HABITAÇÃO PERIÓDICA
NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL
FRAUDE À LEI
Sumário

- O negócio em fraude à lei constitui uma situação de ilicitude indireta, em que, perante uma proibição legal, as partes procuram obviar esse obstáculo, celebrando um negócio que permita alcançar, por via indireta, o resultado proibido;
- Decisivo para afirmar a ilicitude e consequente nulidade do negócio em fraude à lei é o resultado com ela obtido e não a intenção das partes.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Ré: (…) Golf & Country Club
Recorridos / Autores: (…) e (…)

Trata-se de uma ação declarativa de condenação através da qual os AA pretendem anular os contratos celebrados com a R nos termos do art. 48.º do Regime Jurídico da Habitação Periódica, condenando-se a R a restituir-lhes as quantias que respeitam ao período de não utilização, ou seja, desde a anulação até dezembro de 2030 ou subsidiariamente, que sejam excluídas as cláusulas contratuais gerais nos termos do art. 8.º a) e 8.º d) do CCG e, em consequência, os contratos declarados nulos nos termos do art. 9.º, n.º 2, das CCG e a ré condenada a restituir-lhes as quantias que respeitam ao período de não utilização, ou seja, desde a declaração de nulidade até dezembro de 2030, data em que terminariam os contratos, ou subsidiariamente, seja a cláusula 28.º das “Normas do Clube e as Condições de Uso” declarada nula nos termos dos art. 12.º, 15.º e 22.º n.º 1 c) das CCG e, em consequência, os contratos declarados nulos nos termos do art. 13.º n.º 1 das CCG e o R. condenado a restituir-lhes as quantias que respeitam ao período de não utilização, ou seja, desde a declaração de nulidade dos contratos até dezembro de 2030, data em que terminariam os contratos.
Pretendem ainda os AA alcançar a declaração de nulidade dos contratos celebrados com a R a com base no regime estatuído nos arts. 280.º e 294.º do CC. Alegam, para tanto, que a adesão à associação Ré, mediante o pagamento da totalidade da taxa de adesão como contrapartida do direito a alojamento numa golf suite durante um período de trinta anos, é feita na convicção de estar a adquirir-se o direito a time-sharing, atividade a que a R efetivamente se dedica, conforme publicita no seu sítio eletrónico. A R procedeu à venda dos direitos de habitação periódica furtando-se às especificidades das obrigações legais vigentes nessa matéria.
Foi proferida sentença julgando a ação procedente, decidindo:
«a) Declarar a nulidade do contrato que vincula os autores, (…) e mulher (…), e a ré (…) Golf & Country Club por via da nulidade:
i. da cl. 25.ª e sua concretização que consistiu na diminuição de alojamentos alocados ao sistema de “membership” e
ii. da cláusula 24.º das Regras e Condições de Utilização do Clube (na redação em vigor em março de 2000), na parte em que permite que a ré determine, em cada ano, unilateralmente qual a taxa anual de manutenção devida pelos autores, exceção feita à atualização por via da inflação;

b) Condenar a ré a pagar aos autores a quantia de € 45.629,50 (quarenta e cinco mil seiscentos e vinte e nove euros e cinquenta cêntimos), correspondente à quantia paga referente à utilização do alojamento e afins de que os autores não usufruirão, quantia acrescida de juros legais desde a notificação da sentença até integral e efetivo pagamento.»

Inconformada, a R apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da sentença recorrida, a substituir por outra que julgue a presente ação totalmente improcedente, absolvendo a Recorrente dos pedidos formulados.

Foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação julgando-se procedente o recurso, decidindo conforme segue:
- pela alteração dos n.ºs 36 e 38 dos factos provados nos moldes supra enunciados;
- pela revogação da decisão recorrida, absolvendo-se a Recorrente dos pedidos declaração de nulidade do contrato à luz da LCCG e consequente restituição monetária;
- pela anulação da decisão recorrida determinando-se a instrução sobre a matéria de facto invocada pelas partes na sequência da ampliação deduzida na réplica, seguindo-se a prolação de decisão que contemple o conhecimento das pertinentes questões.
Acórdão cujo teor foi mantido, em sede de recurso, pelo STJ.

II – O Objeto do Recurso

No seguimento do determinado, foi proferida sentença julgando a ação procedente, decidindo:
«a) Declarar a nulidade do contrato que vincula os autores, (...) e mulher (…), e a ré (…) Golf & Country Club por via da nulidade:
i. da cl. 25.ª e sua concretização que consistiu na diminuição de alojamentos alocados ao sistema de “membership” e
ii. da cláusula 24.ª das Regras e Condições de Utilização do Clube (na redação em vigor em março de 2000), na parte em que permite que a ré determine, em cada ano, unilateralmente qual a taxa anual de manutenção devida pelos autores, exceção feita à atualização por via da inflação;

b) Condenar a ré a pagar aos autores a quantia de € 30.419,67 (trinta mil, quatrocentos e dezanove euros e sessenta e sete cêntimos) correspondente à quantia paga referente à utilização do alojamento e afins de que os autores não usufruirão, quantia acrescida de juros legais desde a notificação da sentença até integral e efetivo pagamento.»

