. *
O recurso é o próprio, com subida imediata, nos próprios autos, tendo sido admitido adequadamente na primeira instância quanto ao efeito fixado. *
Correram Vistos.
* II - OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que in casu importa reapreciar do mérito da decisão recorrida.
* III – FUNDAMENTOS DE FACTO
Nesta sede haverá que considerar o já acima descrito no segmento atinente ao relatório.
* IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Impõe-se deixar claro desde já no inicio deste segmento do recurso que não obstante a Apelante referir, mormente no início das suas alegações recursivas, que o recurso tem “como objecto a matéria de facto e direito”, certo é que em parte alguma da motivação, ou das conclusões do recurso, é possível extrair do que expõe a intenção de impugnar, dando o devido cumprimento ao disposto no artigo 640º do CPC, a decisão relativa à matéria de facto atinente à sentença recorrida, a qual se estriba, aliás, no alegado pela Apelante na sua petição inicial.
Na realidade, o que se infere da motivação e conclusões recursivas é que a Apelante entende que o Tribunal a quo deveria ter relevado na sentença recorrida factualidade apurada noutros apensos e designadamente a factualidade descriminada na sentença proferida no apenso B, questão que será abordada e decidida infra ao longo da reapreciação de mérito que irá ser feita.
Resulta do artigo 42º do Regulamento Geral do Processo Tutelar Cível (doravante apenas RGPTC), que: “1 – Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”
Perante o teor da norma assinalada conclui-se que é reconhecida aos pais, ou a uma terceira pessoa a quem a criança tenha sido confiada, legitimidade para requerer nova regulação do exercício das responsabilidades parentais, ou alteração dessas responsabilidades, caso se tenha verificado uma das seguintes duas situações:
a) Ambos os pais da criança tenham incumprido nalgum dos seus segmentos, ou em vários, o regime estabelecido por acordo, ou fixado imperativamente por sentença judicial, em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais;
b) Supervenientemente ao estabelecimento do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais a favor da criança revelarem-se circunstâncias de facto que justifiquem a necessidade de alterar o que tiver sido estabelecido nesse regime em qualquer um, ou em vários, dos seus segmentos.
O requerimento inicial de alteração à regulação do exercício das responsabilidades parentais “deve ser sucintamente fundamentado, ou seja, deve o requerente alegar factos concretos do incumprimento de ambos os progenitores ou referentes às circunstâncias supervenientes que, em seu entender, justificam essa alteração” (Tomé d`Almeida Ramião, “Regime Geral do Processo Tutelar Cível anotado e comentado”, Quid Juris, 3ª edição, 2018, pág. 176).
A este propósito, considerando que o artigo 12º do RGPTC reconhece a natureza de jurisdição voluntária, além do mais, ao procedimento tutelar cível da nova regulação, ou alteração, faz sentido aludir às disposições gerais atinentes a tais processos constantes dos artigos 986º a 988º do CPC, mormente, para o que ora releva, ao artigo 988º do CPC.
Ora, dispõe o dito artigo 988º, epigrafado “Valor das Resoluções”, precisamente no seu nº 1, o seguinte:
“1 – Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.”
Diz-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa em anotação ao referido artigo (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, Reimpressão, pág. 438), o seguinte:
“A modificação da decisão anterior implica que o requerente indique a factualidade que sustenta a alteração das circunstâncias, após o que o tribunal efetua uma análise comparativa entre o estado atual das coisas e o que existia aquando da prolação da decisão vigente […]. Os factos alegados devem ser concludentes e inteligíveis. […] As circunstâncias supervenientes hão-de reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas, com reflexo na alteração substancial da causa de pedir, nada tendo a ver com a eventual posterior invocação de uma diversa qualificação atribuída ou com uma diferente interpretação das situações de facto […]”
No âmbito jurisprudencial destacamos, por todos, com interesse sobre esta temática, o acórdão do STJ de 13/09/2016 (proc. 671/12) e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/03/2013 (proc. 6558/05), ambos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt
No caso concreto a Requerente introduziu em Juízo a presente alteração à regulação do exercício das responsabilidades parentais em representação do seu filho (…) peticionando a fixação pelo Tribunal da “medida de comparticipação do requerido nas despesas médicas, medicamentosas e escolares do menor”.
Para o efeito alegou em sede de requerimento/petição inicial o seguinte:
“1º
Por douta sentença datada de 23-03-2017, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto ao menor (…).
2.º
Resultou daí a obrigação de o progenitor, a título de pensão de alimentos a favor do filho menor, proceder ao pagamento do valor mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros) a transferir para a conta bancária da requerente até ao dia 8 de cada mês.
3.º
Todavia, não foi fixada qualquer comparticipação do requerido nas despesas médicas, medicamentosas e escolares do menor.
4.º
Tendo em conta que a progenitora continua a suportar a totalidade de tais despesas, o que apenas consegue com o auxílio económico dos seus familiares próximos, impõe-se fixar a medida da comparticipação do requerido em tais encargos, o que se requer.”
*
Extrai-se sem dificuldade do arrazoado da petição inicial que a pretendida alteração só pode beber a sua razão de ser no pressuposto da superveniência de circunstâncias uma vez que nada decorre da mesma petição que nos leve a considerar a existência de incumprimento por parte dos respectivos progenitores de segmento, ou segmentos, do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais estabelecido no interesse do (…) no apenso B em 28/03/2017 (e não em 23/03/2017 conforme consta, certamente por lapso, quer na sentença recorrida, quer nas alegações de recurso, sendo esta última data a da conclusão então aberta nesses autos e não a da prolação da sentença que fixou o dito regime).
No apontado contexto impunha-se, como tal, face à previsão legal aplicável, que a Apelante tivesse desde logo alegado circunstâncias factuais concretas ocorridas a partir da data de 28/03/2017 (ou mesmo anteriores a tal explicando, porém, que as ignorara até então ou revelando outro motivo atendível e impeditivo de o ter alegado antes, hipótese que, desde já, adiantamos não se colocar de todo no caso concreto), suficientemente ponderosas para justificarem a necessidade de alterar o segmento atinente à parte material do regime de regulação anteriormente fixado a favor do (…), isto é o segmento da pensão alimentícia, de modo a complementar-se a componente fixa de tal pensão com a introdução de uma componente variável de comparticipação do Requerido nas despesas médicas, medicamentosas e escolares da criança.
Dizendo de outro modo e complementando, não bastava alegar quaisquer circunstâncias factuais supervenientes ao estabelecido no regime de regulação fixado por sentença no apenso B, em 28/03/2017, mas sim alegar factos concretos com peso e relevo suficiente para justificarem a necessidade de alterar aquele regime através do aditamento em sede da pensão alimentícia da referida fórmula variável de pensão consubstanciada na mencionada comparticipação de despesas.
Tais factos poderiam passar por descrição concreta quer do montante das despesas de saúde e escolares com o (…) consideradas como provadas na sentença a 28/03/2017, quer das ditas despesas e respectivo montante posteriores a essa data, mormente à data da instauração do presente processo, máxime com consultas médicas, medicamentos, tratamentos médicos, bem como com inscrições e material escolar da criança, a par da descrição dos rendimentos disponíveis da Apelante para fazer face a tal naqueles dois períodos temporais distintos.
Porém, da análise do teor do requerimento inicial não decorre que a Requerente, ora Apelante, tenha fundamentado minimamente através da enunciação de factos concretos, ainda que sucintamente, a pretensão dirigida contra o Requerido.
Na verdade e seguindo o curso das conclusões recursivas da Apelante refere a mesma que a sua pretensão deve ser atendida porque “continua a suportar todas as despesas consideradas complementares ou extraordinárias, designadamente as respeitantes com escola, medicamentos, consultas médicas e tratamentos clínicos” e, bem assim, que “os seus rendimentos não fazem face às despesas”.
Tal foi referido em sede de petição inicial, mormente no seu artigo 4º, em que refere que “continua a suportar a totalidade de tais despesas, o que apenas consegue com o auxílio económico dos seus familiares mais próximos”.
Ora se “continua” a suportar isso significa que se trata de encargo que se vem prolongando no tempo e que já existia à data da prolação da sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais a favor do (…) na data de 28/03/2017, pacificamente transitada em julgado em 17/04/2017.
E na verdade, se consultarmos, (como o fizemos através do processo virtual), a dita sentença proferida no apenso B em 28/03/2017, verificamos que foi considerado como provado na mesma com base em “documentos apresentados pela Requerente, suas declarações e relatório social” o seguinte:
“1. (…) nasceu a 19 de abril de 2012 e é filho da Requerente (…) e do Requerido (…).
2. Quando o (…) nasceu, os pais já estavam separados e o mesmo sempre viveu com a mãe, tendo o pai manifestado pouco interesse pela sua vida.
3. O (…) vive com a mãe e com o irmão (…), nascido a 10 de novembro de 2009, em Setúbal.
4. O Requerido vive e trabalha em Inglaterra, deslocando-se a Portugal cerca de três vezes por ano e contactando com os filhos nessas alturas.
5. O Requerido contribui com € 150,00 mensais a título de pensão de alimentos para cada um dos filhos.
6. A Requerente recebe uma pensão de invalidez, no valor de € 238,28 mensais, as prestações familiares dos filhos, no valor de cerca de € 160,00 mensais, e as pensões de alimentos para os mesmos, pagas pelo Requerido.
