Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
RECUSA
PRINCÍPIOS
JUIZ NATURAL
Sumário
Tanto a escusa, como a recusa, como os impedimentos, regulados no artº 39º do CPP, têm por ratio salvaguardar o princípio da imparcialidade do julgador tão fundamental para a Justiça própria de um Estado de Direito.
Assim, tanto no caso dos impedimentos como no caso da recusa e da escusa, o que está em causa é garantir na administração da justiça, que é efetuada em nome da comunidade, a isenção, a imparcialidade e a transparência necessárias à defesa dos direitos das pessoas que integram essa comunidade de modo a tornar credível o sistema judicial, e consequentemente, assegurar a sua eficácia.
Não basta ao julgador ser isento e imparcial, há também que parecê-lo, isto é, não basta que se crie um sistema de regras com vista a garantir a imparcialidade e isenção do julgador individual, na busca da criação de um sistema judicial independente, há que criar a convicção na comunidade que, em relação a esse julgador, o mesmo exteriorize essa imparcialidade.
No caso em análise verifica-se que, não só o princípio do juiz natural não foi violado, como o Mmº Juiz recusado agiu no superior interesse da Justiça, acumulando processos, a par dos que já lhe foram distribuídos enquanto titular do J1, com vista a aliviar o serviço que o Mmº Juiz do J2 não pode assegurar por estar em exclusividade de funções com um processo de especial complexidade.
Os processos não são dos juízes enquanto pessoas singulares mas dos tribunais, sendo que, em parte alguma do acórdão de 11-12-2019 se faz referência à necessidade de ser a mesma senhora magistrada a cumprir o acórdão, como até poderia acontecer se estivéssemos perante um colectivo de juízes que tem de refazer uma parte do julgamento, por exemplo.
X. Por fim, constata-se, ainda, que a recusa suscitada pelo arguido vem após a prolação de decisão instrutória na qual foi pronunciado pelo que, em termos meramente formais, a recusa suscitada nos autos é também, além de infundada, intempestiva.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.–No âmbito do processo de instrução com o nº 5553/19.7T8LSB-C.L1, que corre termos pela secção única do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, veio o arguido, FL______, ao abrigo do disposto no artº 43º nº 3 do CPP, deduzir o presente incidente de recusa contra o Mmº Juiz que proferiu decisão instrutória, invocando, para tanto, o seguinte (transcrição):
“1-por acórdão de 11-12-2019 os Senhores Juízes Desembargadores deste TRL socorreram-se da Ficha Biográfica policial para fundamentar o perigo de continuação da actividade criminosa; mais decidiram existir perigo de fuga sem que procurassem no momento do acórdão indagar das apresentações que o arguido efectua na PSP de Cascais desde julho 2019 e ainda do paradeiro certo e conhecido do TEP desde 2014; revogaram o Despacho de não pronuncia e ordenaram que se apurem indícios no sentido de o Tribunal de Instrução Criminal pronunciar o arguido pelo art° 28° -1 e 2 do DL 15/93; sucede que, 2-os autos foram remetidos do TRL para o TCIC, sem que a MMa Juíza de Instrução tivesse acesso aos mesmos; todavia, o MM° Juiz recusado, que não é o “tribunal recorrido” nas palavras do acórdão do TRL, ordenou a remessa ao Tribunal Central Criminal para julgamento; o MMo. Juiz do TCIC, agora recusado decidiu desta forma:
-proferiu Despacho de remessa do processo ao Juiz 12-Central Criminal Lisboa;
-não notificou o arguido nem a defesa; não viu nem ouviu o arguido;
-não concedeu oportunidade de defesa; não apurou indícios
-não é o JUIZ NATURAL mas arrogou-se o direito de decidir da tramitação processual...
-não foi cumprido o decidido pelo TRL no acórdão de 11-12-2019.... 3- o Juiz 12 Central Criminal recebeu os autos e devolveu-os ao TCIC...e o MM° Juiz recusado decidiu novamente arrogar-se o direito de decidir do caso, mas mal, mais uma vez:
-não é o JUIZ NATURAL mas decidiu pronunciar o arguido pelo art° 28°-2 do DL 15/93;
-não notificou o arguido, não o viu nem ouviu;
-efectuou “copypast” parcial do caso 93/13 para os autos supra id …
- não concedeu oportunidade à defesa nem cumpriu o que o TRL decidiu em 11-12-2019!!.. 4-o arguido recorreu e arguiu nulidade; o MM° Juiz recusado não é o Juiz de Instrução “Natural” dos autos e, precisamente por não o ser e ter decidido como decidiu, sem ver nem ouvir o arguido, não oferece garantias de independência nem isenção; deve ser recusado, devendo os autos ser tramitados pela MMa Juíza de Instrução, a “Juiz Natural” que em Julho 2019 decidiu pela não pronuncia pelo crime de associação criminosa e libertou o arguido, pois só assim a função isenta do JUIZ NATURAL se cumpre in totum; 5-só com a recusa do MM° Juiz e a tramitação dos autos pela MMa. Juiza de Instrução “NATURAL” que abriu a instrução em Abril 2019 e decidiu em Julho 2019, se cumpre a função do JUIZ NATURAL; acresce que, 6-nos termos dos arts. 5º e 6º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem o arguido tem direito a ser visto e ouvido pelo Juiz de Instrução o que in casu não ocorreu!!!! numa Sociedade democrática, livre e transparente, o Órgão de Soberania Tribunal “produz” Justiça através de Decisões sob as regras do fair trial, por imperativo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Tratado a que Portugal deve obediência face ao art°. 8o da nossa Lei Fundamental; assim o impõem os arts. 14°-1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 6o-1 da Declaração Europeia dos Direitos do Homem e 47° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; o Tribunal deve ser ISENTO, IMPARCIAL e não incorrer em argumentos estereotipados a partir da FICHA POLICIAL ou de subterfúgios policiais para criar parangonas na imprensa, mesmo que o arguido seja o “inimigo publico n°.l” já condenado a “quinzes anos” ou a prisão perétua numa jaula fria e húmida de 5m2; vidé\ Fair Trial Manual, Amnesty International, sec. Edition, Amnesty International Publications, 2014, - Capítulo 12, “ R1GHT TO TRIAL BY A COMPETENT, INDEPENDENT AND IMPARTIAL TRIBUNAL ESTABLISHED BYLAW, pág. 108 ss.
Termos em que, face ao exposto, se recusa a intervenção do MM° Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal, devendo os autos ser decididos pela MMa. Juiza de Instrução, titular dos autos, que em Julho 2019 decidiu não pronunciar o arguido eo libertou, pois só assim se fará amais Lídima Justiça!!!!
Prova: a dos autos 5553/19.7TBLSB”
II.–Respondeu o Mmº Juiz recusado da seguinte forma (transcrição): “Veio o arguidoFL______, em requerimento remetido aos autos em 14/08/2020, rectificado por requerimento remetido em 18/08/2020, apresentar o incidente de recusa de juiz, ao abrigo do disposto no artigo 43.° do CPP. O incidente de recusa acha-se regulado no artigo 43° do CPP, que dispõe assim: “(...) 1-A intervenção do juiz no processo pode ser recusada quando correr risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. 2-Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n°1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo, fora dos casos previstos no artigo 40° do CPP...(...)” Decorre portanto deste preceito que o juiz só pode ser recusado, ainda que com fundamento em intervenção em fases anteriores do mesmo processo, quando correr risco de ser considerado suspeito por existir motivo sério, grave e adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. “(...) A petição de recusa do art° 43° do CPP não consubstancia um recurso, antes um incidente a requerer e processar autonomamente, nos termos do art°45° do mesmo diploma legal.(...) (...) Quanto ao objecto de recusa, e como alerta Maia Gonçalves (CPP anotado, 9ª edição, p. 163), “os motivos de suspeição são menos nítidos do que as causas de impedimento, podendo ser, por isso, fraudulentamente invocados para afastar o juiz”. Por isso se justifica que haja uma especial exigência quanto à objectiva gravidade da invocada causa de suspeição, pois, de outro modo, estava facilmente encontrado o meio de contornar o principio do juiz natural. Há que demonstrar e provar elementos concretos que constituam motivo de especial gravidade.(...) - (Ac. T. Rei. Coimbra, de 92.12.2, CJ 5/92-92). Tal como vem sustentando a jurisprudência, a imparcialidade do juiz só é susceptível de conduzir à recusa quando objectivamente considerada, sendo insuficiente quando se verifica apenas na perspectiva de um dos sujeitos processuais. Aliás só assim fica verdadeiramente preservado o princípio do Juiz Natural. Ora, a intervenção do signatário nos presentes autos, foi feita em substituição do Juiz Titular, ao abrigo do decidido por despacho do Excelentíssimo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de 07/02/2020. ratificado pela deliberação da sessão de Plenário Ordinário daquele Conselho, realizada em 11/02/2020 e, o disposto no art° 45,°-A, n° 1. al. a) do Estatuto dos Magistrados Judiciais e art.° 86.° da Lei da Organização do Sistema Judiciário. Sendo certo que, a decisão instrutória foi proferida em cumprimento dos acórdãos do TRL de 11/12/2019 e de 29/04/2020, tendo, aliás, aí cessado a intervenção do signatário nos autos, com a prolação do despacho proferido em 13/08/2020, que ordena a remessa dos autos ao Tribunal de Julgamento. Entende-se por todo o exposto que os argumentos de natureza objectiva e formal ora apresentados pelo requerente de incidente de recusa de juiz e sob apreciação devem improceder. Ora, na situação em apreço, pelas razões supra expostas entende-se não existir o menor indício ou motivo para se concluir que o JIC signatário não decidiu de acordo com critérios de objectividade e imparcialidade, termos em que deve ser indeferido o pedido de recusa em análise. Destarte, V.as Exas. Veneráveis Desembargadores, tudo melhor ponderando decidirão o que entenderem ser de justiça.”
III.–Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
IV.–Cumpre decidir.
O obejcto do presente incidente é o de saber se os fundamentos invocados pelo arguido são aptos a levar à recusa do Mmº Juiz em apreço por os mesmos permitirem a suspeita da existência de motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do mesmo.
Vejamos, olhando, primeiro, alguns factos processuais que resultam do ofício que foi remetido aos presentes autos pelo Venerando Conselho Superior da Magistratura em 22-09-2020, com a refª 496544, a nosso pedido, e ainda da tramitação do processo onde interveio o Mmº Juiz recusado:
1)- No Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), o qual, em termos legais, é composto por uma única secção, os processos são distribuídos por 2 Juízes, o J1 e o J2, sendo o Juiz recusado titular do J1; 2)- Os autos NIUPC 5553/19.7T8LSB foram distribuídos ao J2 do TCIC. 3)- Por motivos de gestão, determinados pelo facto do Mmº Juiz Titular do J2 estar afecto, em exclsuividade, a um processo de especial complexidade, o Conselho Superior da Magistratura determinou o reforço do quadro de Juízes por mais duas Senhoras Magistradas Judiciais, uma vinda do Tribunal da Concorrência de Santarém e outra vinda do Quadro Complementar de Juízes, vulgo “Bolsa”; 4)-Entretanto, por decisão do Conselho Superior da Magistratura de 07-02-2020, ratificado em sessão do Plenário Ordinário ocorrido em 11-02-2020, as duas Senhoras Juízas, vindas, respectivamente, do Tribunal da Concorrência e da Bolsa, cessaram funções no TCIC, voltando para os respectivos lugares anteriores. 5)-Mais ficou determinado pelo Conselho Superior da Magistratura que todos os processos do J2, incluindo os processos até então tramitados, respectivamente, pelas Mmªs Juízas do Tribunal da Concorrência e da Bolsa, e à excepção do processo afecto em exclusividade ao Mmº Juíz titular desse J2, seriam então tramitados pelo Mmº Juiz titular do J1, que, assim, passou a acumular este serviço com o seu. 6)- Acumulação que se mantém até hoje. Mais se sabe que: 7)-No acórdão proferido por esta mesma secção, em 11-12-2019, em relação à decisão instrutória proferida, ao que tudo indica, por uma das duas Senhoras Juízas vindas da Bolsa ou do Tribunal da Concorrência, foi determinado o seguinte:
“1- Revogamos o despacho de não pronúncia proferido pelo Tribunal recorrido e ao abrigo e nos termos dos arts. 303º, nº 1 e 358º, nos 1 e 3 do C. P. Penal, com o cumprimento do contraditório, determinamos que o tribunal recorrido proceda à alteração da qualificação jurídica do crime de Adesão a Associação Criminosa, p. e p. pelo arto 28º, nº. 2 do Decreto Lei no 15/93, de 22.01, pelo qual foi o arguido FL______ acusado e despronunciado, para o crime de Promoção e Liderança de Associação Criminosa, p. e p. pelos n.ºs 1 e 3 da mesma disposição legal e, bem assim, apreciar da existência dos necessários indícios fortes e suficientes do crime a fim de submeter o arguido a julgamento. 2- Revogamos o despacho recorrido, no que concerne à revogação da medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido e substituição pelas medidas de coação de apresentações periódicas à segunda feira, proibição de se ausentar do distrito da sua residência e para o estrangeiro sem autorização do Tribunal e proibição de contactos com os demais arguidos do processo, e, em consequência, determinamos que o arguido FL______ aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva, para além do TIR já prestado.”
8)– Por vicissitudes processuais várias, provocadas pelo arguido que, além de arguir a nulidade do acórdão referido em 7) ainda suscitou, à semelhança do que vem agora fazer em relação ao Mmº Juiz do TCIC, a recusa também dos Exmºs Senhores Juízes Desembargadores, Relator e Adjunto, responsáveis pelo acórdão referido em 7, foi prolatado o seguinte acórdão em 29-04-2020 com a refª 15652834, que aqui se transcreve na íntera, pela sua pertinência para o objecto dos presentes autos: “No âmbito destes autos vindos do Tribunal Central de Instrução Criminal o Ministério Público interpôs recurso da decisão que, no encerramento da instrução, despronunciou o ora arguido FL______ por um crime de adesão a associação criminosa para a prática do tráfico de estupefacientes do art. 28º, nº 2 do Dec. Lei no 15/93, de 22 de janeiro e, do mesmo passo, revogou a medida de coação de prisão preventiva que fora decretada no primeiro interrogatório judicial de arguido detido e subsequentemente mantida substituindo-a pela de apresentações periódicas e proibição de ausência para o estrangeiro sem autorização do tribunal. Em 2019.12.11, na sequência da conferência, foi proferido acórdão que concedeu provimento ao recurso determinando que (i) o tribunal recorrido procedesse à alteração da qualificação jurídica para o crime de promoção e liderança de associação criminosa dos nos 1 e 3 do citado art. 28° do Dec. Lei nº 15/93 e (ii) alterando a medida de coação impondo a de prisão preventiva. Em 2019.12.12, o arguido arguiu nulidades do acórdão e requereu a «suspensão da emissão de mandados de detenção». Em 2019.12.15, o arguido atravessou requerimento “sugerindo” aos subscritores do acórdão de 2019.12.11 «que de motu próprio» (sic) solicitassem "escusa". Em 2019.12.16, o arguido atravessou novo requerimento pedindo que fosse indicado «de forma especificada, em concreto, os factos que preenchem os requisitos do "perigo de fuga" e de "continuação da actividade criminosa"». Por acórdão de 2020.01.15 foi indeferida a arguição das nulidades invocadas e indeferidos também os demais requerimentos aludidos. Em 2020.01.20, o arguido suscitou a recusa dos «Senhores Juízes Desembargadores da 3a secção do TRL, subscritores do acórdão de 11-12-2019». Em 23.04.2020, o STJ comunica a este Tribunal da Relação o indeferimento do incidente de recusa e que o acórdão não transitou em julgado porquanto o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao qual foi atribuído efeito devolutivo. Ainda, em 20.01.2020, o arguido vem também suscitar a nulidade/inexistência do acórdão proferido em 15.01.2020, na parte em que não admitiu a interposição de recurso para o STJ. Ora, este último requerimento apresenta-se na mesma linha de atuação que já havia sido censurada por este tribunal nos acórdãos acima identificados. O histórico do processo revela que o arguido tem vindo a protelar de forma manifestamente ostensiva o trânsito da decisão que determinou a alteração da medida de coação impondo a de prisão preventiva. Por outras palavras, é manifesto que os requerimentos e recursos interpostos pelo arguido FL______, até ao presente, manifestamente infundados, apresentam-se como meios dilatórios de obstar à baixa do processo à 1ª instância, e cumprimento do julgado. O artigo 618.º do CPC permite a defesa contra as demoras abusivas nos seguintes termos: “Nos casos em que não seja admissível recurso da decisão, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 670º”. Por sua vez, o artigo 670.º do CPC sob a epígrafe “Defesa contra as demoras abusivas”, preceitua: 1— Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, leva o requerimento à conferência, podendo esta ordenar, sem prejuízo do disposto no artigo 542.º, que o respetivo incidente se processe em separado. 2— O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados. 3— A decisão da conferência que qualifique como manifestamente infundado o incidente suscitado determina a imediata extração de traslado, prosseguindo os autos os seus termos no tribunal recorrido. 4— No caso previsto no número anterior, apenas é proferida a decisão no traslado depois de, contadas as custas a final, o requerente as ter pago, bem como todas as multas e indemnizações que hajam sido fixadas pelo tribunal. 5— A decisão impugnada através de incidente manifestamente infundado considera-se, para todos os efeitos, transitada em julgado. Estas disposições são aplicáveis aos autos por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal. Sobre o uso deste procedimento pronunciou-se a Relação do Porto[1] no qual expressa: Se ao relator parecer manifesto que o sujeito processual, com determinado requerimento, pretende obstar ao cumprimento do julgado, à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, deve lançar mão do procedimento previsto no art. 720.º, do CPC[2], determinando a extracção de translado e a remessa imediata do processo. Afigura-se-nos, por isso, ser de fazer uso de tal normativo, sem prejuízo de qualquer decisão em contrário desta Relação não inutilizar qualquer direito fundamental do arguido recorrente. Assim, porque os tribunais não podem nem devem pactuar com este tipo de atuações, onde se visa apenas obstar à concretização do direito já há muito definido - decisão que determinou a alteração da medida de coação impondo a de prisão preventiva -, entende este coletivo lançar mão do disposto no art.º 670.º do CPC. Nestes termos, determina-se a extração de translado desde a decisão instrutória (incluso) até ao presente acórdão, que ficará nesta Relação, para decisão da arguição da nulidade/inexistência do acórdão proferido em 15.01.2020 e atos posteriores, com observância do disposto no nº 4 do artigo 670º do CPC. Após, determina-se a imediata remessa destes autos ao tribunal de 1ª instância de onde provieram, para execução do decidido nesta 2ª instância, nos termos do aludido artº 670º do CPC, aplicável por força do artº 4º do Código de Processo Penal. O acórdão ora proferido determina o trânsito condicional dos presentes autos.
DECISÃO: Acordam os juízes da 3ª Secção deste Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 670º do CPP, aplicável ex vi do disposto no art.º 4º do Código de Processo Penal, em determinar a imediata extração de traslado, nos termos supra referidos, prosseguindo estes autos os seus termos no tribunal recorrido, para onde serão imediatamente remetidos, a fim de ser executado o julgado, considerando-se para todos os efeitos o trânsito condicional da decisão proferida. O arguido/recorrente será notificado desta decisão, no traslado. Após cumprimento da extração do translado, com a respetiva notificação do arguido/recorrente, deverá ser aberta conclusão para prolação de decisão atinente ao requerimento deduzido pelo arguido datado de 20.01.2020.” – negrito nosso
9)- Quando os autos finalmente baixaram à 1ª instância para cumprimento do acórdão neles proferido, não só as Mmºs Juízas vindas do Tribunal da Concorrência e da Bolsa já não se encontravam a prestar serviço no TCIC, como o Mmº Juiz recusado, já havia assumido, por determinação do Conselho Superior da Magistratura, todos os processos afectos ao J2, incluindo os autos onde esta recusa é suscitada.
Sendo estes os factos, vejamos, agora, o quadro legal, jurisprudencial e doutrinal aplicável ao caso em apreço.
A matéria de recusa, bem como de escusa, que integra o capítulo VI do Código de Processo Penal, dedicado aos Impedimentos, Recusas e Escusas vem regulada no artº 43º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “recusas e escusas”que dispõe o seguinte: “1.- A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. 2.- Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do nº 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40º. 3.- A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis. 4.- O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos nºs 1 e 2. 5.- Os actos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.”
Tanto a escusa, como a recusa, como os impedimentos, regulados no artº 39º do CPP, têm por ratio salvaguardar o princípio da imparcialidade do julgador tão fundamental para a Justiça própria de um Estado de Direito.
Como dizemEmílio Orbaneja e Vicente Quemada[3]“A abstenção de julgar relativamente a pessoas a quem se encomenda a administração da justiça responde à finalidade de assegurar a imparcialidade de decisão (não só da sentença mas de todo o expediente interlocutório e de qualquer acto de procedimento) e o prestígio da função. Daqui o interesse público, e não só da parte, da instituição. A lei não exclui o juiz porque seja parcial mas sim porque pode recear-se que o seja.”
Assim, tanto no caso dos impedimentos como no caso da recusa e da escusa, o que está em causa é garantir na administração da justiça, que é efectuada em nome da comunidade, a isenção, a imparcialidade e a transparência necessárias à defesa dos direitos das pessoas que integram essa comunidade de modo a tornar credível o sistema judicial, e consequentemente, assegurar a sua eficácia.
Isto porquanto, sendo os tribunais independentes, conforme determina o artº 203º da Constituição da República Portuguesa, expoente máximo do corolário da separação de poderes do Estado na sua concepção moderna, mais concretamente do Estado de Direito, essa independência tem de ser assegurada através de um sistema que garanta a isenção e imparcialidade do respectivo julgador que, na prática, administra a justiça.
Assim, não basta ao julgador ser isento e imparcial, há também que parecê-lo, isto é, não basta que se crie um sistema de regras com vista a garantir a imparcialidade e isenação do julgador individual, na busca da criação de um sistema judicial independente, há que criar a convicção na comunidade que, em relação a esse julgador, o mesmo exteriorize essa imparcialidade.
Ou seja, há que criar na comunidade, em cujo nome a justiça é administrada pelos tribunais, a confiança que essa administração é no verdadeiro interesse da comunidade, sendo conforme com os princípios de um Estado de Direito onde, entre outros, se proclama o princípio da igualdade de todos perante a justiça, o acesso de todos a uma justiça equilibrada e o direito a um julgamento equitativo e isento, livre de preconceitos sociais, religiosos, morais, económicos ou outros.
“Nos termos do artº 43º do CPP, para que se verifique recusa de intervenção do juiz, não basta um motivo qualquer, uma vez que a lei exige que ele seja sério e grave. Esta dupla qualificação do motivo terá de ser efectuada, à míngua de outro critério, com recurso ao senso e experiências comuns. Por outro lado, a qualificação do motivo deve ser objectivamente considerada. O simples convencimento do requerente sobre aquela qualificação não é suficiente para que se verifique a suspeição. Ela terá de ser aferida em função do juízo do cidadão médio representativo da comunidade.”[4]
Ora, no caso em apreço, o arguido invoca a violação do princípio do juiz natural por parte do Mmº Juiz recusado a quem acusa, na prática, de usurpar funções sobre um processo que não seria seu para decidir.
No entanto, dos factos processuais, em especial, os que resultam do ofício do Venerando Conselho Superior da Magistratura, verifica-se que, não só o princípio do juiz natural não foi violado, como o Mmº Juiz recusado agiu no superior interesse da Justiça, acumulando processos, a par dos que já lhe foram distribuídos enquanto titular do J1, com vista a aliviar o serviço que o Mmº Juiz do J2 não pode assegurar por estar em exclusividade de funções com um processo de especial complexidade.
Dito por outras palavras o Mmº Juiz recusado está a evitar que processos distribuídos ao J2 fiquem parados.
Aliás, nenhuma das Senhoras Juízas afectas, diga-se de passagem, temporariamente, ao TCIC, dentre elas a Mmª Juiz que terá elaborado o despacho instrutório alvo de revogação por parte desta mesma secção desta Relação, são titulares naturais do TCIC, tendo sido aí destacadas para ajudar na acumulação de serviço resultante do facto do Mmº Juiz titular do J2 nenhum outro processo poder despachar enquanto tem o tal processo em mãos.
Por outro lado, os processos não são dos juízes enquanto pessoas singulares mas dos tribunais, sendo que, em parte alguma do acórdão de 11-12-2019 se faz referêcia à necessidade de ser a mesma senhora magistrada a cumprir o acórdão, como até poderia acontecer se estivessemos perante um colectivo de juízes que tem de refazer uma parte do julgamento, por exemplo.
Ora, o arguido, em parte alguma do seu requerimento, oferece factos concretos para demonstrar que existem motivos sérios e graves que levem à possibilidade de se desconfiar da imparcialidade do Mmº Juiz recusado.
Apenas suscita a suposta violação do princípio do juiz natural que, como vimos, inexiste por completo.
Quanto à alegada falta de contraditório e alegado atropelo às regras processuais tal é matéria que tem de ser suscitadono âmbito de um recurso e não neste incidente de recusa.
Por fim, constata-se, ainda, que a recusa suscitada pelo arguido vem após a prolação de decisão instrutória na qual foi pronunciado.
Sucede que, nos termos do disposto noartº 44º do CPP, suboridnado à epígrafe “prazos”:
“O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate.”
No caso em apreço, o arguido suscita a recusa do Mmº Juiz a quo já a decisão instrutória tinha sido proferida.
Pelo que, em termos meramente formais, a recusa suscitada nos autos é também, além de infundada, intempestiva.
E reflecte a forma de estar processual do arguido já revelada no iter processual do recurso que, nesta mesma 3ª secção da Relação correu termos, como se pode retirar da decisão transcrita em 8 dos factos, tendo chegado a suscitar a recusa também dos Exmºs Senhores Desembargadores desta Relação.
Motivo pelo qual, o aguido deve ser sancionado a nível de custas deste incidente. V.–Decisão:
Em face do acima exposto, indefere-se o pedido de recusa formulado pelo arguido contra o Mmº Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal.
Custas a cargo do argido fixadas em 12 UC’s.
Lisboa, 30 de Setembro de 2020.
(Florbela Sebastião e Silva)
Relatora
(Alfredo Gameiro)
1º Adjunto
(Vasco de Freitas)
2º Adjunto
[1]Acórdão no 192/08.0TABGC.P1, datado de 6.04.2011 in www.dgsi.pt. [2]Corresponde ao atual artº 670º do CPC. [3]in Derecho Processual Penal, 51, constante da anotação ao artº 39º do CPP Anotado por Simas Santos e Leal-Henriques, p. 223. [4]Cfr. Acs. TRC de 10-07-1996, CJ, XXI, T4, pág.62 e Ac. TRL de 9-03-2006, CJ, XXXI, 2, pág.133.