PENHORA
EXECUÇÃO
Sumário

A natureza dos PPR/R é de índole privada, disponível, posto que com regras que visam assegurar uma prudente e rentável gestão dos valores aplicados, o que, pese embora a sua função complementar/previdencial, não os sujeita a qualquer impenhorabilidade, sequer relativa.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Na Execução Ordinária para Pagamento de Quantia Certa, que o exequente B………., move, pelo .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, aos executados:

C………., e;

D……….

O exequente nomeou à penhora 1/3 da apólice Plano-Poupança Reforma (PPR) nº14/……. de que é titular o executado D………., na E………. .

A seguradora, notificada para proceder ao depósito da fracção penhorada do P.P.R. interpôs recurso de tal despacho.

***

Nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:

(1) O Tribunal “a quo”, com o douto despacho agravado, violou o disposto no n° 2 do artigo 856° do Código de Processo Civil, visto que essa disposição confere apenas ao devedor – Exequente ou ao Tribunal – a faculdade de declarar se o crédito penhorado está ou não vencido, sob o regime de responsabilidade consignado no n°4 dessa mesma disposição;

(2) Além de que o Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 857°, n° l, do Código de Processo Civil, visto tratar-se, no caso, de direitos incorporados em títulos (a apólice, de resto, detida pelo credor, o executado), como expressamente resulta do regime do Decreto-Lei 158/2002, de 2 de Julho, que assim, também sai violado;

(3) Tal como ofendeu o artigo 860° do Código de Processo Civil, cujo cumprimento o Tribunal “a quo” ordenou à agravante, visto que o nºl dessa disposição legal expressamente limita o seu âmbito de aplicação a créditos vencidos, o que caso não ocorre;

(4) E o certo, em todo o caso, é que não assiste, nem ao Exequente, nem ao Tribunal, o direito de exercer o direito de reembolso consignado no artigo 4° do aludido Decreto-Lei n°1.58/2002, de 2 Julho, tal direito sendo exclusivamente do titular das apólices.

Saindo também, violados os princípios gerais da liberdade de contratar (artigo 405° do Código Civil) e da tipicidade do Direito Sancionatório;

(5) Na verdade, os planos poupança são constituídos por certificados nominativos de um fundo de poupança que têm, no caso, a forma de um fundo autónomo de uma modalidade de seguro do ramo vida, em que o título é representado pela respectiva apólice (cf. artigo 1°, nºs 4 a 6, do citado Decreto-Lei);

(6) Os fins legais desses certificados e dos direitos neles incorporados têm natureza social (cfr., além do mais, os artigos 4°, 98°, 104°, 105° e 125°, todos da Lei n°32/2002, de 20 de Dezembro);

(7) Afigura-se, aliás, que segundo o disposto no artigo 98° da Lei nº 32/2002, de 20 de Dezembro, que aprovou a Lei de Bases da Segurança Social, os PPR e PPR/E, e planos similares, têm natureza previdencial;

(8) Poderá então, até, pôr-se a questão de saber se as prestações pagas no quadro dos objectivos daqueles planos são ou não impenhoráveis, na proporção de 2/3, face ao disposto no artigo 824°, 1º, b), do Código de Processo Civil, questão que, todavia, caberá ao executado suscitar;

(9) A penhora de direitos incorporados nos títulos de participação (apólices) dos patrimónios autónomos de uma modalidade de seguro do ramo “Vida” não é susceptível de alterar a configuração legal e contratual desses direitos, antes tem por objecto tais direitos tal como a lei e o contrato de seguro os configura;

(10) Assim a notificação da penhora feita, à seguradora pelo tribunal que a decretou não é susceptível de produzir o efeito de um dever de reembolso fora dos casos previstos na lei e no contrato de seguro;

(11) O reembolso fora desses casos também não pode ser unilateralmente decidido pela seguradora;

(12) Logo, não deve a seguradora “proceder ao resgate” se não ocorrer uma situação que legal ou contratualmente produza esse efeito, designadamente por decisão do próprio participante nos casos e com as consequências em que tal, legal ou contratualmente, lhe é permitido;

(13) E o certo é que o direito relativo à apólice em causa não esta vencido, como a ora agravante declarou nos autos, pelo que não pode, nem deve, a mesma agravante efectuar o depósito do respectivo valor nos termos ordenados pelo douto despacho agravado.

Nestes termos, deve conceder-se provimento ao presente recurso, designadamente, revogando-se o douto despacho recorrido e substituindo-se, quando muito, o mesmo por uma decisão que ordene o depósito do valor titulado pela apólice na data do vencimento do respectivo crédito.

Como é de Justiça.

O exequente contra-alegou, pugnando pela confirmação do Julgado.

O Senhor Juiz sustentou, tabelarmente, o seu despacho.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que, além do que consta no Relatório, relevam os seguintes factos:

A) – Em 11 de Outubro de 2005, o Banco-exequente nomeou à penhora 1/3 da Apólice Plano-Poupança Reforma (PPR) nº14/……. de que é titular o executado D………., na E………. .

B) – Em 24 de Outubro de 2005, a seguradora informou que “o crédito emergente da Apólice nº14/……., da modalidade PPR, titulada por D………., fica penhorado à ordem do Tribunal”.

Mais informando que o crédito ascende a € 2.798.68, vencendo-se em 01.03.2014.

C) – Face a tal informação, em 24 de Novembro de 2005, o exequente requereu o reembolso do crédito existente e emergente da Apólice PPR nº14/……., requerendo para o efeito, a notificação da seguradora para que procedesse ao seu depósito na Caixa Geral de depósitos à ordem do Tribunal.

D) - O requerimento do exequente de 24.11.2005 mereceu o seguinte despacho:

“Fls. 126/127: Notifique a E……….., nos termos e para os efeitos requeridos”.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso, afora as questões de conhecimento oficioso, a questão fulcral que o recurso coloca, consiste em saber se o Tribunal, em processo executivo, pode ordenar a penhora de um PPR, Plano-Poupança Reforma.

A recorrente, considerando que tal forma de poupança tem natureza contratual mas também previdencial, sustenta a sua impenhorabilidade, admitindo, quando muito, que o depósito, mesmo ordenado pelo Tribunal, apenas possa ocorrer na data do vencimento.

Vejamos:

Como é consabido o património do devedor constitui a garantia comum dos credores, o que vale por dizer que responde pelas dívidas – art. 601º do Código Civil.

Todavia, a lei excepciona esta regra, considerando que certos bens, quer pela sua natureza, quer pelos fins a que se destinam primordialmente, não possam ser, irrestritamente, penhorados; temos em mente os bens que a lei considera absoluta e totalmente impenhoráveis – art. 822º do Código de Processo Civil – os que considera relativamente impenhoráveis – art. 823º do mesmo diploma – e, ainda, os que são considerados parcialmente penhoráveis – art. 824º.

Importa também referir que bens há que, por leis avulsas, são impenhoráveis.

O regime jurídico dos PPR foi, sucessivamente, regulado pelos DL. 205/89, de 27.6; DL.145/90, de 7 de Maio e 157/2002 de 2.7.

Este diploma revogou aqueles e, ainda, o DL. 357/99, de 15.7 – cfr. a norma revogatória inserta no art.11º.

Os PPR foram criados pelo DL.205/89, de 27.6 que, no seu preâmbulo, reza:

“A constituição de planos individuais de reforma permite incentivar a poupança de longo prazo completando os esquemas de segurança social proporcionados pelo Estado e os que têm natureza privada, como os derivados de fundos de pensões.
Trata-se, aliás, de uma orientação estratégica nas políticas macroeconómicas e da Segurança Social que consiste em criar todo um conjunto de esquemas diversificados complementares do sistema geral de segurança social…”.

É, assim, evidente que se pretendeu fomentar a poupança, de modo a também se complementar a função previdencial a cargo do Estado, sendo que aos PPR foram concedidos benefícios fiscais incentivadores desse meio de aforro, tendo em conta o seu fim, diríamos, para-previdencial.

O tema da Segurança Social, mormente, quanto ao modo como garantir no futuro o seu financiamento e garantia do pagamento das pensões está no debate quotidiano, por este tempo, sendo que muitos há que sustentam que, para evitar a ruptura do sistema, se deve privatizar o sistema de segurança social, ainda que parcialmente, admitindo a criação de fundos privados para onde parte dos descontos nos salários seriam drenados; outros, fiéis ao actual sistema constitucional, defendem o “status quo”, ou seja, deve ser o Estado a gerir e assegurar o pagamento de pensões.

Os PPR não são de constituição obrigatória e como fundos que são envolvem aplicações financeiras, têm regras próprias, rigorosas quanto às condições em que podem ser reembolsados antes do termo do prazo.

Tal matéria estava inserida no art. 4º do diploma que os criou e está agora regulada no art. 4º do DL. 15/2002. de 2.7, nos seguintes termos:

“1— Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os participantes só podem exigir o reembolso do valor do PPR/E nos seguintes casos:
a) Reforma por velhice do participante:
b) Desemprego de longa duração do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar;
c) Incapacidade permanente para o trabalho do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar, qualquer que seja a sua causa;
d) Doença grave do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar;
e) A partir dos 60 anos de idade do participante;
f) Frequência ou ingresso do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar em curso do ensino profissional ou do ensino superior, quando geradores de despesas no ano respectivo.”

O nº 5 consigna:

“Fora das situações previstas nos números anteriores o reembolso do valor do PPR/E pode ser exigido a qualquer tempo, nos termos contratualmente estabelecidos e com as consequências previstas nos nºs 4 e 5 do artigo 21° do Estatuto dos Benefícios Fiscais.”.

Este normativo, desde logo, retira qualquer carácter indisponível aos PPR.

Os certificados que os constituem – art. 1º,do citado diploma – são mobilizáveis, reembolsáveis, “a qualquer tempo”, fora do circunstancialismo do art. 4º; apenas, nesse caso, com a desvantagem para o seu titular de perder os benefícios constantes do art. 21º da Lei do Estatuto dos Benefícios Fiscais [No preâmbulo do DL.158/2002, de 2.7 pode ler-se: “…Os PPR beneficiam de um regime fiscal que, por um lado, facilita a capitalização na fase de poupança e, por outro, não a penaliza na fase do reembolso. Não se consagra uma verdadeira isenção fiscal para os rendimentos gerados, mas antes um diferimento da sua tributação. Quer isto significar que, dentro de limites determinados, as contribuições para os fundos de poupança são dedutíveis à colecta do IRS, sendo que os reembolsos, embora sujeitos a imposto, beneficiam de condições mais favoráveis, designadamente as decorrentes do regime previsto para as pensões […]. Como contrapartida das vantagens fiscais, consagraram-se condições específicas de reembolso que impedem pedidos de devolução dos montantes resultantes das entregas efectuadas que não se baseiem nos fundamentos especiais legalmente previstos, propiciando-se assim a poupança de médio e longo prazos…”.].

Assim sendo, não se pode considerar existir pretensa analogia com as prestações previdenciais, que são bens impenhoráveis, equiparando o seu regime às prestações devidas pelas instituições de Segurança Social, nos termos do art. 45º da Lei 24/84, de 14.8.

A natureza dos PPR é de índole privada, disponível, posto que com regras que visam assegurar uma prudente e rentável gestão dos valores aplicados, o que, pese embora a sua função complementar/previdencial, não os sujeita a qualquer impenhorabilidade, sequer relativa.

O despacho recorrido não merece censura nem violou os arts. 856º, 857º e 860º do Código de Processo Civil, porquanto a penhora dos PPR não deixa de ser uma penhora de créditos sendo, no caso, depositária a recorrente, razão pela qual teria de ser notificada – como foi – nos termos dos nºs 1 e 2 do art.856º do Código de Processo Civil; depois, não é ao caso aplicável o regime do art. 857º, que dispõe para a penhora de direitos incorporados em títulos de crédito (letras, cheques e livranças); finalmente, não violou o art. 860º, nº1, porquanto, a penhora implica a imediata liquidação do PPR, sob pena do credor, não obstante a penhora, estar sujeito ao dilatado prazo de vencimento.

Pelo quanto dissemos o despacho recorrido não merece censura.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pelo exequente/agravante.

Porto, 23 de Outubro de 2006
António José Pinto da Fonseca Ramos
José Augusto Fernandes do Vale
Rui de Sousa Pinto Ferreira