7. Paga € 230,00 mensais da prestação da casa, para além das despesas com água, luz e gás.
8. As crianças beneficiam de SASE.
9. A Requerente conta com o suporte económico dos seus pais.
10. O (…) frequenta o ensino pré-escolar do Agrupamento de Escolas (…), em Setúbal.
11. A criança apresenta dislexia da fala, necessitando de apoio ao nível da terapia da fala”.
Do teor dos pontos 9., 10 e 11. resulta à evidência que à data da prolação da sentença que fixou o regime de regulação no interesse do (…), já o mesmo frequentava um equipamento de ensino que previsivelmente geraria alguma despesa ao nível da educação, bem como que a criança necessitava de apoio em terapia da fala, o que certamente também acarretaria alguma despesa ao nível da saúde e que a ora Apelante já contava com o suporte económico dos pais, certamente para fazer face às suas despesas.
Por outras palavras, o que foi alegado de forma simplista no ponto 4 da petição inicial e de novo salientado em sede de recurso, mormente nas conclusões acima reproduzidas, não traduz qualquer circunstância superveniente ao momento do estabelecimento do regime de regulação fixado em 28/03/2017 uma vez que no essencial conhece correspondência nos factos descriminados na sentença proferida naquela data, designadamente nos descritos nos três pontos que acima destacamos.
Nesta sede convêm ainda esclarecer, pois o ponto “B-Factos Provados” da motivação recursiva mormente no seu trecho final é passível de gerar alguma ambiguidade a esse nível, que a sentença proferida em 28/03/2017 decidiu, com base na factualidade considerada provada que acima descriminamos, converter em definitivo o regime provisório anteriormente fixado nos autos.
Note-se que a ora Apelante tendo sido sempre devidamente notificada de tais decisões no dito apenso não logrou apresentar recurso nem do regime provisório, nem da sentença que o converteu em regime definitivo, no âmbito do apenso B, o que poderia ter feito em caso de discordância com o regime delineado e/ou com a matéria de facto considerada como provada que, relembre-se, teve na sua base as declarações da própria Apelante, documentos juntos pela mesma e um relatório social realizado e endereçado aos autos.
O que não pode é querer agora, com base nos factos que foram considerados provados nesse apenso decidido em definitivo cerca de três anos antes, que a pretensão manifestada no presente apenso seja julgada procedente, pois se é verdade que no âmbito da jurisdição voluntária e nomeadamente quando estão em causa alimentos é possível, como já anotamos supra, que a primeira instância altere aspectos anteriormente fixados, sem prejuízo dos efeitos já produzidos (cfr. ainda o artigo 2012º do Código Civil), não é menos verdade que, particularmente no âmbito da alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais de criança, de que ora tratamos, essa alteração tem de se fundamentar nas mencionadas circunstâncias factuais supervenientes ao momento em que foi estabelecido o regime de regulação, que justifiquem a necessidade de modificar o anteriormente estabelecido.
E essas não foram devidamente alegadas como já o referimos.
Nas respectivas conclusões recursivas a Apelante referiu também que desde 2015 que as despesas com os menores aumentaram muito substancialmente.
Ora, para além de não ter feito qualquer menção, nem mesmo em registo conclusivo, a tal aumento de despesas em sede de requerimento inicial, quaisquer factos a alegar sobre essa matéria pela ora Apelante teriam, como acabamos de referir supra, que se centrar e de forma comparativa no período correspondente a 28/03/2017 e na data da instauração em juízo do presente apenso e apenas sobre a pessoa do (…), sem esquecer que as despesas decorrentes dos pontos 10. e 11. dos factos considerados como provados na sentença proferida em 28/03/2017 não conduziram o Tribunal a quo a fixar qualquer comparticipação em despesas escolares e de saúde relativas ao (…), tendo a sentença transitado pacificamente em julgado.
Nas suas conclusões recursivas a ora Apelante defendeu ainda que a comparticipação ora peticionada deve ser atendida na medida em que o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais definido quanto ao seu outro filho, (…), contemplou uma cláusula prevendo a contribuição do ora Apelado em despesas médicas e medicamentosas e escolares dessa criança.
Mas não lhe assiste também nesta sede razão!
Por consulta do respectivo processo virtual, verifica-se que de facto correu termos uma acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais a favor de um irmão germano do (…), de nome (…), nascido em 10 de Novembro de 2009, processo esse com o registo 653/10.1TMSTB, que constitui o processo principal a que os presentes autos e vários outros se encontram apensados, tendo no mesmo sido estabelecido por acordo obtido em conferência de pais realizada no início desses autos e plasmado em acta datada de 17/01/2011, o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais no interesse do (…), o qual foi homologado por sentença proferida nessa mesma data na dita acta, pacificamente transitada em julgado em 16/02/2011, traduzido nas seguintes cláusulas:
“Primeiro
O menor fica confiado à guarda da mãe e a residir com esta.
Segundo
As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho, serão exercidas por ambos os progenitores.
Terceiro
O pai poderá ver o menor sempre que quiser, mediante acordo prévio com a mãe.
Quarto
As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho, serão exercidas por ambos os progenitores.
Quinto
O pai, a título de pensão de alimentos, deverá pagar mensalmente a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros), que depositará por transferência bancária, na conta nº (…), de que é titular a mãe, até ao dia 08 do mês a que disser respeito.
Sexto
O valor da pensão de alimentos a ser concedida ao menor, deverá ser actualizada anualmente de acordo com o índice de inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, para o ano anterior a vigorar a partir de Janeiro do ano seguinte. Sétimo As despesas médicas, medicamentosas e escolares, na parte não comparticipada, deverão ser suportadas por ambos os cônjuges na proporção de 50% cada, mediante a apresentação pela mãe dos respectivos recibos.” *
Tendo o aludido regime sido decidido logo no início da acção e na primeira diligência designada nos autos, por acordo realizado entre os pais da criança, que foi homologado judicialmente por sentença, naturalmente que não foram apurados previamente factos nesses autos tendentes a fundamentar o regime a estabelecer a favor do (…).
Por outro lado, relembre-se, no caso do (…) o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, fixado no interesse da criança cerca de seis anos decorridos sobre a sentença homologatória do regime estabelecido a favor do (…), não assentou em acordo tendo resultado antes de regime imperativamente fixado pelo Tribunal a quo, fundado em factos que resultaram provados com base em meios de prova previamente recolhidos e assinalados na sentença que o estabeleceu.
Como tal carece de fundamento o argumento da Apelante de que apenas por constar do regime estabelecido a favor do (…) uma cláusula de comparticipação em determinadas despesas de saúde e escolares, tal deveria ser acrescentado, como que automaticamente, ao regime estabelecido a favor do (…).
Ademais, não nos esqueçamos que na sentença proferida em 28/03/2017 ficou provado que as duas crianças beneficiavam de SASE, o que pode perfeitamente ter justificado a desnecessidade de estabelecer no regime a favor do (…) uma comparticipação em despesas escolares, sem esquecer que, conforme o alegou a própria Apelante no âmbito deste recurso, o (…) é criança portadora de uma deficiência, medicamente atestada correspondente a 60%, o que previsivelmente demandará despesas a nível de saúde mais elevadas que o irmão, podendo perfeitamente ter justificado a inclusão da cláusula de comparticipação em despesas médicas e medicamentosas no regime acordado a favor do (…) e não a ter justificado no caso do regime fixado no interesse do (…).
Nesta sede, apenas de referir que o facto de a Apelante poder ter informado nos apensos E e F (ambos incidentes de incumprimento, conforme se alcança da análise realizada ao respectivo processo virtual, sendo que apenas o apenso E respeita ao … e já se encontra decidido por sentença proferida em 27/01/2020 devidamente transitada em julgado), sobre falta de pagamento por parte do ora Apelado de “despesas escolares, extracurriculares, médicas e medicamentosas”, tal não permite no que respeita ao (…) considerar devidamente preenchido o requisito da superveniência de circunstâncias factuais reveladoras da necessidade de alterar o regime estabelecido em 28/03/2017 no concernente ao segmento dos alimentos devidos a essa criança.
Para encerrar, cumpre dizer que não se vislumbram na decisão recorrida terem sido aplicadas quaisquer normas geradoras de inconstitucionalidade, designadamente por violação do artigo 13º e/ou 36º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que a própria Apelante tão pouco refere em que se consubstanciariam essas violações, pois não explicita devidamente em que medida as normas aplicadas na decisão recorrida contrariam o princípio constitucional de igualdade.
Destarte, improcedem “in totum” as conclusões recursivas da Apelante sendo de negar provimento ao recurso por si interposto.
* V – DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta 1ª Secção Cível em negar provimento ao presente recurso de apelação interposto por (…) e, em consequência, decidem:
a) Confirmar a sentença recorrida;
b) Condenar em custas a Apelante – artigo 527º, nº 1 e 2, do CPC.
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DN *
Évora, 24/09/2020
(José António Moita – relator: Assinatura electrónica certificada no canto superior esquerdo da primeira folha do acórdão).
(Silva Rato – 1º Adjunto: Votou o acórdão em conformidade por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15º-A do Dec.-Lei nº 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3º do Dec.-Lei nº 20/2020, de 01/05).
(Mata Ribeiro – 2º Adjunto: Votou o acórdão em conformidade por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15º-A do Dec.-Lei nº 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3º do Dec.-Lei nº 20/2020, de 01/05).