Inconformada, a R apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da sentença recorrida, a substituir por outra que julgue a presente ação totalmente improcedente, absolvendo a Recorrente dos pedidos formulados. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«A. As decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Évora e o Supremo Tribuna de Justiça, respetivamente, de 28.06.2017 e 13.11.2018, revogaram a decisão do tribunal de primeira instância que declarava o contrato celebrado entre a Recorrente e os Recorridos como nulo, pela aplicação do Regime Jurídico de Habitação Periódica (RJHP) e Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (RCCG).
B. Tendo ambos tais tribunais Superiores considerado que tais dois regimes não tinham qualquer aplicação ao caso concreto dos presentes autos, em que a Recorrente promove e vende uma adesão a um clube de Golfe (cfr. Capítulo I, artigos 10 a 15, páginas 2 a 4 das presentes Alegações).
C. Contudo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça) considerou que a questão da declaração de nulidade da relação contratual entre Recorrente e Recorridos, ao abrigo dos artigos 280.º e 294.º do Código Civil, não tinha sido objeto de pronuncia por parte do tribunal de 1.ª instância, nem de instrução (cfr. Capítulo I, artigos 16 e 17, página 4 das presentes Alegações).
D. Tendo o processo baixado à 1ª instância para tal ponto ser decidido, o Tribunal a quo decidiu pela declaração de nulidade do negócio por via do instituto da fraude à lei, porém, utilizando ipsis verbis a mesma sentença que já tinha proferido em 2016, apenas alterando pequenos pontos para a “adaptar” às referências de fraude à lei, sem sequer ter analisado tal regime legal (cfr. Capítulos I e II, artigos 18 e 19, páginas 4 e 5 das presentes Alegações).
E. Por padecer a Sentença de nulidades e dela constar matéria de facto introduzida pelo Tribunal a quo e matéria de Direito erradamente valoradas, a Recorrente apresenta o presente recurso de apelação, quer invocado variadas nulidades (Capítulo IV das presentes alegações), quer recorrendo da matéria de facto considerada provada (Capítulo V das presentes alegações), quer recorrendo da interpretação jurídica e aplicação do regime de fraude à lei (Capítulo VI) – (cfr. Capítulo II, artigos 20 a 32, páginas 5 a 7 das presentes Alegações).
NULIDADES DA SENTENÇA:
F. Relativamente à primeira nulidade invocada, por errada indicação da matéria dada como provada, veja-se que o Tribunal a quo redigiu os artigos 36 e 38 da matéria dada como provada com a sua redação inicial, que resultava da sentença proferida a 20.04.2016, desrespeitando assim a decisão proferida pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 26.06.2017, que determinou a alteração à redação dos aludidos artigos (cfr. Capítulos III e IV - A, artigos 34 a 40, páginas 7 a 16 das Alegações).
G. Tal é uma clara violação do caso julgado com força obrigatória da matéria dada como provada, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, pelo que a sentença padece de nulidade, nos termos do artigo 619.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3, a contrario, do CPC, que se invoca e requer que seja apreciada por V. Exas. (cfr. Capítulo IV - A, artigos 41 a 47, páginas 16 e 17 das Alegações).
H. Além disso, e quanto à segunda nulidade invocada, padece a sentença proferida de nulidade, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, tendo em conta que a fundamentação dada à decisão está em total oposição com a decisão, pois o tribunal a quo fundamentou a aplicação do instituto da fraude à lei com base nos factos e argumentação que tinha já utilizado para justificar a aplicação do RJHP e RCCG.
I. Sendo que os factos e fundamentos de Direito que sustentam a alegada aplicação do instituo da fraude à lei são no fundo os mesmos argumentos e fundamentação usados para considerar os contratos nulos pela aplicação do RJDH e RCCG, o que extravasa o objeto que estava delimitado à análise do Tribunal a quo e está em absoluta oposição com o conteúdo das decisões proferidas pelos tribunais superiores (cfr. Capítulo IV - B, artigos 48 a 50, página 17 das presentes Alegações).
J. Em boa verdade, o Tribunal a quo trilha a sua análise e convicção mediante um juízo crítico sobre os factos e fundamentação que já foram decididos pelos tribunais superiores como não aplicáveis, e que têm força obrigatória e estão fora do seu alcance de decisão, e que para além do mais nem sequer levariam à nulidade do negócio por via da aplicação do instituto de fraude à lei, como é o caso do (i) objeto físico ou legalmente impossível; (ii) contrário à lei; (iii) indeterminável; (iv) contrário à ordem pública; (v) ofensivo dos bons costumes; ou (vi) contra disposição legal de caráter imperativo (cfr. Capítulo IV - B, artigo 50, páginas 17 das presentes Alegações).
K. Não obstante tais fundamentos invocados pelo Tribunal a quo serem respeitantes ao RJHP e RCCG, nem sequer fazendo sentido ser analisados para a aplicação de “fraude à lei”, por cautela de patrocínio a Recorrente analisa tais argumentos no sentido de explicar que os mesmos não podem constituir fundamento legal para a nulidade dos contratos (cfr. Capítulo IV – B, artigo 51, páginas 17 e 18 das presentes Alegações).
Em concreto:
L. Invoca o Tribunal a quo que “a ré não informou os autores de qualquer faculdade de resolver o contrato em 14 dias.”, quando tal facto não resulta provado dos autos, resultando antes provado do facto 17 da matéria dada como provada que não existia “a menção de que o adquirente tem o direito de resolver o contrato, sem indicação do motivo, no prazo de 10 dias úteis (alínea P) da factualidade assente)”, além disso, uma vez mais se diga que o regime das cláusulas contratuais gerais não se aplica ao presente contrato e mesmo que esta informação não tivesse existido, tal não implicaria a nulidade dos contratos com base no regime da fraude à lei (cfr. Capítulo IV – B (i), artigos 52 a 54, página 18 das presentes Alegações).
M. Afirma o Tribunal a quo que “formalmente a ré é uma associação sem fins lucrativos dependente do que a “UIP” decida entregar-lhe para 34 disponibilizar pelos ‘sócios’, quando tal não corresponde à verdade e não foi efetuada qualquer prova em relação a tal ponto; mas ainda que fosse verdade, tal não implicaria a nulidade dos contratos por via do regime de fraude à lei (cfr. Capítulo IV – B (i), artigo 56, página 18 das presentes Alegações).
N. Aliás, como resulta da alínea g) da factualidade assente a Recorrente e a UIP são entidades distintas, sendo a United … (Portugal) “é a titular e promotora do empreendimento turístico Resort (…), conhecido como (…), que inclui um hotel de cinco estrelas, (…) Hotel e Resort (…), Aldeia Turística de Luxo (…), um Club House e várias lojas, um campo de golfe de nove buracos, uma academia de golfe e outros complexos de lazer”, não existindo qualquer base probatória carreada para os autos que pudesse fazer crer ou que fundamente a indicação da Recorrente seria uma “extensão” ou “prolongamento” da United … (Portugal). Até porque (cfr. Capítulo IV – B (ii), artigos 57 a 59, página 18 das presentes Alegações).
O. A Recorrente é uma associação sem fins lucrativos, com fins relacionados com a prática desportiva e do golfe, criada mediante escritura pública outorgada a 11.07.1997 (cfr. Facto provado n.º 1) e não é pelo facto de a United … (Portugal) ser uma sócia efetiva da Recorrente que se poderá afirmar – mais uma vez se diga, sem qualquer base probatória – que é um “prolongamento” seu (cfr. Capítulo IV – B (ii), artigos 60 a 62, página 19 das presentes Alegações).
P. Afirma ainda o Tribunal a quo que a Recorrente não cumpriu com a obrigação de comunicação prévia das cláusulas que compõem o contrato de adesão, mas apenas posteriormente. Ora, como já resulta dos autos, foi decidida a não aplicação do RCCG ao contrato celebrado, por se tratar de a Recorrente ser uma associação e não existir uma relação entre entidade comercial e um consumidor., mas ainda que assim não fosse, igualmente este fundamento nunca poderia dar origem à nulidade do negócio com base no instituto da fraude à lei (cfr. Capítulo IV – B (iii), artigos 63 a 64, página 18 das presentes Alegações).
Q. Além disso, sempre se diga que o facto de os Recorridos conhecerem as regras desde o ano de 2000 e apenas terem intentado uma ação judicial em 2010, levaria a que mais de 10 anos tivessem decorrido, onde tomaram conhecimento de todas as condições e cláusulas de regência do Clube (cfr. Capítulo IV – B (iii), artigos 66 e 67, página 20 das presentes Alegações).
R. Além de que, tratando-se de um contrato de adesão, nem faria sentido, pela ratio daquele tipo de contrato, a existência de “negociação” entre a Recorrente e os Recorridos (ou quaisquer outros membros que quisessem aderir ao Club de Golf) – (cfr. Capítulo IV – B (iii), artigo 68, página 20 das presentes Alegações).
S. O Tribunal a quo determinou ainda que o aumento do valor correspondente à taxa anual paga pelos Recorridos é superior à taxa de inflação e que apenas é justificada com motivos genéricos e não imprevistos, sendo atentatório dos direitos dos Recorridos (cfr. Capítulo IV – B (iv), artigos 69 a 71, páginas 20 e 21 das presentes Alegações).
T. Ora, sem prejuízo de tal não implicar a nulidade dos contratos com base no regime da fraude à lei, a verdade é que o valor da quota anual tem vindo efetivamente a aumentar dentro de um padrão normal, tendo em conta a inflação e o aumento dos custos de manutenção – e não todos os anos –, tal como resulta da prova testemunhal produzida, em particular o depoimento da testemunha … (cfr. Capítulo IV – B (iv), artigos 70 a 73, páginas 21 e 22 das presentes Alegações).
U. Pelo exposto, verifica-se que os fundamentos invocados pelo tribunal não correspondem à verdade e principalmente, não levam a que os contratos entre a Recorrente e os Autores se possam considerar como nulos, por via de fraude à lei, estando a fundamentação dada em total contradição com a decisão proferida, o que desde já se requer que seja apreciado por V. Exas.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
V. No que concerne à impugnação da matéria de facto e da reapreciação da prova gravada, a Recorrente impugna a valoração dada pelo Tribunal a quo relativamente aos factos aditados à matéria de facto provada, e constantes dos artigos 43, 44, 49, 50, 52 e 53 da matéria dada como provada, nos termos do artigo 640.º, nº 1, do CPC (cfr. Capítulo V, arts. 77 e 78, página 23 das presentes Alegações).
W. A impugnação em apreço tem como causa a total inexistência fundamentação do tribunal para considerar tais factos como provados – ou seja, o Tribunal a quo limitou-se a retirar factos da réplica dos Autores e considerar os mesmos como provados, sem sequer se ter dignado a explicar porque é que aditou os mesmos à decisão sobre a matéria de facto ou qual a sua convicção para ter considerado tais factos por provados, pelo que os mesmos nunca poderiam ter sido incluídos na sentença.
X. A acrescer, verifica-se que tais factos foram devidamente impugnados pela Recorrente na tréplica (apresentada a 04.10.2010, com ref.ª Citius 5435644), e não existiu qualquer suporte probatório para que fossem considerados provados, sendo que a prova produzia nos autos foi exatamente a oposta, devendo antes ter sido qualificados como matéria não provada (cfr. Capítulo V, artigos 79 a 87, páginas 23 a 25 das presentes Alegações).
Y. Em concreto, e relativamente aos factos provados 43 e 44 da matéria dada como provada, é manifesta e escandalosamente falso que a Recorrente tenha criado junto dos seus membros a convicção de que estes adquiriram um time sharing, tendo as testemunhas da Recorrente clarificado tal questão nas sessões de audiência final de 20.11.2015 e 26.11.2015, como se vê pelo depoimento das testemunhas …, … e … (cfr. Capítulo V, artigos 88 a 93, página 25 a 28 das presentes Alegações).
Z. Além disso, a prova testemunhal produzida vai no sentido de que o que era promovido pela Recorrente era o “membership” num clube de golfe, com variadíssimas vantagens (que incluía, obviamente, também a vantagem de dispor de uma semana de alojamento enquanto viessem jogar golfe) sendo sempre uma das preocupações distinguir o memberhsip de outros produtos também ao dispor dos clientes dentro do Resort … (tal como a possibilidades de aquisição de produtos imobiliários), fazendo a Recorrente total distinção da aquisição de uma adesão a um clube de Golfe, da aquisição de um time sharing ou de uma propriedade, produtos de que o Resort … também dispõe– para o efeito veja-se o depoimento da testemunha (…).
AA. Os Recorridos tinham perfeito conhecimento de que estavam a inscrever-se num Clube de Golfe, ou seja, numa associação, tendo adquirido o título de membros, sendo tal informação, para além de prestada verbalmente como supramencionado, a qualidade de membro do clube constava dos documentos que lhes foram entregues e sobre os quais colocaram a sua assinatura, e dos quais usufruíram durante anos a fio (cfr. Capítulo V, artigos 94 a 98, págs. 28 a 30 das presentes Alegações).
BB. Aliás, bem sabem os Recorridos que, por serem membro da Recorrente, beneficiam de inúmeros benefícios e condições, e não apenas o benefício de procederem à utilização de uma semana de alojamento por ano (cfr. Capítulo V, artigos 99 a 108, páginas 30 a 32 das presentes Alegações).
CC. Assim, e ao contrário do que pretendem os Recorridos ver como provado, o produto que é objeto do contrato de adesão é integrar um Clube Privado que é reconhecido pela Federação Portuguesa de Golfe, ao qual estão associadas variadas vantagens que não apenas a possibilidade de usufruir das suítes de golfe (cfr. Capítulo V, artigo 109, página 32 das presentes Alegações).
DD. Atenta a prova carreada para os autos, os factos constantes dos artigos da 43 e 44 da matéria dada como provada, deveriam ter sido considerados como matéria não provada, o que desde já se requer (cfr. Capítulo V (i), artigo 115, página 31 das presentes Alegações).
EE. No que concerne ao ponto 49 da matéria dada como provada, veja-se que, ao contrário da redação dada pelo Tribunal a quo àquele artigo, outros elementos constam do anexo à ficha de inscrição, e cuja redação deve constar do facto provado no artigo 49 (cfr. Capítulo V (ii), artigo 116, página 33 das presentes Alegações).
FF. Por referência àquele documento, deveria ter o Tribunal a quo ter feito a indicação de todos os elementos que constam do anexo à ficha de inscrição e não apenas selecionar alguns (cfr. Capítulo V (ii), artigo 117, páginas 32 e 33 das presentes Alegações).
GG. Assim, deverá o Facto provado constante do artigo 49 ser alterado, passando a ter a redação seguinte: “sob o título ‘Anexo à ficha de inscrição’, faz-se um resumo da categoria membro, tipo de golfe suite, número noites, taxa adesão, data inicio, data 1.º ocupação, termo adesão, outras condições e benefícios e membros de família adicionais a quem deverão ser entregues cartões de membros, usando o mesmo número de adesão e a serem utilizados durante o período de ocupação” (cfr. Capítulo V (ii), artigo 118, página 33 das presentes Alegações).
HH. O ponto 50 igualmente não pode ser dado por provado, pois não corresponde à verdade, dado que a Taxa de Adesão Total devida, constante do documento n.º 8, junto com a Réplica, determina o valor total de esc. 18.295.726,00 como sendo o montante devido para que os membros do Club possam usufruir de todas e quaisquer vantagens que o mesmo oferece e não de um alegado direito de prestação periódica, nem de “direito a férias” em exclusivo (cfr. Capítulo V (iii), artigos 119 e 120, página 34 das presentes Alegações).
II. No que concerne à redação do ponto 53 o mesmo igualmente não poderia ser dado por provado, dado que o valor que é pago a título de taxa depende única a exclusivamente da qualidade de membro por si só, e está associado ao usufruto das regalias e condições que são consequência daquela qualidade, na sua globalidade (cfr. Capítulo V (iii), artigos 125 e 126, página 35 das presentes Alegações).
JJ. Além disso, a distinção entre Ouro e Prata reporta-se ao tipo e condições do membership que poderá ser adquirido pelos membros da Recorrente45, para utilizarem os inúmeros benefícios associados à qualidade de Membro no âmbito do contrato de “memberhsip” (cfr. Capítulo V (iii), artigo 127, página 35 das presentes Alegações).
KK. No que concerne à redação do ponto 52, o mesmo não poderia ser dado por provado, tendo em conta o conteúdo da cláusula 16.2 daquele documento que determina que “após um acordo mútuo e estudo de mercado, os Membros poderão transferir o seu direito de ocupação anual, o UIP ou o seu agente de gestão envidarão esforços para alugar o direito de ocupação a outros clientes. Se o direito de ocupação de um Membro é aceite e foi alugado pela UIP ou o (…), a UIP, o Clube e o membro acordarão uma percentagem, de pagamento a ser auferida pelo membro” (cfr. Capítulo V (iv), artigos 129 e 130, páginas 35 e 36 das Alegações).
RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO - ERRADA APLICAÇÃO DO INSTITUTO DE FRAUDE À LEI
LL. A Recorrente não pode se pode conformar com a motivação de Direito apresentada pelo Tribunal a quo, cujo objeto da sentença estava limitado à análise do regime da fraude à 45 cfr. Cláusula 12.ª das “Regras e Condições de Utilização do Clube”, junto como Documento n.º 1 (Fls.16), junto a 13.09.2010, com ref.ª Citius 5269193 lei, por aplicação dos artigos 280.º e 294.º do Código Civil, estando vedada a (re)análise do RCCG e RJHP, atento o conteúdo dos Acórdãos proferidos pelos tribunais superiores cujas decisões transitaram em julgado e têm força obrigatória, que consideraram que nem o regime das Cláusulas Contratuais Gerais era aplicável, e muito menos o regime dos direitos reais de habitação periódica (cfr. Capítulo VI, arts. 135 a 137, págs. 36 e 37 das presentes Alegações).
MM. Porém, o Tribunal a quo não analisou sequer os factos por referência ao instituto da fraude à lei, não tendo sequer analisado o regime correspondente, ou feito sequer uma referência (ainda que genérica) aos normativos que estariam em causa (cfr. Capítulo VI, artigos 138 e 139, página 38 das presentes Alegações).
NN. Ainda assim, a Recorrente demonstrou de forma cabal que – não obstante a falta de pronuncia e subsunção dos factos à matéria de Direito que deveria ter sido levado a cabo pelo Tribunal a quo – a conduta adotada ao longo da relação pré-contratual e contratual não se pode subsumir no regime da fraude à lei, nos termos dos artigos 280.º e 294.º do Código Civil (cfr. Capítulo VI, artigos 140 a 143, páginas 38 e 39 das presentes Alegações).
OO. Nenhuma das situações previstas naquelas disposições legais se aplica ao caso sub judice, dado que tais normativos preveem a nulidade do negócio jurídico por variados fundamentos, nenhum dos quais se aplica ao caso concreto (o presente negócio não é física, nem legalmente impossível nem contrário à lei, não é indeterminável; e igualmente não é contrário à ordem publica nem ofensivo dos bons costumes) – (cfr. Capítulo VI, artigo 144, página 39 das presentes Alegações).
PP. Além de se verificar que o presente negócio jurídico não foi celebrado contra disposição legal de caráter imperativo, dado que o mesmo não se poderia enquadrar em nenhum regime imperativo de direitos reais de habitação periódica, como já decidido pelos tribunais superiores, não podendo as Partes aplicar tal regime, mesmo que o pretendessem (cfr. Capítulo VI, artigo 145, página 39 das presentes Alegações).
QQ. Para que se considerasse pela existência de um negócio celebrado de modo fraudulento, com fraude à lei, o mesmo deveria ser considerado subsumível num dos requisitos previstos naqueles preceitos legais – o que não sucede (e nem sequer tal foi analisado pelo tribunal) – (cfr. Capítulo VI, artigos 146 a 148, página 39 das presentes Alegações).
RR. De facto, o Tribunal a quo nem analisou os requisitos objetivos e subjetivos da aplicação de tal instituto, de modo a saber se estariam preenchidos ao abrigo do que vem sendo classificado pela doutrina e jurisprudência como fraude à lei (cfr. Capítulo VI, artigos 149 a 151, páginas 39 e 40 das presentes Alegações).
SS. Veja-se que para que seja admissível a existência de fraude à lei, é necessário que se cumpram cumulativamente: (i) o elemento objetivo, que se consubstancia na utilização de uma regra jurídica com a finalidade de assegurar o resultado que a norma defraudada não permite; e (ii) o elemento subjetivo que é um elemento psicológico e resume-se à mera intencionalidade que as partes demonstravam – a intenção fraudatória (cfr. Capítulo VI, artigo 156, páginas 40 e 41 das presentes Alegações).
TT. Do que resulta dos presentes autos, não existe qualquer facto dado como provado ou convicção de Direito, com fundamentação justificada e suporte probatório que determine que a Recorrente tenha demonstrado qualquer intuito de engano e criação de convicção juntos dos Recorridos de que estariam a adquirir um direito de habitação, não só porque nunca foi essa a intenção da Recorrente, nem tão-pouco será possível criar a convicção em alguém de algo que não pode ser aplicado ao caso concreto (cfr. Capítulo VI, artigo 157 a 159, página 41 das presentes Alegações).
UU. Pelo que a intenção da Recorrente nunca foi defraudar a lei e nem tal ficou provado ou demonstrado nos presentes autos (cfr. Capítulo VI, artigo 166, página 42 das presentes Alegações).
VV. Assim, o elemento subjetivo adjacente à fraude à lei não está cumprido, visto que a Recorrente – em momento algum – teve qualquer intenção de enganar os Recorridos, e em particular no que respeita à criação de qualquer convicção no seu íntimo que os fizesse acreditar que estavam perante a existência de um direito de habitação periódica (cfr. Capítulo VI, artigo 167, página 42 das presentes Alegações).
WW. Até porque, os Recorridos tinham perfeito conhecimento de que estavam a inscrever-se num Clube de Golfe, ou seja, numa associação, tendo adquirido o título de membros e usufruíram das vantagens e benefícios associados àquele estatuto, por mais de 15 anos, 5 dos quais depois da instauração dos presentes autos – algo que ficou provado atenta a documentação carreada para os autos e a prova testemunhal produzida (cfr. Capítulo VI, artigos 168 a 170, páginas 42 e 43 das presentes Alegações).
XX. Na fase pré-negocial, a Recorrente informou os Recorridos das regalias associadas à qualidade de associado da Recorrente, em particular, da possibilidade de utilizarem uma semana de férias por ano, com direito a estadia, mas também a todas as regalias associadas à sua qualidade de membros, tal como a utilização de todas as facilidades associadas ao golfe, a descontos em produtos e serviços, e às instalações do Clube (cfr. Capítulo VI, artigo 171, página 43 das presentes Alegações).
YY. A decisão de contratar foi tomada de forma consciente pelos Recorridos, sendo irrelevante analisar as razões pelas quais pretendiam aderir a tal Clube de golfe, até porque ainda que os Recorridos tenham apenas tomado a decisão de contratar com base na possibilidade de usufruir de uma semana de alojamento por ano, esta foi uma decisão pessoal dos Recorridos e não pode ser considerado como fraude à lei até porque não tem a Recorrente qualquer obrigação de conhecer as razões pelas quais os Recorridos tomaram a decisão de aderir à Recorrente (cfr. Capítulo VI, artigo 172 e 173, página 43 das presentes Alegações).
ZZ. Além disso, também o elemento objetivo do instituto da fraude à lei também não se verifica, uma vez que para se verificar existência de fraude à lei, é necessário que se utilize uma regra jurídica com a finalidade de assegurar o resultado que a norma defraudada não permite (cfr. Capítulo VI, artigo 175 e 176, página 43 das presentes Alegações).
AAA. Ora, no caso sub judice, a Recorrente é uma associação sem fins lucrativos, com fins relacionados com a prática desportiva e do golfe e para que se seja possível a adesão à Recorrente é necessário o preenchimento de uma proposta de candidatura, denominado “Membership Apllication Form” (cfr. Capítulo VI, artigos 177 e 178, páginas 43 e 44 das presentes Alegações).
BBB. É Tratando-se da adesão a um Clube filiado na Federação Portuguesa de Golfe, o seu objeto estatutário não é facultar unidades de alojamento a membros, sendo esse apenas um aspeto lateral da sua atividade, que está subordinada à promoção do jogo do Golfe (cfr. Capítulo VI, artigos 179 a 180, página 44 das presentes Alegações).
CCC. E foi isso que também sucedeu com os Recorridos, que não usufruíam apenas do alojamento, mas de todas as outras facilidades concedidas pelo Clube da Ré Recorrente (cfr. Capítulo VI, artigo 181, página 44 das presentes Alegações).
DDD. Como tal, a valoração levada a cabo pelo Tribunal a quo, para além de não ter qualquer base factual no que concerne ao cumprimento dos elementos subjetivo e objetivo da fraude à lei, para que seja admissível a aplicação do instituto da fraude à lei, por via dos artigos 280.º e 294.º do Código Civil, viola, ainda, o Tribunal a quo as decisões proferidas pelos tribunais superiores, tal como já referido acima (cfr. Capítulo VI, artigo 186, página 45 das presentes Alegações).»
Em sede de contra-alegações, os Recorridos sustentam que a sentença não enferma das apontadas nulidades, que a matéria de facto foi devidamente apreciada, e que inexiste fundamento para alterar a decisão recorrida.

Cumpre conhecer das seguintes questões:
- da nulidade da sentença;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da nulidade do contrato por fraude à lei.

III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. Mediante escritura pública outorgada a 11 de julho de 1997, no Vigésimo Primeiro Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída a associação ré (…) Golf & Country Club, sem fins lucrativos, tendo por objeto: a) incrementar o espírito e a prática do desporto em geral e do golfe em particular; b) fomentar a convivência social e desportiva entre os seus associados; c) promover e organizar torneios desportivos (alínea A) da factualidade assente) – fls. 393.6; só os sócios efetivos (que não são os titulares de direitos adquiridos como os autores) têm direito de voto nas assembleias (arts. 3.º e 5.º do documento complementar – fls. 393.10 a 393.12; os estatutos da associação foram alterados no dia 3 de março de 2015, resultando que a “UIP” é considerada como associada efetiva da ré, a qual tem, por sua vez, como Presidente e Vice-Presidente do Conselho de administração e vogal (…), (…) e (…), respetivamente, também sócios efetivos da ré – fls. 814/817. A ré não tem quaisquer trabalhadores/prestadores de serviços (art. 5.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil).
2. Mediante carta datada de 16 de setembro de 1997, a Federação Portuguesa de Golfe comunicou à ré ter sido formalizada a sua filiação naquela Federação (alínea B) da factualidade assente) – fls. 74.
3. Nos termos do artigo quarto dos estatutos da ré (…) Golf & Country Club, “1 – A Direção ficará responsável pela receção de propostas de novos sócios, que poderão ser pessoas singulares ou coletivas. O processo inicia-se com a entrega nos escritórios do CLUBE do impresso de Candidatura de Admissão, devidamente preenchido pela entidade candidata. 2 – Após a análise da proposta, será proferida decisão final pela Direção. No caso dos sócios efetivos e extraordinários, a Direção estabelecerá regras quanto à sua respetiva admissão e categoria, bem como os montantes financeiros a liquidar, podendo delegar poderes num dos membros da Direção para decisão final, da qual jamais caberá recurso. (...)”.
4. Nos termos do artigo quinto dos estatutos da ré, “(...) 3 – Os sócios do CLUBE poderão participar em todas as atividades desportivas promovidas pelo CLUBE, bem como utilizar todas as instalações desportivas, existentes ou a criar, nomeadamente, campos de golfe, desde que paguem as taxas de utilização das instalações desportivas e sociais do CLUBE e mantenham atualizadas as quotas, as taxas e outros encargos definidos periodicamente pela Direção do CLUBE. 4 – Os sócios do CLUBE poderão ainda utilizar as instalações desportivas e sociais de outros clubes ou entidades com os quais o CLUBE tenha acordos nesse sentido e nas condições particulares estabelecidas para o efeito, que serão periodicamente comunicadas pela Direção aos sócios” (alínea D) da factualidade assente).
5. A Ré (…) Golf & Country Club criou um clube de golfe registado e reconhecido pela Federação Portuguesa de Golfe (alínea E) da factualidade assente) – fls. 74/79.
6. A Ré celebrou um acordo com a United … (Portugal) Empreendimentos Turísticos, SA, no âmbito do qual esta última declarou ter celebrado dois contratos com a Ré (…) Golf & Country Club, de forma a proporcionar aos seus membros todas as suas infraestruturas, em conformidade com os formulários de pedido de adesão e as normas do clube e condições de utilização, abrangendo o fornecimento de alojamento – 78 suites de golfe (alínea F) da factualidade assente) – fls. 186/266.
7. A United … (Portugal) – Empreendimentos Turísticos, SA é a titular e promotora do empreendimento turístico Resort (…), conhecido como (…), que inclui um hotel de cinco estrelas, (…) Hotel e Resort (…), Aldeia Turística de Luxo (…), um Club House e várias lojas, um campo de golfe de nove buracos, uma academia de golfe e outros complexos de lazer (alínea G) da factualidade assente).
8. No dia 19 de março de 2000, os autores reuniram com a empregada da “UIP”, … (art. 3.º da base instrutória).
9. Nessa data, os autores efetuaram uma visita guiada à suite de golfe modelo (art. 4.º da base instrutória).
10. Na mesma ocasião, os autores discutiram os valores das semanas a adquirir (art. 5.º da base instrutória).
11. No dia 19 de março de 2000, os autores, (…) e mulher, (…), e a ré subscreveram quatro documentos denominados “Membership Application Form”, em cujos anexos se prevê a ocupação de quatro suites de golfe pelos autores, durante 7 noites por ano, pelo período de trinta anos, mediante o pagamento do preço global do equivalente a € 91.259,00 (alínea H) da factualidade assente) – fls. 128/132; 350/358.
12. Dos mesmos anexos constam as seguintes menções: “Número de anos de adesão para empresa de trocas de férias incluídos na Taxa de Adesão: quatro anos de adesão gratuitos para o Resorts (...) International”; “Outras condições ou benefícios: isento de quota anual de adesão para o ano de 2000”; “Membros de família adicionais a quem deverão ser entregues cartões de membros, usando o mesmo número de adesão e a serem utilizados durante o período de ocupação. Tal não confere qualquer direito de ocupação adicional. Apenas para membros júnior e membros imediatos da família” (alínea I) da factualidade assente).
13. Nos documentos identificados é referido, para além do mais, o seguinte:
“2. Acordo Eu/Nós, com idade superior a 18 anos, aceito/aceitamos ficar vinculado(s) aos termos constantes da Ficha de Inscrição, das Normas do Clube e Condições de Utilização, da Quota Anual de Membros e dos Estatutos do Clube, dos quais Eu/Nós recebi/recebemos uma cópia. (...)
3.5. Eu/Nós comprometo-me/comprometemo-nos a pagar a Quota anual de Adesão para o ano de 2001 que perfará o montante total de 113.850$00 Escudos, incluindo IVA em vigor para o ano de 2000, nos termos da Regra 25, no prazo de trinta (30) dias a contar da data da emissão da fartura pelo Clube. (...)
6.1. Após o pagamento da totalidade da Taxa de Adesão, tornar-se-á Membro do Clube. A Taxa de Adesão é a contrapartida do direito a alojamento numa Golfe Suite durante um período de trinta anos, em conformidade com a presente Ficha de Inscrição e com as Normas do Clube e Condições de Utilização. 6.2. As Normas do Clube e Condições de Utilização vigoram a partir desta data” (alínea J) da factualidade assente) – fls. 360 e ss.
14. No mesmo dia 19 de março, os autores pagaram à ré, por conta do preço aí referido, o montante equivalente a € 13.766,82 (alínea L) da factualidade assente) e o remanescente do preço a que se alude em 11) foi pago pelos autores em vinte prestações quadrimestrais, até ao dia 19 de março de 2005, no valor de € 3.874,59 cada uma (alínea M) da factualidade assente) – fls. 25/127. Os autores têm pago as taxas de manutenção anuais faturadas pela “UIP” assim como tem sido a “UIP” a faturar os consumos associados – fls. 950 e ss.
15. Na sequência da subscrição dos documentos mencionados, foram emitidos quatro certificados de membro do clube, com os números … (fls. 231), … (fls. 233), … (fls. 236) e … (fls. 239), nos quais se refere, para além do mais, que os Autores são membros do Clube, “tendo pago na totalidade a Taxa de Adesão e sob reserva da Ficha de Inscrição, das Normas do Clube e Condições de Utilização e dos Estatutos, têm o Direito de Utilização e Ocupação de uma Golfe Suite, nas seguintes condições: (...) Categoria de membro: Ouro [Prata, no caso dos dois últimos certificados mencionados]; Tipo de Golfe Suite: Dois Quartos; Número total de Noites de Ocupação por Ano: Sete; Data do Primeiro Direito de Ocupação da Golfe Suite: Maio/2000 [Março/2000, no caso dos dois últimos certificados mencionados]; Número máximo permitido de pessoas por Golfe Suite: Seis; Data de termo: Final de Dezembro/2030 [Novembro/2030, no caso dos dois últimos certificados mencionados]” (alínea N) da factualidade assente) – fls. 231/233/236/239.
16. A atribuição da categoria de membro – platina, ouro, prata ou bronze – estabelecia, de antemão, o período anual a que se reportava a utilização das suites pelos adquirentes (alínea O) da factualidade assente) – cláusula 11 da versão em vigor em 15 de março de 2000 (fls. 186 e 200; em 2006, verificou-se uma alteração dos períodos, passando a haver o período “prata” (1.ª-10.ª; 44.ª-51.ª semanas do ano), “ouro (11.º-26.º; 36.º-43.ª; 52.ª semanas do ano) e “platina” (27.ª-35.ª semanas do ano) – fls. 290 quanto ao ano de 2009.
17. Nem o documento intitulado “Membership Application Form” nem o documento que regula as Normas do Clube e Condições de Uso contêm:
a) a identificação do empreendimento com menção do número da descrição do prédio na Conservatória do Registo Predial;
b) a indicação dos ónus ou encargos existentes;
c) o valor relativo do direito adquirido pelos Autores;
d) a descrição dos móveis e utensílios que fazem parte da unidade de alojamento;
e) a indicação das garantias que o proprietário/vendedor das unidades de alojamento deve prestar a favor do adquirente;
f) a indicação de que o direito a que se refere o contrato não constitui um direito real;
g) o documento informativo com descrição detalhada do contrato e empreendimento turístico;
h) a menção de que o adquirente tem o direito de resolver o contrato, sem indicação do motivo, no prazo de 10 dias úteis (alínea P) da factualidade assente).
18. Todos os documentos entregues aos autores encontram-se redigidos em inglês (alínea Q) da factualidade assente).
19. O autor (…) é nacional da Noruega e a autora (…) é nacional dos Estados Unidos da América (alínea R) da factualidade assente). Ambos compreendem a língua inglesa (art. 17.º da base instrutória), sendo que o contacto inicial com a ré decorreu em inglês (art. 16.º da base instrutória).
20. Na reunião a que se alude supra, os autores foram informados da forma de utilização das semanas por si, pelos seus familiares e amigos, dos valores das semanas a adquirir e da possibilidade de revender ou transmitir essas semanas (art. 6.º da base instrutória).
21. A 19 de março de 2000, foram explicados aos autores os direitos de que passavam a ser titulares (art. 8.º da base instrutória).
22. Na mesma data, em 19 de março de 2000, os autores foram informados de que passariam a estar sujeitos às Regras do Clube e Condições de Uso, bem como aos Estatutos da Associação cujo conhecimento só adquiriram em abril de 2000 (art. 9º da base instrutória) – fls. 141.
23. Depois disso, continuaram a utilizar os benefícios que lhes eram facultados pelo Clube (artigo 13.º da base instrutória).
24. Os documentos que contêm as Normas do Clube e Condições de Uso e os Estatutos do Clube não foram assinados pelos autores (alínea S) da factualidade assente).
25. As Normas do Clube e Condições de Uso e os Estatutos mencionados nos certificados identificados e na cláusula 6.2. dos documentos a que se alude foram elaborados antecipadamente pela ré, sem prévia discussão com os autores e sem a obtenção do acordo dos mesmos (artigo 7.º da base instrutória).
26. De acordo com a cláusula 4ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, intitulada benefícios de golfe, “os benefícios que os Membros do Clube dispõem são os seguintes: possibilidade de participar em qualquer Torneio de Golfe dos Membros sujeita ao pagamento do green fees e da taxa de torneio; possibilidade de obter o Handicap devidamente reconhecido pela Federação Portuguesa de Golfe e outras Federações Europeias de Golfe; serviço de reserva de golfe; descontos nos green fees no campo de golfe do (…), conforme descrito nas tarifas anuais do campo de golfe, disponível na loja de profissionais; sujeito à disponibilidade e processos de reserva, descontos nos green fees noutros campos de golfe no Algarve e em Portugal, em conformidade com os termos aliados à qualidade de Membro da Federação Portuguesa de Golfe; sujeito a disponibilidade e a pagamento, a possibilidade dos filhos dos Membros participarem semanalmente numa clínica de ensino de golfe” (alínea T) da factualidade assente) – fls. 192.
27. De acordo com a cláusula 7ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, “(...) as Suites de Golfe são para o uso dos Membros e respetivos convidados, sendo que as suites não reservadas serão geridas e reservadas pela UIP/… para locação a outras pessoas não membros e clientes do Resort. Os Membros e respetivos convidados apenas poderão usar as Suites de Golfe durante o período de ocupação a que têm direito. Contudo, à descrição do Clube, os Membros não residentes poderão utilizar as infraestruturas do Clube, desde que os Membros residentes e seus respetivos convidados tenham prioridade no uso das mesmas” (alínea U) da factualidade assente) – fls. 195.
28. De acordo com a cláusula 11ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, “a qualidade de Membro Golf & Country Club confere ao Membro e aos seus convidados o direito à ocupação da Suite Golfe e a utilização das instalações comuns dentro de um dos quatro planos de adesão (...). Os Membros adquirem o direito a utilizar a Suite Golfe e as instalações comuns durante um ou mais períodos, dentro do mesmo ou diferentes Períodos, conforme o tipo de Golfe Suite e o Termo de Adesão referido no Formulário de Candidatura” (alínea V) da factualidade assente) – fls. 200/201.
29. De acordo com a cláusula 16ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, “os Membros terão o direito de utilizar uma Suite Golfe em conformidade com o respetivo tipo de membro, desde que tenham respeitado todos os seus deveres para com o Clube. Não solicitar uma reserva ou fazer uso real (ou o uso benéfico através da troca ou não) da Suite de Golfe por um período de ocupação dentro de um ano, não exime o membro da obrigação de pagar a Taxa de Adesão Anual (...)” – (alínea X) da factualidade assente) – fls. 202.
30. De acordo com a cláusula 24ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, a Quota Anual de Adesão é o mecanismo ao abrigo do qual o valor do Clube se encontra protegido ao longo do tempo. O Clube deverá envidar os melhores esforços para a previsão rigorosa da Quota Anual de Membro de forma a transmitir aos Membros as despesas operacionais e de longo prazo do Plano de Adesão. Os Membros do Clube serão todos os anos notificados da Quota Anual de Membro, que será cobrada anualmente em relação ao no seguinte em data estipulada pelo clube. No caso de qualquer situação imprevista ocorrer que se encontre fora do controle do Clube ou da UIP clube ou do seu agente de gestão, tais como condições de mercado, aumentos de impostos, os aumentos salariais, aumento do custo de utilidade, o Clube terá o direito de alterar/aumentar a taxa anual. Intencionalmente, a Quota Anual será revista relativamente à taxa de inflação portuguesa, adaptada e aumentada desde 1997 (alínea Z) da factualidade assente) – fls. 212. 31. Em redação posterior as regras passaram a prever que o valor da quota anual pode ser aumentado, designadamente devido a despesas inesperadas relevantes, tais como, novos impostos ou sobretaxas a serem suportados pelo Clube, aumento no custo do seguro, aumento dos custos dos serviços de utilidade pública ou de despesas correntes, aumentos salariais dos trabalhadores do clube e, para além dos mencionados, quaisquer outros custos que em geral não possam ser previstos com exatidão pelo Clube ou pela Entidade Gestora quanto ao seu surgimento ou aumento (cláusula 21.ª) – fls. 278 que tendo em conta a referência de impressão (fls. 245, limite inferior) dizem respeito a 2008.
32. Desde o início dos contratos até à data, a prestação anual por cada semana cobrada pela “UIP” aos autores tem vindo a aumentar desde o valor inicial de € 568,00 ao montante de € 910,00 em 2015 (art. 29.º da base instrutória) – fls. 1058.
33. De acordo com a cláusula 25ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, o Clube reserva-se ao direito de alterar, ocasionalmente, as presentes Regras e Condições de Utilização do Clube às quais os membros estão vinculados. Tais alterações serão efetuadas por escrito e serão aplicadas na data mencionada. Os membros do Clube terão à sua disposição cópias de todas as alterações efetuadas às Regras e Condições de Utilização do Clube na sede social do Clube (alínea AA) da factualidade assente) – fls. 214.
34. A 12 de março de 2001, a Ré emitiu uma declaração, nos termos da qual solicitou “autorização para os (...) Clientes (…) & (…), ambos com HCP de 36, uma vez que estes Membros se esqueceram dos documentos de identificação como Membros da Federação Portuguesa de Golf e respetivo Certificado de Handicap no seu país” (alínea AB) da factualidade assente) – fls. 92.
35. A declaração mencionada foi emitida a pedido dos Autores, por se terem esquecido, no seu país, dos documentos que comprovavam a sua inscrição na Federação Portuguesa de Golfe e o seu certificado de handicap (art. 20.º da base instrutória).
36. A partir de meados de 2006, a Ré introduziu alterações ao documento que estabelece as Normas do Clube e as Condições de Uso, nomeadamente no que se refere à correspondência entre os períodos contratados e a categoria (por exemplo, os meses junho e setembro que eram “silver” passaram a “gold”) e no que se refere ao número de alojamentos alocados aos compradores, passando de 78 para 52 (art. 11.º da base instrutória).
37. Os autores tiveram conhecimento posterior da alteração efetuada (art. 12.º da base instrutória).
38. Por ocasião da alteração de 2006 das “Normas do Clube e as Condições de Uso”, os autores deixaram de conseguir reservar as semanas pretendidas no período contratado (art. 14.º da base instrutória e 27.º da petição inicial).
39. Os autores, sem sucesso, desde novembro de 2006 até à presente data, têm vindo queixar-se e a requerer ao R. os relatórios de gestão e relatórios anuais de contas do Clube (arts. 28.º e 31.º, primeira parte, da petição inicial).
40. Desde 2005, os autores utilizaram a unidade de alojamento nos seguintes períodos:
Em 2005: em março e outubro – fls. 633/632;
Em 2006: em março, abril e novembro – fls. 629/631/166;
Em 2007: em março, abril e outubro – fls. 619/623;
Em 2008: em abril e outubro – fls. 611/615;
Em 2009: em março, abril e outubro – fls. 603/607/609;
Em 2010, em janeiro e em março, abril, outubro - fls. 93 e ss./595;
Em 2011, em abril, junho e outubro – fls. 582/586/588;
Em 2012, em abril, junho e outubro – fls. 561/569/570/575/579;
Em 2013, em abril, junho e outubro – fls. 562/564/566;
Em 2014, em abril e outubro – fls. 555/558;
Em 2015: em junho – fls. 950 (art. 15.º da base instrutória).
41. Os autores utilizaram, até ao ano de 2010, o campo de golfe do (…) Resort, beneficiando do desconto no green fee que era facultado aos membros da Ré (art. 19.º da base instrutória).
42. A 18 de maio de 2001, a Direção-Geral do Turismo comunicara à United … (Portugal) – Empreendimentos Turísticos, SA, a propósito do conjunto turístico (…)/(…) – Albufeira, que, por despacho do Senhor Subdiretor-geral do Turismo de 2001/05/14, foi decidido o seguinte: “aceitar os esclarecimentos apresentados por V. Exa., quanto à forma de comercialização dos Apartamentos Turísticos, que não se reconduz, neste caso, aos direitos de habitação turística previstos no Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto, (...). Contudo alerta-se V. Exa. para a utilização de determinadas expressões, suscetíveis de associação aos direitos de habitação turística regulados no citado diploma” (alínea AC) da factualidade assente) – fls. 105.
43. Através da abordagem, das técnicas de venda e da informação fornecida, a ré criou nos autores a convicção de que estes adquiririam, como adquiriram, um produto semelhante ao que comummente se designa por timesharing, ainda que com algumas diferenças (arts. 29.º, 32.º e 39.º da réplica).
44. Não obstante os inúmeros benefícios que a R. proporciona aos adquirentes, como o uso de Health Club, “room services”, salão de beleza, serviço de Internet, acesso ao golfe e ténis, a inscrição na Federação Portuguesa, de golfe, certificado de handicap, o produto centra-se nas suites de golfe e na possibilidade de se poder usufruir dessas mesmas suites, ou do mesmo tipo, durante um certo período de tempo (arts. 31.º e 33.º da réplica).
45. Para além da descrição de serviços e benefícios atribuídos aos membros, onde também se inclui o golfe, a R. dedica um capítulo ao uso da categoria de membro – “How to use your membership in (…) Golfe & Country Club” – fls. 153 (art. 35.º da réplica).
46. Nos termos da informação vertida na mencionada brochura, os membros, nomeadamente os AA., têm o direito de trocar os seus períodos de ocupação com mais de 340 Resorts em todo o mundo, de os locar através do sistema de reserva internacional do (…), participar no programa de Star Points e usá-los em todos os Hotéis (…), (…) Hotéis & Resorts, (…) e W Hotéis, transferir os direitos e deveres inerentes à qualidade de membros e dispor dos mesmos em testamento (art. 37.º da réplica).
47. Da página 2 dos “membership application form”, mais precisamente do ponto 6.1, resulta que a adesão do membro ao Clube só se verificará após pagamento da totalidade da taxa de adesão (art. 40.º da réplica).
48. Em seguida, no mesmo ponto, estabelece a R. que “A taxa de adesão é a contrapartida do direito a acomodação numa suite de golfe durante o período de 30 anos, em conformidade com a presente Ficha de Inscrição e com as Normas do Clube e Condições de Utilização” vide doc. 3 a 6 (art. 41.º da réplica).
49. Sob o título “Anexo à ficha de inscrição”, faz-se um resumo dos termos da adesão, noites por ano, montante a pagar, data da primeira da ocupação e outros (art. 42.º da réplica).
50. Na oitava linha da referida ficha consta: “Número de Anos de Adesão para Empresa de Trocas de Férias incluídos na Taxa de Adesão: Quatro anos de adesão gratuitos para o Resorts (...) International”. Não só o pagamento da taxa de adesão é a contrapartida para usufruir das suites de golfe, como esse pagamento comporta a atribuição do benefício de aderir gratuitamente ao Resorts (...) International – RCI (arts. 43.º e 44.º da réplica).
51. O Resort (não o clube) é publicitado como “a maior rede de intercâmbio de férias em regime de Timeshare” (art. 45.º da réplica).
52. E sem prejuízo da troca de semanas ao abrigo da adesão gratuita ao RCI, os AA. têm ainda o direito de locar as semanas adquiridas: nos termos da cláusula 17 das Normas do clube e Condições de Uso, os membros, mediante aviso prévio, podem entregar as semanas adquiridas para locação, rentabilizando assim o seu investimento (arts. 47.º e 48.º da réplica).
53. Sobre a descrição do pagamento do depósito no valor de 2.760.000$00, constante da fatura junta na P.I. como doc. 7: os AA. terão adquirido 2 “II Bedroom Silver Membership” e 2 “II Bedroom Gold Membership”, ou seja, 2 T2 Membro de Prata e 2 T2 Membro de Ouro. O preço variava, neste caso, em função da época escolhida do alojamento (Ouro ou Prata) – (arts. 49.º a 52.º da réplica).
54. Apreciando apenas os documentos assinados pelos autores de uma perspetiva puramente formal (adesão a um clube de golfe), a ré evitou as formalidades exigidas pelo regime dos DRHT e das CCG : a R. não celebra o contrato de aquisição prescrito pela lei, não procede à descrição do empreendimento, não indica o valor do direito adquirido nem da prestação periódica, não procede à indicação explícita que o direito adquirido apenas tem eficácia obrigacional, não proporciona aos AA. o direito de resolver o contrato no prazo de 10 dias úteis (arts. 60.º, 61.º e 72.º da réplica).

B – O Direito
Da nulidade da sentença
A Recorrente sustenta que a sentença enferma de nulidade por violação do caso julgado já que a redação dada aos n.ºs 36 e 38 dos factos provados não está conforme ao determinado pelo tribunal superior em sede de recurso. Afirma ter o Tribunal de 1.ª Instância violado o disposto nos artigos 662.º/1 e 2, 619.º/1 e 674.º, nº 3, a contrario, do Código de Processo Civil.
Ora vejamos.
Nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, do CPC, é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
São as nulidades típicas da sentença, que se reconduzem a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito.[1]
A alegação da Recorrente não se subsume a qualquer uma das referidas alíneas nem os normativos cuja violação é invocada se conexionam com os fundamentos legais da nulidade da sentença (por ex., a violação do dever de fundamentação consagrado nos arts. 154.º e 607.º do CPC implica na nulidade da sentença nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC). Na verdade, o art. 662.º, n.ºs 1 e 2, que a Recorrente sustenta ter o Tribunal de 1.ª Instância violado contém regime que é inaplicável por tal Tribunal; o art. 619.º, n.º 1, regula o valor da sentença transitado em julgado, sendo que o caso julgado constitui exceção dilatória; o art. 674.º, n.º 3, refere-se ao objeto do recurso de revista, regime que não contende com o processamento do Tribunal de 1.ª Instância e que este não alcança violar.
Mais vem invocado que a fundamentação está em oposição com a decisão proferida, pois os factos e fundamentos de Direito que sustentam a alegada aplicação do instituto da fraude à lei, nos termos dos artigos 280.º e 294.º do Código Civil, extravasam o objeto que estava delimitado à análise do Tribunal a quo e estão em absoluta oposição com o conteúdo das decisões proferidas pelos tribunais superiores, insistindo o Tribunal a quo na aplicação do RJHP e do RCCG.
Analisada a sentença objeto de recurso, logo se alcança que, no âmbito da delimitação das questões a decidir, se fez menção que havia sido superiormente determinado o conhecimento da nulidade do contrato à luz dos arts. 280.º e 294.º do Código Civil e que, por isso, resulta limitada àquele fundamento apresentado na réplica a apreciação do litígio.[2] Em consonância, tal apreciação foi levada a cabo, vindo a concluir-se pela nulidade do contrato por contrariar regras imperativas decorrentes do regime atinente às cláusulas contratuais gerais e, bem assim, ao regime atinente ao direito real de habitação turística. Apreciação essa que não podia prescindir, como não prescindiu, da abordagem de tais regimes legais de modo a concretizar os normativos cuja aplicação a Ré pretendeu afastar ao vincular os clientes interessados no alojamento mediante adesão a associação e não já mediante a celebração de contratos.
Inexistem, pois, fundamentos para declarar a nulidade da sentença.

Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
A Recorrente impugna a decisão tomada relativamente aos n.ºs 43, 44, 49, 50, 52 e 53 da matéria de facto.
Importa salientar que a reapreciação do julgamento realizado em 1.ª Instância, no que respeita à matéria de facto, visa apurar se os factos concretos submetidos à instrução, factos esses objeto de decisão que se mostra impugnada em sede de recurso, foram incorretamente julgados, impondo-se decisão diversa. A Relação deve alterar a decisão se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – cfr. artigos 640.º, n.º 1, als. a) e b) e 662.º, n.º 1, do CPC.
Por via de tal regime legal, «Incumbe ao recorrente a demonstração de que o tribunal recorrido cometeu um erro de julgamento. Para tanto, não lhe basta indicar determinado meio de prova que, no seu entendimento, sustente a versão factual que considere ser a verdadeira, como se nenhum outro existisse. Se se limitar a fazer essa indicação, o recorrente não terá, sequer, tentado demonstrar a existência de erro de julgamento. Tendo o tribunal recorrido formado a sua convicção sobre determinado facto com fundamento num conjunto de meios de prova, incumbe ao recorrente fundamentar a sua discordância em relação a todo o processo de formação da convicção daquele tribunal sobre o mesmo facto. Tal fundamentação passa, necessariamente, pela referência a todos os meios de prova de que o tribunal recorrido se serviu para formar a referida convicção e pela análise crítica dos mesmos, pois só assim o recorrente poderá sustentar devidamente a sua pretensão de alteração da matéria de facto. No fundo, é tarefa do recorrente propor uma análise crítica da prova (entenda-se, de toda a prova relevante para a formação da convicção sobre determinado facto) diversa daquela a que o tribunal recorrido procedeu, procurando, assim, convencer o tribunal de recurso de que é a sua a correta. Só se lograr esse convencimento, o recorrente terá demonstrado a existência de um erro de julgamento por parte do tribunal recorrido. E, como acima referimos, apenas nessa hipótese poderá a Relação alterar a decisão do tribunal de primeira instância.»[3]
Na senda do que vem alegado pelo Recorrente em sede de arguição da nulidade da sentença cumpre desde já, ao abrigo do disposto no art. 662.º/1 do CPC, determinar a alteração da redação dada ao n.º 36 dos factos provados.[4] É que está assente, por decisão transitada em julgado[5], que tal item contempla redação diversa daquela que foi plasmada na sentença. Passa, pois, o n.º 36 dos factos provados a elencar o seguinte:
36. A partir de meados de 2006, a Ré introduziu alterações ao documento que estabelece as Normas do Clube e as Condições de Uso, nomeadamente no que se refere à correspondência entre os períodos contratados e a categoria.
Analisemos, então, a pretensão do Recorrente.
Vem invocado que os factos plasmados nos n.ºs 43, 44, 49, 50, 52 e 53 não foram objeto de prova, sendo que o Tribunal a quo se limitou a recolhê-los dos articulados apresentados pelos AA, sem evidenciar o fundamento da decisão.
Constata-se, contudo, que consta de fls. 21 a 27 da sentença a motivação que esteve na base da convicção formada pelo Tribunal a quo. Dali se alcança, designadamente e com relevância para a decisão objeto de impugnação, o seguinte:
«(…) relatou o contacto havido com (…), empregada da ré, e com quem se informou da possibilidade de comprar o direito, durante 30 anos, a habitar um dos apartamentos durante um período de 7 dias/ano dentro de um período pré-estabelecido. Foi-lhe mostrado o apartamento 72 com dois quartos (equivalente ao que teriam direito a usar), assim como foi feita a comparação entre o que se pagava naquela modalidade, sendo membro, e a diária normal. Como tal lhe trazia benefícios decidiu comprar 4 semanas, 2 para o período “prata” e 2 para o período “ouro” até porque, caso não usassem as semanas também as podiam rentabilizar junto do “(…)” ou desfrutar noutros hotéis “(…)” pelo mundo. Ainda foi informado de que não teria problemas com a reserva pois não seriam vendidos assim tantos direitos que pusessem isso em causa. Confirmou que a sua motivação foi a de encontrar um lugar onde pudesse passar férias de forma regular nos 30 anos seguintes e que foi isso que lhe foi explicado. Só falaram do alojamento já que os autores não tinham qualquer interesse no golf.
(…)
(…) também disse não ter qualquer interesse pelo golf (tendo deixado de ser filiada da FPG há uns 3 anos), centrando a motivação para o contrato no apartamento para uso em férias e na praia, embora reconhecesse que podia usar os equipamentos do hotel.
(…)
(…), dono de uma semana (categoria “prata”) no “(…)”, desde 1999 por cerca de £ 11.000 disse lembrar-se de ter assinado o “Membership Form” mas que julgou ter acordado o direito de habitação durante uma semana por ano e pelo período de 30 anos. Foi-lhe explicado que era uma oportunidade de ser membro de um resort de luxo com férias nos 30 anos seguintes. Sendo também titulares de “time-share” no “(…)”, em (…), tal como a mulher, percebeu que que passaram pelo mesmo processo. Na altura, não lhe foi descrito como time-share mas entendeu-o como tal. Além disso, poderiam usar as instalações e serviços do hotel e descontos em refeições e bebidas e no golf.
(…)
(…) disse ter adquirido, em 2005, uma semana no (…) pelo período de 30 anos. Tornou-se “silver member” para em 2006 ter mudado a sua condição para “gold member”, tendo pago no total € 25.000,00, o que ficaria mais barato do que vir de férias para o hotel como hóspede normal, como fazia até ali. Além de poder usar os equipamentos do resort, tinham descontos em refeições e noutros serviços, como cabeleireiro. Podiam fazer parte da Federação Portuguesa de Golf, beneficiando de descontos em clubes de golf na zona. A sua motivação para a compra não teve que ver com a possibilidade de jogar golf (o seu marido até tinha um problema no joelho que o impedia de praticar tal desporto; e a testemunha jogou duas vezes no último ano) mas antes com a oportunidade de fazer férias na Europa durante as férias escolares e enquanto a filha estivesse a crescer.
(…)
(…), hóspede frequente do (…) há 26 anos, comprou, em 1999, duas semanas de férias para junho e em 2006, mais duas semanas em setembro que correspondiam ao período “silver”. Esclareceu que costuma vir com a filha (que agora tem cerca de 29 anos) que sofre de autismo profundo e que até por causa disso a existência de um campo de golf não influenciou em nada a sua decisão. Foi abordada para a compra de semanas de férias e foi assim que viu o acordo que assinou, um sítio seguro para a filha passar férias.
(…)
(…), angariador imobiliário, empregado da “UIP, SA” (dona das infraestruturas onde está instalado o resort), disse trabalhar para o (…) há 18 anos, sendo que vendeu o produto objeto dos autos até há 9 anos atrás, altura em que passou a vender apenas propriedade plena. Disse não conhecer empregados à ré. Explicou a diferença entre aquele produto e o direito real de habitação periódica e disse que sempre frisou essa diferença, reconhecendo, porém, que não fora ele quem contactara com os autores. Garantia férias futuras aos preços de então. Usava um calendário com a especificação dos períodos em que podiam ser feitas as marcações, garantindo a hospedagem no período contratado, além da manutenção e limpeza, descontos no golf, incluindo em outros campos, descontos nos restaurantes, além do uso dos equipamentos do hotel, e no Club House.
(…)
(…), diretor financeiro na “UIP” desde novembro de 2007 (…).
A ré dispunha de 78 apartamentos em 6 blocos mas que não usados na totalidade. Com efeito, haviam sido vendidos 1500 “Memberships”; correspondentes a 1500 semanas e estavam disponíveis 4050 semanas o que, na sua perspetiva, era demasiado. Por essa razão, em 2013 afetaram 2 blocos à venda. (…) Descreveu a ré como associação cujo fim é a prática do golf, assim como enunciou as vantagens que os membros tinham. Referiu-se ao facto de o “Turismo de Portugal” não ter classificado o produto como “direito real de habitação periódica”, conforme fls. 105. Reportou-se ao processo de venda que incluía a apresentação dos espaços, o acesso a documentação que não foi negociada, mas não saber como se processava a venda no ano 2000. (…) Através dos relatos de vários membros estrangeiros, ficou assim demonstrado que a qualidade do campo de golf e a existência do campo de golf não teve relevância na decisão de contratar. Como os autores, as testemunhas pretenderam garantir férias num resort durante o período de 30 anos, sendo que também era assim que era feita a promoção do produto pelo (…), um grupo com reputação perante os hóspedes e perante aqueles que vieram a adquirir os direitos.»
Assim se apreende que a convicção do Tribunal de 1.ª Instância se ancorou na prova testemunhal que referiu, donde efetivamente resulta que o que estava em causa era a ocupação de suites para férias a preço vantajoso relativamente a outros clientes, com a possibilidade de trocar os seus períodos de ocupação com mais de 340 Resorts em todo o mundo, tal como enunciado na brochura disponibilizada pela Ré e mencionada no n.º 46 dos factos provados.
O que não é colocado em causa pelos meios de prova a que alude a Recorrente, que não logrou demonstrar ter existido erro na apreciação da prova.
Na verdade, a testemunha (…), ao referir que «o produto foi descrito como uma oportunidade de passar férias num resort de luxo. Simplesmente não era chamado de time share», contribui para a formação da convicção de que estava em causa o produto time share mas evitando a Ré a adoção de tal denominação.
A testemunha (…) afirmou que não se tratava de time share, que não era estipulada semana fixa, havendo flexibilidade nas reservas. (…) afirmou que estava em causa produto distinto, que ele próprio já vendeu memberships, pretendendo acentuar que se trata de um clube de golfe.
Relativamente aos n.ºs 43 e 44 dos factos provados, não evidenciou a Recorrente que exista erro na decisão, a qual está ainda consentânea com o teor da documentação que era disponibilizada aos clientes. Não está em causa que se proporcionasse a utilização de estruturas e serviços destinados aos ocupantes das suites, mas acompanha-se a convicção formada em 1.ª Instância no sentido de que o objeto colocado em venda e pretendido adquirir pelos clientes era a ocupação de suites para gozo de férias. O que, aliás, constituía a contrapartida da taxa de adesão, conforme documento mencionado no n.º 48 dos factos provados.
Relativamente ao teor do n.º 49, a Recorrente pugna pela inclusão integral da menção constante no documento ali referido. Ali se acolheu o que tinha sido alegado no art. 42.º da réplica. Uma vez que a decisão atinente à matéria de facto versa sobre os factos alegados, e não se destina a reproduzir o teor de documentos juntos, e dado que não vem alegado tratar-se de facto incorretamente julgado (cfr. art. 640.º/1 a) do CPC), inexiste fundamento para acolher a referida pretensão da Recorrente.
Ao n.º 50 a Recorrente pretende excluir o 2.º segmento. Considera que não pode dar-se como provado que não só o pagamento da taxa de adesão é a contrapartida para usufruir das suites de golfe, como esse pagamento comporta a atribuição do benefício de aderir gratuitamente ao Resorts (…) International – RCI atenta a panóplia de condições e regalias associadas à qualidade de membro da Recorrente. Constata-se, porém, que está assente que a taxa de adesão constitui a contrapartida do direito a acomodação numa suite de golfe durante o período de 30 anos (cfr. n.º 48 dos factos provados); e que da ficha de inscrição resulta que o pagamento da taxa de adesão comporta a atribuição do benefício de aderir gratuitamente ao Resorts (…) International – RCI; daí não resultando que não comporte outros benefícios e regalias. Não se trata, assim, de facto incorretamente julgado.
Relativamente ao n.º 53 dos factos provados a Recorrente sustenta que o preço entre T2 Membro de Prata e T2 Membro de Ouro variava em função do tipo e condições do alojamento (Ouro ou Prata), e não em função da época do alojamento escolhido, como consta da parte final do mencionado n.º 53. A Recorrente considera que o documento que contém as Regras e Condições de Utilização do Clube, junto como Doc. n.º 1 a 13/09/2010, impõe decisão diversa.
Não lhe assiste razão.
Desde logo, os documentos n.ºs 11 a 13 juntos a 13/09/2010, os Certificados de Membros do Clube, revelam que, não obstante subscritos na mesma data, conferem direitos de ocupação com data de início e termo diferentes, consoante a categoria do membro é ouro ou prata: a estes define-se o direito de ocupação com início em Março/2000 e termo em Novembro/2030; àqueles define-se o direito de ocupação com início em Maio/2000 e termo em final de Dezembro/2030. O documento a que alude a Recorrente, junto na mesma data em requerimento autónomo, revela que é idêntico o tipo e condições de alojamento para membros ouro ou prata: no ponto 12, relativo aos Tipos de Suite de Golfe, consta que existem 3 tipos de suites golfe (T2, T3 e T3 penthouse duplex); quer se trate de membro silver golfe quer se trate de membro gold golfe, o alojamento é em T2, T3 ou T3 penthouse duplex consoante a categoria de membro seja II, III ou IIIP. E o ponto 31 de tal documento, que consiste nas Regras e Condições de Utilização do Clube, consiste no Calendário de Ocupação da Suite de Golfe por Tipo e Categorias de Membro.
Acresce que dos depoimentos de (…) e (…) resulta afirmada existência de épocas diversas para cada uma das categorias de membros, que até estavam assinaladas em calendários.
E contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, a decisão relativa à matéria constante do n.º 52 não está errada. A ela conduz o teor da cláusula 16, parte final[6], das Regras e Condições de Utilização do Clube: se o direito de ocupação for efetivamente dado em locação, faculdade que assiste aos membros e que lhes é anunciada desde logo no documento n.º 19 junto com a réplica, ocorre rentabilização do investimento realizado, se bem que a percentagem a auferir pelo membro esteja dependente de acordo a obter com o clube.
Nenhum reparo merece, pois, a decisão tomada em sede de apreciação da matéria de facto (sem prejuízo do que se determinou relativamente ao n.º 36 dos factos provados).

Da nulidade do contrato por fraude à lei
A Recorrente sustenta que o Tribunal de 1.ª Instância aplicou erradamente o instituto da fraude à lei, tendo reapreciado o RDHT e o RCCG, o que lhe estava vedado por decisões superiores.
Conforme já mencionado supra, o caminho percorrido pelo Tribunal de 1.ª Instância foi o de apreciar tais regimes legais de modo a concretizar aquilo a que o R se quis furtar ao gizar a angariação de membros através da adesão a associação e não já através da celebração de contratos de aquisição dos direitos de ocupação de alojamentos com benefícios e regalias acoplados.
O que não contraria o que foi superiormente determinado: assente que está que a relação estabelecida entre os AA e a R não foi a de aquisição de direitos subsumíveis ao RDHT ou ao RCCG, importa apurar se a adesão à associação configura nulidade por fraude à lei por traduzir que por esse meio se pretendeu obviar, e se obviou, a aplicação do RDHT e do RCCG.
Ora vejamos.
O instituto da fraude à lei encontra-se previsto no art. 21.º do CC no âmbito do direito internacional privado, estatuindo que na aplicação das normas de conflito são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente. Contudo, tal regime deve aplicar-se para além de tal ramo do direito, a todo o negócio jurídico, sempre que, por via indireta, através da prática de um ou vários atos lícitos (já com propósito de defraudar, numa conceção subjetivista; ou mesmo sem tal propósito, se aderindo a uma conceção objetiva) obter um resultado que a lei proíbe.[7]
O negócio em fraude à lei é configurado por Luís Carvalho Fernandes como uma situação de ilicitude indireta, em que, perante uma proibição legal, as partes procuram obviar esse obstáculo contornando-o, ou seja, celebrando um negócio que permita alcançar, por via indireta, o resultado proibido.[8]
Nas palavras de Manuel de Andrade[9] são fraudulentos os atos que tenham por escopo “contornar ou circunvir uma disposição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei designadamente previu e proibiu – aqueles que, por essa forma, pretendem burlar a lei.” A fraude consiste na violação da lei, a aferir casuisticamente, aquando da interpretação do negócio jurídico.
Menezes Cordeiro, reconhecendo a não autonomia jurídica da fraude à lei, reconduz a figura ao princípio geral de a proibição do resultado dever implicar a proibição dos meios indiretos para o alcançar, já que a mera proibição de um meio arrisca deixar aberta a porta a outros meios não proibidos para alcançar o fim.[10] Está em causa, no essencial, uma forma de ilicitude que envolve, por si, a nulidade do negócio. A sua particularidade residirá, quando muito, no facto de as partes terem tentado, através de artifícios formais mais ou menos assumidos, conferir ao negócio uma feição inócua.[11]
Pedro Pais de Vasconcelos sustenta que «a fraude à lei torna-se possível sempre que o Legislador, ao redigir o texto legal, intenta impedir um resultado que considera indesejável, ou promover um resultado que considera desejável, através da proibição ou da imposição das condutas tidas como causais desses resultados desejáveis ou indesejáveis. Trata-se de casos em que a prossecução de uma determinada finalidade legal é feita, não diretamente, mas indiretamente através de uma atuação legal sobre as causas ou os comportamentos que se pensa serem causais daqueles objetivos legais.
(…)
Na fraude à lei, o conteúdo negocial não agride diretamente a lei defraudada, mas antes colide com a intencionalidade normativa que lhe está subjacente e que justifica a sua imperatividade. Esta intencionalidade normativa subjacente à imperatividade da lei é a Ordem Pública, como portadora dos critérios ordenantes do sistema. O juízo de fraude à lei coloca-se, assim, no domínio da Ordem Pública. O negócio jurídico fraudulento é ilícito.»[12]
Já Castro Mendes salienta que para haver fraude à lei é necessário um nexo entre o ato ou atos em si lícitos e o resultado proibido. E o nexo pode ser subjetivo (intenção dos agentes) ou objetivo (criação de uma situação jurídica tal que, pelo seu desenvolvimento normal, leve ao resultado proibido).[13]
A jurisprudência emanada pelo STJ vem sublinhando que não há fraude sem nexo, ou seja, sem que o ato lícito em si esteja ligado ao resultado proibido. Trata-se da conceção objetivista da fraude à lei, que salienta que decisivo para afirmar a ilicitude e consequente nulidade do negócio em fraude à lei é o resultado com ela obtido e não a intenção das partes.[14]
Ora, a relação jurídica estabelecida entre AA e R foi já caraterizada em anterior acórdão proferido neste processo como uma relação de índole associativa, à qual não tem aplicação o regime jurídico consagrado no DL n.º 275/93, sendo que as cláusulas que integram as Regras e Condições de Utilização do Clube, que conformam os estatutos da associação a que aderiram os AA, não estão sujeitas a escrutínio à luz do regime das cláusulas contratuais gerais.[15]
É que não teve lugar a celebração de contratos para aquisição de direitos, benefícios ou regalias, entre eles o direito a utilizar semanas de férias. Antes se verificou a adesão dos AA à associação R, o que dá acesso, entre outros itens, à utilização de semanas de férias nos moldes estabelecidos. Na verdade, a Ré constitui uma pessoa coletiva sob a forma de associação, com acolhimento no regime estabelecido nos arts. 162.º e ss do CC, resultando dos respetivos estatutos os direitos e obrigações dos seus associados, bem como as condições de admissão.[16]
Apurou-se, porém, a seguinte factualidade:
- através da abordagem, das técnicas de venda e da informação fornecida, a ré criou nos autores a convicção de que estes adquiririam, como adquiriram, um produto semelhante ao que comummente se designa por timesharing, ainda que com algumas diferenças;
- não obstante os inúmeros benefícios que a R. proporciona aos adquirentes, como o uso de Health Club, “room services”, salão de beleza, serviço de Internet, acesso ao golfe e ténis, a inscrição na Federação Portuguesa, de golfe, certificado de handicap, o produto centra-se nas suites de golfe e na possibilidade de se poder usufruir dessas mesmas suites, ou do mesmo tipo, durante um certo período de tempo;
- para além da descrição de serviços e benefícios atribuídos aos membros, onde também se inclui o golfe, a R. dedica um capítulo ao uso da categoria de membro – “How to use your membership in (…) Golfe & Country Club”;
- os membros, nomeadamente os AA., têm o direito de trocar os seus períodos de ocupação com mais de 340 Resorts em todo o mundo, de os locar através do sistema de reserva internacional do (…), participar no programa de Star Points e usá-los em todos os Hotéis (…), (…) Hotéis & Resorts, (…) e W Hotéis, transferir os direitos e deveres inerentes à qualidade de membros e dispor dos mesmos em testamento;
- a adesão do membro ao Clube só se verificará após pagamento da totalidade da taxa de adesão;
- a taxa de adesão é a contrapartida do direito a acomodação numa suite de golfe durante o período de 30 anos, em conformidade com a Ficha de Inscrição e com as Normas do Clube e Condições de Utilização;
- sob o título “Anexo à ficha de inscrição” faz-se um resumo dos termos da adesão, noites por ano, montante a pagar, data da primeira da ocupação e outros;
- na ficha de inscrição consta: “Número de Anos de Adesão para Empresa de Trocas de Férias incluídos na Taxa de Adesão: Quatro anos de adesão gratuitos para o Resorts (…) International”;
- não só o pagamento da taxa de adesão é a contrapartida para usufruir das suites de golfe, como esse pagamento comporta a atribuição do benefício de aderir gratuitamente ao Resorts (…) International – RCI;
- o Resort (não o clube) é publicitado como “a maior rede de intercâmbio de férias em regime de Timeshare”;
- sem prejuízo da troca de semanas ao abrigo da adesão gratuita ao RCI, os AA. têm ainda o direito de locar as semanas adquiridas: nos termos da cláusula 17 das Normas do clube e Condições de Uso, os membros, mediante aviso prévio, podem entregar as semanas adquiridas para locação, rentabilizando assim o seu investimento;
- sobre a descrição do pagamento do depósito no valor de 2.760.000$00, constante da fatura junta na P.I. como doc. 7: os AA. terão adquirido 2 “II Bedroom Silver Membership” e 2 “II Bedroom Gold Membership”, ou seja, 2 T2 Membro de Prata e 2 T2 Membro de Ouro;
- o preço variava, neste caso, em função da época escolhida do alojamento (Ouro ou Prata);
- apreciando apenas os documentos assinados pelos autores de uma perspetiva puramente formal (adesão a um clube de golfe), a ré evitou as formalidades exigidas pelo regime dos DRHT e das CCG: a R. não celebra o contrato de aquisição prescrito pela lei, não procede à descrição do empreendimento, não indica o valor do direito adquirido nem da prestação periódica, não procede à indicação explícita que o direito adquirido apenas tem eficácia obrigacional, não proporciona aos AA. o direito de resolver o contrato no prazo de 10 dias úteis.
Tal como evidenciado na sentença objeto de recurso, quer o regime jurídico do DRHT quer o das CCG contempla um conjunto de normas que visam a proteção do consumidor. Normas essas cuja aplicação a R obviou ao constituir-se como associação a que aderem aqueles que são clientes e pretendem tornar-se titulares do direito à ocupação de suites para férias – no caso dos AA, aderiram à associação de modo a obterem o direito à ocupação de 2 T2 Membro de Prata e 2 T2 Membro de Ouro, incluindo ainda o direito a aceder a serviços e benefícios discriminados.
Está em causa, designadamente:
- o dever de celebração do contrato por escritura pública nos moldes estatuídos no art.º 6.º/1 e 2 do DL n.º 275/93, na versão então vigente;
- o dever de instruir a constituição do direito com certidão da qual devem constar todos os elementos enunciados no art.º 5.º n.º do citado DL, na redação então vigente, certidão essa que faz parte integrante do título – cfr. art. 6.º/2 do DL n.º 275/93, na versão então vigente;
- o dever de informação pré-contratual nos moldes definidos no art. 9.º do DL n.º 275/93, na versão então vigente;
- o dever de informação sobre o direito de resolução do contrato previsto no art. 48.º/3/al. a) do DL n.º 275/93, na versão então vigente;
- a proibição de previsão da alteração unilateral das regras que regulam a relação dos AA com a R, relevante em face do disposto nos arts. 12.º/ 2 e 22.º/1/ al. a) do RCCG;
- a proibição de fixação de taxa mensal de juros de mora desproporcionada à luz do art. 19.º/al. c) do RCCG.
Nestes termos, é de concluir que a adesão dos AA à associação R constituiu um negócio em fraude à lei, cuja nulidade, prevista no artigo 280.º do CC, se impõe declarar.

Improcedem, pois, as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida, salvo a mencionada alteração no que respeita ao n.º 36 da matéria de facto, sem repercussão no segmento decisório.

As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 24 de setembro de 2020
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sequinho dos Santos

__________________________________________________
[1] Ac. STJ de 23/03/2017 (Tomé Gomes).
[2] Cfr. fls. 7 e 8 da sentença.
[3] Ac. TRE de 12/07/2018, proc. n.º 7495/15.6T8STB.E1 (Vítor Sequinho dos Santos).
[4] Relativamente ao n.º 38 nenhuma alteração se impõe introduzir, já que o respetivo teor se mostra consonante com o determinado por este Tribunal.
[5] Cfr. acórdão deste Tribunal proferido neste processo.
[6] E não já cláusula 17, como, certamente por lapso, consta na sentença.
[7] Ac. STJ de 20/10/2009 (Sebastião Póvoas).
[8] Teoria Geral do Direito Civil, II, pág. 113.
[9] Teoria Geral da Relação Jurídica, 1992, vol. II, pág. 337.
[10] Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, págs. 423 ss.
[11] Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, págs.490 e ss.
[12] Teoria Geral do Direito Civil, pág. 519.
[13] Teoria Geral do Direito Civil, II, pág. 334 ss.
[14] Entre muitos outros, cfr. Acs. STJ de 10/02/2004, 25/01/2005, 20/10/2009, 14/03/2019.
[15] Cfr. fls. 45 e 45 do acórdão proferido a 28/06/2017.
[16] Cfr. acórdão citado, fls. 43 e 44.