I - Não se mostrando previsto na Lei nº 64-A/2008, de 31.12., na data em que foi celebrado o contrato individual de trabalho, entre o Autor e a Ré, norma que estenda a aplicabilidade do artigo 38º da mesma Lei, concretamente o limite mínimo da retribuição para titular de licenciatura recrutado para a carreira geral de função pública, com a categoria correspondente a de Técnico superior, aos trabalhadores com contrato de trabalho com uma relação jurídica de direito privado e categoria de Técnico superior, celebrados com Entidades Públicas Empresariais, como a Ré, dada a forma de vinculação do Autor à Ré e a natureza da relação jurídica subjacente ao mesmo vínculo, o artigo 38º, da Lei nº 64-A/2008, de 31.12, não era diretamente aplicável ao mesmo contrato.
II - “(…) o princípio constitucional da igualdade não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento”.
III - “(…) o princípio da igualdade no trabalho, designadamente em matéria de retribuição, faz apelo a uma igualdade material (deve tratar-se de igual modo o que é essencialmente igual e de forma desigual o que é desigual)”.
IV - Ao contratar com remunerações diversas, trabalhadores com o regime de Contrato individual de trabalho, para a categoria de Técnico Superior - considerando o artigo 38º da Lei nº64-A/2008, de 31.12. (2ª posição remuneratória corresponde ao nível remuneratório 15 da Tabela remuneratória única anexa à Portaria nº 1553-C/2008, de 31.12.) para duas trabalhadoras mas assim não procedendo com o Autor - inexistindo um critério diferenciador objetivo e atendível, a Ré violou o princípio da igualdade no trabalho, assumindo uma prática discriminatória, com um tratamento distinto e desvantajoso para com o Autor relativamente aquelas trabalhadoras, todos vinculados por contrato de trabalho de direito privado.
“…, deve a presente ação ser julgada procedente por provada, em consequência condenado o R.: PEDIDO PRINCIPAL a)A pagar ao A. a título de retribuição base ilíquida mensal o mesmo montante que paga aos trabalhadores Drª D… e Dr. E…, isto é, €1.819,38 ; b) A pagar ao A. a quantia de €98.860,24, correspondente às diferenças salariais já vencidas desde Junho de 2010 até Dezembro de 2017, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, bem como juros de mora à taxa legal anual de 4% vencidos até à presente data sobre aquelas quantias, que se computam em €11.746,83. c) A pagar ao A. as diferenças salariais, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, vincendas desde a data de propositura da ação até ao trânsito da decisão; d) A pagar ao A. juros de mora à taxa legal anual de 4% sobre a quantia de €98.860,24 vincendos desde a data de propositura da presente ação até efetivo pagamento e) Em custas e demais encargos legais 1º PEDIDO SUBSIDIÁRIO SÓ PARA O CASO DE SER JULGADO IMPROCEDENTE O PEDIDO PRINCIPAL a) A pagar ao A. a título de retribuição base ilíquida mensal o mesmo montante que paga aos trabalhadores Dr. J…, isto é €1.407,45; b) A pagar ao A. a quantia de €49.431,11, correspondente às diferenças salariais já vencidas desde Junho de 2010 até Novembro de 2017, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, bem como juros de mora à taxa legal anual de 4% vencidos até à presente data sobre aquelas quantias, que se computam em €5.882,46 c) A pagar ao A. as diferenças salariais, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, vincendas desde a data de propositura da ação até ao trânsito da decisão; d) A pagar ao A. juros de mora à taxa legal anual de 4% sobre a quantia de €49.431,11 vincendos desde a data de propositura da presente ação até efetivo pagamento. c) Em custas e demais encargos legais. 2º PEDIDO SUBSIDIÁRIO SÓ PARA O CASO DE SEREM JULGADOS IMPROCEDENTES O PEDIDO PRINCIPAL e o 1º PEDIDO SUBSIDIÁRIO a) A pagar ao A. a título de retribuição base ilíquida mensal o mesmo montante que paga aos trabalhadores Drª F…, e Drª G…, isto é €1.201,48; b) A pagar ao A. a quantia de €24.716,01, correspondente às diferenças salariais já vencidas desde Junho de 2010 até Novembro de 2017, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, bem como juros de mora à taxa legal anual de 4% vencidos até à presente data sobre aquelas quantias que se computam em €2.941,21 c) A pagar ao A. as diferenças salariais, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, vincendas desde a data de propositura da ação até ao trânsito da decisão; d) A pagar ao A. juros de mora à taxa legal anual de 4% sobre a quantia de €24.716,01 vincendos desde a data de propositura da presente ação até efetivo pagamento c)Em custas e demais encargos legais 3ºPEDIDO SUBSIDIÁRIO SÓ PARA O CASO DE SEREM JULGADOS IMPROCEDENTES O PEDIDO PRINCIPAL e os 1º E 2º PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS a) A pagar ao A. retribuição base ilíquida mensal de acordo com o artigo 38.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, isto é €1.201,48; b) A pagar ao A. a quantia de €24.716,01, correspondente às diferenças salariais já vencidas desde Junho de 2010 até Novembro de 2017, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, bem como juros de mora à taxa legal anual de 4% vencidos até à presente data sobre aquelas quantias que se computam em €2.941,21; c) A pagar ao A. as diferenças salariais, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, vincendas desde a data de propositura da ação até ao trânsito da decisão; d) A pagar ao A. juros de mora à taxa legal anual de 4% sobre a quantia de €24.716,01 vincendos desde a data de propositura da presente ação até efetivo pagamento. c)Em custas e demais encargos legais”.
Alegou, para além do mais, que foi admitido para trabalhar sob a autoridade, direção e fiscalização da R. em 31.05.2010 mediante contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, com a categoria de técnico superior, sendo que tal contrato ainda se mantém; que foi contratado para uma função de controller ou auditor interno, no Serviço de Aprovisionamento da R.; que, embora sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, a sua remuneração ilíquida base mensal -€995,51 - foi fixada pela R. de acordo com a tabela remuneratória legalmente estabelecida para os trabalhadores com vínculo de emprego público pertencentes a categoria homóloga, isto é, segundo a 1ª posição remuneratória 1; que, desde a data da sua contratação, no que tange à remuneração base ilíquida mensal, atenta a natureza, qualidade e quantidade das funções por si exercidas, tem sido objeto de discriminação pela R. relativamente a outros trabalhadores da R.; que, aquando do lançamento da sua contratação, o Dr. H…, vogal do Conselho de Administração da R. responsável pela iniciativa, referiu-lhe que o seu vencimento seria de €1.819,38, mas, depois, a Dr.ª I…, diretora dos Recursos Humanos da R., confrontou-o com um contrato em que constava a remuneração base ilíquida mensal de €995,51, sendo que, na altura, entendeu que se tratava da remuneração para o período experimental e que passado meio ano seriam repostos os € 1.819,38, o que não aconteceu; que ele e os trabalhadores da R. Dr.ª D…, Dr. E…, Dr. J…, Dr.ª F… e Dr.ª G… desempenham ao serviço da R. trabalho igual, uma vez que as funções exercidas são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade; que o seu trabalho é de valor igual ao trabalho dos trabalhadores da R. Dr.ª D…, Dr. E…, Dr. J…, Dr.ª F… e Dr.ª G…, pois as funções desempenhadas ao serviço da R. são equivalentes; que, sob pena de violação do princípio da igualdade, tem direito a ver-lhe reconhecido o direito a receber, desde a data da sua contratação, uma remuneração base ilíquida mensal igual à dos Drs. D… e E…, isto é, € 1.819,38, ou igual à do Dr. J…, isto é, €1.407,45, ou igual à das Dr.ªs F… e G…, isto é, € 1.201,48, bem como as diferenças salariais entre a data da sua contratação e o trânsito em julgado da sentença; que, caso se venha a entender não haver discriminação salarial relativamente aos Drs. D…, E…, J…, F… e G…, não pode deixar de entender-se que deveria ter sido admitido ao serviço da R. com a remuneração base ilíquida mensal de €1.201,48, pois, aquando da sua contratação, a R. não atendeu ao facto de que, no que respeita ao recrutamento de licenciados, a tabela remuneratória da carreira de técnico superior inicia-se na segunda posição remuneratória; e que a nenhum outro técnico superior da R., independentemente do regime laboral a que se encontra sujeito, foi atribuída remuneração inferior à segunda posição remuneratória.
Foi realizada audiência de partes, no âmbito da qual a conciliação entre o Autor e a Ré se frustrou.
Notificada para contestar, a Ré apresentou a contestação, pronunciando-se pelo seguinte:
“…, deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se, em consequência, a Ré dos pedidos, e ser a Reconvenção julgada totalmente procedente por provada e em consequência ser reconhecida a nulidade do Contrato de Trabalho celebrado ente A. e R..”.
Mencionou, para além do mais, que o A. nunca desempenhou funções de auditor interno; que, em fevereiro de 2017, o A. foi nomeado diretor do Serviço de Aprovisionamento, sendo que a nomeação do A. como diretor do Serviço de Aprovisionamento importou o pagamento de um acréscimo remuneratório designado “Subsídio Direção/Chefia” no valor mensal de €300,00; que o contrato de trabalho celebrado foi negociado pelas partes ao abrigo da liberdade contratual, tendo sido adotado a título meramente indicativo o valor previsto na 1ª posição remuneratória, para a carreira de técnico superior, aprovada pela Portaria nº 1553-C/2008, o que correspondeu à remuneração de €995,51, valor que não foi questionado nem contestado pelo A. à data da sua assinatura; que o valor das remunerações era definido pelo Conselho de Administração, o qual dava indicação à diretora dos Recursos Humanos para elaboração do contrato de trabalho, atendendo a esse valor, sendo que o contrato celebrado com o A. não foi exceção; que as funções exercidas pelo A. e pelos trabalhadores Dr.ª D…, Dr. E…, Dr. J…, Dr.ª F… e Dr.ª J… são de natureza diversa, distintas entre si e exercidas em Serviços distintos; que a admissão do A. não foi precedida do processo de recrutamento e seleção que garantisse o acesso em condições de liberdade e igualdade, violando o artº 47º, nº 2, da C.R.P.; e que o contrato individual de trabalho que sustenta a causa de pedir é nulo.
Notificado da contestação, o Autor apresentou articulado, pronunciando-se pelo seguinte:
“..., deve o pedido reconvencional ser julgado improcedente por não provado e consequentemente o A. ser absolvido do mesmo, concluindo-se no demais como na PI”.
Aduziu, para além do mais, que a decisão da questão que a R. alega de o seu contrato individual de trabalho ser nulo sempre seria da competência dos Tribunais Administrativos; e que se ocorresse a nulidade do seu contrato individual de trabalho, a invocação de tal nulidade pela R. sempre consubstanciaria um manifesto abuso de direito.
Notificada da resposta, a Ré apresentou peça processual, a qual designou de “RESPOSTA às Exceções, nos termos do artigo 3.º n.º 3 do Código Processo Civil”, pronunciando-se pelo seguinte:
“… deve a excepção de incompetência material sem julgada improcedente e por não provada, e o abuso de direito invocado ser igualmente, julgado improcedente por não provado, absolvendo o R. do pedido.”.
Referiu, para além do mais, que invocou a nulidade do contrato de trabalho, a qual terá por efeito o regime previsto no Código do Trabalho; que o presente Tribunal é competente para apreciar a questão da nulidade do contrato de trabalho; e que não se descortina que, ao invocar a nulidade do contrato de trabalho, tenha agido com intenção de causar prejuízo ao A.”.
Foi realizada audiência preliminar, no âmbito da qual, para além do mais, foi decidido não admitir a reconvenção deduzida pela Ré, fixado o valor da causa em €110.625,07, identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento.
Em 6.08.2019, foi proferida sentença a qual terminou com o seguinte dispositivo:
Não se conformando com o assim decidido, o Autor interpôs o presente recurso, terminando as alegações com as seguintes conclusões:
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Notificada, a Ré contra-alegou, terminando com as seguintes conclusões:
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Subidos os autos a esta Relação, o Ex.º. Procurador-Geral-Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foram os autos a vistos.
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões:
- impugnação da matéria de facto;
- saber se foi acordada uma retribuição por um valor distinto da retribuição paga e auferida;
- não sendo assim, saber perante a retribuição paga e auferida, se ocorreu violação do princípio para trabalho de valor igual, salário igual: se o Autor tem direito à retribuição base ilíquida mensal que é paga aos Drs. D… e E…; não sendo o caso, se o Autor tem direito à retribuição base ilíquida mensal que é paga ao Dr. J…, não sendo o caso, se o Autor tem direito à retribuição base ilíquida mensal que é paga às Dr.ªs F… e G….
- no caso de resposta negativa saber se o Autor tem direito à retribuição base ilíquida mensal de acordo com o artigo 38º, da Lei nº 64-A/2008, de 31.12.
3º- Todos estes trabalhadores da R., à semelhança do A. e nas respetivas áreas, no desempenho das funções inerentes à categoria de Técnicos Superiores, exercem funções consultivas, de estudo, planeamento, programação, avaliação e aplicação de métodos e processos de natureza técnica e/ou científica, que fundamentam e preparam a decisão; Elaboram, autonomamente ou em grupo, pareceres e projetos, com diversos graus de complexidade, e executam outras atividades de apoio geral ou especialização nas áreas de atuação comuns, instrumentais e operativas dos órgãos e serviços. As respetivas funções são exercidas com responsabilidade e autonomia técnica, ainda que com enquadramento superior qualificado; representam o órgão ou serviço em assuntos da sua especialidade, tomando opções de índole técnica, enquadradas por diretivas ou orientações superiores.
4º- O A. e os trabalhadores Dr.ª D…, Dr. E…, Dr. J…, Dr.ª F…, e Dr.ª G…, desempenham ao serviço da R. trabalho igual, uma vez que as funções exercidas são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade.
5º- E também o trabalho do A. e os trabalhadores Dr.ª D…, Dr. E…, Dr. J…, Dr.ª F… e Dr.ª G…, é de valor igual, pois as funções desempenhadas ao serviço da R. são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado.
6º- Entre junho de 2010 e 11.12.2017, o A. recebeu a título de subsídio de férias e de natal a quantia de €995,51, quando os Drs. D… e E… receberam €1.819,38, o Dr. J… recebeu €1.407,45 e as Dr.ªs F… e G… receberam €1.201,48.
7º- A nenhum outro técnico superior da R., independentemente do regime laboral a que se encontra sujeito, foi atribuída remuneração inferior a €1.201,48, pelo que o A., sendo o único nessa circunstância, aufere remuneração inferior à de todos os seus colegas pertencentes à mesma categoria.
8º- Para desempenho de funções próprias daquele serviço.
9º- Sendo nessa data seu Diretor de Serviço o Dr. O….
10º- Desde 31 de maio de 2010 até 31 de dezembro de 2016, o A. desempenhou as seguintes funções:
- Tramitação dos seguintes processos de aquisição ao abrigo do regime instituído pelo Código dos Contratos Públicos e demais legislação conexa:
- Concursos Públicos Internacionais; - Concursos Públicos;
- Ajustes Diretos - Regime Geral;
- Processos ao Abrigo do Acordo Quadro.
- Preparação de processos sujeitos a Visto do Tribunal de Contas.
- Preparação de informação, sempre que solicitada, para entidades Externas e Conselho de Administração.
- Colaboração nas Atividades relacionadas com a Direção de Serviço.
11º- No exercício das funções supra mencionadas, o A. reportava sempre aos Diretores de Serviço.
12º- Só a partir de 01.02.2017 é que o A. desempenha as funções descritas nos artºs 13º e 14º da PI.
13º- O contrato de trabalho celebrado foi negociado pelas partes ao abrigo da liberdade contratual, tendo sido adotado a título meramente indicativo o valor previsto na 1ª posição remuneratória, para a carreira de Técnico Superior, aprovada pela Portaria nº 1553-C/2008.
14º- A R. usa, a título meramente indicativo, a título de referência, as remunerações previstas na Portaria nº 1553-C/2008, também para os trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho, não olvidando, porém, a experiência profissional, o mérito, a produtividade, a antiguidade e assiduidade destes trabalhadores.
15º- O valor das remunerações era definido pelo Conselho de Administração, o qual dava indicação à Diretora de Recursos Humanos, para elaboração do Contrato de Trabalho, atendendo a esse valor, sendo que o contrato celebrado com o A. não foi exceção.
16º- A Dr. D…, para além das funções referidas em 15º, dos factos provados, exerce o patrocínio da R. em processos judiciais.
17º- O Dr. J… foi admitido ao serviço da R. na área de Gestão, estando atualmente integrado no Serviço de Consulta Externa.
18º- A Dr.ª G… foi admitida ao serviço da R. na área da Comunicação, tendo sido integrada no Gabinete de Comunicação - na qualidade de responsável pela Comunicação Interna no Serviço de Urgência - e tendo passado, em maio de 2013, a exercer funções de administradora hospitalar.
Foi a seguinte a motivação do Tribunal a quo quanto aos factos provados:
“Quanto aos factos dos pontos 1º, 2º e 10º, foi tido em conta o documento de fls. 40 a 46, a saber, uma certidão permanente.
Relativamente aos factos dos pontos 3º a 9º e 11º a 44º, a convicção alicerçou-se na análise, crítica, conjugada e à luz das regras da experiência comum, dos factos que, tendo sido alegados pelo A. na petição inicial de fls. 3 verso a 27 verso, foram aceites pela R. na contestação de fls. 59 a 69 verso; do facto que foi confessado pelo A. em sede de depoimento de parte (cfr. fls. 510); dos documentos de fls. 30 a 38 verso, 40 a 46, 70 a 72, 82 a 196 verso (sendo que o documento de fls. 85 verso a 86 verso está traduzido a fls. 216 a 218), 384 a 388 verso e 409 a 486; das declarações de parte do A. e dos depoimentos das testemunhas P…, O…, Q…, E…, I…, M…, N… e S….
Isto posto, desde logo cumpre destacar:
- que os documentos de fls. 34, 34 verso, 71, 71 verso e 72 constituem talões de vencimento, sendo que, em cada um deles, está escrito, para além do mais, o seguinte: B… Categoria 5012 Auditor”,
- que o documento de fls. 143 a 196 verso é um relatório de auditoria datado de 28.02.2013 no qual está escrito, para além do mais, o seguinte: “T…, SA- Serviço de Aprovisionamento … Os interlocutores da presente ação foram o Coordenador e o U…, SA, já que o serviço funciona sem Diretor desde 29.06.2010 … No âmbito da reorganização do SA, foi criada a função de U…, S.A categoria de um dos elementos do SA registada no RHV é “Auditor”, no entanto, tal não corresponde à respetiva descrição de funções. … que contou com a presença da equipa de AI e dos elementos do Serviço de Aprovisionamento, Dr. O… e Dr. B…. Atualmente o SA conta com um Coordenador (admitido ao serviço em Outubro de 2009 e designado para o cargo em Junho 2010), um U… (admitido ao serviço em Junho 2010) e 6 funcionários com funções no âmbito do processo em análise.” e
- que os documentos de fls. 457 a 466 constituem talões de vencimento, sendo que, em cada um deles, está escrito, para além do mais, o seguinte: “E… Categoria 5011 Técnico Superior”.
Mais cabe realçar que, em sede de declarações de parte, o A., para além do mais, descreveu as circunstâncias que rodearam a sua contratação pela R., salientando que teve uma reunião com o Dr. H…; referiu as funções que foram por si exercidas desde a sua contratação pela R. e até janeiro de 2017, especificando que nunca esteve no departamento de Auditoria Interna e que, desde janeiro de 2017, é diretor do Serviço de Aprovisionamento; mencionou que, até fevereiro de 2017, a sua remuneração sempre foi de €995,51; e esclareceu que, em 2013, saiu o coordenador do Serviço de Aprovisionamento e entrou uma diretora para tal serviço - Dr.ª N…, sendo que deixou de reportar ao Conselho de Administração da R. e ficou sob a alçada de tal diretora e sendo que, em janeiro de 2017, ficou diretor do Serviço de Aprovisionamento, tendo ido para o lugar da Dr.ª N….
Importa também salientar que a testemunha P… disse, para além do mais:
- que é funcionária da R. desde 2007 e que exerce funções de advogada,
- que o A. está em comissão de serviço, sendo que é diretor do Serviço de Aprovisionamento,
- que os Recursos Humanos utilizavam a mesma tabela salarial da função pública para os contratos individuais de trabalho e
- que foi quem fez os pareceres de fls. 92 a 94 verso e 98 verso a 101 verso. Cabe igualmente referir que a testemunha O… afirmou, para além do mais:
- que foi funcionário da R. entre 2009 e 2013,
- que foi como “auditor do Serviço de Aprovisionamento” que lhe apresentaram o A.,
- que, na altura em que o A. foi contratado, era técnico superior e coordenador do Serviço de Aprovisionamento,
- que o A. reportava diretamente ao Dr. H… que era vogal do Conselho de Administração, e
- que o A. fazia auditoria aos processos de compras, mas, entretanto, também começou a tramitar processos de compras.
De igual modo há que ressaltar que a testemunha Q… referiu, para além do mais:
- que foi vogal do Conselho de Administração da R.,
- que contratou o A., sendo que teve uma reunião com o A.,
- que o A. e o O… ficaram a chefiar, em chefia repartida, o Aprovisionamento,
- que o A. iria auditar as compras todas,
- que perguntavam aos Recursos Humanos e estes diziam os valores dos salários de acordo com a tabela em vigor, sendo que, quando falou com o A., já tinha a informação dos Recursos Humanos sobre o valor do salário para o A., que era de €1.819,38, e
- que não foi à sua frente a outorga do contrato individual de trabalho, sendo que só tem esta explicação para o facto de em tal contrato terem ficado a constar €995,51: terá sido um erro, sendo que os €995,51 eram para o Dr. E…, pelo facto de não ser licenciado, e sendo que são comuns os erros.
É também de referir que a testemunha E… mencionou, para além do mais:
- que é funcionário da R. desde maio de 2010,
- que foi contratado mais ou menos na mesma altura que o A., sendo que, na altura, era técnico oficial de contas e estava a acabar uma licenciatura em administração pública,
- que a sua negociação foi com o presidente do Conselho de Administração -Dr. M…, o qual não lhe falou em €995,51, e
- que a assinatura do contrato foi nos Recursos Humanos e assinou lá perante a diretora dos Recursos Humanos - Dr.ª I….
Importa outrossim dizer que a testemunha I… afirmou, para além do mais:
- que é funcionária da R. desde novembro de 2007, sendo que é técnica superior de recursos humanos e, à data do contrato de trabalho do A., era diretora dos Recursos Humanos,
- que o Dr. M… era o presidente do Conselho de Administração e era o responsável pela área dos Recursos Humanos,
- que o presidente do Conselho de Administração é que decidia quem contratar e que definia o salário,
- que elaborou o contrato do A. e o presidente do Conselho de Administração disse-lhe que o valor era aquele,
- que tem a certeza que não houve troca de remuneração, sendo que tem a certeza absoluta que foi o valor que está no contrato de trabalho do A. que lhe foi dito, e
- que a ata de fls. 82 e 82 verso terá sido feita cerca de 1 ano após a data que aí consta.
É mister ainda notar que a testemunha M… aduziu, para além do mais:
- que é médico e que foi presidente do Conselho de Administração da R. de 2010 a 2013,
- que o contrato do A. não foi tratado diretamente por si, - que pensa que foi o Dr. H… que falou com o A., - que não teve interferência na fixação do salário do A.,
- que todos os contratos de trabalho eram assinados por si, sendo que os Recursos Humanos é que elaboravam os contratos de trabalho,
- que, para os casos normais, o valor era o da tabela da função pública, - que mais ninguém falou com o A. sobre o salário, só o Dr. H…,
- que tem a certeza que não podia haver lapso e troca de salários entre o Dr. E… e o A.,
- que tem do Dr. H… a melhor das opiniões e
- que o valor que era atribuído aos contratos dos técnicos superiores habitualmente era “mil e pico euros”.
Não é despiciendo também salientar que a testemunha N… disse, para além do mais:
- que tem contrato de trabalho em funções públicas com a R., mas está em comissão de serviço na Câmara Municipal de …,
- que, em 2013, foi para o Serviço de Aprovisionamento, sendo que era diretora do Serviço de Aprovisionamento e o A. era técnico superior no Serviço de Aprovisionamento,
- que trabalhou com o A. desde 2013 a 2016, sendo que o A. reportava a si, e - que as funções do A. eram funções de contratação pública.
Por outro lado, a testemunha S… alegou, para além do mais:
- que é economista e que tem contrato de trabalho com a R. desde setembro de 2004,
- que, em maio de 2010, era auditora interna e
- que o A. nunca integrou o Serviço de Auditoria.
Ora, as declarações de parte do A. apenas foram valoradas como verdadeiras nas partes em que se mostraram congruentes com algum(ns) dos depoimentos das testemunhas P…, O…, Q…, N… e S… e/ou com algum(ns) dos documentos de fls. 30 a 38 verso, 40 a 46, 70 a 72, 82 a 196 verso, 384 a 388 verso e 409 a 486.
Na verdade, o A. mostrou-se algo comprometido com a defesa dos seus interesses e, consequentemente, as suas declarações de parte acabaram por revelar uma certa parcialidade.
A propósito da circunstância de as declarações de parte do A. acabarem por revelar uma certa parcialidade, cumpre destacar, a título meramente exemplificativo, que o A. disse que não sabe precisar as funções da Dr.ª D…, a qual está no departamento jurídico e não no seu, mas que a responsabilidade dela é como a sua.
Já os depoimentos das testemunhas P…, O…, Q…, N… e S… mereceram credibilidade uma vez que foram prestados, cada um deles, de forma espontânea, precisa, lógica e objetiva e, no confronto uns com os outros, de modo congruente.
A propósito do depoimento da testemunha Q…, importa deixar consignado que o fragmento “são comuns os erros” da parte do depoimento de tal testemunha relativa a “que não foi à sua frente a outorga do contrato individual de trabalho, sendo que só tem esta explicação para o facto de em tal contrato terem ficado a constar €995,51: terá sido um erro, sendo que os €995,51 eram para o Dr. E…, pelo facto de não ser licenciado, e sendo que são comuns os erros” é corroborado por um erro evidenciado no documento de fls. 30 verso a 33 verso, o qual constitui um contrato de trabalho, e por um outro detetado no documento de fls. 82 a 82 verso, o qual consubstancia uma ata de seleção.
Por um lado, no documento de fls. 30 verso a 33 verso, é feita referência a “despacho do Presidente do Conselho de Administração, datado de 21/05/2010”, sendo que emerge dos documentos de fls. 82 a 82 verso e 83 a 84 que deveria ter sido feita referência a “despacho do Presidente do Conselho de Administração, datado de 24/05/2010”.
Por outro lado, no documento de fls. 82 a 82 verso, é feita referência “à seleção de um técnico superior licenciado em direito”, sendo que emerge do documento de fls. 30, que é um certificado de licenciatura, que deveria ter sido feita referência “à selecção de um técnico superior licenciado em economia”.
Quanto ao depoimento da testemunha E…, o mesmo apenas foi valorado como verdadeiro nas partes em que se mostrou congruente com algum(ns) dos depoimentos das testemunhas P…, O…, Q…, N… e S… e/ou com algum(ns) dos documentos de fls. 30 a 38 verso, 40 a 46, 70 a 72, 82 a 196 verso, 384 a 388 verso e 409 a 486.
Na verdade, a testemunha E… mostrou-se algo comprometida com a defesa do seu valor profissional à data da sua contratação pela R. e, como tal, o seu depoimento acabou por revelar alguma artificialidade e, bem assim, falta de congruência relativamente a certos factos com o depoimento da testemunha M….
No que respeita ao depoimento da testemunha I…, o mesmo apenas foi valorado como verdadeiro nas partes em que se mostrou congruente com algum(ns) dos depoimentos das testemunhas P…, O…, Q…, N… e S… e/ou com algum(ns) dos documentos de fls. 30 a 38 verso, 40 a 46, 70 a 72, 82 a 196 verso, 384 a 388 verso e 409 a 486.
Efetivamente, a testemunha I… mostrou-se de tal forma empenhada na defesa da sua atuação durante o período em que foi diretora dos Recursos Humanos da R. que o seu depoimento acabou por se caracterizar pela falta de precisão, de coerência, de objetividade e, bem assim, de congruência relativamente a muitos factos quer com o depoimento da testemunha Q… quer com o depoimento da testemunha M….
No que se refere ao depoimento da testemunha M…, o mesmo apenas foi valorado como verdadeiro nas partes em que se mostrou congruente com algum(ns) dos depoimentos das testemunhas P…, O…, Q…, N… e S… e/ou com algum(ns) dos documentos de fls. 30 a 38 verso, 40 a 46, 70 a 72, 82 a 196 verso, 384 a 388 verso e 409 a 486.
Na verdade, a testemunha M… mostrou-se de tal forma empenhada na defesa da sua atuação durante o período em que foi presidente do Conselho de Administração da R. que o seu depoimento acabou por se revelar parco em espontaneidade, precisão e objetividade e, bem assim, incongruente relativamente a muitos factos quer com o depoimento da testemunha Q… quer com o depoimento da testemunha I…”.
Foi a seguinte a motivação do Tribunal a quo da matéria de facto quanto aos factos não provados:
“As provas produzidas não permitiram que os factos dos pontos 1º a 18º fossem dados como provados.
Em especial quanto ao facto do ponto 2º, impõe-se deixar consignado que, quanto a ele, não é possível prova testemunhal.
Na verdade, dispõe o artº 394º, do Código Civil (C.C.), que: “1 - É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores. 2 - A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores. 3 - O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.”.
A propósito do artº 394º, do C.C, referem Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Volume I, 4ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 343) que: “Aplica-se, pois, este artigo apenas às convenções contrárias aos documentos na parte em que estes não têm força probatória plena e às convenções adicionais, ou acessórias, como lhes chama o artigo 221.º”.
Ora, o facto do ponto 2º consubstancia uma convenção contrária ao conteúdo do escrito referido no ponto 4º, dos factos provados - escrito este que é um documento particular mencionado nos artºs 373º, nº 1, e 374º, nº 1, ambos do C.C. -(uma vez que contraria, por oposição, o contido em tal escrito relativamente à retribuição ilíquida mensal), que é anterior à formação de tal escrito.
Em especial quanto ao facto do ponto 7º, há que realçar que o mesmo é infirmado, desde logo, pelos documentos de fls. 384 a 388 verso.
Em especial quanto ao facto do ponto 9º, cumpre destacar que decorre do documento de fls. 109 a 109 verso, que é um boletim informativo, que o Dr. O… foi nomeado coordenador do Serviço de Aprovisionamento - e não diretor do Serviço de Aprovisionamento - por deliberação do Conselho de Administração de 29.06.2010”.
- Aquando do lançamento da contratação do A., o Dr. H…, responsável pela iniciativa, referiu ao A. que o seu vencimento seria de € 1.819,38.
Concluiu, em suma, o Apelante:
- Se as partes acordaram uma determinada retribuição mas não refletiram no contrato escrito, tal montante, não se vislumbram razões para limitar os meios de prova que podem conduzir à demonstração do montante retributivo acordado.
- Tal posição radica nos princípios gerais da relação laboral, considerando a importância da remuneração para quem presta a sua atividade a outrem e tem nela a base principal do seu sustento e seus dependentes. Não repugna admitir que o legislador permita que o assalariado tenha ao seu dispor a maior panóplia possível dos meios probatórios necessários para poder demonstrar o montante real que lhe é devido em contrapartida pela sua prestação laboral.
- A especificidade do regime que preside à fixação da retribuição, que não tem de ficar ab initio determinada, como evidencia o artigo 272º do CT, não é compatível com a observância do regime probatório restritivo do nº 1 do artigo 394º do Código Civil. Daí que não era vedada a audição de testemunhas no apuramento da retribuição acordada.
- Contra o que parece resultar da redação do artigo 394º nº1 do CC, a doutrina e a jurisprudência vêm defendendo que o regime nele contido não tem alcance absoluto por ficarem excluídos do seu âmbito alguns casos em que a prova testemunhal é admissível a despeito de ter por objeto uma convenção contrária ao conteúdo do documento, ante um quadro circunstancial que torne verosímil que a convenção informal foi celebrada.
- No caso dos autos, verifica-se ter resultado provado esse quadro circunstancial que torna verosímil que a convenção informal sobre a retribuição foi celebrada.
- O Autor na altura de assinar o contrato não reagiu perante aquele montante remuneratório pois entendeu que se tratava da remuneração para o período experimental e que passado meio ano seriam repostos os €1.819,38 (Ponto 11º dos Factos Provados).
- A corroborar todo este quadro circunstancial, está o facto de serem comuns os erros de escrita cometidos pela testemunha I… que elaborou o contrato do Autor, como de resto ficou até demonstrado nos lapsos verificados nos documentos de fls 30 verso a 33 verso e de fls 82 a 82 verso e 83 a 84 verso, lapsos esses descritos na página 29 da sentença.
- A proibição de prova testemunhal do artigo 394º nº1 do CC, no quadro do direito laboral e do caso concreto, é incompatível com as exigências de informação (art.106º nº 1 e 3 h) do CT) e de boa-fé (art.102 do CT) que impendem sobre a Ré/Recorrida enquanto entidade patronal.
- Com base no depoimento da testemunha Q… a resposta ao Ponto 2º dos Factos não Provados deve ser alterada de não provado para provado.
Por seu turno, concluiu, em síntese, a Ré:
- É um Centro Hospitalar EPE, integrado no Serviço Nacional de Saúde, respondendo às orientações emitidas pela TUTELA, constituindo administração indireta do Estado, tendo que prestar informações relativas aos vencimentos à Administração Central dos Sistemas em Saúde, I.P., e Direção – Geral de Estudo de Estatista e Planeamento.
- O vencimento de um Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado, celebrado com uma Entidade Pública Empresarial terá que considerar-se uma formalidade ad substantiam ou ad essentiam aplicando-se, assim, o nº 1 do artigo 394º do Código Civil.
- O recorrido pretende fazer valer a sua pretensão, socorrendo-se de um alegado erro, troca de vencimentos entre o ora Recorrente e o Dr.º E… que na mesma altura foram admitidos no C…. Tal não resulta provado.
- A questão foi primeiramente colocada pelo Autor sob a forma de – “Pedido de Correção do Posicionamento Remuneratório”. Mostra-se descabido que quando o Recorrente colocou esta questão, em 2015, 2016, 2017, naqueles moldes, não o tenha feito invocando o alegado acordo pelo valor de €1.819,38, e que por esse facto entendia que a seu valor de vencimento estava errado;
- Afigura-se-nos ilógico, à luz das regras de experiência comum, que o Recorrente tenha, depois de alegadamente convencionado um vencimento de €1.819,38, em 2010, aquando da celebração do contrato, tenha percebido o vencimento de €995,51, sem questionar, logo aquando o primeiro pagamento, esse facto junto que quem alegadamente teria acordado consigo aquele primeiro valor.
Cumpre decidir.
O Autor invocou e resultou provado que na altura de assinar o contrato não reagiu perante o montante remuneratório de €995,51 constante do contrato referido no item 4º dos factos provados, por ter pensado que se tratava da remuneração para o período experimental e que passado meio ano seriam repostos os €1.819,38 (Pontos 11º e 38º dos Factos Provados)
Valemo-nos aqui do enquadramento legal e considerações efetuados no acórdão desta secção de 29.06.2015 (Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho, aqui 2ª Adjunta, in www.dgsi.pt), com referência ao Código Civil:
(Força probatória)
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
3. (…)
(…)
A força probatória plena, decorrente do nº 1 do art. 376º, de que pelo declarante são emitidas as declarações constantes do documento não é, necessariamente, extensível à veracidade dos factos contidos na declaração. Para que o facto contido na declaração se considere também como provado é necessário que ele seja contrário aos interesses do declarante (art. 376º, nº 2) e, bem assim, como doutrinal e jurisprudencialmente entendido, que a declaração seja feita à parte contrária, e não a terceiro.
(…)
Não obstante, a força probatória do documento não impede que as declarações dele constantes sejam impugnadas com base na falta ou em algum vício de vontade capaz de a invalidar (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 3ª Edição, pág. 330). E, como ensinam também estes (…) mesmos autores, in obra citada, a págs. 841, em anotação ao art. 393º, nº2, do CC “É necessário interpretar nos seus justos termos a doutrina do nº 2, cingindo-nos aos factos cobertos pela força probatória plena do documento. Assim, nada impede que se socorra à prova testemunhal para demonstrar a falta ou os vícios da vontade, com base nos quais se impugna a declaração documentada.
O documento prova, em dados termos, que o seu autor faz as declarações dele constantes; os factos compreendidos na declaração consideram-se provados, quando sejam desfavoráveis ao declarante. Mas o documento não prova, nem garante, nem podia garantir, que as declarações não sejam viciadas por erro, dolo, ou coacção ou simulação.
Por isso mesmo a prova testemunhal se não pode, neste aspecto, considerar legalmente interdita.”.
Por outro lado, como se diz no douto Acórdão do STJ de 10.01.2007, in www.dgsi.pt (Processo 06S2700) “Noutro plano de consideração, a doutrina tem vindo a aceitar que a proibição enunciada nos artigos 393.º, n.º 2, e 394.º, n.º 1, do Código Civil, não deve assumir carácter absoluto, sob pena de, porventura, se poder comprometer, por forma intolerável, a justiça do caso concreto.
VAZ SERRA defende a admissibilidade da prova testemunhal, desde que ela seja acompanhada de circunstâncias que tornem provável a convenção contrária ao documento que com ela se pretende demonstrar e, bem assim, quando exista um começo de prova por escrito, isto é, qualquer escrito proveniente daquele contra quem a ação é dirigida e que indicie a veracidade do facto alegado (Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 103, p. 13).
Em sentido coincidente, MOTA PINTO entende que constitui exceção à regra do citado artigo 394.º e, por isso, deve ser permitida a prova por testemunhas, no caso do facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito. Também deve ser admitida tal prova testemunhal existindo já prova documental susceptível de formar a convicção da verificação do facto alegado, quando se trate de interpretar o conteúdo de documentos ou completar a prova documental (Colectânea de Jurisprudência, Ano X, 1985, tomo III, pp. 9-15).
Também PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA advertem que o citado artigo 394.º se refere apenas às convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento, não excluindo, portanto, a possibilidade de se provar por testemunhas qualquer elemento, como o fim ou o motivo do facto jurídico documentado, que nem é contrário ao conteúdo do documento, nem constitui uma cláusula adicional à declaração (Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1967, p. 258).”».
Ainda a propósito da admissibilidade da prova testemunhal contrária ao clausulado no contrato de trabalho escrito, estando em causa apurar o montante da retribuição acordada, seguimos outrossim de perto o Acórdão desta secção, da mesma Relatora, de 07.10.2019, proferido no Processo nº 23326/17.0T8PRT.P1,
“Dispõem os arts. 393º e 394º do Cód. Civil que:
(Inadmissibilidade da prova testemunhal)
2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.
3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.
(Convenções contra o conteúdo de documentos ou além dele)
2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.
Importa desde já referir que não está em causa nos autos qualquer acordo simulatório, pelo que não é aplicável o nº 2 do art. 394º.
(…)
(…), no Acórdão do STJ de 25.06.2002, Proc 01S3722, in www,dgsi.pt, ainda que por maioria, considerou-se ser admissível prova testemunhal para prova de que a retribuição efetivamente acordada não coincide com a retribuição constante do clausulado no contrato de trabalho, nele se referindo, para além do mais, o seguinte:
“ (…)
As questões da qualificação como formalidade ad substantiam ou ad probationem da exigência de menção da retribuição quer na generalidade dos contratos de trabalho a termo, quer no contrato de praticante desportivo (que é sempre, por imposição legal, um contrato de trabalho a termo, (…)) e da admissibilidade de prova, designadamente testemunhal, para demonstração de que a retribuição efetivamente acordada não coincide com a mencionada no contrato escrito já foram objeto de diversas decisões dos tribunais superiores e nomeadamente deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que não se trata de formalidade ad substantiam e de que é admissível a prova da diversidade entre a retribuição efetivamente acordada e a retribuição exarada no escrito contratual, quer essa disparidade seja contemporânea da celebração do contrato quer resulte da evolução no tempo da componente retributiva.
(…)
(…), o entendimento (…) (inadmissibilidade de prova por testemunhas de pacto verbal contrário à remuneração mencionada no contrato escrito) não foi seguido nas (…) decisões deste Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplo os acórdãos de 12 de Março de 1997, processo n.º 204/96 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, 1997, tomo I, pág. 296), de 16 de Abril de 1997, processo n.º 221/96 (cujo texto integral consta de www.dgsi.pt n.º do documento: SJ199704160002214), e de 18 de Novembro de 1999, processo n.º 200/99 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, 1999, tomo III, pág. 278; também publicado e anotado em José Manuel Meirim, O Desporto nos Tribunais, Lisboa, 2001, pág. 221).
Esta última orientação, que se pode considerar dominante, assenta em duas grandes linhas de argumentação.
Por um lado, mesmo no estrito domínio do direito civil, por natureza mais formalista, tem sido sustentado que a norma do n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil ("É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores") não pode ser lida como implicando a proibição absoluta da admissibilidade da prova testemunhal, sendo antes de considerar que tal prova é de admitir, pese embora a redação do preceito, de forma a obstar a graves iniquidades a que a "regra do n.º 1 do artigo 394.º, bem como a aplicação que dela é feita no n.º 2 do mesmo artigo, poderiam dar lugar, quando aplicadas sem restrições" (Vaz Serra, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Dezembro de 1973, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, pág. 311). Como se refere no (…) acórdão de 16 de Abril de 1997: "(...) a aplicação irrestrita da regra do n.º 1 (tal como do n.º 2) do artigo 394.º pode suscitar graves iniquidades, mesmo no domínio puro do direito civil. Por isso, conforme dá conta Vaz Serra (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, págs. 311 e seguintes), os Códigos francês e italiano que consagram regra semelhante lhe formulam várias exceções. Não obstante a formulação irrestrita da regra do n.º 1 (e do n.º 2) do artigo 394.º, Vaz Serra (e também, no seu seguimento, Mota Pinto, Coletânea de Jurisprudência, ano X, 1985, tomo III, págs. 11 e seguintes) propugna a admissibilidade da prova testemunhal nas situações excecionais admitidas naqueles Códigos (…)."
A outra linha argumentativa assenta na natureza específica do direito de trabalho e, dentro deste, da garantia da retribuição (considerando a importância decisiva que ela assume para quem presta a sua atividade a outrem e tem nela a base principal, muitas vezes única, do seu sustento e dos seus dependentes) e dos poderes do tribunal na sua determinação. A este respeito, dispõe, com efeito, o artigo 90.º da LCT que: "1. Compete ao julgador fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas aplicáveis ao contrato. 2. Compete ainda ao julgador resolver as dúvidas que se suscitarem na qualificação como retribuição das prestações recebidas da entidade patronal pelo trabalhador". Ora - argumenta-se no citado acórdão de 12 de Março de 1997 -: "Se são cometidas ao julgador as apontadas tarefas, parece seguro que o desempenho delas, por definição correcta, é incompatível com uma limitação dos meios de prova admissíveis, questão que se coloca quando a retribuição respeitar a contrato a termo, reduzido a escrito.(...)
Ora, a especificidade do regime que preside à fixação da retribuição, que, sendo essencial, como se viu, não tem de ficar ab initio determinada, como bem evidencia o transcrito artigo 90.º da LCT, não é compatível com a observância do regime probatório restritivo do n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil.
Daí que tenhamos por inaplicável a regra do citado artigo 394.º, n.º 1, à hipótese dos autos e consideremos que não era vedada a audição de testemunhas no apuramento da retribuição (…).
É óbvio que se o recurso à prova testemunhal se impõe quando as partes não deixaram fixada no escrito a retribuição, semelhantemente há que admitir a produção de uma tal prova na demonstração de que o valor que ficou consignado não corresponde ao que efetivamente a entidade patronal acordou pagar como retribuição."
Ou seja, resulta do mencionado aresto que a convenção, no contrato de trabalho escrito, de determinada retribuição não obsta a que seja feita prova testemunhal de que é outro o valor da retribuição acordada e/ou paga, o que vale, dizemos nós, especialmente tendo em conta que, face à perenidade do contrato de trabalho e consequente longevidade da sua execução, as condições de trabalho, mormente a retribuição, se vão alterando ao longo do tempo. (…).
Não se nos afigura, pois, que proceda o argumento (…), centrado no art. 394º do CC, de que não seria admissível prova testemunhal sobre o facto que ora impugna”, (sublinhado e alteração do tamanho da letra nossos).
Assim o entendemos nós também.
No caso em apreço, a admissibilidade de prova testemunhal, defendida pelo Apelante, destina-se a demonstrar a existência de convenção diversa do clausulado no documento a que se reporta o item 4º dos factos provados, no que ao montante da retribuição diz respeito.
Atentas as conclusões do Apelante, desde já se refere que não constitui circunstancialismo que por si só justifique a admissibilidade da prova testemunhal a ocorrência de erros noutros documentos, referenciados na motivação da decisão de facto, designadamente, no documento de fls. 30 verso a 33 verso e no documento de fls. 82 a 82 verso, ainda que cometidos pela testemunha I… que elaborou o contrato do Autor.
Ou seja, os erros naqueles outros documentos, não só não permitem aferir que possa também ter ocorrido um erro material quanto ao montante da retribuição, clausulado no documento a que se reporta o item 4º dos factos provados, como a sua constatação não constitui uma situação que conceba plausível ter sido outro o montante da retribuição acordado, já que nada a este respeito se reportam.
Isto não obstante os mesmos erros terem sido invocados pelo Tribunal a quo na justificação da credibilidade merecida pelo depoimento da testemunha Q…, quanto à explicação avançada por esta para o facto de no contrato individual de trabalho terem ficado a constar €995,51.
Dito de outro modo, a probabilidade de ter ocorrido uma convenção entre as partes sobre o montante da retribuição com uma importância contrária/diversa da que ficou a constar do contrato de trabalho, a que se reporta o item 4º dos factos provados, não se afere da circunstância de noutros documentos, num outro contrato de trabalho e numa ata de seleção, terem ocorrido erros.
Todavia, afigura-se-nos que está em causa e ficou inclusive demonstrado é que o Autor incorreu em erro ao subscrever o contrato de trabalho, no que respeita ao montante remuneratório do mesmo constante, ao pensar que tal valor só vigoraria durante o período experimental e que passado meio ano seriam repostos os €1.819,38, não tendo por isso, na altura, questionado aquele valor (itens 11º e 38º dos factos provados).
Invocou, pois, o Autor um erro de vontade.
Ora o facto relativamente ao qual o Autor pretende seja admitida prova testemunhal, não pode deixar de considerar-se relacionado com tal erro de vontade, uma vez que se reporta a uma alegada convenção anterior à celebração do contrato escrito.
Assim e independentemente da relevância do referenciado erro - questão que não cumpre analisar em sede de impugnação da matéria de facto - o mesmo justifica a admissibilidade de audição de testemunhas para apuramento da retribuição acordada não obstante a que ficou prevista no documento particular a que se reporta o item 4º dos factos assentes.
Atenta a fundamentação esgrimida pelo Apelante, justifica-se ainda as breves considerações que se seguem.
A fixação da retribuição não tem de ficar ab initio determinada, como se prevê no artigo 272º, nº1 do Código do Trabalho: “Compete ao tribunal, tendo em conta a prática da empresa e os usos do sector ou locais, determinar o valor da retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável”.
O que se prevê em tal normativo é tão só para as situações em que as partes não fixaram a retribuição ou esta não resulte de instrumento de regulamentação coletiva aplicável.
Ainda assim, somos sensíveis à relevância da importância da remuneração para quem presta a sua atividade a outrem, por ter nela a base principal do seu sustento, justificar que o assalariado tenha ao seu dispor a maior panóplia possível dos meios probatórios necessários para poder demonstrar o montante real que lhe é devido.
Assim e predominantemente, face ao erro de vontade invocado e inclusive mostrado – cfr. itens 11º e 38º dos factos provados – e estando em causa o apuramento da retribuição acordada, concluímos, no caso concreto, pela admissibilidade de audição de testemunhas sobre a matéria “Aquando do lançamento da contratação do Autor, o Dr. H…, responsável pela iniciativa, referiu ao Autor que o seu vencimento seria de €1.819,38”.
É certo que não foi alegado nem se apurou sobre se o referido entendimento errado do Autor foi esclarecido posteriormente, mas tão só que o que aconteceu não foi a reposição do valor de €1.812,38 passado meio ano (item 12º dos factos provados).
Outrossim não foi alegado nem se apurou se o Autor não teria subscrito o contrato de trabalho se a remuneração de €1.812,38 não fosse a clausulada.
Como não foi alegado nem se provou que a Ré o faria se a remuneração fosse aquela.
Salientou inclusive a Apelada que à luz das regras de experiência comum, dificilmente se compreenderia que o Recorrente, depois de alegadamente convencionado um vencimento de €1.819,38, em 2010, aquando da celebração do contrato, tenha percebido o vencimento de €995,51, sem questionar, logo aquando o primeiro pagamento, esse facto junto de quem alegadamente teria acordado consigo aquele primeiro valor.
A este respeito, nesta sede, limitamo-nos a voltar a referir que as implicações do identificado erro do Autor, ou seja, a sua relevância, não é questão a abordar em sede de impugnação da matéria de facto.
Como não o é aferir-se, face à factualidade provada, qual a remuneração acordada.
Procede assim nesta parte a pretensão do Apelante.
Analisado o depoimento da testemunha Q…, nos excertos transcritos pelo Apelante resulta que a mesma transmitiu ao Autor que o seu vencimento seria de €1.819,38.
A credibilidade de tal testemunha foi confirmada na sentença, o que se nos afigura a nós ser de corroborar, não tendo a Apelada com a fundamentação e meios de prova indicados, logrado comprometer tal credibilidade que de resto não questionou em sede do presente recurso.
Já a circunstância de ter sido, a mesma testemunha, responsável pela iniciativa de contratar o Autor e pelo valor de €1.819,38, afigura-se-nos tratar-se de matéria conclusiva, nada tendo sido alegado e ficado demonstrado relativamente às respetivas competências - funções e poderes, eventualmente atribuídos pela Ré, para o efeito-, independentemente da atividade referenciada pela testemunha ao referir que “Fui eu que o contratei”.
Acresce que não é possível aferir dos mesmos excertos o exato momento em que tal foi referido pela mesma testemunha ao Autor, nomeadamente que tal tenha coincidido com a outorga do contrato individual de trabalho, como tal, aquando do assentimento da contratação do Autor.
Em conformidade, decide-se eliminar o 2º item dos factos não provados, aditando à matéria de facto provada como item 10º A:
- A propósito da contratação do Autor, em momento não exatamente apurado, o Dr. H… referiu ao Autor que o seu vencimento seria de €1.819,38.
É este o teor do item 5º dos factos não provados.
- E também o trabalho do A. e os trabalhadores Dr.ª D…, Dr. E…, Dr. J…, Dr.ª F… e Dr.ª G…, é de valor igual, pois as funções desempenhadas ao serviço da R. são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado.
A este propósito concluiu, em suma, o Apelante:
- Da matéria provada nos pontos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 13º, 15º, 16º, 17º e 18º dos factos provados resulta que o seu trabalho é de valor igual ou superior ao dos colegas D… e E… e nenhuma razão objetiva existe para o discriminar a nível retributivo destes.
- No que concerne a qualificações, enquanto os mesmos colegas são simplesmente licenciados, para além da licenciatura em economia, concluiu o “Executive Master em Gestão de Unidades de Saúde (pontos 3º, 13º e 16º)
- Todos praticam o mesmo horário de 40 horas semanais diurnas podendo ser noturno ou por turnos (pontos 4º, 13º e 16º) e todos exercem uma atividade do tipo intelectual.
- Executa tarefas de elevada responsabilidade, quer do ponto de vista organizacional, quer do ponto de vista económico/financeiro (ponto 7º) enquanto aqueles colegas se limitam a cumprir tarefas executivas (pontos 15º e 18º).
- Também relativamente aos colegas J…, F… e G… ficaram provados factos que permitem concluir que o seu é de valor igual ou superior ao deles.
- A matéria provada nos pontos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 13º, 19º, 21º, 24º, 25º e 27º resulta que o trabalho do A./Recorrente é de valor bem superior ao dos seus colegas Drs. J…, F… e G….
- Todos praticam o mesmo horário de 40 horas semanais diurnas podendo ser noturno ou por turnos (pontos 4º, 13º, 19º, 22º e 25º) e todos exercem uma atividade do tipo intelectual.
- No que concerne a qualificações, estes colegas são licenciados.
- Os três colegas cumprem tarefas administrativas e burocráticas (pontos 21º, 24º e 27º).
Alegou, por seu turno, em suma a Apelada:
- Na apreciação dos factos em discussão nos presentes autos, a Lei não prevê qualquer regra especial de inversão do ónus da prova, tendo aplicação a regra geral definida no n.º 1, do art.º 342.º do Código Civil.
- Não obstante todos serem técnicos superiores, têm licenciaturas distintas, funções muito diferenciadas entre si, desde logo porque alocados a diferentes serviços, e percebem vencimentos também eles diferenciados, desde os €1.819,38 aos €1.201.38.
- Da interpretação dos artigos 24º e 25º do Código do Trabalho decorre que o princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo), ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível.
- Esta proibição não contempla diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes, o que se verifica in casu.
Vejamos:
O mesmo item 5º dos factos não provados reproduz o alegado pelo Autor no artigo 38º da petição inicial.
Sem mais referimos tratar-se de matéria conclusiva, o que o próprio Apelante reconhece no corpo das alegações e que como tal não deve ser considerada.
Na verdade, como decorre do disposto nos artigos 341º, do Código Civil e 410º do Código de Processo Civil, apenas os factos são objeto de prova.
O artigo 663º, nº2 do Código de Processo Civil, determina que na elaboração do acórdão deve ser observado na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º, «pelo que o comando normativo do artigo 607, relativo à discriminação dos factos se aplica, também, ao Tribunal da Relação, impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos valorativos ou de direito, máxime se os mesmos se apresentam como determinantes do sentido a dar à solução do litígio», lê-se no Acórdão desta Relação proferido em 07.07.2016, no processo 497/14.1TTVFR.P1,(in www.dgsi.pt).
Afigura-se-nos, porém, que a referida alegação é genérica e conclusiva, nela se incluindo juízos de valor que se prendem, aliás, com a questão jurídica suscitada pelo Autor de que a Ré violou o princípio da igualdade.
No Acórdão desta Secção de 27.09.2017, proferido no processo nº3978/15.6T8VFR.P1, (Relator Desembargador Jerónimo Freitas), lê-se “Como é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.(…) ”.
Ainda a este propósito lê-se nos Acórdãos do S.T.J., também citados no referido Acórdão, proferido no processo nº3978/15.6T8VFR.P1:
“Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objecto do processo ou, mais rigorosa ou latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objecto de disputa das partes”, lê-se no Acórdão do S.T.J. de 12.03.2014, (in www.dgsi.pt).
«Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado», lê-se no Acórdão do S.T.J. de 28.01.2016, (in www.dgsi.pt).
Improcede assim também nesta parte a pretensão do Autor.
“Dispõe o artº 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 326/2007, de 28.09, que: “São criados, com a natureza de entidades públicas empresariais, os seguintes centros hospitalares, constantes do anexo ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante: …; b) Centro Hospitalar C…, E. P. E., por fusão do Hospital C1…, E. P. E., com o Hospital V…, E. P. E..”.
Já o artº 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 326/2007, de 28.09, estatui que: “São aprovados para as entidades públicas empresariais previstas no número anterior os Estatutos constantes do anexo II do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de dezembro, e com as especificidades estatutárias que constam do anexo ao presente decreto-lei.”.
Por sua vez, o artº 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 326/2007, de 28.09, prescreve que: “1 - Às entidades públicas empresariais criadas pelo presente decreto-lei aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime jurídico, financeiro e de recursos humanos, constante dos capítulos II, III e IV do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de dezembro.”.
(…)
(…) o artº 7º, nº 1, dos Estatutos constantes do anexo II do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29.12, estabelece que: “Compete ao conselho de administração garantir o cumprimento dos objetivos básicos, bem como o exercício de todos os poderes de gestão que não estejam reservados a outros órgãos, e em especial: …; d) Definir as políticas referentes a recursos humanos, incluindo as remunerações dos trabalhadores e dos titulares dos cargos de direção e chefia; …; n) Decidir sobre a admissão e gestão do pessoal; … .”.
Por sua vez, o artº 7º, nº 3, dos Estatutos constantes do anexo II do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29.12, postula que: “O conselho de administração pode delegar as suas competências nos seus membros ou demais pessoal de direção e chefia, com exceção das previstas nas alíneas a) a j) do nº 1, definindo em ata os limites e condições do seu exercício.”.
Ante os normativos legais acabados de destacar, é viável formular as seguintes conclusões:
(..)
c) compete ao Conselho de Administração da R. definir as políticas referentes a recursos humanos, incluindo as remunerações dos trabalhadores, e
d) a definição das políticas referentes a recursos humanos, incluindo as remunerações dos trabalhadores, é uma competência do Conselho de Administração da R. que não pode ser delegada”.
Tecendo ainda outra ordem de considerações:
Da matéria de facto provada, resulta é certo ter o Autor incorrido em erro ao entender que aquando da assinatura do Contrato de Trabalho escrito, a que se reporta o item 4º dos factos provados, a retribuição ilíquida mensal de €995,51, se tratava da remuneração para o período experimental e que passado meio ano seriam repostos os €1.819,38.
No Contrato de Trabalho, sendo um negócio jurídico, pode ocorrer um vício na formação de vontade devido a anomalias na sua formação e que podem conduzir, inclusive à sua invalidade.
Sob a epígrafe “Erro na declaração”, dispõe o artigo 247º do Código Civil:
“Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.
Conforme o disposto no artigo 5º, nº1 do Código de Processo Civil, cabia ao Autor alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir.
Ora, o Autor nada alegrou nem não logrou provar se o respetivo entendimento errado na altura em que subscreveu o contrato de trabalho, a que se reporta o item 4º dos factos provados – que a retribuição ilíquida mensal de €995,51 se tratava de remuneração para o período experimental e que passado meio ano seriam repostos os €1.819,38 -, foi esclarecido posteriormente, mas tão só que o que aconteceu não foi a reposição do valor de €1.812,38, passado meio ano (item 12º dos factos provados).
Outrossim não foi alegado nem se apurou se o Autor não teria subscrito o contrato de trabalho se a remuneração de €1.812,38 não fosse a clausulada. E também não foi alegado nem se provou que a Ré tivesse disso ou ao menos do indicado erro conhecimento, nem mesmo que a Ré teria subscrito o contrato se a remuneração fosse aquela.
Nas palavras do Professor Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, páginas 447/448) na interpretação da declaração negocial, releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente, em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer.
Neste circunstancialismo, qualquer declaratário normal, colocado na posição concreta da Ré, perante a conduta assumida pelo Autor - tendo subscrito o contrato sem reservas, sem questionar o valor de €995,51 – consideraria que o Autor aceitou a retribuição nele prevista.
Salientou inclusive a Apelada que à luz das regras de experiência comum, dificilmente se compreenderia que o Recorrente, depois de alegadamente convencionado um vencimento de €1.819,38, em 2010, aquando da celebração do contrato, tenha percebido o vencimento de €995,51, sem questionar, logo aquando o primeiro pagamento, esse facto junto de quem alegadamente teria acordado consigo aquele primeiro valor.
Não pode assim, em nosso entender, aferir-se que foi acordada uma remuneração distinta da constante do contrato subscrito por ambas as partes.
Daí que entendemos que “a quantia de €995,51, mencionada no escrito referido no ponto 4º, dos factos provados” corresponde à retribuição base acordada entre o Autor e a Ré.
b) Na última elencada questão, os assuntos a abordar num primeiro segmento da apelação concretizam-se em saber se o Autor tem direito à retribuição base ilíquida mensal que é paga aos Drs. D… e E…; não sendo o caso, se o Autor tem direito à retribuição base ilíquida mensal que é paga ao Dr. J…; não sendo o caso, se o Autor tem direito à retribuição base ilíquida mensal que é paga às Dr.ªs F… e G….
Num primeiro segmento, o Apelante concluiu, no pressuposto da procedência da impugnação da matéria de facto, relativamente ao item 5º dos factos dados como não provados - onde se concluía que o trabalho daqueles trabalhadores é de valor igual por as funções desempenhadas ao serviço da Ré serem equivalentes -, verificar-se uma violação do princípio para o trabalho de valor igual, salário igual.
Face ao supra decidido, no sentido da improcedência, nessa parte, da impugnação da matéria de facto, atendendo à retribuição acordada – itens 4º e 9º dos factos provados -, procedemos à transcrição de parte da sentença do Tribunal a quo, acompanhando essa fundamentação – já supra transcrita quanto a um excerto da mesma -, suprimindo algumas das referências doutrinais, não obstante a respetiva assertividade, tão só por não se considerar a sua necessidade/pertinência, nesta sede recursiva:
“Ora, o A. defende que, por força quer da proibição de discriminação quer do princípio de que para trabalho igual salário igual, tem direito à retribuição base ilíquida mensal que é paga aos Drs. D… e E…, de €1.819,38, ou, se assim não se entender, à retribuição base ilíquida mensal que é paga ao Dr. J…, de €1.407,45, ou, se assim não se entender, à retribuição base ilíquida mensal que é paga às Dr.ªs F… e G…, de €1.201,48.
Dispõe o artº 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 326/2007, de 28.09, que: “São criados, com a natureza de entidades públicas empresariais, os seguintes centros hospitalares, constantes do anexo ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante: …; b) Centro Hospitalar B…, E. P. E., por fusão do Hospital C1…, E. P. E., com o Hospital V…, E. P. E..”.
Já o artº 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 326/2007, de 28.09, estatui que: “São aprovados para as entidades públicas empresariais previstas no número anterior os Estatutos constantes do anexo II do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de dezembro, e com as especificidades estatutárias que constam do anexo ao presente decreto-lei.”.
Por sua vez, o artº 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 326/2007, de 28.09, prescreve que: “1 - Às entidades públicas empresariais criadas pelo presente decreto-lei aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime jurídico, financeiro e de recursos humanos, constante dos capítulos II, III e IV do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de dezembro.”.
Quanto ao artº 14º, do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29.12, o qual pertence ao capítulo IV de tal Decreto-Lei, o mesmo determina que: “1 - Os trabalhadores dos hospitais E. P. E. estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos. 2 - Os hospitais E. P. E. devem prever anualmente uma dotação global de pessoal, através dos respetivos orçamentos, considerando os planos de atividade. 3 - Sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 15º, os hospitais E. P. E. não podem celebrar contratos de trabalho para além da dotação referida no número anterior. 4 -Os processos de recrutamento devem assentar na adequação dos profissionais às funções a desenvolver e assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa fé e da não discriminação, bem como da publicidade, exceto em casos de manifesta urgência devidamente fundamentada.”.
Já o artº 15º, do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29.12, o qual pertence ao capítulo IV de tal Decreto-Lei, refere que: “1 - O pessoal com relação jurídica de emprego público que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, esteja provido em lugares dos quadros das unidades de saúde abrangidas pelo artigo 1º, bem como o respetivo pessoal com contrato administrativo de provimento, transita para os hospitais E. P. E. que lhes sucedem, sendo garantida a manutenção integral do seu estatuto jurídico, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 193/2002, de 25 de setembro. 2 - Mantêm-se com carácter residual os quadros de pessoal das unidades de saúde referidas no número anterior, exclusivamente para efeitos de acesso dos funcionários, sendo os respetivos lugares a extinguir quando vagarem, da base para o topo. 3 - Mantêm-se válidos os concursos de pessoal pendentes e os estágios e cursos de especialização em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei. 4 - O pessoal a que se refere o presente artigo pode optar a todo o tempo pelo regime do contrato de trabalho nos termos dos artigos seguintes.”. Noutra ordem de ideias, o artº 7º, nº 1, dos Estatutos constantes do anexo II do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29.12, estabelece que: “Compete ao conselho de administração garantir o cumprimento dos objetivos básicos, bem como o exercício de todos os poderes de gestão que não estejam reservados a outros órgãos, e em especial: …; d) Definir as políticas referentes a recursos humanos, incluindo as remunerações dos trabalhadores e dos titulares dos cargos de direção e chefia; …; n) Decidir sobre a admissão e gestão do pessoal; … .”.
Por sua vez, o artº 7º, nº 3, dos Estatutos constantes do anexo II do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29.12, postula que: “O conselho de administração pode delegar as suas competências nos seus membros ou demais pessoal de direção e chefia, com exceção das previstas nas alíneas a) a j) do nº 1, definindo em ata os limites e condições do seu exercício.”.
Ante os normativos legais acabados de destacar, é viável formular as seguintes conclusões:
a) a R. foi criada pelo Decreto-Lei nº 326/2007, de 28.09,
b) sem prejuízo do regime transitório do pessoal com relação jurídica de emprego público que, à data da criação da R., esteja provido em lugares dos quadros de “Hospital C1…, E. P. E.” e de “Hospital V…, E. P. E.”, bem como do respetivo pessoal com contrato administrativo de provimento, os trabalhadores da R. estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, desde logo de acordo com o Código do Trabalho (C.T.),
c) compete ao Conselho de Administração da R. definir as políticas referentes a recursos humanos, incluindo as remunerações dos trabalhadores, e
d) a definição das políticas referentes a recursos humanos, incluindo as remunerações dos trabalhadores, é uma competência do Conselho de Administração da R. que não pode ser delegada.
O C.T. entrou em vigor em 17.02.2009, sendo que foi aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12.02.
O artº 11º, do C.T., dispõe (e já dispunha à data de 31.05.2010) que: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”.
Já o artº 1152º, do C.C., estatui (e já estatuía à data de 31.05.2010) que: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.”.
Ante os artºs 11º, do C.T., e 1152º, do C.C., é possível afirmar que são três os elementos constitutivos do contrato de trabalho, a saber, a prestação da atividade, a retribuição e a subordinação jurídica.
Acontece, porém, que, de entre tais elementos, a subordinação jurídica constitui o elemento que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho e que permite distinguir tal contrato de contratos que lhe são próximos.
(…)
Menciona o artº 110º, do C.T. (e já mencionava à data de 31.05.2010), que: “O contrato de trabalho não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei determina o contrário.”.
(…)
Ora, ante o exposto e os pontos 1º a 4º, todos dos factos provados, é possível concluir que, no dia 31.05.2010, mediante o escrito referido no ponto 4º, dos factos provados, foi celebrado, entre o A., enquanto trabalhador, e a R., enquanto empregadora, um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Dispõe o artº 258º, do C.T., que: “1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. 2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie. 3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. 4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.”.
(…)
Ora, ante o exposto e os pontos 4º e 9º, ambos dos factos provados, é possível afirmar que a quantia de €995,51 mencionada no escrito referido no ponto 4º, dos factos provados, constitui retribuição, mais precisamente retribuição base.
Postula o artº 270º, do C.T., que: “Na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.”.
A respeito do artº 270º, do C.T.:
- refere João Leal Amado (in “Contrato de Trabalho - Noções Básicas”, 2ª Edição, Almedina, 2018, pág. 266) que: “Este preceito traduz-se na transposição para a legislação ordinária do essencial do princípio enunciado no art. 59º, nº 1, al. a), da CRP, nos termos do qual todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna. Esta mesma norma constitucional representa, de resto, uma concretização do princípio geral da igualdade, estabelecido no art. 13º da CRP. Em sede de determinação do valor da retribuição, o conhecido e consagrado princípio a trabalho igual, salário igual tem gerado bastantes dificuldades no que toca à exata delimitação do seu sentido e do seu alcance prático (…) O que este princípio proíbe não é a diferenciação salarial, mas sim a discriminação salarial, ou seja, a diferenciação injustificada, baseada, p. ex., em fatores como o sexo, a raça, a nacionalidade, a religião, as convicções políticas, etc. Já constituem fundamento bastante para a diferenciação e títulos legitimadores da mesma os fatores ligados à distinta quantidade (duração ou intensidade, p. ex.), natureza (dificuldade ou penosidade, p. ex.) e qualidade (mérito ou produtividade, p. ex.) do trabalho prestado (…) o princípio da igualdade retributiva não compreende apenas um conteúdo negativo (a proibição de discriminações), mas comporta também uma vertente positiva, reclamando a igualdade substantiva de tratamento dos trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho (trabalho igual ou de valor igual, cujas noções constam do art. 23º, nº 1, als. c) e d), do CT), aferido este pelos critérios da quantidade, natureza e qualidade, critérios objetivos e sufragados pela CRP.” e
- diz Diogo Vaz Marecos (in “Código do Trabalho Comentado”, 3ª Edição, Almedina, 2017, pág. 754) que: “Um dos princípios fundamentais do direito do trabalho, com consagração constitucional na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa é o de que a trabalho igual, salário igual, repetindo-se o mesmo neste artigo 270.º Este princípio concretiza, no que diz respeito à retribuição do trabalho, o princípio da igualdade, consagrado na Lei Fundamental, cfr. artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, e traduz-se em termos simples, no entendimento que o trabalho igual em natureza, qualidade e quantidade, deve ser remunerado com o mesmo salário. O princípio da igualdade retributiva não significa contudo uma igualdade absoluta em todas as circunstâncias, nem obsta ou proíbe um tratamento diferenciado. O que se exige é que a diferenciação seja materialmente fundada, sob o ponto de vista da segurança jurídica e não se baseia em qualquer motivo inadmissível em termos legais (…) apenas haverá violação do princípio da igualdade em termos retributivos, se a diferenciação não resultar de critérios objectivos”.
Estabelece o artº 23º, do C.T., que: “1 - Para efeitos do presente Código, considera-se: a) Discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável; b) Discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários; c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade; d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado. 2 - Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade prejudicar alguém em razão de um fator de discriminação.”.
Já o artº 24º, nº 1, do C.T., estatui que: “O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.”.
Quanto ao artº 24º, nº 2, do C.T., o mesmo prescreve que: “O direito referido no número anterior respeita, designadamente: …; c) A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para seleção de trabalhadores a despedir; … .”.
Por sua vez, o artº 25º, nº 1, do C.T., determina que: “O empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no nº 1 do artigo anterior.”.
Sendo que o artº 25º, nº 5, do C.T., refere que: “Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.”.
O artº 25º, nº 5, do C.T., consagra uma inversão do ónus da prova para o caso em que é alegada discriminação (o artº 344º, do C.C., cuja epígrafe é “Inversão do ónus da prova”, refere, no seu nº 1, que: “As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine.”).
Por força de tal inversão, no caso em que é alegada discriminação, cabe ao empregador o ónus da prova de que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.
Sucede que, para que a referida inversão opere, é necessário que quem alega discriminação prove o(s) concreto(s) fator(es) de discriminação no(s) qual(is) se baseia a discriminação (ou melhor dizendo, prove os factos integrantes do(s) concreto(s) fator(es) de discriminação no(s) qual(is) se baseia a discriminação).
Donde, quem alega discriminação sem provar o(s) concreto(s) fator(es) de discriminação no(s) qual(is) se baseia a discriminação não beneficia da aludida inversão e, em consequência, em conformidade com o artº 342º, nº 1, do C.C. (que dispõe que: “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”), compete-lhe provar a discriminação que alega.
A este propósito, pode conferir-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 14.12.2016 no âmbito do processo nº 4521/13.7TTLSB.L1.S1, o qual está disponível na Internet através do site www.dgsi.pt, em cuja fundamentação está escrito o seguinte: “De acordo com aquela norma do n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, quem invoca uma situação de discriminação, nomeadamente, em termos salariais tem apenas de provar a discriminação concreta de que é vítima e os factos integrativos do fator de discriminação referidos no n.º 1 do artigo 24.º, incumbindo depois ao empregador provar que a diferença de tratamento assenta em critérios objetivos e não decorre do fator de discriminação invocado (…) numa ação em que não se invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de fatores característicos de discriminação, no sentido que se deixou delineado, não funciona a aludida presunção, por isso que compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio para trabalho igual salário igual, pois que tais factos, indispensáveis à revelação da existência de trabalho igual, se apresentam como constitutivos do direito a salário igual, que se pretende fazer valer.»”.
Ora, o A. alega, desde logo, discriminação, desde a data da sua contratação e ao nível da retribuição base, em relação a outros 5 trabalhadores da R. que identifica, a saber, Dr.ª D…, Dr. E…, Dr. J…, Dr.ª F… e Dr.ª G….
Acontece, porém, que o A. não alega um qualquer fator de discriminação, designadamente um dos fatores de discriminação referidos no nº 1, do artº 24º, do C.T. - cfr., em especial, os artºs 18º a 35º, todos da petição inicial de fls. 3 verso a 27 verso.
Logo, não pode o A. beneficiar da inversão do ónus da prova consagrada no artº 25º, nº 5, do C.T..
Sucede que o A. alega, também, violação, desde a data da sua contratação e ao nível da retribuição base, do princípio de que para trabalho igual salário igual, por referência aos 5 trabalhadores da R. suprarreferidos - cfr., em especial, os artºs 37º a 39º, todos da petição inicial de fls. 3 verso a 27 verso.
Ora, uma vez que não pode beneficiar da inversão do ónus da prova consagrada no artº 25º, nº 5, do C.T., competia ao A., em conformidade com o artº 342º, nº 1, do C.C., provar os factos consubstanciadores da violação, desde a data da sua contratação, ao nível da retribuição base e por referência aos 5 trabalhadores da R. suprarreferidos, do princípio de que para trabalho igual salário igual, ou seja, competia ao A. provar factos demonstrativos de que, desde a data da sua contratação, o trabalho por si prestado à R. é igual em termos de quantidade, natureza e qualidade ao trabalho prestado à R. pelos trabalhadores da R. Dr.ª D…, Dr. E…, Dr. J…, Dr.ª F… e Dr.ª G…, mas que a retribuição base por si auferida é inferior à que é auferida por tais trabalhadores.
A este propósito, pode conferir-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 01.06.2017 no âmbito do processo nº 816/14.0T8LSB.L1.S1, o qual está disponível na Internet através do site www.dgsi.pt, em cujo sumário está escrito o seguinte: “(…) 3. Quando as situações referidas são invocadas como fatores de discriminação, nomeadamente, no plano retributivo, o legislador, no n.º 5, do art.º 25, do diploma legal referido, estabelece um regime especial de repartição do ónus da prova, em que afastando-se da regra geral, prevista no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, estipula uma inversão do ónus da prova, impondo que seja o empregador a provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação. 4. Já quando for alegada violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que tenha sido invocado quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação, cabe a quem invocar o direito fazer a prova, nos termos do mencionado art.º 342.º, n.º 1, dos factos constitutivos do direito alegado, não beneficiando da referida presunção. 5. Para que se pudesse concluir que ocorreu violação do princípio para trabalho igual salário igual, seria necessário que o trabalhador tivesse alegado e demonstrado factos reveladores de uma prestação de trabalho ao serviço do empregador, como chefe de equipa do tratamento, nível 4, que fosse não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho com a mesma categoria profissional, o que não aconteceu.” e em cuja fundamentação está referido o seguinte: “Nas situações em que é alegado violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que sejam invocados quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos na categoria do que se pode considerar fatores de discriminação, não opera a referida presunção, devendo funcionar a regra geral estabelecida no art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, que refere “ àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Sendo esta a situação em que se enquadra o caso concreto dos autos, competia ao A. alegar e provar os factos referentes à natureza, qualidade e quantidade do trabalho que desempenhava, bem como indicar outro ou outros trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, que executassem trabalho da mesma natureza e em qualidade e quantidade igual, de forma que se pudesse concluir que o pagamento de diferentes retribuições não apresentava justificação razoável.”.
Acontece que, compulsados os factos provados, não é possível concluir que o A. logrou fazer a prova supramencionada.
Na verdade, ante os factos provados, não se pode sequer concluir que o trabalho prestado à R. pelo A. teve em algum momento desde a contratação do A. igual quantidade, natureza e qualidade que o trabalho prestado à R. pela Dr.ª D… ou que o trabalho prestado à R. pelo Dr. E… ou que o trabalho prestado à R. pelo Dr. J… ou que o trabalho prestado à R. pela Dr.ª F… ou que o trabalho prestado à R. pela Dr.ª G….
Sendo que, perante os factos provados, apenas se pode inferir que o A. e cada um dos Drs. D…, E…, J…, F… e G… têm a mesma categoria, a saber, técnico superior, e que a retribuição base do A. é inferior à de cada um dos Drs. D…, E…, J…, F… e G….”, (realce, sublinhado e alteração do tamanho e formato de letra nossos).
Como já referido, acompanhamos nesta a fundamentação transcrita.
Em conformidade, não merece reparo a sentença recorrida que julgou improcedentes quer o pedido principal, quer o 1º pedido subsidiário, quer o 2º pedido subsidiário.
Atento um segundo segmento da Apelação, importa saber se o Autor tem direito à retribuição base ilíquida mensal de acordo com o artigo 38º, da Lei nº 64-A/2008, de 31.12, de €1.201,48.
Trata-se agora de analisar o 3º pedido subsidiário.
Concluiu nesta parte, em suma, o Autor que:
- A remuneração de €995,51 foi fixada pela Ré de acordo com a tabela remuneratória legalmente estabelecida para os trabalhadores com vinculo de emprego público pertencentes a categoria homologa (Decreto Regulamento nº 14/2008 de 31 de Julho, Anexo 1 e Portaria nº 1553-C/2008 de 31 de Dezembro ), segundo a 1ª posição remuneratória 1, a que corresponde o nível remuneratório da tabela única 11 e ao montante pecuniário de €995,91.
- No recrutamento de licenciados, a tabela remuneratória da carreira de Técnico superior inicia-se na 2ª posição remuneratória, correspondente ao nível remuneratório 15 e ao montante pecuniário de €1.201,48 (artigo 38° da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro).
- A Constituição da República, concretizando o princípio da igualdade (artigo 13º), confere aos trabalhadores o direito a retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna [artigo 59º, nº1 alínea a)].
-Trata-se de um direito que reveste natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e que goza de proteção jurídica reforçada (artigo 17º). Tal injunção constitucional é diretamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas (artigo 18º).
- Se empregador tiver trabalhadores em regime de emprego público e em regime de contrato de trabalho, não tendo tal fator qualquer influência na quantidade, natureza e qualidade do trabalho, o princípio a trabalho igual salário igual, exige daquele uma atitude de equiparação em matéria retributiva.
- O legislador ordinário consagrou o princípio da igualdade retributiva, tanto no âmbito das relações laborais privadas como no das relações jurídicas de emprego público, (artigo 270º do Código do Trabalho e artigo 144º, nº 2 da LTFP).
- As funções do Autor reconduzem-se às da categoria de Técnico superior.
- Sob pena de violação do principio de que para trabalho igual salário igual, o Autor aquando da sua admissão tinha direito à retribuição ilíquida mensal de €1.201,48.
Por seu turno, concluiu, em suma, a Ré que:
- Recorrente e Recorrido celebraram um Contrato Individual de Trabalho por Tempo Indeterminado, em 31 de maio de 2010, constando do preâmbulo que foi celebrado “Nos termos do disposto no Decreto-lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, de harmonia com o artigo 14º do Regime de Gestão Hospitalar (…)”.
- Os trabalhadores de hospitais com a natureza de Entidade Pública Empresarial, estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo como Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos.
- O contrato de trabalho celebrado com o Recorrente encontra-se sujeito às regras de Direito Privado, sendo regido pelo Código de Trabalho e diplomas conexos.
- O disposto no artigo 38º Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro não se aplicava ao Recorrente, mas sim a todos os trabalhadores que exercem funções públicas.
Nesta parte foi esta a fundamentação da sentença:
“À data de 31.05.2010, dispunha o artº 38º, da Lei nº 64-A/2008, de 31.12, que: “Quando, na sequência de procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de postos de trabalho caracterizados por corresponderem à carreira geral de técnico superior, se torne necessário determinar o posicionamento remuneratório do candidato na categoria, nos termos do artigo 55º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro, a entidade empregadora pública não pode propor a primeira posição remuneratória quando o candidato seja titular de licenciatura ou de grau académico superior a ela.”.
Tal artº fazia menção ao artº 55º, da Lei nº 12-A/2008, de 27.02, a qual, à data de 31.05.2010, por força do nº1, do seu artº 1º, “define e regula os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas” e, por força do nº 2, do seu artº 1º, “define o regime jurídico-funcional aplicável a cada modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público”.
Já o artº 69º, nº 1, da Lei nº 12-A/2008, de 27.02, mencionava, à data de 31.05.2010, que: “A identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias, bem como aos cargos exercidos em comissão de serviço, é efetuada por decreto regulamentar.”.
Sendo que o Decreto Regulamentar nº 14/2008, de 31.07, à data de 31.05.2010, por força do seu artº 1º, “identifica os níveis da tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas correspondentes às posições remuneratórias das categorias das carreiras gerais de técnico superior, de assistente técnico e de assistente operacional.”, resultando do Anexo a tal Decreto Regulamentar que, relativamente à categoria de técnico superior da carreira de técnico superior, a 1ª posição remuneratória corresponde ao nível remuneratório 11 da tabela única e que a 2ª posição remuneratória corresponde ao nível remuneratório 15 da tabela única.
E sendo que resulta da Tabela remuneratória única anexa à Portaria nº 1553-C/2008, de 31.12 (Portaria esta cujo artº 1º dispunha, à data de 31.05.2010, que: “É aprovada a tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas, em anexo à presente portaria, contendo o número de níveis remuneratórios e o montante pecuniário correspondente a cada um.”), que, à data de 31.05.2010, o nível remuneratório 11 correspondia a €995,51 e o nível remuneratório 15 correspondia a €1.201,48.
Acontece que, à data de 31.05.2010, decorria da conjugação do artº 38º, da Lei nº 64-A/2008, de 31.12, com a Lei nº 12-A/2008, de 27.02, que o artº 38º, da Lei nº 64-A/2008, de 31.12, era aplicável apenas aos candidatos a trabalhadores cuja relação jurídica de emprego público se iria constituir por contrato de trabalho em funções públicas.
Acontece, porém, que o A. celebrou com a R. um contrato de trabalho sujeito, desde logo, ao Código do Trabalho e já não um contrato de trabalho em funções públicas.
Assim, entre o A. e a R., constituiu-se uma relação jurídica de trabalho de direito privado e não uma relação jurídica de emprego público.
Donde, o artº 38º, da Lei nº 64-A/2008, de 31.12, não era diretamente aplicável ao A.”, (sublinhado e realce nossos).
Acompanhamos a fundamentação da sentença recorrida, acabada de transcrever.
Com efeito, não se mostrava previsto na Lei nº 64-A/2008, de 31.12., à data de 31.05.2010 – data em que foi celebrado o contrato, a que se reporta o item 4º dos factos provados, entre o Autor e a Ré -, norma que estenda a aplicabilidade do artigo 38º da mesma Lei, concretamente o limite mínimo da retribuição para titular de licenciatura recrutado para a carreira geral de função pública, com a categoria correspondente a de Técnico superior, aos trabalhadores com contrato de trabalho com uma relação jurídica de direito privado e categoria de Técnico superior, celebrados com Entidades Públicas Empresariais, como a Ré (item 1º dos factos provados), não obstante a respetiva natureza pública.
Entendemos assim que dada a forma de vinculação do Autor à Ré e a natureza da relação jurídica subjacente ao mesmo vínculo, o artigo 38º, da Lei nº 64-A/2008, de 31.12, não era diretamente aplicável.
Porém, a derradeira questão a analisar é se, aplicada essa regra a alguns, não seria de aplicar a todos os Técnicos superiores com Contrato Individual de Trabalho por via do principio da igualdade.
Perguntado de outro modo, haverá razão para distinguir entre os trabalhadores com Contrato Individual de Trabalho, logo com vínculo de igual natureza, ou a tal obsta o princípio da igualdade?
Resulta do que acima se expôs que o Autor não invocou que o tratamento desigual por parte da Ré “(…) assente em ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, filiação sindical ou outra categoria subjectiva que comungue de idêntico desvalor ético ou social.
(…)
Assim, não estando em causa a invocação de tratamento discriminatório em sentido próprio, tal como definido e entendido nos arts. 23.º, n.º 1, als. a) e b), 24.º, n.º 1 e 25.º, n.ºs 1 e 5 do Código do Trabalho, mas a violação do princípio do trabalho igual salário igual, cabia aos autores demonstrar, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, os factos constitutivos do direito alegado, (…)”, (Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 17.12.2018 (Relatora Desembargadora Alda Martins, in www.dgsi.pt).
Afigura-se-nos que assim logrou demonstrar o Autor pelo que resulta assente nos itens 4º, 9º, 22º, 23º, 25º, 26º e 28º.
Lê-se ainda naquele último Acórdão citado, “Na verdade, o princípio constitucional da igualdade não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento.
Como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira, «[o] que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça, da praticabilidade e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio.
b) - não se fundamentam em qualquer dos motivos indicados no n.º 2 do art. 13º;
c) - tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo;
d) – se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo.”
(…)
(…) o princípio da igualdade no trabalho, designadamente em matéria de retribuição, faz apelo a uma igualdade material (deve tratar-se de igual modo o que é essencialmente igual e de forma desigual o que é desigual), (…).
(…)».
Em concreto, não se nos afigura existir um critério diferenciador objetivo e atendível relativamente às trabalhadoras com Contrato individual de trabalho, F… e G…, contratadas com a categoria de Técnicos Superiores, para as quais necessariamente se considerou o artigo 38º da Lei nº64-A/2008, de 31.12. já que foram contratadas com a remuneração base ilíquida mensal de €1.201,48 – 2ª posição remuneratória corresponde ao nível remuneratório 15 da Tabela remuneratória única anexa à Portaria nº 1553-C/2008, de 31.12. - e o Autor, também este com Contrato individual de trabalho.
Ou seja, consideramos que a Ré ao contratar com remunerações diversas, trabalhadores com o regime de Contrato individual de trabalho, para a categoria de Técnico Superior considerando o artigo 38º da Lei nº64-A/2008, de 31.12. mas assim não procedendo com o Autor, contratado também no mesmo regime jurídico, violou o princípio da igualdade no trabalho.
Assumiu, assim, a Ré uma prática discriminatória, com um tratamento distinto e desvantajoso para com o Autor relativamente aquelas duas trabalhadoras, todos vinculados por contrato de trabalho de direito privado.
Em conformidade, concluímos no sentido de que o Autor tem direito à retribuição base ilíquida mensal de €1.201,48, de €1.201,48 (montante previsto para a contratação de licenciados para a categoria de Técnico superior, no artigo 38º, da Lei nº 64-A/2008, de 31.12.) por ser esse o montante considerado pela Ré na contratação dos trabalhadores F… e G…, como Técnicos superiores, em regime de contrato individual de trabalho.
Procede, em conformidade, nesta parte, a Apelação.
Impõe-se como tal, considerando a data de início do contrato, condenar a Ré a pagar ao Autor retribuição base ilíquida mensal de acordo com o artigo 38º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, isto é €1.201,48.
Em conformidade, condenar a Ré a pagar ao Autor:
- as diferenças salariais já vencidas desde Junho de 2010 até Novembro de 2017, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, bem como juros de mora à taxa legal anual de 4% vencidos desde a data de vencimento das quantias em causa até efetivo pagamento;
- a pagar ao Autor as diferenças salariais, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, vincendas desde a data de propositura da ação até ao trânsito da decisão, bem como juros de mora à taxa legal anual de 4%, vincendos desde a data de propositura da ação até efetivo pagamento.
Tendo em conta o longo período em causa e, embora desconhecendo-se se tal ocorreu, mas sendo todavia de admitir que possam ter existido períodos em que possa ter havido alguma circunstância determinante de perda de retribuição, designadamente faltas por motivo de doença, nos termos dos artigos 609º, nº2 e 358º, nº2 do CPC, é relegada a liquidação para o respetivo incidente.
a) Confirmar a sentença recorrida, no que respeita à improcedência do pedido principal e do 1º e 2º pedidos subsidiários formulados;
b) Revogar a sentença recorrida, no que respeita ao 3º pedido subsidiário formulado e condenar a Ré a pagar ao Autor retribuição base ilíquida mensal de acordo com o artigo 38º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, isto é €1.201,48.
Em conformidade, condenar a Ré a pagar ao Autor:
- as diferenças salariais já vencidas desde Junho de 2010 até Novembro de 2017, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, bem como juros de mora à taxa legal anual de 4% vencidos desde a data de vencimento das quantias em causa até efetivo pagamento;
- a pagar ao Autor as diferenças salariais, incluindo as relativas a subsídios de férias e de Natal e prémio de assiduidade, vincendas desde a data de propositura da ação até ao trânsito da decisão, bem como juros de mora à taxa legal anual de 4%, vincendos desde a data de propositura da ação até efetivo pagamento.
Nos termos dos artigos 609º, nº2 e 358º, nº2 do CPC, é relegada a liquidação para o respetivo incidente.
Custas relativas à ação e à apelação pelo Autor e pela Ré, na proporção do respetivo decaimento.
Porto, 24 de Setembro de 2020.
Teresa Sá Lopes
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho