REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
Sumário

I - Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662ºdo CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
II - A violação do dever legal imposto a uma empresa de mediação imobiliária no artigo 17º nº 1 al. a) da 15/2013 de 08/02 de se certificar “a) no momento da celebração do contrato de mediação que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover;” constitui esta na obrigação de indemnizar terceiros que em consequência de tal violação venham a sofrer danos.

Texto Integral

Processo nº. 674/17.3T8MTS.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Porto – Jz. Local Cível de Matosinhos
Apelantes/ “B…, Unipessoal, Lda.” e “C…, S.A.”
Apelada/D…

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
D… instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra “B…, Lda.” e “C…, S.A.”, peticionando pela procedência da ação a condenação solidária de ambas as RR. “no pagamento de uma indemnização à Autora no valor de Euros 15.000,00, acrescidos dos frutos civis não recebidos, dado a privação de uso da quantia entregue, calculados às taxas legais ao tempo em vigor, desde 06 de Março de 2014 até efetivo e integral pagamento.”
Valor indemnizatório correspondente ao dano patrimonial quantificado pela A. como por si sofrido em consequência da violação dos deveres legais de informação e de esclarecimento que sobre a 1ª R. recaíam no exercício da sua atividade de mediadora imobiliária.
Decorrendo a responsabilidade solidária da 2ª R. da transferência da responsabilidade civil por danos causados a terceiros no exercício da atividade da 1ª R. operada através de contrato de seguro celebrado entre a 1ª e 2ª R..

Contestou a 1ª R. em suma alegando:
i- ter atuado em “profunda conformidade com o contratualizado no contrato de angariação e mediação imobiliária”, bem como ter comunicado à A. “antes da celebração do contrato promessa de compra e venda que o Sr. E… agia em representação dos proprietários, pelo que, nunca poderá a A. alegar que foi induzida em erro.”
E ainda que:
“A A. tinha conhecimento que o Sr. E… agia em nome dos proprietários do imóvel, tendo sido informada pela R. de tal facto, antes da celebração do contrato promessa de compra e venda, mantendo o interesse na celebração daquele, assim como na compra e venda definitiva.
(…)
A A. foi devidamente informada de todos os elementos do negócio e das circunstâncias do contrato, assim como lhe foi cedida toda a documentação inerente ao imóvel para ser verificada e validada pelo Advogado (a) da A., tendo assim, aceite celebrar o contrato promessa de compra e venda.”
Tendo como tal a R. cumprido “junto da A. os deveres a que se encontra adstrita, nomeadamente, o dever de obter informação junto das pessoas com quem o contrato de mediação foi celebrado e fornecê-la de forma clara, objetiva e adequada”
ii- os danos reclamados pela A. “resultam do incumprimento do contrato promessa de compra e venda e, por tais danos já a A. obteve a condenação do Sr. E…, à restituição do sinal em dobro, por decisão proferida na ação que correu termos sob o nº 6/2015.5T8GDM.
(…)
Ora, a sentença do mencionado processo decidiu definitivamente no que concerne à responsabilidade da “B…” no incumprimento do contrato definitivo”
Estando como tal definitivamente afastada a responsabilidade invocada pela A. como causa de pedir.
E não podendo “a decisão definitiva proferida na referida ação (…) deixar de atuar como autoridade de caso julgado.”
Termos em que concluiu pela total improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

Contestou a 2ª R., em suma tendo alegado:
i- O âmbito de cobertura da apólice contratada com a 1ª Ré abrange os danos patrimoniais causados aos clientes decorrentes exclusivamente de ações, omissões ou incumprimentos das obrigações, no exercício profissional da atividade de mediação imobiliária (docs. 1 e 2).
(…)
A Ré C… não recebeu qualquer participação pelo que não sabe se os factos alegados pela Autora são (ou não) verdadeiros.”
Factos que assim impugnou, sem prejuízo de ter ainda alegado a exclusão da cobertura da apólice na medida em que e de acordo com o alegado na petição está em causa responsabilidade contratual, excluída esta de tal cobertura.
Para além de que e a apurar-se uma atuação dolosa por parte da 1ª R. e que a A. invocou, então nenhuma responsabilidade existirá para a R. C… atento o constante da cláusula 28ª das Condições Gerais.
Não tendo sido praticado pela 1ª R. no exercício da atividade de mediação imobiliária qualquer facto ilícito do qual resulte qualquer tipo de responsabilidade.
ii- A 1ª R. e sua segurada foi também demandada na ação interposta pela A. contra o promitente vendedor e aludida pela 1ª R.. Ação na qual a ora 1ª R. foi chamada a intervir e ali absolvida do pedido contra si formulado.
Estando em face do ali decidido reunidos todos os requisitos do caso julgado que assim igualmente invocou.
Termos em que concluiu:
“a) deve a exceção de caso julgada ser julgada procedente, com todas as consequências daí decorrentes;
b) sem prejuízo, deve a exceção de exclusão do âmbito de cobertura da apólice de seguro ser julgada procedente com a consequente absolvição da 2ª Ré do pedido;
c) para o caso de não proceder nenhuma das exceções deduzidas, deve a ação ser julgada totalmente improcedente com todas as consequências legais daí decorrentes.”

Respondeu a A. às exceções deduzidas, na sequência de convite para tal, pugnando pela sua improcedência.

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Proferido despacho saneador, foi no mesmo apreciada a exceção de caso julgado e/ou autoridade de caso julgado e ambas julgadas improcedentes.
Igualmente improcedente a pela 2ª R. invocada exclusão do âmbito de cobertura de apólice, na medida em que “a causa de pedir nestes autos não é a responsabilidade da 1ª R. pelo incumprimento do contrato promessa mas sim o incumprimento pela 1ª R. dos seus deveres legais de informação e esclarecimento” .
E ao abrigo do disposto no artigo 597º do CPC foi agendada audiência final.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi após proferida sentença julgando a ação “parcialmente procedente por provada e, em consequência” condenando
“- (…) as Rés a pagar à A., solidariamente, a quantia de € 14.250,00 (catorze mil, duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados, à taxa legal anual de 4%, desde a citação (15/02/2017) e até efetivo e integral pagamento.
- (…) a 1ª Ré, “B…, Lda.”, a pagar à A. a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados, à taxa legal anual de 4%, desde a citação (15/02/2017) e até efetivo e integral pagamento.”
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Do assim decidido apelaram ambas as RR..
Apelou a 1ª R. oferecendo alegações e formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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Apelou a 2ª R. oferecendo alegações e formulando as seguintes
“CONCLUSÕES:
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Apresentou a A. contra-alegações, em suma tendo pugnado pela improcedência de ambos os recursos face ao bem decidido pelo tribunal a quo tanto em sede de decisão de facto como de direito.
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Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo o recurso da 1ª R. e efeito suspensivo o recurso da 2ª R. após prestação de caução para o efeito julgada idónea.
Pronunciou-se ainda o tribunal a quo sobre a arguida nulidade, expressando o entendimento da sua não verificação.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem as seguintes as questões a apreciar:
Recurso da 1ª R.:
1) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Em causa os factos provados 5, 13 e 21 que a recorrente pugna sejam julgados não provados (vide conclusão 2); e os factos não provados constantes das als. d), e), f), j), l) e m) que a recorrente pugna sejam julgados provados (vide conclusão 4).
2) erro na aplicação do direito (como consequência da pugnada alteração da decisão de facto) pela não demonstração de violação relevante do dever legal de informação e de esclarecimento a cargo da 1ª R..
Recurso da 2ª R.:
1) nulidade da sentença por omissão de pronúncia [em causa a pela 2ª R. alegada irresponsabilidade em caso de dolo por parte da 1ª R. que alega não foi apreciada – vide conclusões D a F];
2) erro na interpretação e aplicabilidade das normas à relação contratual estabelecida entre a 1ª R. e a 2ª R. [em causa uma vez mais a irresponsabilidade contratual da recorrente derivada da pelo tribunal entendida atuação dolosa da 1ª R. ou em último caso o efetivo direito de regresso por parte da seguradora [vide conclusões H a J];
3) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Em causa os factos provados 2, 5, 13 e 21. Pugnando a recorrente que os pontos 2 e 5 sejam julgados parcialmente provados, propondo para os mesmos nova redação e os pontos 13 e 21 julgados não provados [vide conclusões K e V, PP e QQ].
Bem como os factos não provados constantes das als. d), e), g), j), k, l) e m) que a recorrente pugna sejam julgados provados [vide conclusões K e SS, TT, UU, VV, WW, XX e YY].
4) erro na aplicação do direito, também como consequência da pugnada alteração da decisão de facto.
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III- Fundamentação
Foram dados como provados os seguintes factos[1]:
1) A 1ª R. dedica-se à atividade de mediação imobiliária, é detentora da licença AMI nº …. e encontra-se inserida na F…, tendo por designação social F1…..
2) A A. procurava um apartamento, destinado a habitação, para adquirir na cidade de Matosinhos e, nesse sentido, decidiu contactar a 1ª Ré, com vista a obter, através desta, o apoio na pretendida aquisição de um bem imóvel angariado pela 1ª Ré.
3) Em data não concretamente apurada do ano de 2014, a 1ª Ré deu a conhecer à Autora uma casa de habitação, sita na Rua …, nº …, artigo matricial nº 5496, em Matosinhos.
4) O imóvel em questão havia sido objeto do contrato de mediação imobiliária que se mostra junto aos autos a fls. 25 a 26 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, celebrado pela 1ª Ré no dia 14 de Fevereiro de 2014 com E….
5) Foram efetuadas visitas àquela habitação, nas quais esteve presente o Sr. E…, apresentado pela 1ª Ré à Autora como sendo o proprietário do referido imóvel.
6) Após as visitas efetuadas e informações prestadas pela 1ª Ré sobre o dito imóvel, a Autora apresentou, por intermédio da 1ª Ré, uma proposta de aquisição no valor de Euros 40.000,00, proposta essa que foi aceite pelo Sr. E….
7) Nesse seguimento, por documento particular datado de 06 de Março de 2014, foi celebrado entre a A. e E… o contrato promessa de compra e venda que se mostra junto aos autos a fls. 29 a 30, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual este prometeu vender e aquela prometeu comprar o prédio urbano composto por uma casa sita à Rua …, nº …, correspondente a uma habitação, na freguesia e concelho de Matosinhos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº 405 e inscrito na matriz predial respetiva sob o art. 5496, livre de quaisquer ónus ou encargos e de pessoas e bens, pelo preço de € 40.000,00.
8) No acordo escrito referido em 7), os outorgantes fizeram constar que a escritura pública de compra e venda seria outorgada no prazo de 120 dias após a assinatura do contrato promessa, em dia, hora, Cartório Notarial e local a designar pela A., e que o promitente vendedor se comprometia a entregar ao promitente-comprador o certificado energético até ao dia da escritura de compra e venda.
9) A título de sinal e princípio de pagamento a A. pagou ao referido E…, na qualidade de promitente vendedor, a quantia de € 15.000,00.
10) A formalização do acordo escrito referido em 7) foi feita por intermédio da 1ª R., tendo sido esta que recolheu a identificação das partes, que recolheu a identificação e a documentação do imóvel a adquirir e a vender.
11) Foi a 1ª R. que redigiu a minuta do referido contrato promessa, com todos os dizeres e cláusulas lá constantes, tendo já conhecimento que o Sr. E… não era o proprietário do imóvel.
12) Foi nas instalações da 1ª R. que a assinatura do contrato promessa ocorreu.
13) Face a tal intervenção da 1ª R. na formalização do contrato, a A. limitou-se a assinar o dito contrato e a pagar o sinal, acreditando e confiando na intervenção da 1ª R. na recolha das informações prestadas e necessárias para a boa celebração do negócio definitivo e conteúdo do contrato promessa, não lhe tendo sido exibido ou entregue qualquer documentação relativa ao imóvel, tal como a certidão predial ou certidão matricial, nem tendo sido informada que o proprietário do imóvel não era o Sr. E….
14) Foram celebrados dois aditamentos ao contrato promessa, em 04/07/2014 e em 30/07/2014, conforme documentos juntos aos autos a fls. 31 a 34, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, por, segundo informações prestadas pela 1ª R., haver necessidade de mais tempo para a constituição da propriedade horizontal no imóvel prometido vender, constituição essa dita como essencial para a compra definitiva.
15) A A. acreditou nas informações prestadas e aceitou, em ambos os aditamentos, prorrogar o prazo para a celebração da escritura de compra e venda, tendo ficado acordado no último aditamento, que a escritura seria celebrada até ao dia 30/09/2014.
16) Os aditamentos referidos em 14) foram redigidos pela 1ª R.
17) Por carta datada de 23 de Setembro de 2014, a A. comunicou ao Sr. E… que a escritura de compra e venda realizar-se-ia no dia 30 de Setembro de 2014, pelas 17h, na agência da 1ª Ré, em Matosinhos, conforme documento junto aos autos a fls. 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
18) No dia, hora e local designados, o Sr. E… informou a Autora que não podia celebrar a escritura pública de compra e venda por não ter a documentação própria para o efeito e, por consequência, não se realizou a compra e venda.
19) A Autora remeteu ao Sr. E… uma carta, com data de 21 de Outubro de 2014, concedendo um prazo adicional de 15 dias para a concretização do negócio, conforme documento junto aos autos a fls. 37 a 38, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
20) Por carta datada 07 de Novembro de 2014, a Autora comunicou ao Sr. E… a resolução do contrato promessa, por culpa imputável a este, conforme documento junto aos autos a fls. 40 a 41, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
21) A razão do Sr. E… não poder celebrar a escritura definitiva de compra e venda era por não ser o legítimo proprietário e dono do imóvel prometido vender, mas sim o seu pai, G…, H… e I…, por sucessão hereditária de J… e K…, estando tal aquisição registada na Conservatória de Registo Predial de Matosinhos mediante a Ap. 1770, com data de 07/05/2013, conforme documento junto aos autos 42 a 43, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
22) A Autora moveu uma ação judicial contra o Sr. E…, que correu termos sob o nº 6/2015.5T8GDM, Instância Local de Gondomar, J1.
23) Nos autos referidos em 22), em que foi interveniente a 1º Ré, como chamada, por sentença transitada em julgado, foi julgada a ação procedente por provada, e, em consequência declarado resolvido o aludido contrato promessa celebrado entre as partes, condenando o Sr. E… a pagar à Autora a quantia de € 30.000,00, acrescidos de juros legais até efetivo e integral pagamento, conforme documento junto aos autos a fls. 44 a 62, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
24) Apesar da aludida condenação judicial, o Sr. E… nada pagou a Autora.
25) No L… que correu termos sob o nº 37394/16.8YLPEP consta a informação de que o ali executado, E…, não tem rendimentos, nem bens mobiliários e imobiliários, conforme documento junto aos autos a fls. 63 a 64, que aqui se dá como integralmente reproduzido.
26) E… foi declarado insolvente nos autos do processo que correm termos sob o nº 38/17.9T8STS do Juízo de Comércio de Santo Tirso, J2, conforme documentos juntos aos autos a fls. 65 a 69, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
27) A relação entre o Sr. E… e a 1ª R. iniciou-se com deslocação deste à agência para apresentar os serviços como arquiteto e posterior promoção da venda de um imóvel, em data anterior à referida em 4).
28) Pelo facto referido em 27), o Sr. E… passou a ser pessoa conhecida da 1ª R..
29) A 1ª R. celebrou com a 2ª R. um contrato de seguro de responsabilidade civil titulado pela apólice nº …….. e subordinado às Condições Particulares e às Condições Gerais juntas aos autos a fls. 88 a 106, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
30) O aludido contrato de seguro começou a vigorar no dia 11/04/2011 pelo período de um ano, prorrogável por iguais períodos, enquanto não for denunciado ou cancelado.
31) A apólice tem um capital seguro de € 150.000,00, com uma franquia de 5% do valor da indemnização.”
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O tribunal a quo declarou ainda como não provada a seguinte factualidade:
“a) No âmbito do acordo escrito referido em 7) dos factos provados, o Sr. E… ficou obrigado de, até ao momento de outorga da escritura, entregar à A. a certidão predial e matricial do imóvel prometido vender.
b) A quantia referida em 9) dos factos provados foi paga no dia da celebração do contrato promessa.
c) O imóvel referido em 27) dos factos provados era do Sr. E… e do seu progenitor e a 1ª R. celebrou sobre o mesmo um contrato de mediação imobiliária apresentando-se o Sr. E… como representante na venda.
d) Aquando do contrato de mediação imobiliária referido em 4) dos factos provados, o Sr. E… sempre se apresentou à 1ª R. como representante dos proprietários.
e) O Sr. E… exibiu ao consultor da 1ª R. documento/procuração comprovativo dos poderes para negociar o imóvel referido em 4) e 7) dos factos provados.
f) O documento referido em e) não foi adicionado ao processo físico atendendo à sua alegada necessidade para outros fins, necessitando supostamente o referido E… de se fazer sempre acompanhar do mesmo, nem permitindo tirar fotocópia alegando questões de segurança, pelo que, a qualquer momento poderia o mesmo ser exibido, segundo este.
g) Os proprietários referidos em 21) dos factos provados eram perfeitos conhecedores do negócio, do contrato de mediação, bem como da promoção do imóvel e da parcial concretização do mesmo através da promessa firmada.
h) O contrato promessa referido em 7) dos factos provados foi assinado e concretizado com o conhecimento dos proprietários referidos em 21) da mesma factualidade.
i) A promoção do imóvel e o negócio em si, de compra e venda, era efetivamente querido pelos proprietários referidos em 21) dos factos provados e só não se concretizou porquanto à data da escritura pública de compra e venda os vendedores consideraram que os termos e condições do mesmo deveriam ter sido negociados de outra forma.
j) A escritura pública de compra e venda não se fez porquanto, de forma inesperada, desistiram os proprietários referidos em 21) dos factos provados, sem que para tanto tal se fizesse prever.
k) Durante o decurso do processo negocial para a aquisição do imóvel referido em 4) e 7) dos factos provados, estabeleceu-se entre a A. e o Sr. E… uma relação de confiança, havendo negociações entre ambos para a realização de obras no imóvel prometido, assim como outros nos quais a A. era proprietária.
l) A R. comunicou à A., antes da celebração do contrato promessa de compra e venda que o Sr. E… agia em representação dos proprietários, e aquela manteve o interesse na celebração daquele, assim como na compra definitiva.
m) A A. foi devidamente informada de todos os elementos do negócio e das circunstâncias do contrato, assim como lhe foi cedida toda a documentação inerente ao imóvel para ser verificada e validada pelo advogado (a) da A., antes de ser celebrado o contrato promessa.”
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Conhecendo.
1) Em função do supra enunciado, cumpre em primeiro lugar apreciar a pela 2ª R. invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC é nula a sentença que deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Sanciona este normativo, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3º do CPC, a violação do disposto no artigo 608º nº 2 do CPC o qual dispõe que o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
É portanto em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões / exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
O mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia.
Já não sobre «os fundamentos (de facto ou direito) apresentados pelas partes para defender a sua posição, os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, ser tidos como “questões”», mas das mesmas se distinguem, pois «é diferente “(…) deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (…)”[2]
Tendo presentes estes considerandos importa relembrar que nos autos:
- a R. alegou entre o mais a exclusão da cobertura da apólice na medida em que e de acordo com o alegado na petição está em causa responsabilidade contratual, excluída esta de tal cobertura.
- mais alegou que a apurar-se uma atuação dolosa por parte da 1ª R. e que a A. invocou, então nenhuma responsabilidade existirá para a R. C… atento o constante da cláusula 28ª das Condições Gerais.
As invocadas exclusões do âmbito da cobertura do contrato de seguro ao abrigo do qual a 2ª R. foi demandada configuram exceções opostas pela R. que ao tribunal a quo cumpria apreciar.
A recorrente alega que não ocorreu pronúncia sobre a alegada exclusão, fundada em atuação dolosa da 1ª R. que na decisão recorrida se julgou apurada.
Analisada a decisão recorrida constata-se que sobre tal questão não ocorreu na verdade pronúncia.
Tal omissão fere a decisão proferida de nulidade. Nulidade que todavia cumpre a este tribunal suprir em obediência à regra da substituição do tribunal recorrido consagrada no artigo 665º nº 2 do CPC.
Em suma, julga-se procedente a arguida nulidade.
A questão em menção será oportunamente apreciada, aquando da apreciação das questões suscitadas em sede de erro na aplicação do direito.
2) Alegou em 2º lugar a 2ª R. recorrente verificar-se erro na interpretação e aplicabilidade das normas à relação contratual estabelecida entre a 1ª R. e a 2ª R. - em causa estando uma vez mais a irresponsabilidade contratual da recorrente derivada da pelo tribunal entendida atuação dolosa da 1ª R. ou em último caso o efetivo direito de regresso por parte da seguradora [vide conclusões H a J].
Esta é questão a apreciar igualmente em sede de erro na aplicação do direito, após fixação da matéria de facto nos autos julgada (já que parcialmente foi impugnada.
3) Em terceiro lugar, cumpre apreciar o imputado erro à decisão de facto que tanto a 1ª R. como a 2ª R. invocaram.
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Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC.
Conforme já supra referido têm as conclusões como finalidade delimitar o objeto do recurso, pelo que é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Tendo presentes estes considerandos e analisadas as conclusões de ambas as recorrente é possível extrair das mesmas qual a matéria que impugnam, bem como a decisão que entendem deve ser proferida sobre os pontos impugnados – nos termos que acima já deixámos elencados.
Ainda resulta, quer das conclusões da 2ª R. quer do corpo alegatório da 1ª R., a indicação dos concretos meios probatórios que no entender da recorrente impõem decisão diversa.
Do corpo alegatório se extraindo a indicação com exatidão das passagens da gravação em que ambas as RR. fundam o seu recurso (por erro de julgamento), que em parte transcreveram.
Em suma, conclui-se terem sido observados os ónus de impugnação e especificação quanto aos pontos factuais acima elencados.
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Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662ºdo CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.
Assim e para além das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, está esta dependente da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.
Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, já supra citado, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recuso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.
Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).
Por fim realçando que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..
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De acordo com estes considerandos e revertendo ao caso concreto, tal como já supra referido, impugnaram as recorrentes os seguintes pontos factuais da decisão de facto:
A 1ª R.:
- os factos provados 5, 13 e 21 que pugnou sejam julgados não provados;
- os factos não provados constantes das als. d), e), f), j), l) e m) que pugnou sejam julgados provados;
A 2ª R.:
- os factos provados 2 e 5 para estes tendo proposto uma nova redação:
2) “O Senhor M…, irmão da Autora, procurava um apartamento, destinado a habitação, para adquirir na cidade de Matosinhos e, nesse sentido, decidiu contactar a 1ª Ré, com vista a obter, através desta, o apoio na pretendida aquisição de um bem imóvel angariado pela 1ª Ré.”
5) “Foram efetuadas visitas àquela habitação, nas quais esteve presente o Sr. E…, apresentado pela 1ª Ré à Autora como sendo o representante do proprietário do referido imóvel.”
- os factos provados 13 e 21 que pugnou sejam julgados não provados;
- os factos não provados constantes das als. d), e), g), j), k, l) e m) que pugnou sejam julgados provados.

Na medida em que a factualidade impugnada por ambas as RR. é em grande parte comum, tal como os argumentos aduzidos são em muito similares, será apreciada em conjunto a impugnação da matéria de facto por ambas as recorrentes aduzida.
Tanto mais quando a 2ª R. convocou para tanto os depoimentos de “M…, N…, O…, E…, P… e G… e as declarações de parte do Q…”.
Tendo destes invocado também a 1ª R. os depoimentos das testemunhas N…, O… e P…, bem como as declarações de parte do gerente da 1ª R. Q…, associado ainda ao doc. 1 da contestação (ou seja o articulado de contestação apresentando por E…, também testemunha, no âmbito do outro processo onde foi demandado pela aqui autora.).
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Consigna-se que para a reapreciação da decisão, se procedeu à audição integral dos depoimentos prestados em audiência, bem como foi analisada a prova documental oferecida aos autos.
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Em causa nos autos está a pela autora alegada violação do dever da 1ª R. enquanto mediadora imobiliária que celebrou contrato de mediação com terceiro, em não obter deste informação sobre a titularidade do imóvel objeto do contrato com este celebrado. Nem ter obtido documentação necessária a essa mesma identificação – certidão predial e certidão matricial.
Bem como em não ter obtido dos efetivos titulares do imóvel uma procuração que conferisse poderes ao outorgante do contrato de mediação para no mesmo, bem como no subsequente contrato promessa que veio a ser celebrado, intervir nessa qualidade.
Dessa violação e porquanto a A. não foi informada da falta de legitimidade da pessoa que lhe foi apresentada como proprietária do imóvel para proceder à venda do mesmo, tendo sofrido danos patrimoniais que quantificou no montante equivalente ao valor do sinal que entregou aquando da celebração do contrato promessa e que não recuperou, após a resolução do mesmo fundada em incumprimento definitivo imputável ao promitente vendedor.
A 1ª R. e mediadora defendeu-se alegando em suma que comunicou à A. que que o Sr. E… – o outorgante do contrato de mediação imobiliária e também do contrato promessa mencionado nos autos – agia em representação dos proprietários pelo que nunca poderá alegar a A. que foi induzida em erro.
Mais alegou que a A. foi devidamente informada de todos os elementos do negócio e a si foi cedida toda a documentação inerente ao imóvel para ser validada pelo advogado da A., assim tendo aceite celebrar o contrato promessa.
Contrato promessa cuja minuta a (1ª) R. redigiu para apreciação dos representantes da A. e do Sr. E…, assim como os aditamentos realizados ao mesmo, a pedido do Sr. E… com a justificação de ainda não se encontrar concluído o processo de constituição da propriedade horizontal do imóvel prometido vender.
Ainda, que apurou a situação do imóvel no registo predial e que cumpriu assim todos os seus deveres legais.
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A 2ª R. questionou em primeiro lugar a redação dada ao ponto 2º dos factos provados porquanto no seu entender a autora apenas consta no contrato promessa de compra e venda (CPCV) como mera representante de seu irmão M…, o “verdadeiro” sujeito da relação material controvertida.
Afirmando que nenhum depoimento foi capaz de comprovar a factualidade dada como provada no ponto 2 dos FP, nem mesmo o depoimento de M…, irmão da A.. Ao invés tanto do depoimento deste como do depoimento das testemunhas N…, O… e declarações de parte de Q… resultando ser a testemunha M… quem procurava um apartamento e para o efeito decidiu contactar a 1ª R..
Este ponto factual só pela 2ª R. impugnado leva-nos à análise dos depoimentos prestados, a qual servirá igualmente de base para apreciação dos demais factos impugnados.

A testemunha M… trabalha e reside em França e conforme a audição do seu depoimento o evidenciou, fala de forma deficiente o Português, denotando na construção das frases já evidentes influências do francês que com frequência misturou durante o seu depoimento.
Releva esta observação porquanto perante esta limitação, o seu depoimento tem de ser entendido e interpretado no seu todo.
E afirmou esta testemunha de forma clara e cristalina que depois de ter investido em Matosinhos - comprando um apartamento em 2012/2013 com a intermediação da 1ª R. que renovou e vendeu - porque correu bem o negócio, aconselhou a sua irmã aqui autora a recorrer à mesma 1ª R. por confiar nos seu serviços, já que também a irmã se mostrou interessada em comprar um apartamento e restaurar.
E assim falou com a 1ª R. na pessoa do Q… (gerente) que apresentou o apartamento à irmã e que gostou do mesmo.
Na sequência do que a A. sua irmã lhe telefonou. Tendo vindo de propósito de França para ver o apartamento ao qual foram feitas várias visitas para aferir das obras de que o mesmo carecia.
Referiu ainda que aquando das visitas estava o E… arquiteto e dono do apartamento, ainda o N… e sempre o Q…. Tendo sido este quem lhe disse que o E… era o proprietário do andar. Nunca tendo referido ser o mesmo procurador.
Só mais tarde e depois do CPCV celebrado entre a irmã e o E…, perante a dificuldade em celebrar a escritura definitiva tendo sabido através do Q… que o apartamento não é do E… mas do pai.
Com quem, afirmou, ainda falou. Tendo este dito que não tinha o apartamento à venda, não o queria vender nem tinha dado poderes ao filho para vender.
Do depoimento desta testemunha que várias vezes conjugou os verbos na 1ª pessoa do plural, como “gostamos” ou “decidimos”, percebe-se que assumiu um papel de conselheiro da irmã, ajudando no processo da decisão desta na aquisição do andar em questão.
Nunca e independentemente do modo como falou se percecionou qualquer afirmação ou declaração de intenção de ser ele mesmo a adquirir o andar em questão.
Aliás tão pouco foi esta versão apresentada nos articulados.
E ademais, não é o que consta no CPCV assinado pela autora na qualidade de promitente compradora e o E… na qualidade de promitente vendedor e ali declarado proprietário do prédio em questão, não na qualidade de procurador ou representante dos proprietários (outros que não o próprio).
Quem aventou esta versão foram os funcionários da 1ª R. e testemunhas N…, O… e P… e mesmo o gerente Q….
Do depoimento destas testemunhas é de referir que a testemunha N… afirmou que a 1ª R. sabia que o E… não era proprietário, tal como a própria testemunha o sabia – dito pelo próprio E…. Acrescentou que este mesmo E… era representante dos proprietários. Pelo que acha muito estranho que no CPCV conste como proprietário.
Mais disse que na altura da visita que faz com o M… ao apartamento, está lá o E…, em relação ao qual afirma o M… sabe perfeitamente que era apenas representante dos proprietários do imóvel e ele mesmo não era proprietário.
Ficou por explicar a razão de ciência desta afirmação. Tanto mais quando no início do se depoimento afirmara – em sentido divergente - que na visita à casa, pelo seu colega foi passada a informação de que o E… era o proprietário e assim fez a visita e o apresentou.
E tanto mais quando afirmou nunca ter visto a procuração que alegadamente teria conferido poderes ao E… para representar os proprietários do imóvel.
Disse ainda que o M… é que era o comprador não a D… que do mesmo era representante.
Mas reconheceu ter mostrado o apartamento também à D… juntamente com o M….
Adicionalmente afirmando também esta saber que o E… era mero representante e não proprietário.
E tendo ainda estado presente na assinatura do CPCV – documento redigido pela 1ª R. como a mesma o reconheceu na contestação e que nos depoimentos das testemunhas da 1ª R. foi confirmado – ficou por explicar por que também no CPCV a autora D… consta como efetiva promitente compradora e não como representante.
Por outro lado, todas as testemunhas da 1ª R. acima mencionadas (N…, O… e P…) e o próprio gerente da R.:
i- confirmaram que o procedimento normal numa angariação é exigir documentação que comprova a legitimidade do vendedor – como proprietário ou procurador deste último – nomeadamente certidão da CRP e inscrição matricial associada aos elementos identificativos dos outorgantes;
ii- bem como confirmaram a formação específica que recebem não só do F2… como formação própria da sociedade aqui 1ª R. em assuntos diversos desde como fazer prospeção; angariar clientes; documentação ou fechos de venda;
iii- afirmaram a existência de um departamento jurídico que valida a documentação entregue para que se possa dar início à mediação.
Departamento jurídico que procede ainda à elaboração dos CPCV e outra documentação – como os contratos de aditamento que tiveram lugar in casu – sem prejuízo de estarem sujeitos a alterações de acordo com o proposto pelas partes;
iv- afirmaram que o E… informou ser procurador dos proprietários do andar em causa, tendo nomeadamente a testemunha P… e o gerente Q… afirmado que viram essa procuração que todavia não foi junta ao processo de angariação (mediação), nem da mesma retirada cópia. Procuração que nunca apareceu e que o pai de E…, testemunha G… negou perentoriamente existir por nunca a ter outorgado.

Acresce ser evidente que a elaboração responsável de um CPCV carece de documentação base que a suporte, como certidão da CRP perante a qual para além de cabalmente se obter a identificação cabal do imóvel objeto do contrato, se verifica a legitimidade de quem declara vender ou prometer vender na qualidade de proprietário (na medida em que beneficia da presunção de ser proprietário por via do registo do imóvel em seu nome) e, no caso de algum interveniente outorgar como procurador, da verificação dessa mesma procuração.
Ficou, neste contexto, por explicar de forma credível como uma empresa que se dedica à mediação imobiliária - e é assessorada por um departamento jurídico - elabora e colabora [a assinatura foi feita nas instalações da 1ª R. e na presença de colaboradores seus] na assinatura de um CPCV em que:
- Identifica como outorgantes partes que o não são: na versão de que tanto o identificado promitente vendedor como comprador não são as partes identificadas … nem a A. seria a verdadeira compradora mas mera representante de seu irmão; nem o vendedor seria verdadeiramente vendedor mas tão só procurador/representante dos proprietários;
- Identifica como proprietário e que nessa qualidade intervém como promitente vendedor quem na verdade o não é, sem que tenha havido uma prévia confirmação documental.
- Invoca (invocaram as testemunhas e declarante) não ver em suma problema em que no CPCV não conste a qualidade em que intervêm os respetivos outorgantes – quando diversa do que efetivamente consta no documento subscrito.
Salvaguarda feita à testemunha N… que reconheceu ser tal estranho, não obstante nada ter mencionado aquando da assinatura do CPCV a que assistiu.
Valem estes considerandos para expressar o entendimento de que as incongruências e contradições notadas pelo tribunal a quo na fundamentação da sua decisão de facto são justificadas. Tal como é justificada a credibilidade que ao depoimento da testemunha M… foi concedido.
As testemunhas da R. em menção, por diversas vezes invocaram que confiaram na testemunha E… e que por isso facilitaram a não exigência prévia da entrega da procuração que o mesmo terá alegado existir e que afirmaram (P…, O… e Q…) ter visto, sem todavia serem capazes de especificar o seu conteúdo. Procuração que nunca apareceu.
E o próprio E… negou existir. Tal como negou ter entregue à 1ª R. qualquer documentação relativa ao prédio que foi identificado apenas por si para a celebração do CPCV.
Afirmando esta testemunha E… ainda que tanto o P… angariador como o gerente Q… sabiam da real situação do prédio; quem eram os proprietários e que ele E… estava interessado em adquirir o prédio aos seus donos (pai e primas) e que carecia ainda de ver constituída propriedade horizontal, para que depois pudesse vender o andar em questão.
Tendo os mesmos informado que tudo isso se resolveria e que para efeitos da angariação teria de constar como proprietário. O que aceitou.
Neste contexto tendo igualmente a testemunha E… afirmado que a A. se deslocou ao imóvel onde se apresenta como proprietário, desconhecendo se a A. sabia que o não era.
Tendo o CPCV sido celebrado com a A. tal como os aditamentos mais tarde. Em relação aos quais afirmou desconhecer o que foi dito pela F… (a aqui 1ª R.) à A., admitindo contudo que a mesma pensasse que na sua base estava apenas a questão da propriedade horizontal ainda não resolvida.
Neste contexto e porque objetivamente o CPCV redigido pela 1ª R. identifica como promitente compradora a A. que naquele ato entregou ao E… – ali identificado como promitente vendedor e na qualidade de proprietário – nenhuma censura nos merece o juízo do tribunal a quo quanto ao ponto 2º dos factos provados cuja redação se assim se mantém.
Por seu turno o ponto 5º dos factos provados (impugnado por ambas as RR.) encontra apoio tanto no depoimento da testemunha M…, como no depoimento do próprio E…. Certo sendo que numa primeira reação a testemunha N… depôs no mesmo sentido. Ainda que depois depondo em sentido divergente.
E só esta versão é conforme ao teor do próprio CPCV assinado nomeadamente pela promitente compradora.
Não sendo crível que a mesma entregasse um sinal de € 15.000,00 ao promitente vendedor, se o mesmo para si não fosse o proprietário do imóvel prometido vender apesar de no contrato se declarar precisamente essa realidade e não outra.
A justificar a conclusão de que este ponto 5º não merece censura.
Do papel assumido pela 1ª R. na intermediação do negócio e entendida como correta a versão dos factos provados 2º e 5º, associado ao depoimento da testemunha M… quanto à credibilidade que reconhecia à 1ª R. e que a sua irmã transmitiu, conjugado com os depoimentos das testemunhas da R. N… e P… e ainda E… que confirmaram a assinatura do contrato sem percalços relatados, temos de concluir igualmente nenhuma censura merecer a redação conferida ao ponto 13º dos factos provados.
O mesmo se afirmando quanto ao ponto 21º dos factos provados.
Demonstrado que E… não era proprietário do imóvel em questão, como o próprio o reconheceu foi essa a causa da não realização da escritura definitiva.
O gerente da R. mencionou que a escritura não se realiza por que o E… não entregou aos proprietários o sinal que a A. lhe entregara. Todavia não ficou demonstrada qualquer vontade dos proprietários vender, conforme nomeadamente o pai de E… o afirmou claramente. Pelo que facto é que a escritura definitiva se não realiza por que o E… não era o legítimo proprietário de tal imóvel e como tal o não podia vender, já que tão pouco para tanto tinha poderes.
Este circunstancialismo é aliás reconhecido pela testemunha O… o qual referiu que a determinada altura todos perceberam que não havia vontade dos proprietários em vender e por isso não foi feita a escritura.
Acrescentamos nós, fora o E… o proprietário e a questão poderia colocar-se ou não (quanto à sua vontade). Mas no caso, foi o facto de não ser proprietário que o impediu de fazer a venda.
Certo sendo ainda que o documento junto pela 1ª R. com a sua contestação e que corresponde à contestação apresentada pela testemunha E… na ação que contra o mesmo foi já previamente instaurada nada prova, para além da própria alegação que o mesmo ali aduziu.
Mas nada altera quanto à constatação factual de que fora E… proprietário e de nada relevariam as posições tomadas por terceiros.
Mantém-se como tal também a redação do ponto 21 dos factos provados.
Quanto aos factos não provados impugnados por ambas as RR., por tudo o que acima já expusemos, resulta improcedente a pretensão de dar como provados os factos constantes das als. d), e), f), g), j), k), l) e m) que em suma representam a versão contrária à dos factos dados como provados e que da prova produzida analisada no seu conjunto não mereceram credibilidade suficiente para criar no tribunal a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade estes factos ocorreram.

Termos em que se conclui pela total improcedência da pretendida alteração da decisão de facto por ambas as recorrentes pugnada.
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IV- Do erro na aplicação do direito.
Tal como supra já enunciado, em causa nos autos está a pela autora alegada violação do dever da 1ª R. enquanto mediadora imobiliária que celebrou contrato de mediação com terceiro, em não obter deste informação sobre a titularidade do imóvel objeto do contrato com este celebrado. Nem ter obtido documentação necessária a essa mesma identificação – certidão predial e certidão matricial.
Bem como em não ter obtido dos efetivos titulares do imóvel uma procuração que conferisse poderes ao outorgante do contrato de mediação para no mesmo, bem como no subsequente contrato promessa que veio a ser celebrado, intervir nessa qualidade.
Dessa violação e porquanto a A. não foi informada da falta de legitimidade da pessoa que lhe foi apresentada como proprietária do imóvel para proceder à venda do mesmo, tendo sofrido danos patrimoniais que quantificou no montante equivalente ao valor do sinal que entregou aquando da celebração do contrato promessa e que não recuperou, após a resolução do mesmo fundada em incumprimento definitivo imputável ao promitente vendedor.
A 1ª R. e mediadora defendeu-se alegando em suma que comunicou à A. que que o Sr. E… – o outorgante do contrato de mediação imobiliária e também do contrato promessa mencionado nos autos – agia em representação dos proprietários pelo que nunca poderá alegar a A. que foi induzida em erro.
Mais alegou que a A. foi devidamente informada de todos os elementos do negócio e a si foi cedida toda a documentação inerente ao imóvel para ser validada pelo advogado da A., assim tendo aceite celebrar o contrato promessa.
Contrato promessa cuja minuta a (1ª) R. redigiu para apreciação dos representantes da A. e do Sr. E…, assim como redigiu os aditamentos ao CPCV realizados, a pedido do Sr. E… com a justificação de ainda não se encontrar concluído o processo de constituição da propriedade horizontal do imóvel prometido vender.
Ainda que apurou a situação do imóvel no registo predial e que cumpriu assim todos os seus deveres legais.

Uma vez que a pugnada alteração da decisão de facto foi julgada improcedente, temos como correto o enquadramento legal e subsequente análise jurídica na subsunção dos factos provados ao direito que pelo tribunal a quo foi levada a cabo e que levou à conclusão de que a 1ª R. efetivamente violou deveres legais de informação e esclarecimento que determinaram a sua responsabilização pelos danos causados à A..
Enquadramento e análise jurídica que aqui se transcreve, na parte que ora releva:
“O contrato de mediação imobiliária é um contrato formal, no sentido de que, como resulta do disposto no artigo 16º da Lei nº 15/2013 de 08/02, carece para a sua validade de ser celebrado por escrito, indicando-se, no nº 2, os elementos que, obrigatoriamente, terão de constar do contrato.
Nos termos do disposto no art. 17º, nº 1 da mesma Lei, a empresa de mediação é obrigada a certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover (al. a), a certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes (al. b), a propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro (al. c), a comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado (al. d).
O art 7º da mesma lei obriga a que as empresas de mediação imobiliária estabelecidas em território nacional sejam titulares de seguro de responsabilidade civil, destinando-se tal seguro “ao ressarcimento dos danos patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de ações ou omissões das empresas, dos seus representantes e dos seus colaboradores.” (nº4). E o nº 5 esclarece que “Para efeitos do presente artigo, consideram-se terceiros todos os que, em resultado de um ato de mediação imobiliária, venham a sofrer danos patrimoniais, ainda que não tenham sido parte no contrato de mediação imobiliária.”.
Há que atentar, também, que a violação pela mediadora das obrigações e proibições previstas no artº 17º, nºs 1 e 2, respetivamente, da referida Lei nº 15/2013, verificados os pressupostos contidos no artº 483º, nº 1, do C.C. - violação ilícita, com dolo ou mera culpa, de disposição legal destinada a proteger interesses alheios - pode (para além da aplicação das coimas previstas no mesmo diploma – artº 32º/1/b)) fazê-la incorrer em responsabilidade civil, desde que daí resultem danos para destinatários do negócio – isto é, todos os terceiros interessados no mesmo, angariados pela mediadora ou que com ela hajam contactado no sentido da concretização do contrato mediado – ou clientes.
É que, a obrigação principal do mediador consiste precisamente em aproximar as pessoas, através da intermediação, com vista à concreta realização do contrato visado - contrato de compra e venda do identificado imóvel.
O mediador está obrigado a desenvolver a sua atividade com imparcialidade de modo a evitar danos para qualquer das partes, devendo, por isso, avisá-las quando conheça alguma circunstância, relativa ao negócio, capaz de influenciar a decisão de contratar - ou não.
A questão da responsabilidade da mediadora é com frequência aflorada na jurisprudência, nas mais diversas situações.
No âmbito do incumprimento do contrato promessa celebrado, umas vezes, entende-se que, tendo o mediador contribuído negligentemente para que o contrato promessa fosse celebrado, pode responder perante o promitente comprador em solidariedade com o promitente vendedor (cfr. Ac. STJ de 08/05/2013, proc. n.º 6686/07.8TBCSC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), outras vezes a sua responsabilização assenta na violação culposa dos deveres de informação (cfr., Ac. STJ de 27/01/2011, proc. n.º 3141/04.1TVLSB.L1.S1, Ac. RL de 23/04/2015, proc. nº 3311/10.3TBBRR.L2-6, Ac. RP de 21/05/2013, proc. nº 1061/10.0TBPVZ.P1, Ac. RP de 01/07/2013, proc. nº 2764/11.7TBVNG.P1, Ac. RP de 29/05/2003, proc. nº 0330555 e Ac. RC de 19/12/2018, proc. nº 3953/17.6T8LRA.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt) - deveres esses que, sem dúvida, sobre si incidem.
No concreto caso dos autos, resulta da factualidade provada que a 1ª R. celebrou com E… um contrato escrito de mediação imobiliária no qual este consta na qualidade de proprietário, que no âmbito dessa mediação apresentou o imóvel objeto do mesmo à A., que o visitou, que apresentou à A. o referido E… como proprietário do imóvel e que, tendo elaborado o contrato promessa de compra e venda, sem facultar quaisquer documentos à A., fez dele constar o referido E… como proprietário, bem sabendo que ele não o era e sem o comunicar à A..
A A., em cumprimento do referido contrato promessa que celebrou com E…, entregou-lhe um sinal no valor de € 15.000,00, mas o contrato prometido não foi celebrado porque o dito E… não era o proprietário do imóvel, e, apesar de condenado por sentença transitada em julgado a devolver o sinal em dobro à A., nada pagou, foi declarado insolvente e não dispõe de bens que permitam a satisfação de tal crédito.
É, assim, manifesto que a 1ª R. violou, culposamente, o dever que sobre si impendia de informar a A. que o promitente vendedor não era o legítimo proprietário do imóvel e, dessa forma, permitir-lhe, livremente, decidir se, mesmo assim, queria contratar, já que, como sabemos, é válida a promessa de venda de bens alheios uma vez que, até à celebração do contrato prometido, o promitente vendedor pode adquirir o bem a transmitir.
Apesar de a 1ª R. não ter tido qualquer responsabilidade no incumprimento do contrato prometido na data aprazada, com a sua omissão quanto à não titularidade do prédio por parte do promitente vendedor, inequivocamente levou a A. a celebrar o contrato promessa, e a subsequente não celebração do contrato-prometido veio a causar à A. um prejuízo correspondente ao valor do sinal que entregou e que não lhe foi restituído.
Assim, sendo, entende-se que a 1ª R. mediadora incumpriu deveres legais de informação e de esclarecimento, assim ficando preenchido o pressuposto da ilicitude necessário à sua responsabilização pelos danos causados à A..”

Como referido, subscrevemos este enquadramento e análise jurídica.
A 1ª R. enquanto mediadora imobiliária, está e estava obrigada aos deveres legais descritos no artigo 17º nº 1 da Lei 15/2013 de 08/02, nomeadamente a “a) Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover; “
Este é um dever básico e fundamental que em circunstância alguma poderá ser descurado por uma empresa de mediação.
E a sua violação constitui a empresa mediadora na obrigação de indemnizar terceiros que em consequência de tal violação venham a sofrer danos.
No contrato de mediação celebrado entre a 1ª R. e E… e ao abrigo do qual a 1ª R. deu a conhecer o imóvel objeto de tal contrato à A., consta que o mesmo celebra tal contrato na qualidade de proprietário.
Em idêntica qualidade outorgou o CPCV na qual a A. interveio como promitente compradora.
O mencionado CPCV foi formalizado nas instalações da 1ª R. e por seu intermédio. Tendo sido também esta quem recolheu a identificação das partes, bem como a identificação e a documentação do imóvel e que redigiu a minuta do referido CPCV (vide factos provados 10 a 12).
O imóvel em questão não era propriedade do identificado E… e que no CPCV outorgou na qualidade de proprietário – vide facto provado 21.
A não qualidade de proprietário de E… não poderia ter passado despercebida à aqui 1ª R., tal como não poderia a mesma ter intermediado a venda sem de tal dar nota à aqui A. e em especial sem fazer constar nos diversos documentos em que teve intervenção, a qualidade em que o mencionado Sr. E… se lhe apresentou – caso fosse em qualidade diversa da de proprietário.
Em suma e tal como decidido pelo tribunal a quo a 1ª R. violou os seus deveres legais de informação ao cliente de todos os contornos do negócio, nomeadamente no que concerne à legitimidade e poderes do seu cliente E… para celebrar o negócio de venda do imóvel.
Omissão de informação que conduziu à celebração do CPCV e entrega do sinal que a A. não conseguiu reaver e que assim corresponde ao seu dano. Pelo qual responde a 1ª R..
Em conclusão não padece de erro de julgamento a condenação da 1ª R. nos termos decididos pelo tribunal a quo.
Implicando a total improcedência do recurso apresentado pela 1º R..

Analisemos agora os fundamentos jurídicos do recurso da 2ª R..
Foi esta solidariamente condenada ao pagamento do valor indemnizatório atribuído à A., ao abrigo do contrato de seguro de responsabilidade civil entre si e a 1ª R. celebrado, em cumprimento do disposto no artigo 7º da Lei 15/2013, de cujo nº 1 resulta a obrigatoriedade para as empresas de mediação imobiliária e para garantia da responsabilidade emergente da sua atividade em celebrar tal contrato.
Tal como decorre dos nºs 4 e 5 deste artigo,
“4 — O seguro de responsabilidade civil destina-se ao ressarcimento dos danos patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de ações ou omissões das empresas, dos seus representantes e dos seus colaboradores.
5 — Para efeitos do presente artigo, consideram -se terceiros todos os que, em resultado de um ato de mediação imobiliária, venham a sofrer danos patrimoniais, ainda que não tenham sido parte no contrato de mediação imobiliária.”
É evidente que a A. é em relação ao contrato de mediação imobiliária terceira. Tal como é evidente que os danos por esta suportados resultaram, nos termos analisados supra da atuação da 1ª R. segurada da 2ª R.- através dos seus colaboradores – no exercício da sua atividade.
Como tal está abrangida tal atuação no âmbito do objeto do contrato de seguro celebrado (vide cláusulas 2ª e 3ª das condições gerais do contrato celebrado em conjugação com as condições particulares da apólice oferecidas como doc. 1 junto com a contestação da 2ª R.).
Assente o enquadramento do sinistro no âmbito do objeto do contrato, cumpre em segundo lugar apreciar se in casu assiste razão à recorrente quando invoca estar a cobertura do mesmo afastada por via da exclusão contratual prevista no artigo 5º al. a) das Condições Gerais. Assim se suprindo a arguida nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
Nos termos da invocada cláusula e alínea a), não ficam cobertos pela apólice “a responsabilidade por danos decorrentes da falta de capacidade e legitimidade para contratar das pessoas que intervenham em negócios com o segurado, quando estes factos lhe sejam dolosamente ocultados e nos casos em que seja impossível o cumprimento do dever legal que impende sobre o segurado no sentido de se certificar no momento da celebração do contrato de mediação, da capacidade e da legitimidade para contratar das pessoas intervenientes nos negócios que irão promover”
Ao contrário do alegado pela recorrente, não só não se provou que os factos relativos à falta de legitimidade para contratar por parte de E… foram por este dolosamente ocultados ao segurado (a aqui 1ª R.), como tão pouco se revelou impossível para o segurado certificar-se no momento da celebração do contrato de mediação da falta de tal legitimidade.
Ainda e quanto ao invocado direito de regresso da seguradora contra a segurada ao abrigo da cláusula 28º nº 1 al. c) com base em não comunicação do sinistro nos termos contratualmente previstos, é de referir que a esse propósito não foi deduzido qualquer pedido neste autos, sendo esta questão a dirimir oportunamente entre os outorgantes segurado e seguradora.
Em suma improcede a invocada exclusão da cobertura do sinistro ao abrigo da cláusula invocada.
E suprida fica a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
A 2ª R. responde ao abrigo do contrato de seguro celebrado entre si e a 1ª R. sua segurada e como consequência de ação da sua segurada no exercício da sua atividade de mediação imobiliária. Atuação que causou prejuízos a terceiro, in casu a aqui autora, nos termos já supra analisados.
É portanto destituído de fundamento legal a pela recorrente argumentada inexistência de relação contratual entre a A. e a 1ª R., pois não é esta a razão da demanda da 2ª R., mas antes e como já referido a relação contratual entre a 1ª R. e o outorgante do contrato de mediação celebrado com E… e neste âmbito a violação de deveres legais que sobre a 1ª R., segurada da 2ª R., recaíam.
Inexiste pois qualquer erro na subsunção jurídica dos factos ao direito.
Sendo correta a condenação da 2ª R. nos termos decididos pelo tribunal a quo.
Conclui-se, neste termos, também pela total improcedência do recurso da 2ª R..
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos tanto pela 1ª como pela 2ª R., mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso da 1ª R., pela 1ª R. e do recurso da 2ª R. pela 2ª R..

Porto, 2020-09-08
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] A negrito se realçando os pontos factuais objeto de impugnação.
[2] Citando ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 143 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2000, B.M.J. n.º 493, pág. 387, vide Ac. STJ de 08/01/2015, Relator João Trindade in www.dgsi.pt/jstj.