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ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
OBRAS
Sumário
I) A propriedade horizontal caracteriza-se pela existência de uma coletividade, uma comunidade de condóminos com um interesse comum, relativo às partes comuns, aqui se estabelecendo relações que importa regular, porquanto se trata de uma realidade em que a liberdade de um termina onde começa a dos outros. II) Assim, por ser da responsabilidade dos condóminos, enquanto coletividade, a administração das partes comuns, qualquer dano causado pelo prédio, por força de uma deficiente administração é, naturalmente, da responsabilidade daqueles. III) A competência do órgão deliberativo – assembleia de condóminos - está restrita às relações respeitantes ao uso, ao gozo e à conservação das coisas e serviços comuns, estando-lhe vedado invadir a esfera da propriedade individual e exclusiva de cada condómino. IV) À assembleia compete, portanto, tomar posição sobre todas as questões relativas às partes comuns. V) A deliberação da assembleia de condóminos que deliberou adiar a apreciação de ponto da ordem de trabalhos, mediante determinadas condições temporárias, na medida em que não viola normas gerais imperativas, nem infringe normas de interesse e ordem pública, não é nula e poderia ser impugnada nos prazos previstos para as deliberações anuláveis. VI) Não tendo a referida deliberação sido tempestivamente impugnada, a mesma mantém-se válida na ordem jurídica, até ser revogada, substituída ou anulada. VII) O artigo 1.º, n.º 2, do D.L. n.º 268/94, de 25 de outubro - pressupondo a devida enunciação e conformação formal das deliberações em acta e não prescindindo, na sua interpretação, da correlação com a previsão do n.º 1 do artigo 1433.º do CC, daí derivando que, só as deliberações (anuláveis) que se tornem definitivas, na decorrência da sua inimpugnabilidade, é que são vinculativas nos termos da previsão do primeiro preceito legal referido - não viola o princípio da proporcionalidade, não sendo inconstitucional.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
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MC… e SP…, identificadas nos autos, instauraram a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra o CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA …, Nº …, …-… LISBOA, também identificado nos autos, pedindo a condenação do réu a: “I – A efectuar as obras de reparação e conservação necessárias a evitar as infiltrações que se verificam nas fracções designadas pelas letras “A” e “B”, obras essas que consistem na impermeabilização do terraço e na reparação da clarabóia nele existente; II – No pagamento da reparação dos danos causados pelas infiltrações existentes nas mesmas fracções autónomas, no caso de a companhia de seguros, dado o tempo decorrido, não assumir essa responsabilidade (…)”.
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Alegaram, em síntese, que:
- MS… era proprietário das frações autónomas A e B do prédio dos autos, correspondentes a duas lojas na cave, com entrada direta para a via pública, acedendo-se à fração A pela porta que tem o n.º …-B e à fração B pela porta que tem o n.º …-A;
- As frações são em parte cobertas pelo edifício e noutra parte pelo terraço que o serve, pelo qual se acede às demais lojas e à parte habitacional do prédio;
- As frações encontram-se ligadas entre si diretamente, sendo objeto de um único contrato de arrendamento;
- Em 08-01-2016, a 2.ª Autora foi contactada pelo arrendatário das duas frações, que lhe comunicou que, na sequência de continuadas infiltrações provenientes do terraço do prédio, desabara uma parte substancial do teto das lojas (o qual não tinha, ao tempo, qualquer revestimento falso, pelo que o sucedeu foi a desagregação da massa da placa, por efeito de infiltração da água, tendo caído no interior pedaços de reboco e água suja);
-Verificava-se também uma deterioração generalizada da pintura do teto, já que a tinta, contaminada com água, empolou, vindo também a cair no solo;
-Contactada, a administração do condomínio fez a participação à seguradora do edifício;
-Por que tardasse a resolução do problema, as autoras decidiram proceder resolver provisoriamente, fazendo revestir, interiormente, a parte mais crítica do teto com placas em PVC;
-A seguradora do réu reembolsou as autoras das despesas e assumiu a responsabilidade pela reabilitação da loja;
-Todavia, a reabilitação da loja apenas poderia acontecer depois de resolvido o problema das infiltrações – tal como foi transmitido por email pela seguradora à 2.ª autora, que reencaminhou para o réu, em 7.4.2016;
-O réu não providenciou pela realização das obras que se mostram indispensáveis para pôr termo à entrada de água nas frações autónomas.
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O réu apresentou contestação.
Por exceção:
Em assembleia de condóminos de 28.2.2018, o réu decidiu adiar a deliberação acerca das obras de impermeabilização do terraço, até à decisão judicial a ser proferida no processo administrativo de cancelamento/nulidade do registo da propriedade horizontal, instaurado pelo Ministério Público.
O direito de propor a ação de impugnação da deliberação caducou.
A deliberação é válida e eficaz.
Não tendo as autoras utilizado o meio processual próprio para obter a anulação da deliberação, não podem por via da presente ação pretender alcançar um resultado que se traduz na anulação daquela deliberação.
O réu invoca igualmente questão prejudicial. Não aceita que o espaço identificado pelas autoras como fração B seja uma fração autónoma, mas antes parte comum do edifício, sendo que, a fração A e o espaço designado pelas autoras como fração B são em parte cobertas pelo edifício e noutra parte por um corredor de acesso à parte habitacional e lojas do prédio e de mais quatro prédios contíguos, não se tratando de terraço de cobertura.
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Notificadas, as autoras responderam.
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O Tribunal recorrido consignou a intenção de conhecer de imediato do mérito da causa, tendo sido facultada às partes a respetiva discussão de facto e de direito, as quais se pronunciaram, conforme requerimentos de 28-06-2019 (autoras) e de 28-08-2019 (réu).
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Após, foi proferido despacho saneador-sentença, em 18-12-2019, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo o réu do pedido.
