PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE INDEFERIMENTO
APELAÇÃO AUTÓNOMA
ADMISSIBILIDADE
Sumário

I. No âmbito de um processo de promoção e proteção, não comporta apelação autónoma imediata o despacho que indeferiu a arguição da nulidade decorrente de ter sido ordenada e efetuada a inquirição de menor com exclusão da presença do mandatário da mãe da menor.
II. A sindicabilidade do despacho proferido sobre a arguição de uma nulidade secundária está condicionada à alegação da concreta violação de algum dos princípios ou regras enunciados no Artigo 630º, nº2, sob cominação de indeferimento do requerimento de interposição de recurso por a decisão não admitir recurso (Artigo 641º, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil).
III. O disposto no Artigo 630º, nº2, não constitui situação ressalvada pelo Artigo 644º, nº2, al. i), do Código de Processo Civil.
IV. Questão diversa da sindicabillidade do despacho é a da definição do momento em que deve ser interposto tal recurso, a qual se rege pelo disposto no nº3 do Artigo 644º do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam em conferência os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Em 21.11.2019, decorreu diligência no âmbito deste processo de promoção e proteção, no âmbito do qual foi lavrada a seguinte ata:
«Iniciada a diligência, a Mm.a Juíza procedeu a audição da Técnicas da EMAT de Sintra e do CAT Tercena, com a presença da Digna Magistrada do Ministério Público, da Ilustre Patrona das menores, Sr. a Dr. a BB, e do Ilustre Patrono da Progenitora, Sr. Dr. CC, iniciando com a audição da Técnica da EMAT de Sintra, Sr. a Dr. a JG, com intervenção da Técnica da EMAT de Sintra, Sr. a Dr. CL. —
A Mma. Juíza passou a ouvir a Técnica do CAT Tercena, Sr. a Dr. a MF. —
As presentes declarações encontram-se gravadas em formato digital aos minutos 00:00:01 a 01:46:29. --
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Após, pela Mma. Juíza foi proferido o seguinte
DESPACHO
«Seguidamente, serão ouvidas as menores, em separado, e apenas com a presença da Sr. a Procuradora do Ministério Público e da Sr. a Oficial de Justiça, considerando o disposto nos artigos 4° n° 1, alínea c) e n° 2, artigo 5° do RGPTC, via o previsto no artigo 84 da LPCPJ., sendo gravados os seus depoimentos para que possa ser depois exercido o contraditório pelos demais intervenientes que têm acesso ao processo, que é de natureza reservada. A audição será efetuada, tendo em conta a situação que as menores vivem, no momento, de alegado conflito com a vontade expressa da mãe e por se afigurar que a presença dos advogados, sem que pelas mesmas seja dito que querem que estejam presentes, pode condicionar a genuinidade das declarações a prestar pelas menores» --*
De seguida, pelo Ilustre Patrono da Progenitora foi pedida a palavra, a qual lhe foi concedida, e, no seu uso, requereu:
«Uma vez que foi comunicado pelo Tribunal que o Patrono da Progenitora das menores não poderá estar presente na inquirição das menores, que foi determinada no âmbito deste processo e que terá lugar de seguida, vem o mesmo arguir a nulidade dessa diligência, se efetuada na sua ausência, uma vez que as regras sobre inquirição de menores no âmbito de um processo de promoção e proteção são claras, e encontram-se em diversos diplomas, como o art.° 84° da LPCJP, que prevê que a inquirição das menores é efetuada nos termos previstos nos arts.° 4° e 5° do RGPTC, o qual, no art.° 5°, n° 7, al. b) refere que «a inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais». Subsidiariamente, rege o CPC para a produção de prova antecipada. --Ou seja, o Tribunal, ao decidir que os advogados são arredados de qualquer participação na inquirição das menores, viola frontalmente estas disposições legais, comete uma ilegalidade manifesta, não dando oportunidade ao advogado de poder fazer contraditório relativamente ao Ministério Público, pelo que para além de ilegal, esta decisão é manifestamente inconstitucional, e nesta conformidade vem o Patrono arguir a nulidade da diligência para os devidos efeitos legais.» --O presente requerimento encontra-se gravado em formato digital aos minutos 00:00:01 a 00:04:56. —
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Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, pela mesma foi promovido:
«Considerando que nos encontramos no âmbito de um processo de promoção e proteção e que segue as regas dos processos de jurisdição voluntária, tendo ainda em conta que as menores não têm tido contacto com a sua progenitora, por recusa de ambas em estarem com a mesma; alegando ambas medo de estar com a progenitora; requerendo ambas, por carta escrita ao processo, que a mãe não tenha conhecimento daquilo que expressam no processo e daquilo que vierem expressar na sua audição; tendo ainda em conta os direitos dos menores no âmbito do processo de promoção e proteção, designadamente, no art.° 84° da LPCJP, sobre os direitos do menor, no qual se refere «a participação do menor em qualquer diligência processual faz-se de modo que se sinta livre na sua pessoa e com o mínimo de constrangimento, sendo que o menor tem especial direito a ser ouvido oficiosamente ou quando o requerer pela autoridade judiciária», e, considerando os constrangimentos que estas crianças têm demonstrado na relação com a mãe, o Ministério Público opõe-se, perentoriamente, a que na diligência da sua audição esteja presente o advogado representante da mãe, por considerar que essa presença as poderá constranger na sua livre expressão de sentimentos ou de factos que são absolutamente essenciais para o Tribunal decidir sobre o seu destino e sobre a sua situação.»---
A presente promoção encontra-se gravada em formato digital aos minutos 00:00:01 a 00:02:55. —
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Dada a palavra à Ilustre Patrona das Menores, pela mesma foi requerido que seja perguntado às mesmas se se opõem à sua presença, uma vez que está a representá-las.
