I- Se o título que por lapso foi junto com o requerimento executivo se refere a outra dívida dos executados perante o exequente, verifica-se uma situação passível de sanação que poderia ter dado lugar à prolação de despacho de aperfeiçoamento de acordo com o disposto no art.º726.º, n.º 4 do CPC, despacho esse que é passível de ser oficiosamente proferido até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados, como resulta do art.º734.º, do CPC.
II- Tal despacho não careceu sequer de ser proferido porque a exequente, sponte sua – dez dias após ter entregue o requerimento inicial – entregou o competente título em substituição do erroneamente apresentado;
III- É que se ainda poderia ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento para junção do competente título, por maioria de razão se teria de admitir e considerar a sua junção espontânea. (sumário da relatora)
1.1. A exequente C…, em 13.11.2018, deduziu execução para pagamento de quantia certa contra M…, A…, M…, D…, Ma…- estes três últimos na qualidade de fiadores e “ principais pagadores” – alegando, para tanto e em síntese, no requerimento executivo que: “Por escritura pública lavrada a 10/08/2001, o Banco Exequente emprestou aos executados A… e M… a importância de 79.807,66€, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título e alterações que juntam e aqui se dão como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais como doc 1;
A taxa de juro contratada foi à taxa Euribor a 3 meses, acrescida de um spread ao ano, atualizável.
Em caso de mora ou incumprimento, tal taxa seria elevada de 4%. Cfr. Doc. nº 1. 4.
A quantia emprestada, referida no aludido título, foram efetivamente entregues aos mutuários mediante créditos processados na sua Conta de Depósitos à Ordem, domiciliada na agência do Banco Exequente.
Que a movimentaram e utilizaram em proveito próprio os valores resultantes daqueles créditos,
Confessando-se devedores da quantia recebida perante o Banco Exequente.
Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato a que se vem fazendo referência, em ato simultâneo à respetiva celebração, o mutuário constituiu hipoteca a favor do Exequente sobre o seguinte imóvel:
a) prédio urbano sito na freguesia de Pias , descrito na Conservatória do Registo Predial de Serpa com o nº…
A hipoteca encontra-se registada a título definitivo a favor do Banco Exequente pela AP. 7 de 2001/07/16- conforme se alcança da certidão predial que ora se junta como Doc. nº 2
Os executados M… e D… constituíram-se fiadores e principais pagadores, renunciando ao beneficio da excussão prévia de bens.
Acontece que, os mutuários interromperam o pagamento das prestações do contrato em 21/11/2011.
Nada mais tendo pago por conta dos mesmos,
Apesar das diversas diligências suasórias desenvolvidas pelo Banco Exequente.
A situação descrita determinou, nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencida toda a dívida, reportada à data da última prestação paga, e, vencida toda a dívida, reportada à data da última prestação paga, e, consequentemente, exigir o pagamento imediato de todo o capital em dívida, à data daquela última prestação paga. (…) “;
1.2. O exequente fez anexar ao requerimento executivo um outro contrato de empréstimo celebrado com os mesmos executados à excepção da ora embargante M…;
1.3. Mediante requerimento de 23.11.2018, a exequente alegando a ocorrência de um lapso, juntou a escritura a que se alude supra em 1.1. requerendo que o mesmo substituísse o indevidamente junto.
1.4. Os executados foram citados e sem que se tivesse tido em consideração o requerimento antecedente;
1.5. A ora recorrente deduziu embargos em 17.2.2019 suscitando a desconformidade entre o título e o requerimento executivo;
1.6. Foi novamente citada em 7.5.2019, tendo, desta feita, sido anexada a escritura referida em 1.1.
2. Do mérito do recurso
2.1 – Consequências de o requerimento inicial não vir acompanhado do título executivo respeitante à obrigação exequenda.
Entende a embargante que não deveria ser admissível a substituição do título executivo porque se reconduz a uma indevida alteração da causa de pedir.
Vejamos.
Comungamos do raciocínio perfeitamente expresso no Acórdão do STJ de 15.5.2003 [1] de que o “fundamento substantivo da acção executiva é a própria obrigação exequenda e não o próprio título executivo e de que este é o seu instrumento documental legal de demonstração.
Mas a acção executiva não visa a definição do direito violado, porque se destina providenciar quanto à sua reparação efectiva, surgindo o título executivo como sua condição suficiente” (artigo 10º, n.º 4 e nº5, do C.P.C).
(…) É certo que os factos integrantes da causa de pedir e os documentos que visam demonstrá-la são realidades diversas. Mas como o título executivo assume a particularidade de demonstração legal bastante do direito a uma prestação, segue-se a dispensa na acção executiva de qualquer indagação prévia sobre a existência ou subsistência do direito substantivo a que se reporta.”
A lei exige que o exequente apresente o título executivo com o requerimento executivo – Cfr. art.º 724.º, nº 4, alínea a), do CPC – prevendo que “a falta ou insuficiência do título” seja fundamento de indeferimento liminar do requerimento – Cfr. artº 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
No caso, foi apresentado um título – não demonstrativo da obrigação exequenda, é certo - mas em todo o caso um documento que revestia a natureza de título executivo.
Por conseguinte, temos de concluir que esta situação não se inclui linearmente na previsão do art.º 726.º, n.º 2 a) do CPC que pressupõe uma “manifesta falta ou insuficiência do título”.
E verificando-se, em contrapartida, uma situação passível de sanação, poderia ter dado lugar à prolação de despacho de aperfeiçoamento de acordo com o disposto no art.º726.º, n.º 4 do CPC, despacho esse que é passível de ser oficiosamente proferido até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados, como resulta do art.º734.º, do CPC.
Tal despacho não careceu sequer de ser proferido porque a exequente, sponte sua – dez dias após ter entregue o requerimento inicial – entregou o competente título em substituição do erroneamente apresentado.
O que sucedeu é que quando se procedeu à citação da executada/embargante se omitiu a substituição efectuada, fazendo acompanhar o requerimento inicial do primitivo título.
Por conseguinte, a dedução dos embargos fundou-se num pressuposto que entretanto se havia alterado: o de que o título era o contrato de empréstimo.
Enveredou-se por isso, por citar de novo a ora executada/embargante salvaguardando o princípio do contraditório e por consequência o seu direito de defesa.
Em suma: Não ocorreu qualquer alteração da causa de pedir – uma vez que esta se manteve incólume –mas sim a sanação voluntária e tempestiva de uma desconformidade por parte da exequente, o que não poderia deixar de ter sido atendido pelo Tribunal.
É que se ainda poderia ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento para junção do competente título por maioria de razão se teria de admitir e considerar a sua junção espontânea.
Esta solução foi, aliás, seguida num caso idêntico pelo STJ no seu acórdão de 10.12.2009 - cuja doutrina mantém plena actualidade apesar de prolatado no domínio do anterior CPC - e que se mostra sumariado como segue:
“ I- O princípio contido no art.º 667.º do CPC[2] (rectificação de erros materiais), embora se refira a actos do juiz é extensivo aos actos praticados pelas partes; o essencial é que se trate de um erro ou lapso manifesto e ostensivo que resulte evidente de todo o contexto da situação.
II - Se a certidão junta com o requerimento executivo não tem a ver, de forma óbvia e clara, com a dívida exequenda, referindo-se a outra dívida de que a executada será responsável perante o Estado, juntamente com outro ou outros devedores, está-se perante um mero lapso material, que, embora não detectado, podia (e devia) sê-lo com toda a facilidade por qualquer interveniente judicial e, como tal, podia ser corrigido logo que detectado.
III - O que se imporia, quer por força do princípio inquisitório, previsto no art. 265[3].º, quer por força do princípio da cooperação, quer por força do disposto directamente no n.º 4 do art. 812-E[4]º, todos do CPC, era convidar o exequente a esclarecer a desconformidade existente e saná-la, querendo, pela junção da certidão de dívida pertinente (cf., também, o art. 820.[5]º, n.º 1).”.
Termos em que, sem necessidade de ulteriores considerações, improcede o primeiro fundamento recursório.
2.2. Da imputada nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia.
Refere a embargante que a sentença recorrida “ao dar como provado o constante da matéria de facto, nos termos constantes dos pontos 1 ), 2 ) e 3) da fundamentação de facto, não se pronuncia sobre questões que devia conhecer, nomeadamente quanto à contradição entre o título executivo levado à execução e ao conhecimento da executada e o requerimento executivo”.
É a seguinte a factualidade dada como assente na sentença:
1) Em 10.08.2001 a Embargada celebrou com A… E M… um contrato de mútuo no valor de € 79.807,66, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor;
2) A Embargante constituiu-se fiadora e principal pagadora de tudo o que seja devido em consequência do referido empréstimo.
3) Os mutuários interromperam o pagamento das prestações do contrato em 21/11/201, nada mais tendo pago por conta dos mesmos.
O afirmado pela recorrente não é correcto já que o Tribunal ponderou ter havido uma junção subsequente de documento que atestava o alegado no requerimento inicial.
Pode ler-se na sentença o seguinte: A factualidade provada resulta inequivocamente da documentação junta á execução em 23.11.2018, qual seja a escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança e o respectivo documento complementar. Note-se que ainda que os documentos que acompanharam inicialmente o requerimento executivo não atestassem os factos acima indicados, o certo é que a documentação a que agora nos referimos, junta em 23.11.2018, não deixa qualquer dúvida quanto à respectiva verificação.
Por outro lado o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de mútuo não é posta em causa pela embargante.
Refere igualmente a embargante que o Tribunal conheceu de “factos de que não poderia conhecer, nomeadamente quando dá como provado que “ os mutuários interromperam o pagamento das prestações do contrato de 21/11/201, nada mais tendo pago por conta dos mesmos “, porquanto não foi levado nem à PI dos embargos, nem à contestação”.
Também não é correcto: Tal facto foi expressamente alegado no requerimento inicial que supra transcrevemos e não foi posto em crise pela única embargante, a ora recorrente, pelo que não se poderia deixar de considerar admitido por acordo.
É que a petição de embargos define as questões dentro das quais a lide respectiva pode desenvolver-se , ficando com elas delimitado o âmbito da discussão.[6]
Basta lê-la para se atentar os fundamentos da controvérsia, sendo que o alegado incumprimento do contrato de mútuo não era um deles.
Não enferma, pois, a sentença de qualquer nulidade.
III- DECISÃO
Por todo o exposto acorda-se em julgar a apelação totalmente improcedente e em manter a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Évora, 10 de Setembro de 2020
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente
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[1] Relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa e consultável na Base de Dados do IGFEJ.
[2] Correspondente no novo CPC ao art.º 614º.
[3] Correspondente, no novo CPC, ao art.6º.
[4] Correspondente, no novo CPC, ao art. 726º
[5] Correspondente, no novo CPC, ao art.734º
[6] Assim, Acórdão do STJ de 5.3.2002.