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Não se conformando com a referida sentença, dela apelam as autoras, formulando as seguintes conclusões: “a) As AA., ora apelantes, são proprietárias (sem determinação de parte ou direito) das fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B”, correspondentes a duas lojas, com entrada directa pela via pública, do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua …, nºs. … a …-J, por as terem herdado de MS…, em nome de quem ainda está averbado o direito de propriedade; b) A cobertura daquelas fracções autónomas das AA., aqui apelantes, é feita, parcialmente, por um terraço através do qual se acede às demais lojas do prédio e ao edifício; c) Em 8 de Janeiro de 2016, as infiltrações consentidas pela falta de conservação do terraço de cobertura determinaram a queda de parte do reboco do tecto das fracções autónomas atrás identificadas; d) A administradora do condomínio recorrido participou o sinistro à seguradora, que assumiu a responsabilidade pela reabilitação das lojas, mas os trabalhos só poderão ser feitos após a impermeabilização do terraço; e) Em 2018 (dois anos depois do acidente), a assembleia dos condóminos do condomínio R. deliberou adiar sine die, a realização das obras de impermeabilização; f) As AA., ora recorrentes, não impugnaram essa deliberação; g) Em 28 de Maio de 2018 deu entrada em juízo a presente acção, na qual as AA., aqui apelantes, peticionam, além do mais, a condenação do R. a efectuar as obras de reparação e conservação do terraço, por forma a pôr termo a infiltrações através dele para as suas fracções autónomas; h) O Mmo. Juiz a quo entendeu que, por não ter sido impugnada nos termos do art. 1433º. do Código Civil, a deliberação de não proceder à realização das obras vinculava as AA. e impedia-as de obter a pretendida condenação; i) A obrigação de reparar as partes comuns não é arredável por deliberação da assembleia de condóminos, sendo nula a que tenha por conteúdo não as realizar; j) O entendimento expresso pelo Mmo. Juiz a quo atribuiria a uma deliberação da assembleia de condóminos não impugnada a força de afastar, definitivamente, o direito do condómino poder fruir a sua fracção que sofra danos causados pelas partes comuns do prédio; k) Aquele que viola ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, nos termos do nº. 1, do art. 483º. do Código Civil, impendendo sobre o condomínio a obrigação de conservação das partes comuns (compropriedade de todos os condóminos), por força do preceituado no nº. 1 do art. 492º. do mesmo Código; l) Estando o R., aqui apelado, obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (C. Civil, art. 562º.), uma deliberação da assembleia de condóminos, ainda que não impugnada, não tem a virtualidade de perpetuar a lesão sofrida pelos apelantes, nem de afastar a obrigação de indemnizar a que o agente está adstrito; m) Constituindo o terraço (que cobre parcialmente as fracções autónomas das AA.) uma parte comum do edifício, nos termos do disposto na alínea b) do nº. 1 do art. 1421º. do Código Civil, a sua conservação impende sobre os condóminos, em proporção do valor das suas fracções, de acordo com a regra expressa no nº. 1 do art. 1423º. do mesmo Código; n) Sendo nula a deliberação da assembleia de condóminos que decidiu não realizar as obras no terraço comum, essa deliberação não pode obstar à efectivação do direito das AA., aqui apelantes; o) Quando o nº. 2 do art. 1º. do Dec.-Lei nº. 268/94, de 25 de Outubro, consinta a interpretação de que a deliberação da assembleia de condóminos vincula todos os condóminos, seja qual for o seu conteúdo e ainda que a deliberação seja nula, essa norma é inconstitucional, inconstitucionalidade que aqui expressamente se suscita; p) O Mmo. Juiz a quo procedeu a errada interpretação e aplicação dos arts. 483º., nº. 1, 492º., nº. 1, 561º. e 1424º., nº. 1, do Código Civil e aplicou uma norma inconstitucional, qual é o nº. 2 do art. 1º. do Dec.-Lei nº. 268/94, de 25 de Outubro, que viola o princípio da proporcionalidade consagrado no nº. 2 do art. 18º. da Constituição”.
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O réu contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso interposto e manutenção da sentença proferida, tendo formulado as seguintes conclusões: “1) Encontra-se registada a propriedade de MS… relativamente às frações autónomas A e B do prédio dos autos e as Apelantes são as únicas herdeiras do falecido. 2) A cobertura daquelas “fracções autónomas” é feita parcialmente por um espaço que é um corredor de acesso a cinco prédios, no qual se inclui a parte habitacional e lojas do prédio em referência. 3) A 8 de Janeiro de 2016 a 2.ª Apelante contactou a administração do Apelado, comunicando a ocorrência de infiltrações nas lojas, provenientes de infiltrações do terraço do prédio, que provocaram danos nos tetos. 4) O Apelado fez a participação à seguradora do edifício e esta reembolsou as Apelantes das despesas tidas com a reparação provisória dos danos e assumiu a responsabilidade pela reabilitação da loja. 5) Em Assembleia de Condóminos de 28.2.2018 foi deliberado adiar a decisão sobre uma eventual realização de obras condicionada à verificação de dois pressupostos essenciais e legítimos à fundamentação e justificação dessa decisão, a saber, a) Á definição, por parte da Câmara Municipal de Lisboa sobre se a afectação do espaço que cobre parcialmente as fracções em causa, constitui um espaço público ou privado, e, no caso de se tratar de espaço público, se é uma área afecta ao domínio público das autarquias locais, com as legais consequências em matéria de responsabilidade pela conservação e reparação do mesmo. b) Á decisão judicial, a ser proferida no processo administrativo de cancelamento/nulidade de registo da propriedade horizontal, instaurado pelo Ministério Público, relativa à qualificação de um dos espaços objecto dos presentes autos como fracção autónoma ou parte comum, bem como, independentemente da qualificação jurídica, o esclarecimento sobre a conformidade do título constitutivo da propriedade horizontal com o uso aprovado no projecto e telas finais, com as legais consequências em matéria de legitimidade activa das Apelantes para solicitar a realização de quaisquer obras. 6) As Apelantes não impugnaram essa deliberação. 7) Nos presentes autos pedem as Apelantes a condenação do ora Apelado a efectuar as obras de reparação e conservação necessárias a evitar as infiltrações nas fracções designadas pelas letras “A” e “B”, obras essas que consistiriam na impermeabilização do terraço e na reparação da claraboia nele existente e no pagamento da reparação dos danos causados pelas infiltrações existentes nas mesmas fracções autónomas, no caso de a companhia de seguros, dado o tempo decorrido, não assumir essa responsabilidade. 8) O Mmo Juiz a quo procedeu à fiscalização da legalidade da deliberação, não se tendo pronunciado, oficiosamente, atenta a não invocação desta por parte das ora Apelantes, pela nulidade da mesma, por se não verificar, em concreto, a violação de quaisquer normas legais. 9) De facto, não se eximiu o Recorrido, por via da deliberação de 28 de Fevereiro de 2018, ao cumprimento de qualquer obrigação a que se encontrasse adstrito, nem violou qualquer disposição legal, designadamente, não violou o disposto nos artigos 483, nº1, 492, nº1, 562 e 1424, nº 1 todos do Código Civil, conforme alegam as Apelantes. • Quanto ao artigo 483, nº 1 do CC., porque não se encontrava provada a titularidade por parte das ora Apeladas de qualquer direito, nem a existência de qualquer violação fosse de que direito fosse, nem a identidade de qualquer agente autor de uma qualquer violação, nem o nexo de causalidade entre essa suposta violação de direito e os não apurados danos. Ou seja, os pressupostos para a aplicação do instituto da responsabilidade civil não se encontravam, de todo, preenchidos pelo que é inaplicável, ao caso concreto, a norma em referência. • Quanto ao nº 1 do artigo 492 do CC., porque, por um lado, o Condomínio recorrido só seria proprietário daquela parte do edifício se estivesse já estabelecido que o espaço identificado como fracção “A” constituía uma parte comum do prédio, com as naturais consequências ao nível da legitimidade activa das Apelantes e, por outro lado, não se mostrava provada a existência de um defeito de conservação, nem a culpa do eventual sujeito da obrigação. • Quanto ao artigo 562 do CC., porque, por maioria de razão, na sequência das precedentes conclusões, a reconstituição natural prevista na norma legal pressupõe a verificação dos requisitos já sobejamente analisados supra, que, no caso concreto, não estão preenchidos. • Quanto ao nº 1 do Artigo 1421 do CC., porque precisamente, uma das questões controvertidas à data da deliberação era, precisamente, a de apurar se o espaço que cobria as “fracções” era um terraço de cobertura ou um corredor de acesso a cinco prédios, no qual se incluía a parte habitacional e lojas do prédio em referência. Não estando comprovada a qualificação do espaço como terraço de cobertura, é inaplicável, ao caso concreto a norma supra. 10) Mais, entendeu o Mmo Juiz a quo que, por não ter sido impugnada, nos termos do artº 1433 do CC. nos prazos legalmente previstos, caducou o direito de o fazer, julgando procedente a excepção de caducidade invocada pelo ora Apelante. 11) Consequentemente, não se encontrando ferida nem de nulidade nem sendo anulável, tal deliberação era perfeitamente válida e eficaz. 12) Concluíndo o Mmo Juiz a quo pelo carácter vinculativo da referida deliberação para todos os condóminos, nomeadamente, para as ora Apelantes. 13) E, consequentemente, impedindo estas de (SIC) “peticionar a realização das obras quando existe uma decisão de adiamento das obras em causa”. 14) Absolvendo o Apelado, dos pedidos deduzidos pelas Apelantes. 15) Culminando, por essa via, a fiscalização da legalidade da deliberação a que procedeu, à luz dos princípios aplicáveis do ordenamento jurídico, designadamente em matéria de vícios que pudessem ferir a sua validade e eficácia. 16) Concluindo que tal deliberação é válida e eficaz e por isso, e nessa medida, vinculativa para os condóminos, nomeadamente para as ora Apelantes. 17) Daqui resulta claro que a interpretação dada ao nº 2 do art 1º do DL 268/98 de 25 de Outubro foi uma interpretação sistemática que, em nada, coincide com a alegada interpretação que as Apelantes pretendem ter sido efectuada pelo Mmo Juiz a quo e cuja inconstitucionalidade invocam. 18) Repudia-se, assim, a invocada inconstitucionalidade do nº 2, do artº 1º do DL 268/98 de 25 de Outubro.”.
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Admitido liminarmente o requerimento recursório e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* 2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões das apelantes, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são:
A) Se a procedência da pretensão das recorrentes estava dependente da prévia impugnação, nos termos do artigo 1433.º do CC, da deliberação tomada pela assembleia de condóminos em 28-02-2018?
B) Se a decisão recorrida procedeu a errada interpretação e aplicação dos artigos 483.º nº. 1, 492.º nº. 1, 562.º e 1424.º nº. 1, do Código Civil?
C) Se a decisão recorrida ao aplicar o artigo 1.º, n.º 2, do D.L. n.º 268/94, de 25 de outubro, aplicou norma inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do art. 18.º da Constituição?
* 3. Enquadramento de facto:
* A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. Encontra-se registada a propriedade de MS… relativamente às frações autónomas A e B do prédio dos autos, constituído em propriedade horizontal, correspondentes a duas lojas na cave, com entrada direta para a via pública.
2. As autoras são as únicas herdeiras do falecido.
3. Em 8.1.2016, a 2.ª autora contactou a administração do condomínio, comunicando a ocorrência de infiltrações nas lojas, provenientes de infiltrações do terraço do prédio, que provocaram danos nos tetos.
4. O réu fez a participação à seguradora do edifício.
5. As autoras decidiram proceder à reparação provisória dos danos.
6. A seguradora do réu reembolsou as autoras das despesas tidas com a reparação provisória dos danos e assumiu a responsabilidade pela reabilitação da loja.
7. Em 7.4.2016, a entidade encarregada pela seguradora do réu de proceder às reparações, enviou o email de fls. 21V à 2.ª autora, que o reenviou ao réu, com o seguinte teor: “Tal como vos falei via telefone, tenho em mãos a obra de reparação interior dos danos causados pela infiltração de águas no interior da sua loja, sita na Rua …, nº. … A/B, …-… Lisboa. Como sabe só poderemos dar início aos trabalhos de reparação quando a origem das infiltrações, ou seja, a impermeabilização do terraço, da clarabóia e da junta de dilatação estiverem completamente reparadas. Se repararmos os trabalhos de imediato, corremos o risco de nas primeiras chuvas ficar com a loja, de novo, no estado atual.”
8. Em assembleia de condóminos de 28.2.2018, a fls. 22 e ss., relativamente à ordem de trabalhos “5. Discussão e deliberação sobre a realização das obras de impermeabilização do terraço (ponto solicitado pela proprietária das frações A, B, C, D, E, F, G, e H)”, foi deliberado: “(…) A condómina do ….º Dto. referiu que não se recusa a fazer as obras, no entanto necessita primeiro de ter a informação necessária. Todos os presentes concordaram referindo que esta deliberação será adiada até obterem a resposta da CML e do Tribunal. Todos votaram a favor com exceção das proprietárias das lojas, que votou contra. (…)”
9. A fls. 74V e ss., juntaram certidão de arquivamento do processo administrativo, atestando que não foi instaurada ação judicial, relativamente à eventual propositura de ação judicial com vista à declaração de nulidade parcial do título constitutivo de propriedade horizontal do prédio dos autos.
* 4. Enquadramento jurídico:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando as questões supra enunciadas.
* A) Se a procedência da pretensão das recorrentes estava dependente da prévia impugnação, nos termos do artigo 1433.º do CC, da deliberação tomada pela assembleia de condóminos em 28-02-2018?
Na fundamentação de Direito da sentença recorrida pode ler-se, nomeadamente, o seguinte: “As frações de que um edifício se compõe podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal, desde que estejam preenchidos os requisitos administrativos, cf. artigo 1414.º do Código Civil. No caso, o prédio dos autos foi constituído em propriedade horizontal, cf. artigo 1417.º do Código Civil. Cada proprietário é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns, cf. artigo 1420.º do Código Civil. Salvo convenção em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns são pagas pelos condóminos em proporção das suas frações, cf. artigo 1424.º do Código Civil. A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador, cf. artigo 1424.º do Código Civil. A assembleia delibera e o administrador executa. As deliberações dos condóminos são efetuadas em assembleia e reduzidas a escrito, em ata, cf. artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro. Para o efeito, todos os condóminos devem ser convocados, cf. artigo 1432.º do Código Civil. As deliberações constantes de atas são vinculativas para os condóminos e terceiros titulares de direitos relativos a frações, cf. artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro. Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 1433.º do Código Civil: “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.” No caso, a assembleia de condóminos do condomínio réu deliberou adiar a deliberação acerca das obras de impermeabilização do terraço. Tais obras são as peticionadas pelas autoras na presente ação. A fiscalização da legalidade das deliberações de condóminos é da competência dos Tribunais. Em sede de impugnação judicial cabe ao Tribunal fiscalizar a legalidade da deliberação. O Tribunal não pode ir para além da declaração de anulação de deliberação contrária à lei. As autoras não peticionaram, nem peticionam, a anulação daquela deliberação. Aliás, os prazos previstos no artigo 1433.º, do Código Civil terminaram muito antes da instauração da presente ação, por caducidade. Assim, a deliberação é vinculativa para os condóminos, nomeadamente para as autoras. Em consequência, não podem as autoras peticionar a realização das obras por parte do réu, quando existe uma decisão de adiamento das obras em causa. Improcede pois o 1.º pedido. Por outro lado, as autoras peticionam a condenação do réu a pagar às autoras a reparação dos danos causados, no caso de a seguradora não assumir essa responsabilidade, atento o lapso de tempo decorrido. Todavia, provou-se que a seguradora do réu reembolsou as autoras das despesas tidas com a reparação provisória dos danos e assumiu a responsabilidade pela reabilitação da loja. Pelo exposto, improcede igualmente o segundo pedido. Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, cf. artigo 608, n.º 2, do Código do Processo Civil”.