O presente requerimento encontra-se gravado em formato digital aos minutos 00:00:01 a 00:02:56. —
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Após, pela Mma. Juíza foi proferido o seguinte
DESPACHO
«Atento o adiantado da hora, serão ouvidas as menores, de imediato, após o que será a presente diligência suspensa e retomada pelas 15h30m.» —
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Seguidamente, a Mm.a Juíza procedeu a audição da menor - OAB - com a presença da Digna Magistrada do Ministério Público e da Sr. a Oficial de Justiça, a fim de garantir que a sua audição decorra em ambiente de tranquilidade para a menor, bem como acautelar a espontaneidade das suas declarações. --Foi perguntado a menor se queria ser ouvida sozinha ou com a presença dos senhores advogados ou com a presença de alguma Técnica. --Pela menor foi dito que não queria a presença dos advogados, mas preferia que estivesse presente a Técnica, MF. --Perguntada sobre se se opunha que a gravação das suas declarações ficasse à disposição das demais pessoas que as mesmas podem ter acesso, por força legal, pela menor foi dito que não. —
Seguidamente, pela Mma. Juíza foi determinada a presença da Técnica do CAT Tercena, Sr. a Dr. a MF, durante a inquirição da menor. --As presentes declarações encontram-se gravadas em suporte digital aos minutos 00:00:01 a 00:48:16 e 00:00:01 a 00:05:20. ---
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De seguida, a Mm.a Juíza procedeu a audição da menor - Segunda DA - com a presença da Digna Magistrada do Ministério Público e da Sr. a Oficial de Justiça, a fim de garantir que a sua audição decorra em ambiente de tranquilidade para a menor, bem como acautelar a espontaneidade das suas declarações. —
Foi perguntado a menor se quer ser ouvida sozinha ou com a presença dos senhores advogados ou com a presença de alguma Técnica. --Pela menor foi dito querer ser ouvida sozinha, sem a presença dos advogados e das Técnicas. --Perguntada sobre se se opunha que a gravação das suas declarações pudesse ser ouvida pelas pessoas que legalmente podem ter acesso às mesmas, pela menor foi dito que não. —
As presentes declarações encontram-se gravadas em formato digital aos minutos 00:00:01 a 00:36:37. --
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Após, pela Mma. Juíza foi suspensa a diligência, pelas 14h30, tendo sido dispensada a presença das menores, OAB e Segunda DA, da Técnica do CAT Tercena, Sr. a Dr. a MF, e das Técnicas da EMAT de Sintra, Sr. a Dr. CL e Sr. a Dr. a JG, já ouvidas. -
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A diligência foi reaberta pela Mma. Juíza, pelas 15h44m, com a presença da Progenitora, AA, do seu Ilustre Patrono, Sr. Dr. CC, e da Ilustre Patrona das Menores, Sr. a Dr. a BB.—
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De seguida foi pedida a palavra pela Ilustre Patrona das Menores, a qual lhe foi concedida, e no seu uso requereu:
«Relativamente a audição das menores sem a presença da sua Patrona nomeada, sem qualquer explicação fundamentada, vem a defesa das mesmas arguir a nulidade dessa diligência, realizada na sua ausência, no âmbito do processo de promoção e proteção de menores, nos termos do art.° 84° da LPCJP, e da alínea b), do n° 7, do art.° 5 do RGPTC, aprovado pela Lei n° 141/2015, de 8 de setembro, por violar frontalmente os legais efeitos.» —
O presente requerimento encontra-se gravado em formato digital aos minutos 00:00:01 a 00:02:33. —
Dada a palavra a Digna Magistrada do Ministério Público, pela mesma foi promovido:
«Invocando os artigos que regulamentam os processo de jurisdição voluntária - art.° 10° da LPCJP, que indica a importância do consentimento da criança com idade superior a 12 anos, o art° 84°, que se reporta a audição da criança em processo de promoção e proteção, o art.° 58° que refere os direitos da criança e do jovem em acolhimento, nomeadamente, sobre o seu direito de audição, considero que face as circunstâncias já referidas na anterior promoção, nomeadamente os constrangimentos articulados pelas próprias crianças em serem ouvidas na presença da senhora advogada e dos outros intervenientes processuais, e bem assim dos factos que constam dos autos quanto a sua recusa em estar com a mãe, entende o Ministério Público que tratando este processo de promover o superior interesse das crianças, não seria do seu interesse serem ouvidas na presença de pessoas que, elas próprias, crianças, diga-se que com discernimento suficiente, visto já terem 10 e 13 anos, não querem que estejam presentes, considerando, assim, que não existe qualquer nulidade na referida diligência.»---
A presente promoção encontra-se gravada em formato digital aos minutos 00:00:01 a 00:03:32. —
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Após, pela Mma. Juíza foi proferido o seguinte
DESPACHO
«Relativamente as nulidades invocadas pelos senhores advogados, o Tribunal decide o seguinte: indefere o requerido, por considerar que não foi cometida qualquer nulidade processual, nem sequer irregularidade. —
A audição das crianças e jovens, quer no regime geral do processo tutelar cível, quer no âmbito da LPCJP, deve ser efetuada de forma a garantir a espontaneidade, fidedignidade, segurança, dos menores ao serem ouvidos, o que impõe que seja preservada a sua tomada de declarações, de modo a que possam prestar declarações ou depoimento sem sofrer qualquer tipo de constrangimento, insegurança ou de sentimento "que se está a violar algum dever de lealdade para com os demais intervenientes do processo, principalmente os que têm relativamente aos seus progenitores e familiares diretos.---
Assim sendo, nos termos do disposto nos artigos 4°, a), 84°, e 62° da LPCJP e dos artigos 4°, c) e 5°, n°s 1,2,5,6,7, e 12° do RGPTC e dos artigos 986° e 987°, 164, do Código do Processo Civil, julga-se que não foi cometida qualquer nulidade. —
Foi perguntado às menores como pretendiam ser ouvidas, se acompanhadas ou se com a presença dos senhores advogados e de alguma das técnicas, tendo pela jovem OAB sido dito que pretendia a companhia da Sr. a MF, e pela menor Daniela, que pretendia ser ouvida sozinha e que não queria também a presença dos senhores advogados. —
Mais, as declarações prestadas foram gravadas, podendo assim ser sindicadas e ouvidas pelos Advogados, ora requerentes, os quais depois a sua audição podem requerer tomadas de esclarecimentos que possam considerar necessários, pelo que não se pode considerar que haja violação do direito do contraditório, do dever de patrocínio, tendo o Tribunal tomado a medida adequada a garantir que as menores prestassem informações não sujeitas a ambiente que as pudesse inibir nas respostas. —
Pelo que se indefere, o requerido por não existir qualquer tipo de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 195, e 200 do CPC, não tendo sido violado o disposto no n° 7 do artigo 5°, uma vez que o estabelecido na alínea b) ainda poderá ser exercido, e a decisão tomada visa garantir o escopo principal do presente processo, que é a salvaguarda do superior interesse das crianças e jovens., inexistindo norma que imponha a presença obrigatória dos advogados dos intervenientes neste tipo de processos, como acontece no caso do Ministério Público que tem intervenção e assistência obrigatória em todos os atos, legalmente estabelecida por se encontrar a defender o superior interesse da criança.»—
O presente despacho encontra-se gravado, em formato digital aos minutos 00:00:01 a 00:11:59. —
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Seguidamente, pela Mma. Juíza foi ouvida a progenitora, AA. —
As presentes declarações encontram-se gravadas em formato digital aos minutos 00:00:01 a 00:56:47. --
De seguida, pela Mm a. Juíza foi proferido o seguinte
DESPACHO
«Atento o adiantado da hora e o facto de o tribunal se encontrar em sessões continuas relativamente a diligências que começaram às 10h00, com apenas uma curta paragem para alimentação e satisfação das necessidades básicas dos intervenientes, determino que sejam tidas como efetuadas as inquirições ordenadas e que seja dada oportunidade aos senhores advogados para ouvirem a cópia das gravações da inquirição das menores, devendo ser notificados para se pronunciarem quanto à revisão da medida nos termos do art. 85°, após o que devera ser aberta vista.»—
O presente despacho encontra-se gravado em formato digital aos minutos 00:00:01 a 00:10:02. —
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De imediato foram os presentes devidamente notificados do despacho que antecede, tendo dito ficar bem cientes. —
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Seguidamente, foi requerida cópia da gravação das inquirições pela Ilustre Patrona das menores, a qual lhe foi entregue. —
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A diligência encerrou pelas 17h12 horas. —»
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Em 5.12.2019, a mãe das menores veio recorrer do despacho que indeferiu a nulidade relativa à audição das menores na ausência do advogado patrono da mãe, formulando as seguintes conclusões:
«1
A audição das menores deverá sempre ser efetuada na presença dos mandatários/patronos que representam os demais intervenientes no processo, máxime a própria patrona de uma das menores, apenas sendo possível a sua exclusão dessa diligência se em despacho prévio, devidamente fundamentado, fosse indicado o superior motivo pelo qual a sua presença seria proibida.
2
A comunicação verbal aos patronos, no início da diligência, informando-os que a audição das menores iria ocorrer na sua ausência, não consubstancia um despacho formal nos termos dos arts 153°, 3, 154° e 155°,1 CPC, acrescendo que tal comunicação verbal também não foi fundamentada.
3
A fundamentação para a decisão de exclusão dos advogados da audição das menores surge, já após concluída a diligência, no despacho recorrido a indeferir a arguição de nulidade da mesma, e pese embora não substitua o inexistente despacho prévio àquela, ainda assim deveria indicar qual o motivo concreto que estava na origem da decisão anterior, o que não ocorre, já que o despacho em crise limita-se a enunciar princípios gerais sobre a audição de menores.
4.
O despacho recorrido viola o disposto no art. 5°, nº7 do RGPTC ex vi art 84° LPCJP, devendo ser revogado e declarada nula a audição das menores.
Assim fazendo V. Exas Justiça!»
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
Em 13.8.2020, neste Tribunal da Relação, foi proferido despacho facultando o contraditório nos termos do Artigo 655°, n°1, do Código de Processo Civil, pretendendo o Tribunal pronunciar-se sobre a inadmissibilidade do presente recurso.
A apelante veio pronunciar-se nos termos de fls. 76-77, pugnando pelo prosseguimento do recurso.
Em 2.9.2020, foi proferido despacho que não admitiu o recurso interposto pela apelante por ser intempestivo por prematuridade.
*
Vem a apelante reclamar de tal despacho para a conferência, alegando designadamente que:
«O art. 644º Código de Processo Civil tipifica os casos em que é permitido recurso de apelação autónomo, estabelecendo a al. i) do nº2 deste preceito a sua admissibilidade: nos demais casos previstos pela lei.
O art. 630º, nº2, Código de Processo Civil indica que não é admissível recurso das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no nº1 do art. 195º salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.
Significa assim, a contrario, que é permitido recurso de decisões sobre nulidades previstas no art. 195º, 1 Código de Processo Civil, quando tal invocada nulidade incide sobre violação do princípio da igualdade e do contraditório.
Ora, o despacho da 1ª instância recorrido considera que inexiste qualquer nulidade na preterição de uma formalidade essencial, como seja a presença de advogados numa audição de menores, autorizando a do MP, violando assim o princípio da igualdade (…).
Da forma como o recurso vem configurado, é, pois, manifesto que a questão em apreço no despacho em crise reside na violação do princípio da igualdade e do contraditório, pelo que nos termos das disposições conjugadas dos arts. 195º, 1, 630º, 2, 644º, 2 i) Código de Processo Civil e 126º da Lei 147/1999, na versão atualizada dada pela Lei 142/2015, 8.9, o presente recurso é admissível.
O doutro despacho do Exmo. Desembargador Relator, ora reclamando, considera que fica prejudicado o disposto no art. 630º, 2 Código de Processo Civil, porém, salvo melhor opinião, tal preceito conjugado com o disposto nos art. 644º, 2 i) e 126º da Lei 147/99, na versão atualizada dada pela Lei 142/2015, de 8-9, claramente permite interposição de recurso nos termos que desta apelação constam.»
*
APRECIANDO:
A apelante veio interpor recurso do despacho proferido em primeira instância, nos termos do qual foi indeferida a arguição da nulidade alegadamente consistente em ter sido efetuada a inquirição das menores com exclusão da presença do mandatário da mãe das mesmas, ora apelante.
Nos termos do Artigo 123°, n°1, da Lei n° 147/99, de 1.9, «Cabe recurso das decisões que, definitiva ou provisoriamente, se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e proteção e sobre a decisão que haja autorizado contactos entre irmãos, nos casos previstos no n°7 do artigo 62°-A.» E, nos termos do Artigo 126°, «Ao processo de promoção e proteção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recurso, as normas relativas ao processo civil declarativo comum.»
Por sua vez, dispõe o Artigo 644° do Código de Processo Civil que:
«1 - Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.g instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.g instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.g instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.° 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.»
A decisão, que a apelante pretende impugnar imediatamente, não se subsume a nenhuma das situações previstas no Artigo 123° da Lei n° 147/99, de 1.9, nem a nenhuma das situações previstas no Artigo 644°, n°1 e n°2, do Código de Processo Civil.
O disposto no Artigo 644º, nº2, al. i), «tem o único objetivo de pôr o intérprete e aplicador de sobreaviso relativamente à admissibilidade de recursos interlocutórios fundados noutros preceitos avulsos do Código de Processo Civil ou diplomas extravagantes» (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2020, 2ª ed., Almedina, p. 807). Será o caso, por exemplo, do disposto nos Artigos 150º, nº5, e 942º, nº4, do Código de Processo Civil.
Ao contrário do que sustenta a reclamante, o disposto no Artigo 630º não constitui um dos casos prevenidos pela al. i), do nº2, do Artigo 644º.
Nos termos do Artigo 630º, nº2, do Código de Processo Civil, «Não é admissível recurso das decisões de simplificação  ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no nº1 do art. 6º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no nº1 do artigo 195º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios
Decorre desta norma que a decisão proferida sobre a arguição de nulidade é suscetível de recurso, mas – ainda assim - com limitações: desde que contenda com os princípios matriciais da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (Artigo 630º, nº2, do Código de Processo Civil). Ou seja, cabe ao recorrente alegar que a nulidade relativa ocorrida – além de ser essencial por interferir no exame ou na decisão da causa – infringe pelo menos um dos referidos princípios ou contende com a admissibilidade de meios probatórios. A exigência deste fundamento específico para a admissibilidade do recurso é «(…) ainda, um reflexo do princípio da instrumentalidade das formas ou do aproveitamento dos atos processuais, sendo tributária dos princípios da celeridade processual e da estabilidade do processo. Se o ato supostamente viciado não impede a função instrumental do processo – isto é, a declaração do direito substantivo não é prejudicada -, não estando comprometida a natureza equitativa deste, não deve ser admitida a sua destruição» - Paulo Ramos de Faria, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, II Vol., 2014, p. 33. Dito de outra maneira, a sindicabilidade do despacho proferido sobre a arguição de uma nulidade secundária está condicionada à alegação da concreta violação de algum dos princípios ou regras enunciados no Artigo 630º, nº2 (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 60), sob cominação de indeferimento do requerimento de interposição de recurso por a decisão não admitir recurso (Artigo 641º, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil).
Em resumo, o Artigo 630º rege sobre as condições de sindicabilidade do despacho que aprecia uma nulidade processual.
Questão diversa da sua sindicabilidade é a de saber qual o momento em que tal recurso pode e deve ser interposto. Sobre esta questão, rege o Artigo 644º, máxime nº3, do Código de Processo Civil, nada se afirmando no Artigo 630º que permita a interpretação, segundo a qual, o recurso tem subida autónoma imediata.
Assim sendo, a decisão em causa só pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão que determine a aplicação, alteração ou cessação da medida de promoção e proteção, nos precisos termos do n°3 do Artigo 644° do Código de Processo Civil.
Existe uma situação similar que se subsume ao mesmo regime. Assim, se uma parte arguir a nulidade secundária decorrente da prestação de depoimento com infração de sigilo profissional (cf. Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, 2ª ed, 2020, p. 291), o despacho que aprecie tal nulidade só é impugnável nos termos do nº3 do Artigo 644º.
Na decisão singular, quando se afirmou que ficava «prejudicada a apreciação da pertinência do regime do Artigo 630°, n°2, do Código de Processo Civil, ex vi Artigo 608°, n°2, do Código de Processo Civil», quis-se dizer que não há que apreciar a recorribilidade do despacho porquanto o recurso é intempestivo. A intempestividade, por prematuridade, do recurso torna inútil a apreciação da recorribilidade em função do conteúdo da decisão (cf. Artigos 130º e 652º, nº1, al. b), do Código de Processo Civil).
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Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a reclamação para a improcedência, nada havendo a alterar ao despacho proferido pelo relator de rejeição do recurso.

Lisboa, 13.10.2019
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete