VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONTACTOS
Sumário

Dispõe o n.º 1 do artigo 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro - redação dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro), que
«O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
Deverá ainda o condenado ter em conta que o incumprimento das penas acessórias o faz incorrer na prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, tipificado e sancionado no artigo 353º do Código Penal.

Texto Integral

Acórdão proferido na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos veio  o Magistrado do MP  interpor recurso da decisão  proferida em 1ª Instancia   na parte em que, tendo condenado o arguido LF_________ pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artºs 152.°, n.° 1, al. a), e n.° 2, do Código Penal, não se pronunciou sobre a eventual aplicação de pena acessória de proibição de contactos com a vítima, requerida pelo Ministério Público nos termos do art.° 152.°, n.° 4, do Código Penal.
Apresentou para tanto as seguintes conclusões
1. O acórdão incorrido é parcialmente nulo, nos termos dos artigos 374.°, n.° 3, als. a) e b), e 379.°, n.° 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal, na parte em que não se pronunciou relativamente à eventual aplicação ao arguido LF_________, condenado nos autos pela prática de violência doméstica, de pena acessória de proibição de contactos com a vítima SC_______requerida pelo Ministério Público ao abrigo do disposto no art.° 152.°, n.° 4, do Código Penal.
NORMAS VIOLADAS
- Art.° 152.°, n.° 4, do Código Penal;
- Artigos 374.°, n.° 3, als. a) e b), e 379.°, n.° 1, al. c), CPP.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado Procedente e, consequentemente,
Revogar-se parcialmente o douto Acórdão recorrido,
E ser proferida decisão que determine que o Tribunal “a quo” se pronuncie relativamente à eventual aplicação ao arguido LF_________ de pena acessória de proibição de contactos com a vítima SC_______requerida pelo Ministério Público ao abrigo do disposto no art.° 152.°, n.° 4, do Código Penal.
Assim se fará Justiça, Senhores Desembargadores.
****
 Da decisão sob recurso resulta:
1. SC_______e LF_________, partilham cama, mesa e habitação desde o dia 11 de Janeiro de 2016, tendo a relação terminado no dia 11 de Fevereiro de 2019, tendo fixado residência na  , Pontinha.
2. Na constância da união nasceu  L______ no dia 27 de Junho de 2018.
3. Após os dois primeiros anos de vivência conjugal e em datas não concretamente apuradas, discutia com a ofendida afirmando que a mesma não fazia nada em casa.
4. Nessas ocasiões o arguido dirigiu-se a S________ dizendo "ÉS UMA ATRASADA MENTAL, BURRA, FILHA DA PUTA, LOGO VAMOS CONVERSAR, VAIS LEVAR PORRADA, VAI PARA A PUTA DA TUA MÃE, PARTO-TE A BOCA TODA".
5. Em algumas dessas ocasiões o arguido utilizando as mãos desferiu pontapés nas pernas da mesma.
6. Em data não concretamente apurada, mas quando S________ se encontrava grávida de cerca de três meses o arguido durante uma discussão desferiu um pontapé na barriga da mesma.
7. S________ não recebeu tratamento hospitalar.
8. No dia 9 de Fevereiro de 2019, S________ abandonou a casa de morada de família e foi para junto de sua mãe com a menor, sita na Rua Dom João I, lote 111, nº 2, R/c., Serra da Luz.
9. Após o dia 9 de Fevereiro de 2019, o arguido seguiu atrás de S________ até ao local de trabalho da mesma, bem como ligou insistentemente para o telemóvel desta, tendo a mesma necessidade de bloquear o número utilizado pelo arguido.
10. O arguido em virtude de se aperceber que S________ havia bloqueado o seu número de telemóvel passou a utilizar outros números para contactar com a mesma.
11. O arguido na via pública e em voz alta dirigiu-se a S________ com as expressões "filha da puta, não me deixas ver a minha filha, toda a gente vê a menina e eu não posso."
12. No dia 7 de Março de 2019, pelas 22:30 horas, quando S________ se encontrava na companhia da sua filha de oito meses de idade e da sua mãe, o arguido tocou de forma insistente à campainha da residência da progenitora desta, enquanto num tom elevado de voz dizia que queria ver a filha.
13. Enquanto tocava à campainha o arguido dizia ainda "SE NÃO ABRES, EU VOU REBENTAR A PORTA", tendo de imediato e de forma não concretamente apurada arrombado a porta da habitação, e entrado na mesma, enquanto S________ e a sua mãe tentavam impedir o arguido de aceder à menor.
14. O arguido através da força física agarrou na menor e levou-a consigo, contra a vontade de S________.
15. S________ acabou por chamar a Polícia de Segurança Pública tendo os agentes conseguido entrar em contacto visual com o arguido na Rua Padre Américo de Aguiar, na Pontinha, portando este a filha ao colo.
16.     O arguido ao se aperceber que estava rodeado de elementos da Polícia de Segurança Pública, apertando com força a menor L_______ contra o seu corpo disse "OU ME DEIXAM IR EMBORA OU MATO-ME COM ELA! A MENINA OU FICA COMIGO OU ELA TAMBÉM NÃO A VÊ MAIS!"
17. O arguido somente largou L_______ após lhe serem restringidos os movimentos dos braços.
18. A menor L_______ estava vestida com um babygrow e embrulhada numa manta.
19. O arguido exalava odor a álcool quando tinha a menor L_______ ao colo.
20. O arguido com o seu comportamento, previu e quis atingir a dignidade pessoal, auto-estima, saúde física e psíquica de S________, sabendo que, enquanto sua companheira e mãe da sua filha, devia tratá-la com respeito e consideração.
21. O arguido com o seu comportamento previu e quis amedrontar S________ provocando sentimentos de medo e inquietação, prejudicando a liberdade pessoal da mesma.
22. O arguido sabia que a conduta física e violência verbal que dirigia contra a ofendida S________ eram aptas para causar sério medo naquela e, dessa forma para conseguir manter a mesma subjugada a si, incapaz de lhe reagir ou resistir.
23. O arguido ao agredir fisicamente a ofendida S________, sendo uma das vezes em que se encontrava grávida da sua filha, sabia que tais condutas eram aptas para causar dores e mau estar físico em S________, o que o mesmo quis e logrou alcançar.
24. Ao dirigir-lhe as expressões que lhe dirigia, sabia o arguido que as mesmas eram aptas para causar vexame, humilhação e tristeza na ofendida S________, o que o mesmo logrou pretender e alcançar, bem sabendo impor-se-lhe um acrescido respeito, por ser ela a sua companheira e mãe da sua filha.
25. Luís sabia a idade da menor L_______, conhecendo a fragilidade física da mesma atendendo aos sete meses da idade da menor.
26. O arguido sabia que com as suas supra descritas condutas são proibidas e punidas por lei.
27. O arguido agiu de forma livre e consciente, sabendo que todas as suas condutas são proibidas por lei.
28. O processo de desenvolvimento do arguido decorreu no agregado familiar materno, e viria a ser condicionado por vários fatores negativos, destacando-se uma dinâmica familiar recorrente em quadro de violência doméstica, numa primeira fase vivencial até aos seis anos, por actos de agressividade física e verbal para com a mãe perpetuados pelo progenitor, com conduta alcoólica.
29. A separação dos progenitores terá iniciado uma fase de maior estabilidade no seio familiar ainda que somente durante alguns anos, tendo a progenitora encetado relacionamento com outro companheiro, por sua vez também consumidor abusivo de bebidas de teor alcoólico, repetindo-se o mesmo quadro familiar de violência doméstica, desta vez com actos de agressividade física e verbal para com todos os elementos do agregado, mãe e irmãos do arguido. Esse quotidiano disfuncional só viria a terminar quando o arguido contava dezasseis anos de idade, com a rutura afetiva da mãe e companheiro.
30. O quotidiano familiar era marcado por um quadro de precariedade económica assente nos rendimentos da progenitora, vendedora ambulante e em paralelo a realizar trabalhos de limpezas, promovendo ausências prolongadas do lar familiar e comprometendo qualquer tipo de acção educativa eficaz para com os descendentes.
31. Luís Sebastião manteve-se integrado no lar materno até idade adulta, permanência que viria, entretanto, a ser alternada por situações de privação de liberdade na sequência de condenações com pena efetiva de prisão.
32. O seu percurso escolar terminou com o 7.º ano de escolaridade, não tendo demonstrado motivação para as atividades escolares optando pelo convívio estreito com amigos. A manutenção de um percurso de vida precocemente autónomo associado a traços de alguma instabilidade comportamental e adesão a jovens com comportamentos marginais foram fatores que levaram ao seu envolvimento com o sistema da administração da justiça, registando a primeira prisão com apenas dezasseis anos de idade, tendo sido condenado por roubo numa pena de 5 anos de prisão efetiva.
33. Luís Sebastião regista um percurso vivencial marcado pela conduta aditiva que foi agravando de forma significativa com a adesão a consumos de heroína por via endovenosa, precipitando-o para um quadro de forte desorganização pessoal tendo inclusivamente sido expulso do lar materno em 2008, passando a viver na situação de sem-abrigo, contexto em que se manteve durante 18 meses até ser novamente preso. Em período prévio à prisão, o arguido esteve em Espanha para efeitos de tratamento à sua dependência aditiva através da Associação Remar. Tendo posteriormente regressado a Portugal, diz, em fase de abstinência.
34. O seu regresso a Portugal é recordado como problemático, em parte pelas dificuldades na obtenção de colocação laboral tendo apenas conseguido desempenhos indiferenciados e pontuais, fator que o precipitou para novo envolvimento no consumo de estupefacientes e práticas delituosas, culminando na sua prisão em 2011 com termo em Junho de 2015, data em que foi colocado em liberdade.
35. Após em liberdade LS_______ não contou com o apoio logístico da progenitora, desgastada pelo percurso do filho como toxicodependente.
36. À data dos factos o arguido trabalhava na construção civil, embora de forma irregular e sem vínculo laboral, auferindo cerca de 45 euros diários, sendo que a economia doméstica seria assente nos seus rendimentos e da companheira, funcionária na Freguesia da Pontinha, embora com algum grau de dificuldade financeira.
37. O arguido averba no certificado de registo criminal as seguintes condenações transitadas em julgado:
a) – pela prática em 2006 de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.  21º e 24º b) e c) do DL 15/93 de 22.01, a pena de 5 anos de prisão, declarada extinta – (decisão  proferida em 05.06.2015, nos autos de Processo Comum Colectivo  333/07.5GGBSNT do  J4 da Instância Central Criminal de Lisboa-Noroeste, transitada em julgado em 22.02.2011).
b) – pela prática em 10.11.2014 de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º e 25º  do DL 15/93 de 22.01, a pena de 18 meses de prisão, suspensa na execução , declarada extinta em 12.12.2018 (decisão proferida em 11.05.2017, nos autos de Processo Singular 391/14.6JELSB, do J1 do juízo local Criminal do Tribunal de Lisboa Oeste, transitada em julgado em 12.06.2017).
         (....)
Enquadramento jurídico-penal dos factos:
Encontra-se o arguido acusado da prática, em autoria material e em concurso real de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 do Código Penal, e de, um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea d) e 2 do Código Penal, incorrendo ainda na pena acessórias de inibição do poder paternal.
Dispõe o art. 152º do Código Penal, com a epígrafe «Violência doméstica»:
«1 – Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
 a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
(…)
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 – No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
(…)».
Relativamente à imputação efectuada nos termos da alínea a) do artº artigo 152.º n.º1 Código Penal em relação à ofendida S________ e transpondo tais considerações para o caso em apreço, verifica-se no confronto com a factualidade provada que, a actuação do arguido, nos termos que resultaram provados é reveladora de uma postura de insensibilidade no trato do arguido relativamente à ofendida S________, companheira do arguido, correspondendo os actos praticados pelo arguido, consubstanciados nas agressões físicas à ofendida, nas expressões injuriosas proferidas, nas humilhações e ameaças, ao conceito de maus-tratos físicos e psíquicos, consubstanciadores de uma atitude vexatória e desrespeitosa de acordo com as regras sociais, voluntariamente praticada na pessoa da ofendida, a quem agrediu, ameaçou e dirigiu expressões injuriosas, tendo os factos praticados pelo arguido ocorrido na maior parte das situações, no domicílio comum.
Provado ficou igualmente que o arguido actuou da forma descrita, livre e conscientemente, sabendo que com as suas condutas, de modo reiterado, molestava física e psiquicamente a ofendida, infligindo-lhe maus tractos físicos e psíquicos, e que condicionava a vida, liberdade e bem-estar psicossocial da mesma, ofendendo-a na dignidade humana, causando na ofendida sentimentos de vergonha, humilhação e frustração, fazendo-o no interior da residência do casal, potenciando e criando situações lesivas da saúde e equilíbrio mental da ofendida, ciente da proibição e punição da sua conduta.
A actuação do arguido nos termos que resultaram provados, reconduz-se assim à prática pelo arguido em autoria material e em concurso real, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152º, nºs. 1, al. a) e 2 do Código Penal, de que se encontrava acusado.
Determinação da medida da pena:
A determinação da moldura penal abstracta resultante da subsunção dos factos praticados pelo arguido ao tipo de ilícito em causa é a seguinte:
- crime de violência doméstica, previsto e punido pelos arts. 152º, nºs. 1, al. a) e 2 do Código Penal: prisão de 2 (dois) anos a 5 (cinco) anos.
Quanto à determinação da medida concreta da pena, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 71º do Código Penal, far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, quer geral positiva ou de reintegração, relacionadas com a necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e com a estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida, quer de prevenção especial de sociabilização.
Com relevância quer para a culpa quer para a prevenção, surgem as circunstâncias enunciadas no n.º 2 do art. 71º do Código Penal que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo; as condições pessoais do agente e a sua situação económica e, a conduta anterior ao facto e a posterior a este.
Aplicando as considerações anteriormente formuladas ao caso em apreço, considerando nomeadamente:
- as elevadas necessidades de prevenção geral, sendo o crime de violência doméstica praticado pelo arguido, geradores de grande insegurança e alarme social, tendo consequências extremas nas vítimas deste tipo de crimes, sendo objecto de elevada reprovação social.
- o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido, que, se considera  elevado, tendo em conta nomeadamente as agressões físicas e psíquicas perpetradas quer na pessoa da ofendida,  as expressões injuriosas, ameaçadoras e vexatórias proferidas, dirigidas à ofendida, o período de tempo e o contexto em que os factos ocorreram; a reiteração da conduta do arguido, sem que o mesmo tenha demonstrado consciência crítica quanto ao desvalor da sua actuação.
- a intensidade dolosa, tendo o crime sido cometido pelo arguido na modalidade de dolo directo.
- as condições sociais do arguido.
- os antecedentes criminais registados, ainda que pela prática de crimes de diversa natureza, reclamando igualmente exigências acrescidas em termos de prevenção especial.
Afigura-se assim adequada a aplicação ao arguido pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152º, nºs. 1, al. a) e 2 do Código Penal, a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Nos termos do art. 50º do Código Penal, o Tribunal pode suspender a execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, suspensão essa que pode ser subordinada ao cumprimento de certos deveres impostos ao arguido destinados designadamente a facilitar a sua readaptação social.
Assenta tal possibilidade num juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do agente, fundado na expectativa de que este, sentindo a condenação como uma advertência, não volte a cometer novos ilícitos.
No caso dos presentes autos, não obstante as elevadas necessidades de prevenção, o período de tempo de reclusão já sofrido, o terminus da relação de convivência, e a motivação para uma mudança comportamental, legitimam ainda a formulação de um juízo de prognose favorável no seu comportamento futuro, considerando-se a ameaça de cumprimento efectivo da pena de prisão adequada e suficiente à realização das finalidades da punição, estimulando-se assim a auto-responsabilização do arguido, proporcionando em simultâneo uma reintegração social em liberdade.
E assim, suspende-se a execução da pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão aplicada, por igual um período de tempo a contar do trânsito em julgado da presente decisão.
(...)
****
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar artºs 403º e 412º nº 1 CPP sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 410º nº 2 CPP.
***
Cumpre decidir
Alega o recorrente que A decisão recorrida é nula porque o tribunal deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar nomeadamente a aplicação ou não aplicação, da pena acessória requerida pelo MP  ao formular a sua acusação.
Pede que seja suprida a nulidade devendo   ser proferida decisão que determine que o Tribunal “a quo” se pronuncie relativamente à eventual aplicação ao arguido LF_________ de pena acessória de proibição de contactos com a vítima SC_______ requerida pelo Ministério Público ao abrigo do disposto no art° 152.°, n° 4, do Código Penal.
Vejamos:
De acordo com este dispositivo legal - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
Não vemos necessidade de delinear o crime de violência doméstica uma vez que a questão que apenas é colocada a este tribunal é a de aplicação de uma pena acessória. 
No crime de violência doméstica está em causa a proteção da pessoa individual, da sua dignidade, o bem jurídico protegido é a saúde física, psíquica, bem jurídico este que pode ser afetado por toda a multiplicidade de comportamentos, como os levados a cabo e dados como provados, podendo exemplificar-se  o facto de chamar nomes ,  diminui-la, agredi-la, arrombar-lhe a porta da sua casa,  tudo no sentido de diminuir a sua dignidade e pôr em causa a sua segurança.
Da matéria de facto provada resulta à evidência que o arguido persegue a ofendida, que tem comportamentos agressivos e desestruturados mesmo na presença da filha, e torna-se violento com facilidade ameaçando matar-se e à criança.
Percebe-se que os seus comportamentos não são alvo de auto controle e surgem subitamente, sem barreiras podendo causar dano quer à assistente, quer à filha de ambos tendo em conta a forma como reage ao ver-se contrariado.
A regra distintiva entre penas principais e penas acessórias, centra-se na dependência destas últimas das primeiras. As penas acessórias implicam necessariamente a condenação numa pena principal.
Ora, sendo a prisão a pena principal para o crime de violência doméstica  artºs 41º e 42º e 152º, nºs 1, 2 e 3) CP e a proibição de contactos, com afastamento do arguido da vitima, uma das penas acessórias  artº 152º, nºs 4 e 5, CPP,  se nada parece obstar, em abstrato, à aplicação de ambas, nada obsta a que, no caso concreto a mesma pena acessória se aplique no caso em análise, até porque, como se concluiu facilmente da matéria de facto provada, impõe-se essa aplicação para segurança da vítima.
 Esta pena constitui um dos mecanismos legais que tutela a segurança da vítima, protegendo-a dos perigos advindos dos contactos e presença do agressor.
O artigo 152º, nº 4, do Código Penal admite, expressamente, a condenação da pena acessória de proibição de contactos com a vítima, nos casos previstos nos números 1, 2 e 3, do mesmo preceito.
A decisão no sentido da suspensão da execução da pena de prisão, constituindo sempre um risco ponderado, não contradiz a imperiosa necessidade dos meios de vigilância já que, implicando, embora, a primeira um juízo de prognose positiva acerca de uma futura conduta,  no caso, têm de encarados como um adjuvante, dado o contexto, essencial à não frustração da fundada esperança que no futuro o arguido não reincida nas condutas que justificaram a sua condenação.
Complementarmente, dispõe o n.º 1 do artigo 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro - redação dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro), que
«O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
No quadro legal constituído,  no contexto do crime de violência doméstica , as medidas de proibição de contactos e afastamento (a prevista no artigo 152º nº 4 e 5º do Código Penal e a contida no artigo 52º do mesmo diploma) apresentam-se como de aplicação diferenciada consoante as circunstâncias do caso concreto, sendo que a pena acessória apenas deverá ser aplicada nas hipóteses mais graves em que as necessidades de prevenção e a proteção da vítima, exigem uma tutela penal reforçada.
Ponderada a matéria fáctica e as exigências de proteção da vitima face ao perfil do arguido e á suspensão da pena de prisão que lhe foi fixada, impõem-se a sua aplicação como meio de por termo à tendência  agressiva que revela.
A não ser assim, a vítima ficará à mercê do arguido, podendo este contactá-la e continuar a exercer violência sobre a mesma.
O impacto dos números deste tipo de criminalidade e a gravidade de certos atos facilitados pela proximidade do agressor em relação à vítima, justificam uma abordagem punitiva alargada “um tratamento holístico – transversal e integrado” nas palavras da exposição de motivos do III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2007-2009) que procure garantir não só a segurança, a tranquilidade e o restabelecimento das vítimas mas, também, a recuperação física e psicológica do agressor, através de adequado tratamento e acompanhamento médicos caso se mostrem necessários.
Na verdade, se tivermos em consideração a acentuada ilicitude dos factos decorrentes dos diversos bens jurídicos violados, a reiteração dos comportamentos, a falta de sentido crítico sobre a sua atuação, e as especiais exigências de prevenção expressas na necessidade de tutela dos concretos bens jurídicos violados indo ao encontro das expetativas da comunidade na manutenção  e reforço  da vigência de tais normas  - artº 71.º, n.º 1 e 2, do CP e, atendendo ainda, ao espectro da reiteração das ocorrências de violência, entendemos que se mostra necessária, adequada e proporcional a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida (por qualquer meio e em qualquer local, incluindo obviamente a residência daquela), sendo que, para assegurar a respetiva eficácia, deverá o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, ou seja, de vigilância eletrónica.
Quanto ao período durante o qual tal pena acessória deve vigorar, recorrendo mais uma vez aos critérios que estiveram subjacentes à determinação da respetiva medida concreta da pena, entende-se fixar o mesmo pelo período de duração da suspensão da pena aplicada, ao abrigo do disposto no artº 152.º, n.ºs 4 e 5 CP
Assim, entendemos que a proibição de contactos e o afastamento da vítima, no mínimo de 500 metros, sujeito a vigilância eletrónica, constitui um meio adequado e legal de proteção.
Não se vê pois, pelas razões supra descritas, necessidade em fazer depender do acordo do arguido esta aplicação.
Deverá ainda o condenado ter em conta que o incumprimento das penas acessórias o faz incorrer   na prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, tipificado e sancionado no artigo 353º do Código Penal.
Assim sendo:
Concedendo provimento ao recurso interposto pelo MP decide-se:
Condenar o arguido na pena acessória  de proibição  de contactos com a vítima, seja por que meio for, proibindo-o de dela se aproximar a menos de 500 metros, sendo o cumprimento desta medida fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (n.º 1 do artigo 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro - redação dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro),  com a expressa advertência de que o incumprimento de tal pena acessória pode levar à revogação da suspensão da execução da pena principal em que foi condenado, admitindo-se os estritos contactos relativos à filha menor sem prejuízo do que nesta matéria vier a ser determinado pelo Tribunal de Família e Menores.
Tal pena acessória durará pelo período fixado à suspensão de execução da pena - 2 (dois) anos e 8 (oito) meses
Mantem-se em tudo o mais a decisão recorrida.
Transitada a decisão comunique-se a mesma nos termos do disposto no artº 37º da lei 112/20098 de 16/09 e 37º da lei 129/2015 de 3/2009.
 Comunique ainda ao OPC competente que deverá prestar toda a assistência técnica à vítima em caso de necessidade.
Solicite aos competentes serviços a elaboração do Plano supra determinado, bem como a implementação da pena acessória imposta.
Sem custas por a elas não haver lugar

Lisboa 23 Setembro de 2020
Adelina Barradas de Oliveira
Maria Margarida Almeida