As recorrentes insurgem-se contra a sentença recorrida tendo alinhado, designadamente, as seguintes considerações: “É entendimento das AA., ora apelantes, que a falta de impugnação não sana os vícios de todas as deliberações da assembleia de condóminos. Na verdade, Há matérias que, pela sua especificidade e natureza, não estão sujeitas a deliberação dos condóminos, que não podem afastar as regras que as regulam. Crêem as apelantes que o caso dos autos é paradigmático: a circunstância de a assembleia dos condóminos do condomínio aqui apelado ter deliberado que não efectuaria as obras em parte comum cuja deterioração causa sérios prejuízos às fracções autónomas das AA., e de essa deliberação não ter sido impugnada, não afasta o direito das AA. A verem reabilitado o espaço em causa. Embora a propósito da modificação da repartição legal das despesas de conservação das partes comuns, o douto acórdão desta Veneranda Relação proferido em 14 de Novembro de 2017, de que foi relatora a Excelentíssima Desembargadora Senhora Dra. Higina Castelo, explicitou, lapidarmente, a diferença entre deliberações anuláveis e deliberações nulas: Por via do transcrito artigo [o 1433º. Do C.C.], a lei afasta a consequência da nulidade para deliberações da assembleia de condóminos que lhe sejam contrárias, consagrando o da anulabilidade. Mas será assim para todos os casos de deliberações contrárias à lei? usando palavras alheias, que a propósito vêm, “antes do mais, há a notar que a opinião comum que, pese embora a letra da lei, certos tipos de ilegalidade geram nulidade de deliberações – e não a mera anulabilidade (…). O C.C. seguiu, em matéria de deliberações da assembleia de condóminos, como no tocante às deliberações das assembleias gerais das associações (art. 177º.), a orientação de diplomas anteriores (designadamente do Código Comercial, no seu art. 146º.) de só prever a anulação de deliberações, mas ao longo do tempo gerou-se consenso sobre que certas violações de normas imperativas (mormente a desconformidade do conteúdo das deliberações com tais normas) acarretam a nulidade das declarações em causa” – Rui Pinto Duarte, Anotação ao art. 1433º., in Código Civil Anotado, cit., p. 285. O autor exemplifica com M. Henrique Mesquita, Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra (policopiado), 1967, pp. 292 e ss. e “A Propriedade Horizontal no Código Civil Português”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, Janeiro/Dezembro de 1976, pp. 140 a 142; e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª. Ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pp. 447 e 448, e, ainda, com o Ac. do S.T.J. de 8.2.2001 (CJ – STJ, ano IX, Tomo I, 2001, pp. 105 e ss., em especial p. 107). Podemos acrescentar ainda, também exemplificativamente, Sandra Passinhas, cit., pp. 251/3. Concordamos: há deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei que são anuláveis, às quais se aplica o regime do art. 1433º., e há deliberações contrárias à lei que são nulas, às quais se aplica o regime geral da nulidade. É entendimento das ora apelantes que uma deliberação que tenha por conteúdo a não realização de obras nas partes comuns, cuja deterioração afecta gravemente uma ou mais fracções autónomas, é nula e não meramente anulável. Com efeito, Escapa à capacidade deliberativa da assembleia de condóminos não cumprir um dever a que o condomínio está obrigado, no caso a conservação das partes comuns do edifício. Pois que, Decorre do nº. 1 do art. 483º. do Código Civil, que a violação ilícita do direito de outrem constitui o agente na obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. É manifesto que o condomínio demandado negligenciou a conservação do terraço que, permitindo infiltrações de água, acabou por ruir parcialmente para dentro das fracções autónomas das AA., a que serve de cobertura, danificando o tecto e as paredes. Por outro lado, Preceitua o nº. 1 do art. 492º. do citado Código que o proprietário de edifício que ruir, por defeito de conservação, responde pelos danos causados. Essa obrigação de indemnização deve revestir a forma de reconstituição natural, por força do princípio geral consagrado no art. 562º. do Código Civil. Pois bem, Não é uma deliberação da assembleia de condóminos que pode afastar o direito das ora recorrentes a verem reparado o terraço, por forma a fazer cessar as infiltrações, nem isentar o condomínio de cumprir a obrigação de reparação a que está legalmente adstrito. Na verdade, Que o terraço de cobertura é uma parte comum do edifício não oferece dúvidas, por vir expressamente referido na alínea b) do nº. 1 do art. 1421º. do Código Civil, que esclarece que não obsta a essa natureza o facto de o terraço ser destinado ao uso de qualquer fracção. No caso dos autos, a especificidade nem é essa: o terraço em causa é utilizado por todos os condóminos. E mais: obrigatoriamente utilizado por quem pretenda entrar no prédio, uma vez que o acesso (também) se faz através dele. O problema é que apenas serve de cobertura às fracções autónomas das AA., que são as únicas lesadas (para além do seu inquilino) pelas infiltrações que o terraço consente, mantendo a utilidade comum de pátio de acesso ao edifício e às lojas. Por essa razão, A generalidade dos condóminos entendeu que não havia urgência na reparação e deliberou não a levar a efeito. Só que, Uma deliberação com tal conteúdo é nula e não apenas anulável, por violar o disposto nos arts. 483º., nº. 1, 492º., nº. 1, 562º. E 1424º., nº. 1, todos do Código Civil. A vingar a tese defendida pelo Mmo. Juiz a quo, a falta de impugnação da deliberação teria como consequência afastar – até mesmo definitivamente – a obrigação, que constitui encargo de todos os condóminos, de proceder à conservação daquela parte comum do edifício. Para além disso, Argumenta ainda a apelada, o que colheu eco na, aliás douta, sentença recorrida, que, por força do disposto no nº. 2 do art. 1º. do Dec.-Lei nº. 268/94, de 25 de Outubro, as deliberações constantes das actas são vinculativas para todos os condóminos, mesmo para os que votaram contra elas. Pois bem, Se essa norma consentir a interpretação de que uma deliberação que afasta um dever imperativo é vinculativa (e para sempre, se não tiver sido objecto de impugnação nos termos do art. 1433º. do Código Civil), estará ferida de inconstitucionalidade, por desrespeitar o princípio constitucional da proporcionalidade consagrado no nº. 2 do art 18º. da Constituição da República Portuguesa de 1976, estabelecendo uma sanção desproporcionada aos interesses que pretende tutelar, inconstitucionalidade que aqui se invoca expressamente. Sendo a deliberação nula, não é apta a produzir qualquer efeito, designadamente o que lhe foi atribuído na, aliás douta, sentença recorrida, de legitimar a recusa do R. realizar as obras de impermeabilização de que o terraço de cobertura das lojas das AA. carece. A, aliás douta, sentença recorrida procedeu a errada interpretação e aplicação dos arts. 483º., nº. 1, 492º., nº. 1, 561º. e 1424º., nº. 1, do Código Civil e do nº. 2 do art. 1º. do Dec.-Lei nº. 268/94, de 25 de Outubro, norma esta que, ao consentir uma tal interpretação, está ferida de inconstitucionalidade”.
Relativamente à questão da deliberação tomada e da sua impugnação, importa reter que, conforme resulta do artigo 1430.º do CC, o condomínio dispõe de dois órgãos administrativos que se destinam à administração das partes comuns do edifício – cfr. artigo 1429.º do CC: A assembleia de condóminos (órgão deliberativo) e o administrador do condomínio (órgão executivo e representativo), que tem como principal função executar as deliberações tomadas pela assembleia.
A propriedade horizontal caracteriza-se pela existência de uma coletividade, uma comunidade de condóminos com um interesse comum, relativo às partes comuns, aqui se estabelecendo relações que importa regular, porquanto se trata de uma realidade em que a liberdade de um termina onde começa a dos outros. “A interdependência existente entre as partes comuns e as fracções autónomas num prédio em propriedade horizontal – que tem de ser entendida à luz da função instrumental que aquelas desempenham –, repercute-se no regime jurídico aplicável a umas e a outras” (assim, o acórdão do STJ de 12-10-2017, Pº 1989/09.0TVPRT.P2.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA).
Assim, por ser da responsabilidade dos condóminos, enquanto coletividade, a administração das partes comuns, qualquer dano causado pelo prédio, por força de uma deficiente administração é, naturalmente, da responsabilidade daqueles (cfr., neste sentido, o referido acórdão do STJ de 12-10-2017, Pº 1989/09.0TVPRT.P2.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA, bem como os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-06-2009, Pº 232/07.0TBSXL.L1-7, rel. ROSA RIBEIRO COELHO, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-02-2012, Pº 1388/09.3T2AVR.C1, rel. FRANCISCO CAETANO).
A competência do órgão deliberativo – assembleia de condóminos - está restrita às “relações respeitantes ao uso, ao gozo e à conservação das coisas e serviços comuns, estando-lhe vedado invadir a esfera da propriedade individual e exclusiva de cada condómino” (cfr. Abílio Neto; Manual da Propriedade Horizontal, 4.ª ed., reimp., Ediforum, Lisboa, 2017, p. 642).
À assembleia compete, portanto, tomar posição sobre todas as questões relativas às partes comuns, encarregar o administrador de executar as suas deliberações (art. 1436.º, al. h) do CC), bem como controlar a sua atividade, seja através da aprovação das suas contas (art. 1431.º do CC), seja revogando os seus atos por via de recurso (art. 1438.º do CC).
Como refere José Alberto Vieira (Direitos Reais; 3.ª ed., Almedina, 2020, p. 694), “o limite da actuação dos órgãos do condomínio encontra-se nas partes comuns do edifício. O aproveitamento das fracções autónomas pertence exclusivamente aos proprietários respectivos”.
Os Decretos-Leis n.ºs 268/94 e 269/94, de 25 de outubro, surgiram em complemento do D.L. n.º 267/94, também de 25 de outubro, e das alterações que este introduziu no regime da propriedade horizontal e vieram estabelecer regras sobre matérias estranhas à natureza de um diploma como o Código Civil ou com caráter regulamentar, alargando a competência da assembleia de condóminos.
A cada reunião da assembleia de condóminos corresponde uma ata, que deverá ser redigida e assinada por quem tenha presidido à reunião e devidamente subscrita pelos condóminos que nela tenham participado, dela devendo constar o relato resumido do modo como a reunião decorreu, especificando-se o teor das deliberações tomadas.
Após serem regular e validamente aprovadas e exaradas em ata, as deliberações da assembleia vinculam todos os condóminos, porquanto representam a vontade de um órgão colegial.
Os que ingressem no condomínio posteriormente à aprovação da deliberação também ficarão vinculados à mesma (assim, Manuel Henrique Mesquita, “A propriedade horizontal no Código Civil Português”, in Revista de Direito e Estudos Sociais, n.º 23, 1976, p. 134).
A ata é também condição de eficácia das deliberações, porquanto, na sua falta, a deliberação, apesar de válida, fica suspensa na produção dos seus efeitos. Trata-se, assim, de um documento ad probationem, necessário apenas para a prova da deliberação, não podendo esta ser executada enquanto não for documentada (cfr., neste sentido, Jorge Alberto Aragão Seia, Propriedade Horizontal: Condóminos e Condomínios, Legislação Complementar, 2.ª ed. revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 172 a 175, Vasco da Gama Lobo Xavier, Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, Almedina, Coimbra, 1976, p. 219 e os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15-11-2007, P.º 0733938, rel. AMARAL FERREIRA e do Tribunal da Relação de Évora de 23-02-2017, P.º 4155/15.1T8STB.E1, rel. MANUEL BARGADO).
Considerando os interesses comuns em presença nas deliberações da assembleia de condóminos, o legislador teve a preocupação de garantir que os interessados ficassem, num curto espaço de tempo, seguros da eficácia da deliberação.
Pode dizer-se que, de facto, “interessa ao condomínio a obtenção de segurança quanto à produção dos efeitos das deliberações da assembleia e à estabilidade de tais efeitos” (assim, Vasco da Gama Lobo Xavier, Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, Almedina, Coimbra, 1976, p. 301).
O legislador consagra, presentemente, meios não judiciais para a impugnação das deliberações, admitindo a convocação de uma reunião extraordinária, com o objetivo de revogar as deliberações inquinadas, e o recurso a um centro de arbitragem (cfr. artigo 1433.º, n.ºs. 2 e 3 do CC) e, bem assim, vias judiciais de impugnação, designadamente a faculdade de propositura de uma ação de anulação, e ainda a possibilidade de requerer a suspensão das deliberações, nos termos gerais (cfr. artigo 1433.º, n.ºs. 4 e 5, do CC).
Qualquer destas vias está sujeita a prazos, cujo desrespeito implica a caducidade do respetivo direito (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-11-2008, Pº 8966/2008-6, rel. JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO; Aragão Seia; Propriedade Horizontal: Condóminos e Condomínios, Legislação Complementar, 2.ª ed. revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 185-186; e Rita Gomes Faria Leitão; Um Olhar sobre o Regime das Deliberações das Assembleias de Condóminos; Universidade Nova de Lisboa, Março de 2019, p. 54, consultado em https://run.unl.pt/bitstream/10362/73609/1/Leitao_2019.pdf).
Perante deliberações que padeçam de irregularidades ou invalidades, a ação de anulação consiste no procedimento mais comum, apresentando especialidades relativamente ao regime geral da anulabilidade de atos ou negócios jurídicos, previsto nos arts. 286.º e ss. do CC, sendo que, o prazo a que se reporta o n.º 4 do artigo 1433.º do CC é mais curto, pelo que, caso se lançou mão da faculdade de convocação de assembleia extraordinária - e pressupondo que se deliberou manter a deliberação primitiva tida por irregular -, o prazo é de 20 dias contados da deliberação que daí resulte. Não tendo sido convocada ou solicitada assembleia extraordinária, o prazo é de 60 dias sobre a data da deliberação.
Relativamente à natureza destes prazos, tratam-se de prazos de caducidade de natureza substantiva, sujeitos às regras dos arts. 328.º e ss. do CC (neste sentido, vd. os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-03-2013, Pº 2074/10.7YXLSB.L1-8, rel. CATARINA ARÊLO MANSO e do Tribunal da Relação de Évora de 12-07-2018, Pº 943/17.2T8ABF.E1, rel. VÍTOR SEQUINHO).
Alguma doutrina (cfr. Abílio Neto; Manual da Propriedade Horizontal, 4.ª ed., reimp., Ediforum, Lisboa, 2017, p. 724, Rui Vieira Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, Almedina, 1998, p. 283, Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal; Almedina, 2009, p. 259, e os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-06-2001, Pº 972/01, rel. HÉLDER ROQUE e do Tribunal da Relação do Porto de 30-06-2014, Pº 1150/13.9TBBGC-A.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES) defendem que se tratam de prazos que não podem ser conhecidos oficiosamente pelo tribunal, por se tratarem de direitos disponíveis dos condóminos (cfr. artigo 303.º do CC, ex vi do artigo 333.º, n.º 2, do mesmo Código).
Outra doutrina entende que os mesmos prazos para impugnação de deliberações da assembleia de condóminos são de conhecimento oficioso (cfr. art. 333.º, n.º 1, do CC).
No caso em apreço, a questão não tem relevo prático, uma vez que o réu invocou a caducidade na contestação que apresentou (vd. artigo 6.º desse articulado).
Por sua vez, o artigo 1433.º, n.º 1 do CC prevê que os titulares do direito à anulação das deliberações da assembleia são os condóminos que as não tenham aprovado.
O condómino estará então habilitado para propor uma ação de anulação quando não tenha votado a favor da deliberação, bastando, para tal, a mera discordância, abstenção ou inexistência de aprovação por ausência/falta de representação na assembleia.
Conforme decidido no ac. STJ de 06-11-2008 (Pº 08B2623, rel. SANTOS BERNARDINO) “só devem ser demandados, na ação de anulação da deliberação, os condóminos que, estando presentes ou representados na assembleia em que foi tomada a deliberação anulanda, votaram a favor da sua aprovação”. Com efeito, são estes os únicos que têm interesse em contradizer e aos quais podem ser imputados vícios de que a deliberação eventualmente enferme, porque foi com os seus votos que tal deliberação teve lugar.
A questão suscitada pelas recorrentes é a de que o Tribunal mal decidiu ao considerar que a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 28-02-2018, não tendo sido tempestivamente impugnada, impede a pretensão de condenação deduzida pelas recorrentes.
Vejamos:
O n.º 1 do artigo 1433.º do CC estatui que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
Ao elenco da lei parece de aditar o próprio título constitutivo, enquanto fontes reguladoras do condomínio.
Todavia, como adverte José Alberto Vieira (Direitos Reais; 3.ª ed., Almedina, 2020, pp. 696-697), “este preceito (…) requer uma atenção particular na sua interpretação. Tomado à letra, ele significaria que uma deliberação contrária à lei seria sempre anulável, qualquer que ela fosse, e, portanto, ainda que incidisse sobre matérias subtraídas à competência da assembleia, nomeadamente matérias respeitantes às fracções autónomas ou mesmo a aspectos exteriores ao condomínio. O problema não é de todo irrelevante do ponto de vista jurídico. Uma deliberação anulável convalida-se se não for requerida a respectiva anulação no prazo legal e, por conseguinte, pode vir a ser perfeitamente eficaz na ordem jurídica. Suponhamos agora, a título exemplificativo, que a assembleia de condóminos delibera proibir um condómino de usar a sua fracção ou proíbe o seu arrendamento a terceiro e o condómino visado não reage judicialmente dentro do prazo de impugnação aplicável. A deliberação tornou-se eficaz quanto a ele (convalidação), vinculando-o no seu teor? A resposta é negativa. O art. 1433.º, n.º 1 abrange apenas as deliberações tomadas sobre as matérias para as quais a assembleia tenha competência, ou seja, a administração das partes comuns (art. 1430.º, n.º 1). Qualquer deliberação tomada fora do âmbito da competência da assembleia é juridicamente nula e não apenas anulável. O condómino afectado não tem, pois, de lhe dar cumprimento, uma vez que ela não o vincula”.
Assim, em diversos casos, a ocorrência de um vício de nulidade determina a impossibilidade de convalidação da deliberação aprovada e não impugnada.
Henrique Sousa Antunes (Direitos Reais; UCP, Lisboa, 2017, p. 403) enuncia que são nulas “as deliberações da assembleia que respeitem às frações autónomas dos condóminos, por violação do artigo 1305.º, n.º 1” e “as deliberações da assembleia que violem certas normas imperativas” (nesta linha, também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-05-2013, Pº 2917/09.8TBMTJ.L2-6, rel. FÁTIMA GALANTE).
Relativamente ao primeiro caso, o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 22-10-2019 (Pº 1945/18.7T8LSB.L1-7, rel. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA) foi diverso: Considerou-se ser “ineficaz a deliberação da assembleia de condóminos que versa sobre assuntos sobre os quais a assembleia não tem competência, designadamente porque dizem respeito à propriedade individual ou própria de qualquer proprietário ou porque representam ou extravasam o domínio da administração individual que qualquer condómino tem sobre a sua fração autónoma” (também neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-03-2014, Pº 303/12.1TJPRT.P1, rel. AUGUSTO DE CARVALHO).
Relativamente ao segundo caso – deliberações da assembleia que violam normas imperativas – encontram-se nesta categoria, por exemplo, as deliberações pelas quais “a assembleia autoriza a divisão entre os condóminos de alguma daquelas partes do edifício que o n.º 1 do art. 1421.º considera forçosamente comuns; que suprime, por maioria, o direito conferido pelo n.º 1 do art. 1428.º; que elimina a faculdade, atribuída pelo art. 1427.º a qualquer condómino, de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício; que suprime o recurso dos atos do administrador a que alude o art. 1438.º; ou que dispensa o seguro do edifício contra o risco de incêndio, diversamente do que se dispõe no n.º 1 do art. 1429.º), as deliberações tomadas devem considerar-se nulas, e como tais, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do artigo 286.º” (assim, Pires de Lima e Antunes Varela; Código Civil Anotado; Vol. III, p. 448).
Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal; Almedina, 2009, pp. 251-252) reportando-se às deliberações nulas refere o seguinte: “Quando a assembleia infrinja normas de interesse e ordem pública, as deliberações tomadas devem considerar-se nulas e, como tal, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado nos termos do artigo 286.º. Se assim não fosse, estaria nas mãos dos condóminos derrogar os preceitos em causa; bastaria que, após a aprovação das deliberações, nenhum deles a impugnasse. Por exemplo, a assembleia poderia autorizar a divisão das partes necessariamente comuns do edifício (artigo 1421.º, n.º 1) ou, desrespeitando o artigo 1429.º, poderia dispensar o seguro contra o risco de incêndio, ou suprimir o recurso dos actos do administrador apesar do disposto no artigo 1438.º. São nulas as deliberações que violem normas gerais imperativas, nomeadamente, são nulas as deliberações cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável (cfr. artigo 280.º). Conhecer os preceitos da lei cuja violação dá origem à nulidade da deliberação é um problema de interpretação sistemática-normativa. Pertencem necessariamente ao conjunto dos preceitos em causa as normas que tutelam directamente o interesse público ou que estabelecem tutela autónoma de terceiros”.
Assim, são nulas as deliberações que violem normas gerais imperativas, nomeadamente, cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável – cfr. artigo 280.º do CC.
Por seu turno, dispõem os n.ºs. 1 e 2 do artigo 1422.º do CC, na parte que ora interessa, o seguinte: “1. Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis. 2. É especialmente vedado aos condóminos: a) Prejudicar (…) por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício”.
Segundo Henrique Sousa Antunes (Direitos Reais; UCP, Lisboa, 2017, p. 383), a proibição da alínea a) citada fundamenta “a invalidade de qualquer deliberação contrária da assembleia de condóminos, ainda que unânime, em razão da proteção de finalidades públicas ou da tutela dos interesses de terceiros utilizadores do edifício (…)”.
Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal; Almedina, 2009, p. 121) considera, por seu turno, que o preceito do n.º 2 do artigo 1422.º do CC apenas se refere às fracções autónomas, muito embora apenas aluda ao caso de aprovação de inovação – mediante nova obra - que ponha em causa a segurança ou determine a alteração da linha arquitectónica ou do arranjo estético do edifício.
Finalmente, importa ainda convocar o disposto no artigo 1427.º do CC onde se estabelece a possibilidade de atuação individual do condómino. Dispõe essa norma que “as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino”.
Ora, para se conseguir responder à questão colocada no presente recurso, importa apreciar se se vislumbra na deliberação em causa o vício da nulidade, caso em que teria cabimento o conhecimento de tal vício pelo Tribunal recorrido, não se tendo, pois, convalidado a deliberação perante a não impugnação da mesma – e perante a verificação da caducidade de tal direito impugnatório - pelas ora recorrentes.
As recorrentes entendem que a deliberação de 28-02-2018 é nula por ter o conteúdo de determinar a não realização de obras de reparação nas partes comuns do edifício (cfr. conclusões h), i) e n) das alegações das recorrentes); por seu turno, o recorrido entende que a deliberação tomada foi a de adiamento da decisão sobre uma eventual realização de obras, condicionada à verificação dos dois pressupostos que referiu, considerando que a mesma não padece de nulidade (cfr. conclusões 5ª, 6.ª e 11.ª a 16.ª das contra-alegações).
Ora, atendendo ao constante da ata da assembleia de condóminos em causa – e relativamente ao ponto 5 da ordem de trabalhos (“5. Discussão e deliberação sobre a realização das obras de impermeabilização do terraço (ponto solicitado pela proprietária das frações A, B, C, D, E, F, G, e H)”) foi deliberado: “(…) A condómina do 6.º Dto. referiu que não se recusa a fazer as obras, no entanto necessita primeiro de ter a informação necessária. Todos os presentes concordaram referindo que esta deliberação será adiada até obterem a resposta da CML e do Tribunal. Todos votaram a favor com exceção das proprietárias das lojas, que votou contra. (…)”.
O conteúdo útil da deliberação em questão traduz-se não numa determinação – de sentido positivo – no sentido de não serem realizadas as obras solicitadas, mas antes, no adiamento da deliberação sobre o ponto, até que – necessariamente, com caráter temporário - fosse obtida a resposta da CML e do Tribunal.
Como salienta Jorge Coutinho de Abreu (Direito das Sociedades – Sumários, ed. polic., 1996, apud Pedro Maia; “Deliberações dos Sócios”, in Estudos de Direito das Sociedades; p. 238), as deliberações traduzem “atos jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de vontade (votos), com vista à produção de certos efeitos sancionados pela ordem jurídica".
Ora, liminarmente, cumpre salientar que o texto constante da ata em causa constitui uma verdadeira e própria deliberação, enquanto elemento exteriorizado da vontade dos condóminos.
Conforme se lê na decisão recorrida: “No caso, a assembleia de condóminos do condomínio réu deliberou adiar a deliberação acerca das obras de impermeabilização do terraço.”.
E, em termos do seu conteúdo deliberativo, da singela da determinação deliberativa não se vislumbra qualquer vício cominado por lei como nulidade, não se concluindo que, na decorrência da tomada de tal deliberação, advenha o prejuízo inarredável mencionado pelas recorrentes.
A deliberação em causa encontra-se balizada nos pressupostos que determinaram o protelamento de decisão sobre a matéria e a mesma não foi, como poderia ter sido, posta em questão – rectius, impugnada, por qualquer das vias em que a lei o permite – pelas recorrentes.
E, também no que respeita ao próprio âmbito deliberativo, não se afigura que a assembleia de condóminos tenha extravasado de qualquer das competências que detém, nos termos da lei.
Na realidade, sendo certo que, não cabe curar de indagar sobre se a oportunidade ou conveniência da deliberação tomada – restringindo-se a intervenção do julgador à aferição da questão da legalidade, não havendo que sindicar o modo como foi usado o poder discricionário da assembleia (cfr., neste sentido, Sandra Passinhas; A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal; 2.ª ed., Almedina, 2009, p. 262) - , perante a solicitação de realização de obras - que, na perspetiva das recorrentes incide sobre parte comum do prédio – a assembleia de condóminos deliberou no sentido (teve necessidade de tomar uma posição sobre o assunto) assim suscitado e objeto da ordem de trabalhos, enquadrando-se, em perfeita legitimidade e harmonia legal, o comportamento tomado pela assembleia a este respeito.
Ou seja: Não se alcança nem se vislumbra que o conteúdo deliberativo em questão – no sentido de adiar a deliberação sobre o ponto – padeça de nulidade, ofendendo algum preceito legal imperativo ou normas de interesse e ordem pública.
Dito de outro modo: A deliberação da assembleia de condóminos que deliberou adiar a apreciação de ponto da ordem de trabalhos, mediante determinadas condições, na medida em que não viola normas gerais imperativas, nem infringe normas de interesse e ordem pública, não é nula e poderia ser impugnada nos prazos previstos para as deliberações anuláveis.
Por outro lado, a lei prevê mecanismos para a impugnação do deliberado e, bem assim, para o “retomar” da questão, por exemplo, em nova assembleia de condóminos.
Aliás, mesmo na perspetiva das recorrentes, se está em causa uma parte comum e se a reparação revestir os requisitos ínsitos no artigo 1427.º do CC, então, nesse caso, as próprias recorrentes poderiam “substituir-se” – com direito a reparação ulterior – na execução das obras correspondentes, situação de que as recorrentes também não lançaram mão.
E, ademais, não está excluído o exercício de outros mecanismos processuais que, porventura, a urgência na reparação possa vir a impor – da qual as recorrentes não dão conta nos autos – inclusive com a dedução de um procedimento cautelar comum – cfr. artigo 362.º e ss. do CPC – porventura, no sentido da invocação de fundado receio de causação de lesão grave pela não reparação atempada pelo tempo da causa principal, ou até, porventura, com a instauração de uma providência cautelar de suspensão da deliberação – cfr. artigo 383.º do CPC - tomada (sendo certo que, conforme se deu nota no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2009, Pº 1196/07.6TYLSB-A.L1-8, rel. ANTÓNIO VALENTE, “o facto de a deliberação ter execução imediata não impede a viabilidade da providência, desde que os efeitos danosos decorrentes da deliberação continuem a verificar-se”).
Concluindo-se pela inexistência de vício de nulidade na deliberação tomada, a mesma poderia ser impugnada nos prazos previstos para as deliberações anuláveis, o que não sucedeu.
E, nesta medida, a referida deliberação mantém-se válida – até ao momento – na ordem jurídica (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-05-2016 (Pº 726/15.4T8STR.E1, rel. CONCEIÇÃO FERREIRA).
Ou seja: Não tendo a referida deliberação sido tempestivamente impugnada, a mesma mantém-se válida na ordem jurídica, até ser revogada, substituída ou anulada.
Assim, conclui-se que a procedência da pretensão das recorrentes estava, de facto, em concreto, dependente da prévia impugnação, nos termos do artigo 1433.º do CC, da deliberação tomada pela assembleia de condóminos em 28-02-2018, a qual, como resulta dos termos dos autos, não teve lugar.
Não procedem, pois, as conclusões ínsitas nas alíneas h), i), j) e n) da alegação das recorrentes.
* B) Se a decisão recorrida procedeu a errada interpretação e aplicação dos artigos 483.º nº. 1, 492.º nº. 1, 562.º e 1424.º nº. 1, do Código Civil?
Para além do exposto, alegaram as recorrentes que: “Decorre do nº. 1 do art. 483º. do Código Civil, que a violação ilícita do direito de outrem constitui o agente na obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. É manifesto que o condomínio demandado negligenciou a conservação do terraço que, permitindo infiltrações de água, acabou por ruir parcialmente para dentro das fracções autónomas das AA., a que serve de cobertura, danificando o tecto e as paredes. Por outro lado, Preceitua o nº. 1 do art. 492º. do citado Código que o proprietário de edifício que ruir, por defeito de conservação, responde pelos danos causados. Essa obrigação de indemnização deve revestir a forma de reconstituição natural, por força do princípio geral consagrado no art. 562º. do Código Civil. Pois bem, Não é uma deliberação da assembleia de condóminos que pode afastar o direito das ora recorrentes a verem reparado o terraço, por forma a fazer cessar as infiltrações, nem isentar o condomínio de cumprir a obrigação de reparação a que está legalmente adstrito. Na verdade, Que o terraço de cobertura é uma parte comum do edifício não oferece dúvidas, por vir expressamente referido na alínea b) do nº. 1 do art. 1421º. do Código Civil, que esclarece que não obsta a essa natureza o facto de o terraço ser destinado ao uso de qualquer fracção (…)”.
E, perante tal alegação concluíram as recorrentes que: “(…) k) Aquele que viola ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, nos termos do nº. 1, do art. 483º. do Código Civil, impendendo sobre o condomínio a obrigação de conservação das partes comuns (compropriedade de todos os condóminos), por força do preceituado no nº. 1 do art. 492º. do mesmo Código; l) Estando o R., aqui apelado, obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (C. Civil, art. 562º.), uma deliberação da assembleia de condóminos, ainda que não impugnada, não tem a virtualidade de perpetuar a lesão sofrida pelos apelantes, nem de afastar a obrigação de indemnizar a que o agente está adstrito; m) Constituindo o terraço (que cobre parcialmente as fracções autónomas das AA.) uma parte comum do edifício, nos termos do disposto na alínea b) do nº. 1 do art. 1421º. do Código Civil, a sua conservação impende sobre os condóminos, em proporção do valor das suas fracções, de acordo com a regra expressa no nº. 1 do art. 1423º. do mesmo Código; (…) p) O Mmo. Juiz a quo procedeu a errada interpretação e aplicação dos arts. 483º., nº. 1, 492º., nº. 1, 561º. e 1424º., nº. 1, do Código Civil (…)”.
Ora, se a conclusão k) da referida alegação das recorrentes é incontestável, derivando do princípio geral ínsito no artigo 483.º do CC e no artigo 492.º do mesmo Código, já não assiste qualquer procedência às demais conclusões firmadas pelas recorrentes.
É que, conforme resulta da resposta à questão precedente, a deliberação da assembleia de condóminos tomada em 28-02-2018 não determinou a “isenção” do condomínio de responsabilidade, nem arredou algum direito das recorrentes sobre as frações de que são proprietárias, não eximindo o réu do cumprimento de qualquer obrigação a que se encontrasse ou encontre adstrito, sendo que, dos factos apurados não resulta que o réu tenha agido ilicitamente, em contrário do disposto no artigo 483.º, n.º 1, do CC, não sendo aplicável ao caso em apreço, na decorrência da deliberação tomada, uma tal disposição legal.
Como bem concluiu o recorrido, não se vislumbra ademais violação dos demais normativos invocados pelas recorrentes: “• Quanto ao nº 1 do artigo 492 do CC., porque, por um lado, o Condomínio recorrido só seria proprietário daquela parte do edifício se estivesse já estabelecido que o espaço identificado como fracção “A” constituía uma parte comum do prédio, com as naturais consequências ao nível da legitimidade activa das Apelantes e, por outro lado, não se mostrava provada a existência de um defeito de conservação, nem a culpa do eventual sujeito da obrigação. • Quanto ao artigo 562 do CC., porque (…) a reconstituição natural prevista na norma legal pressupõe a verificação dos requisitos já sobejamente analisados supra, que, no caso concreto, não estão preenchidos. • Quanto ao nº 1 do Artigo 1421 do CC., porque precisamente, uma das questões controvertidas à data da deliberação era, precisamente, a de apurar se o espaço que cobria as “fracções” era um terraço de cobertura ou um corredor de acesso a cinco prédios, no qual se incluía a parte habitacional e lojas do prédio em referência. Não estando comprovada a qualificação do espaço como terraço de cobertura, é inaplicável, ao caso concreto a norma supra”.
De facto, tratam-se se aspetos que não estão pressupostos, nem são consequentes da deliberação condominial tomada, pelo que, se conclui não se vislumbrar que a decisão recorrida comporte a violação de qualquer dos referidos normativos legais.
Improcedem, pois, as conclusões vertidas nas alíneas l) e m) e, também no remanescente segmento da alínea p), da alegação das recorrentes.
* C) Se a decisão recorrida ao aplicar o artigo 1.º, n.º 2, do D.L. n.º 268/94, de 25 de outubro, aplicou norma inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do art. 18.º da Constituição?
Consideraram ainda as recorrentes que a decisão recorrida, ao aplicar o artigo 1.º, n.º 2, do D.L. n.º 268/94, de 25 de outubro, aplicou norma inconstitucional, por violadora do princípio da proporcionalidade, referindo que: “Se essa norma consentir a interpretação de que uma deliberação que afasta um dever imperativo é vinculativa (e para sempre, se não tiver sido objecto de impugnação nos termos do art. 1433º. Do Código Civil), estará ferida de inconstitucionalidade, por desrespeitar o princípio constitucional da proporcionalidade consagrado no nº. 2 do art 18º. da Constituição da República Portuguesa de 1976, estabelecendo uma sanção desproporcionada aos interesses que pretende tutelar, inconstitucionalidade que aqui se invoca expressamente”.
Vejamos:
O artigo 1.º, n.º 2, do D.L. n.º 268/94 estabelece que “as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções”.
Conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-02-20017(Pº 9207/2006-2, rel. JORGE LEAL): “Lembra-se que nos termos do disposto no art.º 1413º do Código Civil as deliberações contrárias ou não à lei ou regulamentos anteriormente aprovados tornam-se definitivas se não for requerida a anulação por qualquer condómino que as não tenha aprovado nos prazos e pelo modo aí referidos. Tornando-se definitivas, as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções – nº 2 do art.º 1º do Dec.-Lei nº 268/94”.
Diga-se, desde já, que não concretizam as apelantes em que termos ou porque razão entendem que ocorreria a violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
Obviamente que, conforme supra já se evidenciou, a prescrição legal apenas se reporta às deliberações que sejam anuláveis, não relativamente àquelas – que não é o caso da deliberação em apreço – em que o vício em questão tenha qualificativo de maior gravidade, designadamente nulidade ou inexistência.
A decisão recorrida não afirmou, de algum modo, nem dela deriva, por qualquer circunstância, que a deliberação tomada em 28-02-2018 se mantenha ao arrepio – ou em violação/postergação – de normas imperativas.
Não se verifica, pois, que a decisão recorrida tenha, de qualquer modo, colocado em causa o princípio constitucional da proporcionalidade, nem que a violação do mesmo derive da aplicação que o Tribunal recorrido fez do mencionado preceito do D.L. n.º 268/94 ou sequer do comando normativo consignado no n.º 2 do artigo 1.º deste diploma legal.
Estatui esta norma sobre os efeitos que produzem “deliberações devidamente consignadas em acta”, o que faz pressupor a sua correta enunciação e conformação formal e a ausência de impugnabilidade da deliberação, pelo condómino que a não tenha aprovado.
Assim, a previsão do n.º 2 do artigo 1.º do D.L. n. 268/94, não prescinde da sua correlação com a previsão do n.º 1 do artigo 1433.º do CC, pelo que, só as deliberações que se tornem definitivas, na decorrência da sua inimpugnabilidade – caso estivesse em questão, porventura, o vício da sua anulabilidade – é que são vinculativas nos termos da previsão do primeiro preceito legal referido.
Pode, pois, concluir-se como se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-11-2007 (Pº 9687/2006-6, rel. MANUELA GOMES) que: “As deliberações contrárias ou não à lei ou regulamentos anteriormente aprovados tornam-se definitivas se não for requerida a anulação por qualquer condómino que as não tenha aprovado nos prazos e pelo modo aí referidos. Tornando-se definitivas, as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções – n° 2 do art.° 1° do Dec.-Lei n° 268/94”.
Ou seja: A estatuição normativa adequa-se – e mostra-se proporcional – ao conjunto de situações a que se reporta a respetiva previsão, sem que se mostre, por qualquer modo, ofendido o aludido princípio da proporcionalidade.
Consequentemente, improcedem, quanto ao mais, as demais conclusões das recorrentes.
Assim, não merece também qualquer reparo, neste ponto, o decidido pelo Tribunal a quo, que não julgou procedente a correspondente pretensão deduzida pelas recorrentes, devendo manter-se a decisão recorrida.
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A responsabilidade tributária inerente incidirá sobre as apelantes, que decaíram integralmente na respetiva pretensão – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
* 5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação deduzida e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas pelas apelantes.
Notifique e registe.
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Lisboa, 24 de setembro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes .