LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
AVALISTA
JUROS
PRESCRIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Sumário


I. O aval reconduz-se a uma relação de garantia que está na base do art. 32º, da LULL, onde se estipula que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.
II. Assim, através do aval aposto em livrança entregue em branco, para garantia do pagamento de todas quantias contratualmente assumidas pela sociedade mutuária perante o Banco mutuante, está o avalista vinculado ao pagamento dessas mesmas quantias (capital, juros e despesas ou encargos contratualmente previstos) resultantes do incumprimento da sociedade mutuária, com referência à data do vencimento da mesma livrança.
III. Até à data de vencimento aposta na livrança em branco, são devidos, por via do negócio jurídico subjacente (designadamente contrato de mútuo ou de concessão de crédito) as taxas de juro contratualmente estabelecidas.
IV. A partir de tal data de vencimento, tudo se passa e passará no restrito campo da obrigação cambiária, sendo, pois, apenas devidos juros de mora à taxa legal em vigor sobre o montante constante do respetivo título (arts. 4º, do D.L. n.º 262/83, de 16.06, art. 559º, n.º 1, do C. Civil e Assento n.º 4/92, de 13.07).
V. Sendo a livrança entregue como garantia do cumprimento de obrigações estabelecidas em contrato de empréstimo e no pacto de preenchimento o seu preenchimento é autorizado em qualquer momento – impondo-se apenas como requisito a verificação do incumprimento – não configura qualquer atuação de má fé ou abuso de direito o seu não preenchimento, pelo portador beneficiário, logo que verificado tal incumprimento ou, no caso de preenchimento posterior, fazer incluir no valor aposto na mesma, para além do capital em dívida, os juros de mora vencidos após o incumprimento até à data de vencimento da livrança, acrescidos das penalizações contratualmente estabelecidas.
VI. O prazo de prescrição de três anos da livrança (art. 70º, §1, ex vi do art. 77º, da LULL), entregue com data de vencimento em branco, apenas se inicia desde a data de vencimento inscrita na livrança pelo portador.
VII. Tal interpretação não viola qualquer princípio constitucional, designadamente da segurança jurídica, proteção da confiança, proporcionalidade e igualdade.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Por apenso à ação executiva, para pagamento de quantia certa, proposta pelo Banco..., S.A., vieram os executados M. A. e P. J. deduzir os presentes embargos de executado, peticionando, a final, que:

a) Seja o título dado á execução considerado nulo, por ter sido preenchido abusivamente e em violação do pacto de preenchimento estabelecido entre a embargante e o embargado;
b) Seja declarada prescrita a obrigação cambiária pelo decurso de mais de três anos sobre o vencimento da obrigação;
c) Serem declarados inexigíveis os juros de mora calculados e incluídos na livrança dada á execução;

Alternativamente
d) Sejam julgadas inexistentes a cláusulas 19 e 33 do contrato subjacente á entrega da livrança dada á execução, por violação das regras impostas pelo DL. 446/85, declarando-se a nulidade do título dado á execução por violação do pacto de preenchimento estabelecido entre a embargante e o embargado.

Subsidiariamente,
e) Seja julgado que o embargado agiu em abuso do direito, contra os ditames da boa-fé contratual e da segurança jurídica, declarando nulo o título dado à execução.


Alegam, em síntese: [i] a nulidade e inexequibilidade do título, por violação do pacto de preenchimento (abuso no preenchimento do título cambiário); [ii] a prescrição da obrigação cambiária; [iii] a nulidade das cláusulas contratuais gerais 19 e 33 inseridas no contrato subjacente à emissão da livrança; [iv] e o abuso de direito.

O embargado/exequente Banco..., S.A. apresentou contestação, afirmando que a livrança oferecida à execução, no valor de € 41.121,40, e vencida em 3 de Novembro de 2017, foi subscrita pela sociedade insolvente X – Indústria Alimentar, Lda. e avalizada, entre outros, pelos embargantes M. A. e P. J., tendo sido entregue para garantia do pagamento das responsabilidades que viessem a resultar para aquela sociedade em virtude do contrato de financiamento, celebrado em 17.04.2008, entre o Banco embargado e a X, pelo qual o primeiro emprestou à segunda o montante de € 25.000,00.
Prossegue, alegando que tanto a subscritora, como os avalistas, mormente os aqui embargantes, aceitaram o acordo de preenchimento, constante da cláusula 12 das condições particulares e da cláusula 19 das condições gerais do contrato, e declararam avalizar a livrança nos seus precisos termos.
Mais aduz que a sociedade mutuária não procedeu ao pagamento das amortizações e dos juros das prestações, conforme se obrigou no âmbito do supra aludido contrato de financiamento, encontrando-se em incumprimento perante o e Banco exequente, desde Janeiro de 2013, do montante de capital de € 24.450,00, acrescido dos juros e demais encargos.
Acrescenta que, no dia 13.12.2013, foi proferida sentença de declaração de insolvência da mutuária X, cujo processo encerrou em 16.06.2015, sem que o exequente tenha sido ressarcido de qualquer quantia; por isso, por cartas datadas de 12.10.2017, o embargado comunicou à mutuária, na qualidade de subscritora, e aos restantes executados, na qualidade de avalistas, o preenchimento da referida livrança pelo montante de € 41.121,40, correspondente ao capital em dívida no valor de € 24.450,00, aos juros devidos desde 03-01-2013, e respetivo imposto de selo, no montante de € 16.466,82 e ao imposto de selo relativo ao preenchimento da livrança, no montante de € 204,58, e, ao mesmo tempo, interpelou-os para o pagamento do aludido montante em dívida.
Conclui o Banco embargado pela validade da cláusula 19 do contrato correspondente ao pacto de preenchimento da livrança, alegando que comunicou e informou os outorgantes das consequências em geral advenientes para si do incumprimento do contrato de financiamento.
Defende, igualmente que a livrança não se mostra prescrita, atenta a data do seu vencimento, e que não atuou com abuso de direito.
Finaliza, pugnando pela improcedência dos presentes embargos de executado.

Realizou-se a audiência prévia, nela tendo sido verificada a regularidade e a validade da instância, identificando-se ainda o objeto do litígio e enunciando-se os temas da prova.
Procedeu-se à realização da audiência final.

Na sequência, por sentença de 6 de Fevereiro de 2020, veio a julgar-se totalmente improcedentes a presente oposição à execução por embargos e, em consequência, determinou-se o normal prosseguimento da instância executiva.

Inconformados com o assim decidido, vieram os embargantes/executados interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes
CONCLUSÕES

A. Os aqui recorrentes, salvo o devido respeito, entendem que a decisão proferida sobre algumas das questões colocadas em sede de embargos} efetua uma errónea aplicação do direito aos factos invocados, estando ainda a mesma ferida de omissão de pronúncia sobre matéria que se impunha conhecer.

Da omissão de pronúncia

B. O tribunal a quo, atenta a matéria dada como provada e não provada, ficou munido da matéria de facto que lhe permitiria pronunciar-se sobre a questão colocada, quanto á exigibilidade dos juros de mora incluídos no valor da dívida feito constar da livrança dada à execução, porém, o certo é que, não se vislumbra na douta sentença, pronúncia sobre tal questão, pelo que, esta encontra-se ferida de tal vício de omissão de pronúncia, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.

Sem prescindir,

C. Defende-se aqui, a inexigibilidade dos juros de mora e outros encargos inseridos no título e calculados, sobre o capital, desde momento anterior à citação dos aqui recorrentes no âmbito do processo executivo interposto.
D. A posição dos embargantes sobre tal questão vai no sentido do douto Acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 19/06/2018 proferido no âmbito do processo 1418/14.7TBPVZ -A.P.S11 033/10.4TBLSO-A.P2.,1ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. que defende ser aplicável às livranças em branco o disposto no art. 38-I, nos termos do art. 77º da LULL, pelo que o portador das mesmas, deveria apresenta-las a pagamento no dia em que elas eram pagáveis.
E. Mais se salientado no mesmo que, no caso das livranças em branco, não pode existir mora do devedor, se as mesmas não forem apresentadas a pagamento, porquanto, a mora depende sempre de culpa.
F. Considerando a matéria julgada provada e não provada que contende diretamente com a questão aqui em apreço, e supra identificada, é certo que, assistirá razão aos embargantes, quando os mesmos alegam não lhe ser exigível o pagamento dos juros que se venceram após o vencimento da obrigação.
G. Ainda que, doutamente se considere que o embargado, portador da livrança, se encontra legitimado para a preencher, nos termos que lhe aprouver, não se concebe que o possa fazer, apondo-lhe um montante, que resulte da soma de juros e penalidades de diversa índole, efetuados no pressuposto de um incumprimento que permaneceu no tempo, quando, de facto, essa situação de incumprimento da obrigação, não chegou ao conhecimento dos devedores.

Quanto à questão do preenchimento abusivo,

H. Os embargantes, defendem o sentido em que devem ser interpretadas as cláusulas que se inserem no pacto de preenchimento, mormente, que as cláusulas em causa, devem ser entendidas no sentido de imporem ao embargado a obrigação de proceder ao preenchimento imediato do titulo, e logo que se mostre vencida a obrigação.
I. Atenta a interpretação das cláusulas constantes do pacto de preenchimento nos termos invocados não é aceitável que, das mesmas se retire que o embargado, com base nas mesmas, está legitimado a preencher a livrança, nos termos em que este efetivamente a preencheu.
J. O preenchimento da livrança, apondo, na mesma, montantes pecuniários inexigíveis, porque extravasam o montante da obrigação vencida, (atenta a falta de comunicação do seu vencimento) colide com o paradigma da atuação de boa-fé. Consequentemente, há um abuso no preenchimento das livranças, atento o valor nas mesmas aposto, porquanto é o mesmo, em parte, inexigível.

Da questão da prescrição do título

K. E quanto à questão da prescrição do título dado à execução, atenta a matéria de facto dada como provada resulta suficientemente claro que a obrigação avalizada pelos aqui recorrentes/embargantes venceu-se em janeiro de 2013, (item 10. dos factos provados), pelo que, o embargado ao preencher a livrança, em Outubro de 2017, deixou decorrer cerca de quatro anos e 9 meses após o vencimento da obrigação.
L. Sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, não se concebe que o início do cômputo do prazo prescricional, (estando em causa uma livrança em branco), apenas seja passível de se iniciar após a data de vencimento aposta no título, porquanto, tal, na prática, permite ao portador de tal livrança ficar isento cumprimento das regras prescricionais aplicadas aos títulos de crédito.
M. Inexistindo, pela natureza da obrigação contratada, a possibilidade de definir um prazo certo, entende-se serem as regras prescricionais previstas para os títulos de crédito que deverão ser aplicadas na definição do que será o prazo razoável para que tal preenchimento ocorra, ou seja, o referido prazo de três anos, após a data em que o credor considera que a respetiva obrigação se encontra vencida, e é exigível.
N. Não se encontrando, pois, qualquer fundamento válido para que fique na exclusiva esfera jurídica do credor a possibilidade de lançar mão do titulo executivo, quando bem entenda, nem sequer se concebe que a definição de tal prazo fique na livre apreciação do julgador, sob pena da insegurança jurídica que tal transmite, porquanto, como se vem constatando, na mais diversa jurisprudência, inexiste qualquer unidade de pensamento, sobre o prazo que se entende ser razoável, para que ocorra o preenchimento da livrança, após o vencimento da obrigação, e desde quando o mesmo deixa de o ser.
O. Não se concebe aceitável que seja conferido ao embargado o direito de proceder a tal preenchimento do título, quase cinco anos após o vencimento da obrigação. Aliás,
P. tal interpretação legal, salvo mais douta opinião, colide frontalmente com os ditames da Constituição da República Portuguesa, mormente os princípios, da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, e dos princípios da proporcionalidade e igualdade dos cidadãos, estes interpretados no sentido de que, no caso concreto, os avalistas não fiquem numa posição de total dependência, da vontade e livre arbítrio do portador da livrança em branco, (no caso uma entidade bancária), bem com, e ainda, insista-se, na violação do principio da boa-fé. O que aqui se deixa expressamente invocado.

Termina, concluindo pela nulidade da sentença recorrida, pelo vício de omissão de pronúncia, bem como e ainda, padece de errónea aplicação do direito, violando, mormente o disposto nos arts. 805º e segs. do Código Civil, bem como os arts. 5º e segs. do DL n.º 446/85, e art 70º da Lei Unitária Relativa a Letras e Livranças, pelo que, se impõe a respetiva revogação, proferindo-se acórdão conforme a motivação de recurso aqui invocada pelos embargantes.

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O Banco embargado apresentou contra-alegações, tendo concluído pela improcedência da apelação apresentada, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
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Em face da alegada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, foi proferido despacho, em 20.04.2020, em que se decidiu suprir a nulidade suscitada, nele se podendo ler na sua parte final:
(…) Nestes termos, impõe-se reformular o dispositivo da sentença proferida nos autos, nos seguintes moldes:

«IV. DECISÃO
Nestes termos, julga-se a presente oposição à execução por embargos deduzida pelos Embargantes/Executados M. A. e P. J. parcialmente procedente e, em consequência:

a) Absolvo os Embargantes/ Executado(a)(s) do valor peticionado a título de juros de mora vencidos entre o dia 03 de Novembro de 2017 e a data da citação de cada um dos Executados;
b) Ordeno, no mais o normal prosseguimento da instância executiva.
c) Condeno os Embargantes e Embargado nas custas, na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do direito da protecção jurídica de que (eventualmente) beneficiem.
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Considera-se este despacho como complemento e parte integrante da sentença proferida em 07.01.2020, ficando o recurso interposto a ter como objecto esta decisão também – cfr. artigo 617.º, n.º 2, do C.P.C.
Antes do mais, notifique os recorrentes para, no prazo de 10 dias, informarem se desistem dos recursos interpostos, alargarem ou restringirem o seu âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pelo presente despacho – cfr. artigo 617º, n.º 3, do C.P.C.
*
Os recorrentes vieram pronunciar-se, nos seguintes termos:

Considerando que a decisão ora proferida por este Tribunal, que supre a omissão de pronúncia invocada, declaram os aqui recorrentes que restringem o âmbito do respetivo recurso às demais questões suscitadas em sede de alegações de recurso.
- Neste sentido, concluem que não obstante o provimento parcial do seu pedido, com o devido respeito, os recorrentes mantêm a respectiva pretensão de recurso, por entenderem, (para além do mais, e quanto à questão dos juros de mora), que os mesmos apenas deverão ser contabilizados desde a citação para a execução, e também apenas sobre o capital em dívida, e não sobre o valor inscrito na livrança, porquanto no valor inscrito nesse título encontra-se englobados, juros de mora e outras penalizações, não exigíveis aos embargantes.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre, desde já, afirmar que o invocado vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mostra-se suprido, mediante o despacho proferido pelo tribunal a quo, em 20.04.2020; constituindo tal despacho complemento e parte integrante da sentença recorrida (art. 617º, n.º 2, do C. P. Civil).

Assim, as questões decidendas traduzem-se essencialmente nas seguintes:

- Saber se só são exigíveis juros de mora desde a citação dos embargantes para a execução e somente sobre o capital em dívida e não sobre o valor inscrito na livrança, porquanto no valor inscrito nesse título encontram-se englobados juros de mora e outras penalizações não exigíveis aos embargantes.
- Saber se houve preenchimento abusivo do título executivo.
- Saber se ocorre prescrição do título executivo.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:

1. Banco..., S.A. intentou, em 24 de Novembro de 2017, contra os Embargantes M. A. e P. J. e outros, a execução de que os presentes autos são apenso, para pagamento da quantia de € 41 216,44 (Quarenta e Um Mil Duzentos e Dezasseis Euros e Quarenta e Quatro Cêntimos) – cfr. requerimento executivo junto aos autos principais.
2. Fundou a execução no facto de ser legítimo portador, de um escrito, denominado «livrança», subscrita pela sociedade «X – Indústria Alimentar, Lda.» e avalizada à subscritora pelos Executados M. B., J. M., M. C., A. N., P. J. E M. A., no valor de Eur. 41.121,40 (quarenta e um mil cento e vinte e um euros e quarenta cêntimos) e vencida em 03 de Novembro de 2017.
3. Em 17 de Abril de 2008, o Banco …, S.A. (ora Banco..., S.A.), no exercício da sua atividade creditícia, concedeu à sociedade “X – Indústria Alimentar, Lda.” um empréstimo, a que foi atribuído o número .../08, no montante de Eur. 25.000,00.
4. Para garantia do bom pagamento de qualquer das responsabilidades que resultassem ou viessem a resultar para a mutuária do incumprimento do citado contrato de financiamento, a “X – Indústria Alimentar, Lda.” entregou ao Embargado a livrança oferecida à execução, subscrita pela mesma sociedade, e avalizada à subscritora pelos Executados nos autos principais, designadamente pelos aqui Embargantes M. A. e P. J..
5. A livrança oferecida à execução foi entregue ao exequente parcialmente em branco, mormente quanto às datas de emissão e vencimento, bem como quanto ao valor.
6. Consta da cláusula 19ª das condições gerais do contrato de financiamento referido em 3., o seguinte:
«19. Livrança
§1. O Banco ... poderá accionar ou descontar a livrança que lhe é entregue pelo Cliente no caso de incumprimento das obrigações assumidas no Contrato.
§2. O Banco ... fica autorizado pelo Cliente e pelo(s) avalista(s), caso exista(m), a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o Cliente lhe deva ao abrigo do Contrato.»
7. O contrato de crédito referido em foi assinado pelos ora Embargantes, na qualidade de prestadores de garantia.
8. A cláusula 33ª das condições gerais do contrato de financiamento referido em 3., tem o seguinte teor:
«33. Direitos do Banco ... em caso de vencimento antecipado
§1. A qualquer momento, após a ocorrência de uma situação de vencimento antecipado, o Banco ... poderá exercer todos ou qualquer um dos direitos e/ou acções seguintes, disso notificando o Cliente e/ou o Prestador de Garantia:
a) Cancelar o Crédito não utilizado.
b) Declarar imediatamente vencidas todas as obrigações assumidas pelo Cliente no Contrato, exigindo o pagamento imediato da totalidade de todos os montantes devidos ao seu abrigo.
c) Proceder à Imediata execução de todas ou parte das garantias.
§2. As notificações referidas no número anterior fazem-se por carta registada com aviso de recepção enviada para o domicílio do Cliente e do Prestador de Garantia.
§3. O vencimento antecipado das obrigações do Cliente produz afeitos no terceiro dia posterior ao envio da carta nos termos do número anterior, tendo o Cliente o prazo de cinco Dias Úteis para proceder ao pagamento das quantias nele referidas.
§4. O Banco ... apenas pode proceder à execução de todas ou parte das garantias prestadas em caso de incumprimento pelo Cliente da obrigação de proceder ao pagamento de todas as quantias em dívida no prazo referido no número anterior.»
9. As referidas cláusulas 19ª e 33ª, foram elaboradas pelo Embargado, por este redigidas mecanograficamente e apresentadas aos demais outorgantes, sem que estes, e os aqui embargantes em particular, participassem por qualquer forma na respetiva elaboração ou pudessem propor qualquer alteração.
10. A Mutuária “X – Indústria Alimentar, Lda.” não procedeu ao pagamento das amortizações e dos juros das prestações conforme se obrigou no âmbito do supra aludido contrato de financiamento, encontrando-se em incumprimento perante o Banco Contestante, desde Janeiro de 2013, do montante de capital de Eur. 24.450,00 acrescido dos juros e demais encargos.
11. Por carta datada de 20 de Junho de 2013, o Embargado comunicou à mutuária “X – Indústria Alimentar, Lda.” que considerava vencido o contrato de financiamento, nos termos da cláusula 32ª “Vencimento antecipado”, a), das suas Condições Gerais, ou seja, por força do incumprimento pela sociedade Mutuária do pagamento das amortizações e juros das prestações do Contrato. 12. Na mesma data, o Banco Contestante enviou cópia da citada carta aos prestadores da garantia do aval, designadamente aos aqui Embargantes.
13. A sociedade Mutuária respondeu ao Banco através de carta datada de 27-06-2013, com o seguinte teor:
«C/CC.
M. B.
J. M.
M. C.
A. N.
P. J.
M. A.

27/06/2013 Registada C/AR
V/Ref.: Vencimento antecipado de contrato de financiamento .../08, disponibilizado em conta n.º 0005 2529 2249
Exmos. Senhores,
Acusamos a recepção da v/ carta, sem data, na qual anunciam o vencimento antecipado das obrigações desta sociedade com fundamento no incumprimento da cláusula 32, alínea a).
A referida cláusula prevê que, é passível de ser considerada como fundamento de vencimento antecipado das obrigações, a mora ou incumprimento definitivo por parte do cliente.
A verdade é que, não obstante invocarem a dita cláusula como fundamento de resolução, não concretizam qualquer facto que possa integrar a dita mora ou incumprimento, pelo que a resolução é absolutamente ineficaz em virtude de não se mostrar justificada e fundamentada em moldes que permitam à aqui signatária colocar em causa o dito incumprimento.
A verdade é que, contrariamente ao alegado, a X não se encontra em situação de incumprimento perante o v/ Banco.
É certo que o saldo da conta DO da aqui signatária, desde 27/03/2013, que se mostra penhorada pela Segurança Social, contudo tal facto não é impedimento para a n/ sociedade cumprir escrupulosamente o contrato celebrado com o Banco ....
Tanto assim é que, logo que tomamos conhecimento de tal facto, prontamente, dirigimo-nos às v/ instalações por forma a procedermos ao pagamento dos juros trimestrais devidos, desde logo porque apenas se mostra penhorado o saldo da conta bancária, o que, por lei, nos permite movimentar tal conta quanto ao valor excedente não penhorado.
Não obstante nos termos disponibilizado para depositarmos na conta DO o valor devido a título de juros, para, em alternativa, abrirmos nova conta DO através da qual pudesse ser feito tal pagamento, ou ainda, em alternativa, para proceder ao pagamento através de transferência bancária ou outro modo que fosse da v/ conveniência, a verdade é que o Banco ... recusou todas e quaisquer formas de recebimento da quantia devida a título de juros.
Todas as possibilidades de cumprimento foram absolutamente recusadas pelo Banco .... Assim, a única obrigação hoje exigível à X é o pagamento dos juros, no valor que não excede 700 €, obrigação que V. Exas. recusaram que fosse cumprida.
Assim, face ao exposto, solicitamos nos informem o NIB para qual devemos proceder à transferência do valor corresponde aos juros, na certeza, porém, que a resolução por vós operada é absolutamente inválida e ineficaz.»
14. A sociedade “X – Indústria Alimentar, Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 13.12.2013, no âmbito do Proc. 744/13.6TBBRG, do extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, onde Embargado reclamou créditos, tendo o respetivo processo de insolvência sido declarado encerrado por insuficiência da massa em Junho de 2015.
15. Por cartas datadas de 12 de Outubro de 2017, o Banco Contestante comunicou à Mutuária, na qualidade de subscritora, e aos restantes Executados, na qualidade de avalistas, designadamente aos aqui Embargantes, o preenchimento da referida livrança que tinha sido entregue ao Banco Contestante para garantia e segurança das obrigações decorrentes do citado Contrato, pelo montante de € 41.121,40, correspondente ao capital em dívida no valor de € 24.450,00, aos juros devidos desde 03-01-2013, e respetivo imposto de selo, no montante de € 16.466,82 e ao imposto de selo relativo ao preenchimento da livrança, no montante de € 204,58, e, ao mesmo tempo, interpelou-os para o pagamento do aludido montante em dívida.
16. Os Embargantes M. A. e P. J. foram citados para os termos da execução de que estes autos são apenso, respetivamente, em 18.01.2018 e 02.03.2018.
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FACTOS NÃO PROVADOS

Por sua vez, o tribunal a quo considerou que não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente:

· que os Embargantes houvessem recebido a carta referida em 12 dos factos provados e que tivessem tido conhecimento do vencimento antecipado do contrato;
· que a Mutuária houvesse dado conhecimento aos ora Embargantes da carta de resposta que enviou ao Embargado e referida em 13 dos factos provados;
· que o Exequente houvesse explicado aos aqui Embargantes, o conteúdo do contrato de financiamento, informando-os das consequências em geral para si advenientes do incumprimento do contrato de financiamento, tendo-lhes conferido a efetiva e real possibilidade de lerem e analisarem o contrato de financiamento e de pedirem os esclarecimentos que entendessem necessários para a exata compreensão do contrato em apreço.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Dos juros de mora

Conforme resulta do despacho proferido a 20.04.2020, o tribunal a quo decidiu absolver os embargantes do valor exequendo peticionado pelo Banco exequente, a título de juros de mora vencidos entre o dia 03.11.2017 e a data da citação de cada um dos executados.
Não obstante, os embargantes recorrentes continuam a pugnar que só são exigíveis juros de mora desde a sua citação para a execução principal apensa, sendo certo que os mesmos apenas poderão incidir sobre o capital em dívida e não sobre o valor inscrito na livrança, porquanto no valor inscrito nesse título encontram-se englobados juros de mora e outras penalizações, não exigíveis aos embargantes.
Vejamos então.

Neste conspecto, afigura-se-nos que o tribunal recorrido cuidou de subsumir conveniente a factualidade apurada em relação ao direito aplicável, tanto quanto é certo que os embargantes-executados são avalistas da livrança exequenda.
Na verdade, tal como consta do dito despacho de 20.04.2020 – e já constava da sentença recorrida – temos como suficientemente assente que para garantia do bom pagamento de quaisquer responsabilidades que resultassem ou viessem a resultar para a mutuária do incumprimento do configurado contrato de financiamento, a X – Indústria Alimentar, Lda. entregou ao Banco embargado a livrança dada à execução, subscrita pela mesma sociedade, e avalizada à subscritora pelos executados nos autos principais, designadamente pelos aqui embargantes M. A. e P. J. (cfr. facto provado n.º 4).
Tal livrança foi entregue ao Banco exequente parcialmente branco, mormente quanto às datas de emissão e vencimento, bem como quanto ao valor (cfr. facto provado n.º 5).
Conforme decorre da cláusula 19, do aludido contrato de financiamento o Banco exequente poderia acionar ou descontar a livrança entregue pela sociedade mutuária, no caso de incumprimento das obrigações assumidas no contrato; ficando o Banco mutuante autorizado, pela sociedade mutuária subscritora e pelos avalistas, a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que a sociedade mutuária lhe deva ao abrigo do mesmo contrato (cfr. facto provado n.º 6).
Mais, temos como demonstrado que a dita sociedade mutuária não procedeu ao pagamento das amortizações e dos juros das prestações, conforme se obrigou no âmbito do aludido contrato de financiamento, encontrando-se em incumprimento perante o Banco embargado, desde Janeiro de 2013, do montante de capital de € 24.450,00, acrescido dos juros e demais encargos (cfr. facto provado n.º 10).
Assim, por carta data de 20.06.2013, o Banco embargado comunicou à sociedade “X – Indústria Alimentar, Lda.” que considerava vencido o contrato de financiamento, nos termos da cláusula 32Vencimento antecipado”, al. a), das suas Condições Gerais, mais concretamente por força do incumprimento pela sociedade mutuária do pagamento das amortizações e juros das prestações do contrato (cfr. facto provado n.º 11).
Na sequência, o Banco embargado preencheu a livrança exequenda, nela incluindo não apenas o capital em dívida, mas também os juros de mora vencidos até à data do vencimento da livrança, de acordo com a taxa contratual acordada, e demais despesas ou encargos, conforme o estipulado no contrato (cfr. facto provado n.º 15).
Daqui se conclui que o Banco exequente preencheu tal livrança, ao abrigo do respetivo acordo de preenchimento, subjacente ao dito contrato de financiamento, não ocorrendo qualquer violação do mesmo, mormente no que se refere ao valor dos juros de mora vencidos e demais despesas ou encargos.
Assim, por via do aval à subscritora aposto na livrança exequenda pelos embargantes recorrentes, para garantia do pagamento daquelas quantias contratualmente assumidas pela sociedade mutuária perante o Banco mutuante, estão igualmente os embargantes avalistas vinculados ao pagamento dos apurados juros de mora vencidos e demais encargos ou despesas imputados no valor da livrança exequenda, com referência à data do vencimento da mesma.
Na verdade, conforme é pacífico o aval reconduz-se a uma relação de garantia que está na base do art. 32º, da LULL, onde se estipula que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. (1)
Por outro lado, conforme decorre do pacto de preenchimento em apreço, o Banco embargado não estava obrigado a comunicar aos avalistas embargantes o incumprimento da sociedade devedora mutuária e a interpelar (extrajudicialmente) os avalistas para efetuarem o cumprimento da obrigação daquela devedora, antes do preenchimento da livrança.
Como é consabido, e veio a ser defendido no despacho complementar da sentença recorrida, tal falta de interpelação apenas assume relevância para efeitos de contagem dos respetivos juros de mora, quando é certo que a ausência de tal interpelação apenas implicará o vencimento da obrigação (neste caso cambiária) com a interpelação judicial (citação) dos executados avalistas para a ação executiva, sendo pois apenas exigíveis os respetivos juros de mora, devidos sobre a importância constante do título cambiário, a partir da data dessa mesma interpelação judicial/citação (art. 805º, n.º 1, do C. Civil e 610º, n.º 2, al. b), do C. P. Civil). (2)

De igual modo, tal como é referido pelo tribunal a quo, não existe qualquer impedimento a que o exequente peticione juros de mora à taxa legal, calculados sobre o valor aposto na dita livrança, na medida em estamos perante duas relações jurídicas autónomas – a subjacente e a cartular.
Ou seja, até à data de vencimento aposta na livrança exequenda, são devidos, por via do negócio jurídico subjacente – no nosso caso do aludido contrato de financiamento – as taxas de juro contratualmente estabelecidas.
A partir de tal data de vencimento, tudo se passa e passará no restrito campo da obrigação cambiária, sendo, pois, apenas devidos juros de mora à taxa legal em vigor sobre o montante constante do respetivo título (arts. 4º, do D.L. n.º 262/83, de 16.06, art. 559º, n.º 1, do C. Civil e Assento n.º 4/92, de 13.07). (3)

Estão pois os embargantes executados, enquanto avalistas da livrança exequenda, obrigados ao pagamento da quantia titulada na mesma, emergente das obrigações assumidas pela sociedade mutuária no dito contrato de financiamento (capital em dívida, juros de mora e demais encargos e despesas vencidas à data de vencimento aposta), sendo certo que sobre a mesma obrigação cartular daí resultante, passarão a vencer-se juros de mora à taxa legal em vigor, a partir do momento em que os obrigados cambiários, aqui avalistas, tiveram conhecimento do preenchimento da mesma livrança, designadamente no que se refere ao seu vencimento e ao montante titulado na mesma, o que no nosso caso terá comprovadamente ocorrido apenas com a citação dos executados para a execução principal apensa, tal como concluiu o tribunal recorrido no dito despacho de complemento da sentença recorrida.

Termos em que se julga improcedente, neste segmento, a apelação em presença.
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B) Do preenchimento abusivo da livrança

Neste particular, vieram os recorrentes invocar nas suas conclusões que, atenta a interpretação das cláusulas constantes do pacto de preenchimento nos termos invocados, não é aceitável que, das mesmas se retire que o embargado, com base nas mesmas, está legitimado a preencher a livrança, nos termos em que este efetivamente a preencheu.
Assim, para os recorrentes, o preenchimento da livrança pelo Banco embargado, apondo, na mesma, montantes pecuniários inexigíveis, porque extravasam o montante da obrigação vencida (atenta a falta de comunicação do seu vencimento), colide com o paradigma da atuação de boa-fé. Consequentemente, há um abuso no preenchimento da livrança, atento ao valor na mesma aposto, porquanto é o mesmo, em parte, inexigível.

Analisemos então.

Desde logo, temos como demonstrado que o contrato de crédito em apreço foi assinado, entre outros, pelos próprios avalistas embargantes, na qualidade de prestadores de garantia (cfr. facto provado n.º 7).
O mesmo é dizer que os embargantes avalistas encontram-se no âmbito das relações imediatas, ou seja inseridos no âmbito das relações extracartulares.
Como tal, poderão discutir a validade do pacto de preenchimento e também se esse acordo foi violado ou se a outra parte procedeu de má fé ou abusivamente, cabendo a prova dos factos constitutivos de tal exceção (art. 342º, n.º 2, do C. Civil). (4)
Os embargantes recorrentes não se conformam que o Banco embargado tenha fixado a data de vencimento da livrança, decorridos mais de três anos depois do incumprimento do contrato por parte da sociedade mutuária, fazendo incluir nos respetivos montantes em dívida, para além do capital, juros e penalizações que contabilizou referente a esse mesmo período, no que os embargantes não deram o seu consentimento ou acordo, violando assim o acordo de preenchimento que tinha estabelecido com os embargantes.
Daqui concluem que o valor inscrito na dita livrança inclui montantes pecuniários inexigíveis (juros vencidos e penalizações) e como tal o preenchimento da livrança é abusivo.

Ora, como é pacificamente aceite pela jurisprudência, o acordo ou pacto de preenchimento de uma livrança entregue em branco, quanto à data de vencimento e ao montante em dívida, deve ser interpretado de acordo com as regras contidas nos arts. 236º a 238º do C. Civil. (5)
Seguindo tais regras de interpretação da declaração negocial e analisado o texto das cláusulas 19 e 33 das Condições Gerais do contrato de financiamento em causa, mormente quando se prevê que o Banco embargado “fica autorizado pelo Cliente e pelo(s) avalista(s), caso exista(m), a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o Cliente lhe deva ao abrigo do Contrato.” (cfr. cláusula 19 §2), temos como suficientemente demonstrado de que as partes subscritoras do acordo de preenchimento, nas quais se incluem os embargantes avalistas, concederam ao beneficiário exequente a liberdade de fixar a data de vencimento da livrança que bem entendesse, a partir do momento em que se verificasse a falta de cumprimento de qualquer obrigação contratual garantida, ao invés de a fixar por referência à data relevante do incumprimento ou do vencimento da obrigação principal garantida, como parecem defender os recorrentes.
De facto, a lei não fixa qualquer prazo para o preenchimento da livrança com vencimento em branco.
A ser assim, a partir do momento em que a livrança é entregue como garantia do cumprimento de obrigações estabelecidas em contrato de empréstimo e no pacto de preenchimento o seu preenchimento é autorizado em qualquer momento – impondo-se apenas como requisito a verificação do incumprimento – não configura qualquer atuação de má fé ou abuso de direito o seu não preenchimento, pelo portador beneficiário, logo que verificado tal incumprimento ou, no caso de preenchimento posterior, fazer incluir no valor aposto na mesma, para além do capital em dívida, os juros de mora vencidos após o incumprimento até à data de vencimento da livrança, acrescidos das penalizações contratualmente estabelecidas. (6)

Pelo que fica dito, não lograram os embargantes demonstrar que a data de vencimento aposta na livrança desrespeitou o acordo de preenchimento da livrança dada à execução, motivo pelo qual, conforme já salientámos supra, não se pode sustentar ter existido preenchimento abusivo, ao incluir no valor titulado pela mesma, para além do capital em dívida, os juros de mora vencidos até à data do vencimento da livrança e demais despesas ou encargos, conforme o estipulado no contrato.
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C) Da prescrição do título executivo

Neste conspecto, defendem os recorrentes que resulta inequívoco que a obrigação avalizada pelos apelantes venceu-se em Janeiro de 2013, pelo que o Banco embargado ao preencher a livrança em Outubro de 2017, deixou decorrer cerca de 4 anos e nove meses após o vencimento da obrigação, encontrando-se pois já ultrapassado o prazo prescricional de 3 anos, previsto no art. 70º, §1, da LULL, aplicável ex vi do art. 77º, da LULL.

Não concordam, pois, os recorrentes com a posição assumida pelo tribunal a quo de que o prazo de prescrição da livrança entregue com data de vencimento em branco apenas se inicia desde a data de vencimento inscrita na livrança pelo portador.
Não obstante, como é pacífico, este é o entendimento que tem vindo a ser uniformemente sufragado pela jurisprudência do STJ. (7)
Também nós acompanhamos este entendimento (para o qual, por brevidade, remetemos), pelo que tendo os embargantes M. A. e P. J. sido citados para a execução principal apensa em 18.01.2018 e 02.03.2018, respetivamente (cfr. facto provado n.º 16), forçoso é concluir que ainda não havia decorrido aquele prazo de três anos após a data de vencimento inscrita na livrança exequenda (03.11.2017); inscrição essa que, como já vimos, não é abusiva, porque efetuada de acordo com o respetivo pacto de preenchimento.
Não obstante, os recorrentes não concordam com esta interpretação levada a cabo pelo tribunal a quo (e pela jurisprudência uniforme do STJ), pois que a mesma viola os ditames da Constituição da República Portuguesa, mormente os princípios da segurança jurídica e da proteção de confiança dos cidadãos e dos princípios da proporcionalidade e igualdade dos cidadãos, estes interpretados no sentido de que, no caso concreto, os avalistas não fiquem numa posição de total dependência da vontade e livre arbítrio do portador da livrança em branco. É ainda a mesma interpretação, na opinião dos recorrentes, violadora dos princípios da boa fé.

Desde já, este último argumento (violação dos princípios da boa fé), designadamente interpretado no sentido de estarmos aqui perante abuso de direito (art. 334º, do C. Civil), já mereceu supra resposta negativa.
Todavia, sempre acrescentaríamos que, no caso em apreço, para haver abuso do direito, mormente na modalidade de “venire contra factum proprium”, seria necessário demonstrar que a conduta do pretenso abusante – aqui Banco embargado/exequente – fora no sentido de criar, razoavelmente, nos embargantes/executados uma expectativa factual, sólida, de poder confiar que o Banco havia prescindido do exercício do direito de crédito que legitimamente lhe assiste, por via do contrato de mútuo celebrado e livrança avalizada pelos embargantes/executados.
No fundo, a conduta do Banco, para ser integradora do “venire” teria, objetivamente, de trair o “investimento de confiança” feito pelos embargantes, importando que os factos demonstrassem que o resultado de tal conduta constituiu, em concreto, uma clara injustiça.
Porém, como já vimos, tal factualidade não resultou apurada, sendo certo que a simples conduta omissiva por parte do Banco embargado em fazer valer os seus direitos de crédito contra os embargantes avalistas, durante um período prolongado de tempo, por si só não constitui abuso de direito, designadamente na modalidade de venire contra factum proprium.

Tal como resulta do Ac. STJ de 19.10.2017 (8)(…) até que se operasse a prescrição da livrança exequenda (…), o banco podia instaurar a execução no momento que tivesse por mais conveniente, conforme o acordado, não se vislumbrando que da demora em fazê-lo se possa inferir, sem mais, que o mesmo, enquanto portador da livrança avalizada pela recorrente, prescindisse de usar do seu direito de fixar a quantia devida e a data de vencimento que o pacto de preenchimento lhe facultava, exigindo aos avalistas o respetivo pagamento.
E muito menos se vê que o comportamento do banco ao instaurar a execução, depois de decorridos mais de 12 anos sobre a data da celebração do negócio subjacente à emissão da livrança exequenda (ano de 1999- cfr. docs. de fls. 34 e 35) e mais de 7 anos desde a declaração de insolvência da sociedade subscritora da livrança, fosse suscetível de apresentar-se aos olhos da recorrente, enquanto avalista, como gerador da confiança legítima de que renunciaria ao direito de exigir dela o pagamento da quantia titulada na livrança.

Nesta medida, não vemos de que modo é que o Banco embargado estaria obrigado a comunicar imediatamente aos avalistas embargantes garantes o incumprimento do contrato de financiamento celebrado por parte da sociedade mutuária, sendo certo igualmente que nada resulta dos autos que a tal estivesse vinculado por via do referido contrato subjacente ou respetivo pacto de preenchimento da livrança.

Porque assim é, uma vez respeitado o aludido pacto de preenchimento validamente celebrado entre as partes (que não fixa qualquer prazo para o preenchimento da data de vencimento do título, estando este apenas dependente da verificação do incumprimento), não vislumbramos em que medida é que poderemos concluir que, in casu, o preenchimento da livrança exequenda (ainda que cerca de cinco anos após o incumprimento por parte da sociedade mutuária) colide com os apontados princípios constitucionais, tanto quanto é certo que, conforme resulta evidente, a partir do momento em que prestaram o seu aval ao abrigo do mesmo pacto de preenchimento, os embargantes não desconheciam ou não podiam ignorar que, a qualquer momento e enquanto o mesmo se mantivesse válido, poderiam ser confrontados com o exercício, pelo credor, do direito de cobrança coerciva dos créditos vencidos, designadamente por via da ação executiva, emergente daquele título cambiário.
Não existe, pois, qualquer livre arbítrio do portador da livrança em branco ao preencher a respetiva data de vencimento da livrança, mesmo que, em data posterior ao incumprimento da sua subscritora, pois que para tal estava devidamente autorizado, por via do aludido pacto de preenchimento.
Nos termos sobreditos, de igual modo se conclui que não ocorre qualquer violação das normas jurídicas referenciadas pelos apelantes.

Termos em que improcedem todos os fundamentos de recurso dos apelantes.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação em presença e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 24.09.2020

Este acórdão contém a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:
Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.




1. Neste sentido, cfr. por todos Ac. STJ de 19.06.2019, proc. n.º 1818/17.0T8CBR-A.C1.S1, relator Ilídio Sacarão Ramos, acessível em www.dgsi.pt.
2. Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 28.09.2017, proc. n.º 779/14.2TBEVR-B.E1.S1, relator Tomé Gomes; Ac. STJ de 19.06.2018, proc. n.º 1418/14.7TBPVZ-A.P.S1, relator Roque Nogueira; Ac. RP de 03.04.2014, proc. n.º 1033/10.4TBLSD-A.P2, relator Leonel Serôdio; Ac. RP de 22.05.2019, proc. n.º 3305/15.2T8MAI-A.P1, relator Carlos Portela, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
3. Neste sentido, cfr. por todos o Ac. STJ de 23.10.2007, proc. n.º 07A3049, relator Mário Cruz; e Ac. RC de 15.03.2011, proc. n.º 611/09.9T2AGD.C1, relator Falcão de Magalhães, disponível em www.dgsi.pt.
4. Por todos, cfr., neste sentido, Ac. STJ de 23.04.2009, proc. n.º 08B3905, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt.
5. Por todos, neste sentido vide Ac. STJ de 20.06.2006, proc. n.º 06A616, relator João Camilo, disponível em www.dgsi.pt.
6. Por todos, cfr., neste sentido, incluindo vasta jurisprudência aí citada, o Ac. STJ de 24.10.2019, proc. n.º 1418/14.7TBPVZ-B.P2.S2, relator Acácio das Neves, acessível em www.dgsi.pt.
7. Neste sentido, cfr. por todos Ac. STJ de 24.10.2019, já citado; e Ac. STJ 04.07.2019, proc. n.º 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
8. Proc. n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, relatora Rosa Tching, acessível em www.dgsi.pt (igualmente citado na sentença recorrida).