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EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
TRÂNSITO EM JULGADO
RECURSO
Sumário
1 - De acordo com o art. 704º nº 1 do C.P.C., a regra é só ser exequível a sentença condenatória transitada em julgado. 2 - Esta regra conhece uma exceção: a sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo. 3 - Antes de apresentar requerimento executivo, a exequente deveria aguardar pelo termo do prazo para a interposição do recurso e, não se verificando o trânsito findo esse prazo por ter sido interposto recurso, deveria aguardar pelo despacho sobre o requerimento de interposição do recurso. 4 - É atendível a exequibilidade da sentença condenatória se, sendo posterior à apresentação do requerimento executivo, é anterior à entrega judicial. 5 - O capítulo onde se integra o art. 626º nº 3 do C.P.C. tem a epígrafe “efeitos da sentença” e, naquela disposição legal, o legislador não distingue decisão transitada em julgado de decisão não transitada em julgada, pelo que, na execução de sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo, não tem a executada de ser citada antes da entrega judicial.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
Nos presentes embargos de executado deduzidos por P… na ação executiva para entrega de coisa certa que lhe move A…, a embargante interpôs recurso do despacho que julgou improcedentes os embargos.
Na alegação de recurso, a recorrente pediu a revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que julgue procedentes as nulidades invocadas, designadamente a inexequibilidade do título à data da propositura da execução e a nulidade de todo o processado por falta de citação prévia da executada e entrega coerciva da loja sem observância das formalidades legais.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
“A - Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso de apelação da sentença proferida no presente apenso de embargos de executado, com a referência 394432590, a qual julgou os embargos de executado improcedentes por entender que os mesmo não se subsumiam à previsão do artigo 729º do CPC para embargos em execução de sentença e com o que a recorrente se não pode conformar.
B - Tem a presente execução como causa de pedir a sentença produzida no processo nº 12191/18.0T8LSB do Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 14, a qual, na parte que interessa à presente execução para entrega de coisa certa, condenou a aqui recorrente a restituir à recorrida, livre e devoluta de pessoas e bens, a loja com entrada pelo nº 334 - A do prédio sito …, em Lisboa.
C - A sentença recorrida dá como provado que a sentença pretensamente dada como título executivo foi proferida a 4 de Março de 2019, e notificada às partes no dia 6 de Março de 2019, citação essa que, de acordo com o artigo 248º do CPC, considerou-se feita a 11 de Março de 2019, porquanto o dia 9 de Março de 2019 correspondeu a um sábado, sendo o primeiro dia útil seguinte, segunda-feira, dia 11, bem como também dá como provado que o requerimento executivo foi apresentado pela aqui recorrida a 14 de Março de 2019.
D - Nos termos do artigo 10º, número 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva, e segundo o artigo 703º do CPC, são títulos executivos as sentenças condenatórias, as quais, de acordo com os artigos 628º e 647º do CPC, só são títulos executivos quando não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação ou quando a apelação tinha efeito meramente devolutivo, declarado pelo tribunal no despacho de admissão de recurso, o que significa que a instância executiva se inicia pela propositura da execução e é no requerimento executivo que a parte tem que definir, quer os fundamentos da execução, quer a exequibilidade do título, elementos que são oponíveis ao exequente desde o momento da propositura da execução e muito embora os efeitos da propositura da execução só a partir da citação sejam oponíveis ao executado - artigos 259º e 260º do CPC.
E - Na presente execução o requerimento executivo, em que a exequente exigia os seus pretensos direitos, deu entrada em juízo a 14/03/2019, ou seja, meros 3 dias após a validade e eficácia da notificação da sentença de 1ª instância, do que resulta que a execução foi interposta quando:
a) Estava no início o prazo de 10 dias para a recorrente requerer qualquer rectificação de erro material, qualquer nulidade ou qualquer reforma de sentença - artigos 614º, 615º e 616 do CPC;
b) Por maioria de razão, ainda mais no início estava o prazo de 30 dias para a aqui recorrente recorrer, como recorreu, da sentença de 1ª instância, e para, no âmbito do recurso, requerer, quer a nulidade da sentença, quer a atribuição ao recurso de efeito suspensivo
F - Sucede que, 3 dias após a notificação da sentença de 1ª instância, era impossível a mesma sentença ter transitado em julgado, ou até ter sido interposto recurso ao qual fosse atribuído efeito suspensivo ou devolutivo, pelo que a execução foi interposta sem a sentença ter transitado em julgado e 27 dias antes do fim do prazo de interposição do recurso e definição do efeito do mesmo.
G - Em consequência, não era a sentença dada à execução, nos termos da instância executiva, um título exequível, uma vez que não tinha sequer transitado em julgado ou sido susceptível de interposição de qualquer recurso, tanto mais que dispõe o artigo 704º, número 1, do CPC que a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeitos meramente devolutivo e determina o artigo 729º do CPC que a oposição a execução baseada em sentença só pode ter como fundamento a inexistência ou a inexequibilidade do título executivo.
H - Foi precisamente a inexequibilidade do título no momento em que a execução foi interposta que fundamentou, e com base legal, a nulidade da execução, que a sentença recorrida, e quanto a esta nulidade em concreto, não só entende que era questão a ser invocada na acção declarativa, o que é um contra-senso porque a questão põe-se só em sede de execução, que foi interposta 3 dias após a notificação da sentença, como considera sanada a nulidade pelo decorrer da tramitação do recurso e lhe ter sido conferido efeito devolutivo, mês e meio após a dedução da execução, a qual, reafirma-se, foi interposta sem título exequível.
I - Cabe distinguir o que constitui o fundamento dos embargos de executado com referência à inexequibilidade do título, de acordo com o artigo 729º do CPC, e as nulidades específicas produzidas na instância executiva e que correspondem ao facto de, nessa instância, terem sido sucessivamente produzidos actos que a lei não admite e omitidos outos actos que a lei prescreve, sendo que, sobre a omissão de actos que a lei prescreve, conta- -se, pela sua importância e significado, a falta expressa de citação da executada, aqui recorrente.
J - Tal como consta da própria petição inicial de oposição, a mesma não foi precedida por qualquer citação feita no processo de execução para entrega de coisa certa e no prazo consignado no artigo 859º do CPC, mas foi deduzida por mero conhecimento que a recorrente teve da pendência da execução para entrega de coisa certa, através de contacto da agente de execução, pelo que, apesar de arguida a nulidade, veio a sentença recorrida, confirmando a falta de citação antes da tomada de posse coerciva da loja, escudar-se no artigo 626º, número 3, do CPC, que diz que na execução de decisão judicial que condene na entrega de coisa certa, feita a entrega é que o executado é notificado para deduzir oposição.
L - Esta norma está integrada no Capítulo III do Título IV sobre os efeitos da sentença transitada em julgado, querendo isto dizer que, numa sentença transitada em julgado, há primeiro a entrega e posteriormente a notificação, o que é o oposto do caso concreto, em que foi interposta execução com base em sentença ainda nem transitada, nem recorrida, havendo que atender-se ao artigo 859º do CPC, integrado no Título IV - Da Execução para Entrega de Coisa Certa, que diz que o executado é citado para, no prazo de 20 dias, fazer a entrega ou opor-se à execução, mediante embargos e daqui se retira o que está estabelecido no artigo 860º do CPC, em que o executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados no artigo 729º do mesmo Código, que foi o que este fez.
M - Não pode a sentença recorrida passar por cima das normas especiais da execução para entrega de coisa certa para validar uma sentença, como se esta tivesse transitado em julgado, porquanto é a citação um acto indispensável, atenta a natureza e objecto deste tipo de execução, e no presente processo, a executada não foi citada por completa omissão do acto de citação e em que a sentença recorrida valida os actos nulos praticados, visando a entrega da coisa antes da concretização da citação – artigos 187º e 188º do CPC.
N - Em consequência, acabou a loja objecto da presente execução por ser entregue coercivamente, em 15/11/2019, após a admissão dos embargos à presente execução, sem citação da executada, na pendência de recurso interposto da sentença dada à execução e com violação dos artigos 861º e 704º, número 3, ambos do CPC, sendo estas as nulidades da instância executiva.
O - Quanto à inexequibilidade do título executivo, mantém a recorrente que a presente execução deu entrada em juízo a 14/03/2019, como é provado na sentença recorrida, 3 meros dias após a notificação da sentença de 1ª instância e quando a sentença dada como título à execução não era exequível, como agora ainda não é, pois ainda não esta fixado pelo Tribunal da Relação de Lisboa o efeito final do recurso interposto, constituindo todas estas nulidades também uma efectiva violação dos artigos 20º e 62º da CRP.
P - Assim:
a) Em termos das nulidades e da inexequibilidade do título executivo, violou a sentença recorrida os artigos 10º, número 5, 248º, 259º, 260º, 614º, 615º, 616º, 626º, número 3, 628º, 647º, 703º, 729º, 859º, 860º e 861º, todos do CPC.
b) Sobre as nulidades da própria execução, violou a sentença recorrida os artigos 187º, 188º, 228º, 628º, 652º, número 1, alínea a), 704º, números 1 e 3, 859º, 860º, 861º, número 3, todos do CPC, bem como os artigos 20 e 62º da CRP.”
A recorrida respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
“a) Atento o disposto no art. 629.º, n.º 3, do CPC, aplicável a qualquer sentença que tenha força executiva (como aquela que serve de base à presente execução), a possibilidade que é facultada ao executado para deduzir embargos ocorre em momento coincidente com aquele em que se procede à entrega judicialmente ordenada;
b) À luz do art. 704.º, n.º 1, do CPC, tendo sido atribuído ao recurso efeito meramente devolutivo, inexiste base legal para sustar a execução ou suspender os seus termos, estando, assim, a sentença dotada de exequibilidade plena;
c) A sentença recorrida decidiu, assim, sem violar qualquer norma legal aplicável ao caso.”
São as seguintes as questões a decidir:
- da inexequibilidade da sentença que serve de base à execução; e
- da falta de citação.
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No despacho recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:
“1. Na ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, que corre termos sob o n.º 12191/18.0T8LSB no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 14, em que é autora A… (aqui exequente/ embargada) e ré P… (aqui executada/ embargante), foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e, em consequência, reconheceu a autora como proprietária da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao Rés-do-chão do prédio urbano sito …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …; condenou a ré a restituir à autora, livre e devoluto de pessoas e bens, a loja com entrada pelo nº 334-A do referido prédio; condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 1.500,00 mensais, correspondente ao valor locativo da “loja”, desde a citação até à entrega efetiva do imóvel, absolvendo-a do mais peticionado.
2. A sentença referida em 1. foi proferida no dia 4 de março de 2019.
3. A sentença referida em 1. foi notificada às partes no dia 6 de março de 2019.
4. O requerimento executivo foi apresentado no processo referido em 1. no dia 14 de março de 2019, tendo o mesmo sido remetido eletronicamente a este Juízo de Execução de Lisboa, para distribuição, no dia 20 de março de 2019.
5. A ré (aqui executada/ embargante) interpôs recurso de apelação da sentença referida em 1. para o Tribunal da Relação de Lisboa no dia 12 de abril de 2019, requerendo a atribuição do efeito suspensivo ao recurso.
6. O recurso referido em 4. foi admitido por despacho de 30 de abril de 2019, com efeito meramente devolutivo.
7. Nos autos de execução a que coube o n.º 5993/19.1T8LSB, aos quais os presentes se encontram apensos, em que é exequente A… e executada P…, ora embargante, vem apresentado como título executivo, a sentença referida em 1.”
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Conforme resulta do disposto no art. 729º al. a) do C.P.C., aplicável por força do art. 860º nº 1 do C.P.C., a inexistência ou inexequibilidade do título é um dos fundamentos de oposição à execução para entrega de coisa certa baseada em sentença.
Por força do art. 703º nº 1 al. a) do C.P.C., a sentença condenatória pode servir de base à execução.
O art. 704º do C.P.C., com a epígrafe “requisitos da exequibilidade da sentença”, dispõe, no seu nº 1, o seguinte: “a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo”.
A regra é só ser exequível a sentença condenatória transitada em jugado.
Esta regra conhece uma exceção: a sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo.
Nos termos do art. 628º do C.P.C., “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
Conforme resulta da matéria de facto provada, o requerimento executivo foi apresentado a 14 de março de 2019, ou seja, quando ainda estava a correr o prazo para a interposição do recurso e, portanto, quando a sentença condenatória ainda não era exequível.
A exequente deveria ter aguardado pelo termo do prazo para a interposição do recurso e, não se verificando o trânsito findo esse prazo por ter sido interposto recurso, deveria ter aguardado pelo despacho sobre o requerimento de interposição do recurso (neste mesmo sentido, www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de outubro de 2019, processo 20069/17.8T8LSB-A.L1-4).
A 30 de abril de 2019, a 1ª instância admitiu o recurso com efeito meramente devolutivo.
É certo que resulta do disposto no art. 645º nº 1 do C.P.C. que “a decisão que admita o recurso… e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior”, mas certo é também que, nos termos do art. 654º nº 3 do C.P.C., decidindo a Relação “que à apelação, recebida no efeito meramente devolutivo, deve atribuir-se efeito suspensivo é expedido ofício, se o apelante o requerer, para ser suspensa a execução”.
Assim, a sentença condenatória tornou-se exequível a 30 de abril de 2019.
Nos termos do art. 85º nº 2 do C.P.C., “quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham”.
O requerimento executivo não tem de ser apresentado com certidão judicial da sentença condenatória com nota de trânsito ou, não tendo a sentença transitada, com cópia do despacho que fixou o efeito meramente devolutivo ao recurso.
É o funcionário judicial que tem de remeter ao juízo de execução o título executivo, bastando-se a lei com o envio de cópia da sentença.
Assim, se é certo que, nos termos do art. 10º nº 5 do C.P.C., “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”, certo é também que, na execução de sentença condenatória, o juiz de execução não pode aferir, pela cópia da sentença, a exequibilidade ou não da sentença.
Os presentes embargos foram deduzidos a 24 de outubro de 2019 e, nas alegações de recurso, a embargante refere que a entrega da loja foi feita a 15 de novembro de 2019. Nestas datas, já a sentença condenatória era exequível.
Não há, pois, motivo para não atender à exequibilidade superveniente da sentença condenatória.
Nos termos do art. 859º do C.P.C., “na execução para entrega de coisa certa, o executado é citado para, no prazo de 20 dias, fazer a entrega ou opor-se à execução mediante embargos”.
Contudo, resulta do disposto no art. 626º nº 3 do C.P.C., que, “na execução de decisão judicial que condene na entrega de coisa certa, feita a entrega, o executado é notificado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 860º e seguintes”.
O capítulo onde se integra esta disposição legal tem a epígrafe “efeitos da sentença” e, nela, o legislador não distingue decisão transitada em julgado de decisão não transitada em julgado, pelo que não deve o intérprete distinguir.
Assim, não tinha a executada de ser citada antes da entrega da loja.
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
Lisboa, 1 de outubro de 2020
Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida