FALTA DE CITAÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ARGUIÇÃO
SANAÇÃO
JUNÇÃO DE PROCURAÇÃO
Sumário

I - Após o trânsito em julgado da sentença que condenou o réu revel, a arguição nesse processo da nulidade da falta de citação é extemporânea por se encontrar esgotado o poder jurisdicional do Tribunal.
II - Por isso, tendo já decorrido o trânsito em julgado da sentença que condenou o réu revel, a junção nesse processo pelo réu de procuração forense, sem que tenha arguido a nulidade da falta da sua citação, não determina a sanação de tal vício.
III - A intervenção no processo relevante para efeitos de sanação da falta de citação, nos termos do disposto no art. 189º do Cód. Proc. Civil, é aquela que pressupõe o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento do processo pela parte demandada como decorreria da citação, ou seja, o conhecimento que lhe seria dado pela citação.
IV - Encontrando-se uma acção sujeita à disciplina da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, e ainda que exista um processo físico em suporte de papel, o acesso à tramitação electrónica implica a junção de uma procuração forense, que, por isto, constitui o pressuposto de qualquer intervenção nos autos. Desta forma, a simples junção de uma procuração forense não se afigura como intervenção relevante para efeitos do art. 189º do Cód. Proc. Civil, pelo que tal junção não importa a sanação do vício de nulidade de falta de citação (porque não arguido concomitantemente àquela junção da procuração)

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I - RELATÓRIO
Por apenso à execução contra si intentada por A [ …– Ascensores e Escadas Rolantes,S.A ] .” veio o embargante B [ Condomínio ….], deduzir oposição à execução e oposição à penhora, peticionando a extinção da acção executiva e o levantamento das penhoras efectuadas.
Para o efeito, alegou, em síntese útil, que: (i) o requerimento de injunção é inepto porque não contem a descrição dos factos; (ii) a embargante não foi citada no âmbito da acção declarativa; (iii) o contrato que fundamenta a emissão das facturas peticionadas na injunção não mereceu aprovação e não foi subscrito pelo embargante; (iv) a penhora efectuada na execução é excessiva.
A embargada contestou, pugnando pela improcedência das oposições à execução e à penhora.
Alegou, para o efeito, em síntese útil, que: a ineptidão não é invocável em face do título dado à execução; foi apurado pelo Agente de Execução que a pessoa que recebeu a citação era o responsável pela gestão do condomínio e o embargante não arguiu a falta de citação na acção declarativa; a administradora provisória do embargante outorgou o contrato de manutenção dos elevadores e os condóminos usufruíram dos serviços prestados pela embargada; e a penhora realizada, tendo em conta o capital, juros vencidos e legais acréscimos, não é excessiva.
Foi proferido saneador sentença, que julgou improcedentes a oposição à execução e a oposição à penhora, determinando, em consequência, o prosseguimento da execução nos seus precisos termos.
Inconformado, o embargante recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“A) A sentença apelada, considerou que a nulidade da falta de citação na ação declarativa, suscitada pela Apelante, em sede da oposição execução que deduziu, a ter existido ter-se-ia de considerar sanada por força da sua intervenção nos autos declarativos, por via da junção de procuração forense, sem que tenha invocado, desde logo, a referida nulidade;
B) O Tribunal a quo sustenta tal decisão por via da aplicação do disposto no art.º 189º do C.P.C., que dispõe o seguinte: “Se o réu ou o ministério Publico intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade”.
C) Na verdade, a Recorrente juntou aos autos declarativos procuração forense na data de 18/07/2016, acontece, porém, que quando efetuou essa junção já o processo em questão há muito estava findo.
D) Nessa data além de findo, já havia, há muito, esgotado o poder jurisdicional do Juiz, uma vez que a sentença data de 2/11/2015, sendo as respetivas notificações da mesma sido expedidas (para domicílio que corresponde ao da aqui Recorrente, mas cuja missiva foi devolvida ao Tribunal, cfr. doc. com a Ref.; 2589870 do processo declarativo) em 03/11/2015;
E) E, de igual modo, tinha ocorrido o trânsito em julgado da referida sentença.
F) Assim, a nulidade de falta de citação não teria de ser invocada após e na sequência da junção da procuração forense aos autos, porque a ação não estava pendente, sendo apenas possível invocar a nulidade da falta de citação por via dos embargos que deduziu, o que efetivamente aconteceu, no meio e lugar próprio.
G) Constitui jurisprudência dominante que a norma em que o Tribunal a quo se baseou, para fundamentar a sua decisão, apenas se aplica aos processos pendentes e não aos processos findos (cfr. Ac. do TRC, de 21/05/2013, Proc. n.º 475-B/1999.C1 entre outros), como é caso em apreço.
H) Sendo, igualmente, pacífico o entendimento que nestas situações, quanto aos processos findos e com trânsito em julgado, apenas é possível reagir por via de embargos, ou por via do recurso de revisão.
I) Deste modo, e no entender da Recorrente, a decisão proferida pelo Tribunal a quo fez errada interpretação da norma prevista no art.º 189º do C.P.C., uma vez que tal preceito apenas preconiza a obrigação imediata de suscitar a nulidade da falta de citação após a primeira intervenção no processo, quando o mesmo esteja pendente, e não quando o mesmo está f indo, depois de esgotado o poder jurisdicional do juiz e com trânsito em julgado.
J) Pelo que, no entender da Recorrente, a decisão proferida pelo Tribunal a quo fez errada interpretação da norma prevista no art.º 189º do C.P.C., que prevê a obrigatoriedade de logo invocar a nulidade, a qual veio a determinar a sua condenação, sem apreciar a matéria de facto invocada.
K) A Recorrente lança mão do Recurso de Apelação, para nos termos do disposto no art. 639º, n.º 2, al. b) do CPC, indicar o sentido daquela que, no seu entender, deve ser a interpretação e aplicação da norma ínsita no art. 189º do CPC, que constitui fundamento jurídico da sentença de que se apela.
L) Pese embora, em sede de Primeira Instância não se ter chegado à apreciação da matéria de facto invocada pela embargante e ora Recorrente, a Exma. Juiz não se coibiu de dar por reproduzida uma “suposta citação” da Recorrente para a ação declarativa, realizada na pessoa de Fernando ..., que não é nem nunca foi representante legal da Recorrente, o que foi demonstrado documentalmente nos embargos deduzidos.
M) Sendo certo que, não obstante ter proferido decisão de mérito e por consequência ter ficado prejudicada a apreciação da matéria de facto alegada pela recorrente, relativa à sua falta de citação não deixou de, subtilmente, ao dar por reproduzida a certidão da supra referida citação, “deixar no ar“ a possibilidade real de a aqui Recorrente ter sido, efetivamente, citada para a ação declarativa.
N) Ora, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo, com a sua decisão a este respeito, precludiu a apreciação de toda a matéria de facto alegada pelas partes e, portanto, devia ter-se abstido de dar por reproduzida a certidão de uma citação que não pode apurar se era válida.
O) Da sentença proferida pelo Tribunal a quo resulta que a junção de procuração aos autos configura intervenção processual relevante para efeitos de sanação de falta de citação, porque se a parte o fez é porque teve conhecimento do processo, e deverá aí arguir a nulidade, mesmo que o poder jurisdicional do juiz da ação declarativa já se tenha esgotado e a sentença proferida já tenha transitado em julgado.
P) Com tal entendimento, olvida-se por completo que “a norma contida no art. 196º (atual 189º) do CPC de se considerar sanada a nulidade se o réu ou o MP intervierem no processo sem arguir logo a falta da sua citação, pressupõe logicamente que o processo ainda esteja pendente.” (cfr. Ac. do TRC, de 21/05/2013, Proc. n.º 475-B/1999.C1,
Q) Aliás o mesmo acórdão dispõe que: “(…) O mesmo decorre do disposto no art. 198º do CPC reportada à nulidade da citação. E isto porque, nas duas modalidades de nulidade de citação (falta de citação e a nulidade stricto sensu da citação), visa-se salvaguardar o direito de defesa do réu e, portanto, dar-lhe oportunidade de poder defender-se num processo que ainda pende. (…) Findo o processo por ter decorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória do réu revel, esgotado está o poder jurisdicional do juiz (art. 661º, n.º 1/atual 609º), a existir nulidade da citação resta ao réu julgado à revelia que se viu prejudicado na sua defesa, lançar mão do recurso extraordinário, ou invoca-lo em sede de oposição à execução. (…)”
R) A sentença do douto Tribunal de 1ª Instância sustenta, ainda, o entendimento que o acto de junção da procuração aos autos, por sí só, é intervenção processual relevante para efeitos do disposto no art. 189º do CPC.
S) Sobre a junção de procuração aos autos, veja-se, o entendimento do Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 03/11/2016, Proc. n.º 1573/10.5TBLLE-C.E1, onde se afirma que: “A forma de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito no caso das ações tramitadas eletronicamente é fazer uma interpretação atualista quanto aos efeitos relacionados com a apresentação da procuração forense, de modo a evitar que a simples junção de instrumento de mandato forense não implique direta e necessariamente a preclusão de possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação”.
T) De facto, se não tivesse procedido a junção da procuração nos autos de declaração, como poderia a Recorrente ter obtido conhecimento do que fundamentava a execução e perceber de que esta padecia da nulidade de falta de citação?
U) No regime processual que vigorava aquando da junção da procuração forense aos autos de declaração, para que o advogado tenha acesso a autos é necessário que junte procuração aos autos, pelo que aquando da junção da procuração não era possível conhecer o seu conteúdo, os atos praticados, nem tão pouco o vicio desconhecido.
V) Se nos detivermos um pouco sobre o entendimento do Tribunal a quo, então a Recorrente teria de proceder à junção de procuração forense ao processo declarativo, de forma a obter acesso ao mesmo e assim dele tomar conhecimento, e nesse mesmo acto, invocar uma nulidade que ainda não sabia existir.
W) Pois, impõe a lógica e bom senso que tal entendimento não pode proceder e deve ser retratado, sob pena de ser profundamente penalizador para a ora Recorrente.
X) Na verdade, tal entendimento é notoriamente injusto, porque parece pressupor que a Recorrente interveio com conhecimento da pendência do processo. O que não foi o caso.
Y) Aquando da junção da procuração, a tramitação processual estava sujeita à disciplina da Portaria 280/2013, de 26/08, prescrevendo o art. 27º da mesma, que o acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processo requer registo prévio dos advogados junto da entidade responsável pela gestão dos acessos ao sistema informático (art. 5º, n.º 2 do mesmo diploma).
Z) A este respeito diz o seguinte, o Ac. do TRE, Proc. 1573/10.5TBLLE-C.E1: “Como o processo físico não existe, o acesso à tramitação eletrónica implica a junção de uma procuração e, nessa medida, esta é também pressuposto de qualquer intervenção. (…) A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada.”
AA) De todo o supra exposto, temos que tal entendimento é de igual modo desconforme e desajustado à realidade dos factos.
BB) Devendo, por consequência, a decisão a este respeito e que julgou improcedentes os embargos de executada ser revogada por manifesto erro de interpretação constante do art.º 189º do C.P.C.
CC) Invocou ainda a aqui recorrente como motivo de oposição à penhora, o excesso de penhora.
DD) E a este respeito decidiu o tribunal a quo o que se passa a transcrever: “No que concerne á matéria de oposição á penhora deduzida, conforme resulta da informação prestada pelo agente de execução, a penhora dos saldos bancários não se mostra excessiva, porquanto, o valor da penhora é ainda inferior ao valor da quantia exequenda e das custas previsíveis da execução, as quais, conforme decorre do disposto nos artºs 541º e 735º nº 3 do Código de Processo Civil, têm de ser consideradas.”
EE) Tal decisão tem por base o ponto 8 da matéria de facto, que de igual forma se passa a transcrever: “Á data de 15 de Novembro de 2018, o valor actualizado da quantia exequenda e custas previsíveis da execução era de € 9822,85, encontrando-se penhorada nos autos de execução a quantia total de € 9489,02 (cfr. informação do agente de execução junta a este apenso a 17-05-2019”:
FF) Desde logo, não se alcança como pode a 1ª Instância considerar como facto assente que se encontra penhorado apenas o produto da penhora de saldos bancários, em completa contradição com o que é alegado pela Oponente na sua Oposição à Penhora e desconsiderando que, antes desta penhora, foram os condóminos notificados das penhoras das quotizações de que seria credora a Recorrente. (– Cfr. notificações constantes dos autos de execução com as Ref.; 3917671, 3917672, 3917673, 3917674, 3917675, 3917676, 3917677, 3917678, 3917679, 3917680, 3917681, 3917682, 3917683, 3917684, 3917685, 3917686, 3917687, 3917688, 3917689, 4011164.)
GG) Foram, aliás, estas penhoras de créditos que fundamentaram a citação para a execução, em 08/07/2016, tal como resulta dos autos de execução e foi alegado pela Recorrente. (- Cfr. notificações constantes dos autos de execução com as Ref.; 4100668)
HH) Só em momento posterior a esta notificação das penhoras de créditos, foi a Recorrente notificada da penhora de saldos bancários.
II) Não obstante, as diligências de penhora patentes nos autos de execução, a notificação da penhora de créditos a cada um dos condóminos, o Tribunal a quo fez tábua rasa de tudo quanto foi alegado pela Recorrente, das diligências de penhora patentes nos autos de execução e da prova documental existente e limitou-se a decidir quanto à penhora o que acima se transcreveu, não tendo por consequência contabilizado ou apurado as quantias que foram posteriormente entregues ao Agente de Execução a título de penhora de créditos.
JJ) Também no que a esta questão concerne, não pode a Recorrente deixar de demonstrar a sua perplexidade, não se entendendo o que motiva tal decisão, totalmente contrária ao que foi alegado em sede de Oposição e às diligências demonstradas na execução.
KK) Devendo a sentença neste segmento e na parte em que julgou a oposição á penhora improcedente e no que a esta questão diz respeito ser igualmente revogada.
LL) Devendo consequentemente o presente recurso ter provimento revogando-se na sua totalidade a sentença recorrida.”.
A embargada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º, n.º 2 do mesmo diploma). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 114-116.
Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil). Porém, o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cfr. nº 4 do mencionado art. 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Nestes termos, no caso em análise, as questões a decidir são as seguintes:
- tempestividade da arguição da nulidade por falta de citação do réu na acção declarativa – arts. 4º a 17º e 23º a 30º das motivações e als. C) a J), O) a Q) e R) a Z) das conclusões de recurso;
- a impugnação e pretendida alteração da decisão sobre matéria de facto vertida no nº 5 dos Factos Provados - arts. 18º a 20º das motivações e als. L) a N) das conclusões de recurso;
- o excesso de bens penhorados na execução relativamente ao valor da quantia exequenda - arts. 42º a 50º das motivações e als. CC) a JJ) das conclusões de recurso.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou como provados os seguintes factos:
1 – No dia 13 de Maio de 2016, o exequente/embargado A remeteu por via electrónica requerimento executivo para instauração da acção executiva para pagamento de quantia certa, a que os presentes autos se encontram apensados, contra o executado/embargante B, peticionando o valor total de € 7.822,21 e juros moratórios vincendos até integral pagamento, apresentando como título executivo sentença, transitada em julgado, proferida no processo nº 136993/14.0YIPRT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Instância Local Cível-J4 (cfr. requerimento executivo, sentença condenatória judicial junta à execução e ofício de 17-05-2018).
2 – No requerimento executivo, o embargado indicou, designadamente, o seguinte:
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Divida comercial [Instância Local Cível]
Titulo Executivo: Decisão judicial condenatória
Factos:
Por sentença proferida no processo 136993/14.0YIPRI, que correu termos pela Secção Cível / J4 da Instância Local de Loures, o Executado foi condenado a pagar à Exequente 6.505,54 € acrescidos de juros de mora às taxas legais sucessivamente aplicáveis às operações comerciais vencidos, no valor de 5.973,78 € e vincendos.
O Executado, até a presente data, não pagou a sobredita quantia.
Na data de apresentação deste requerimento os juros de mora sobre este último montante ascendem a 803,72 €.
Ao abrigo do disposto nos arts. 533° do Código de Processo Civil e 25° e 26° do Regulamento das Custas Processuais, a Exequente remeteu em 18 de Novembro de 2015 ao Executado, através de carta registada, a nota discriminativa e justificativa das custas de parte (cf. docs. 1 a 3).
O Executado não pagou os 508,95 € referentes às custas de parte da Exequente.
A este valor acrescem juros de mora à taxa máxima estabelecida na lei fiscal, que neste momento ascendem a 3,97 €.
Assim sendo, é a Exequente credora do Executado por 7.822,21 €, sem prejuízo dos juros moratórios vincendos calculados às taxas legais sucessivamente aplicáveis aos créditos comerciais sobre 5.973,76 € e à taxa máxima estabelecida na lei fiscal sobre o valor das custas de parte, tudo até integral pagamento.
(cfr. requerimento executivo).
3 – No campo destinado à liquidação da obrigação, o embargado indicou no requerimento executivo o seguinte:
LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO
Valor Líquido:                                                               6.505,54 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético:             1.316,67 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético:         0,00 €
Total:                                                                            7.322,21 €
A dívida exequenda ascende a 7.322,21 €, que corresponde à soma de:
a) 6.505,54 € de valor base da condenação;
b) Juros de mora às taxas legais sucessivamente aplicável às operações comerciais vencidos até ao presente momento, no montante de 803,72 €;
c) Custas de parte no valor de 506,98 €;
d) Juros de mora à taxa máxima estabelecida na lei fiscal sobre o montante aludido em c) desde 27.10.2015 até à presente data no valor de 3,97 €.
A estes montantes acrescem os juros moratórios vincendos calculados às taxas legais sucessivamente aplicáveis aos créditos comerciais sobre 5.973,73 € e à taxa máxima estabelecida na lei fiscal sobre o valor das custas de parte, até integral pagamento.
(cfr. requerimento executivo).
4 - O processo referido em 1. teve início com requerimento de injunção, tendo os autos sido remetidos à distribuição, por não ter sido conseguida a notificação do embargante pelo Balcão Nacional de Injunções (cfr. documento n.º 1 junto à oposição à execução e acordo das partes).
5 - Em 30 de Março de 2015, foi junta na acção declarativa referida em 1. certidão do seguinte teor:
Certidão de Citação/Notificação Pessoal
(…)                                     Processo: 136993/14.0YIPRT
Comarca de Lisboa Norte
Loures – Inst. Local – Secção Cível J4
(…)
Data: 17-03-2015      Documento: 65207134428           Referência interna do processo: CPD/7/2015
ELEMENTOS RELATIVOS AO CUMPRIMENTO DA DILIGÊNCIA
Pelas 11: 45 do dia 25-03-2015 na Rua Quinta do Pinheiro, nº 16, 3º G, comarca de Lisboa
Efetuei a citação/notificação de B
1. Na pessoa de Fernando …., que declarou estar em condições de receber a citação/notificação e que ficou consciente de que, nos termos do n° 5 do artigo 232° Do Código do Processo Civil (CPC), constituí crime de desobediência a conduta de quem, tendo recebido a citação/notificação, não entregue logo que possível ao citando/notificando os elementos deixados, do que será previamente advertido; tendo a citação/notificação sido efetuada em pessoa que não viva em economia comum com o citando/notificando, cessa a responsabilidade se entregar tais elementos a pessoa da casa, que deve transmiti-los ao citando/notificando.
2. Verifiquei a identidade pelo cartão do cidadão, com o n° de identificação civil 06064562, com a data de validade 26-06-2015;
3. Verifiquei a identidade pelo documento de identificação ____________, com nº ______________, emitido em ___________, com data de         ____-___-___;
4. O citando/ notificando recusou receber ou a assinar a presente certidão tendo sido por mim informado de que a nota de citação/notificação e os documentos ficam à sua disposição na secretaria judicial;
5. O citando/notificando recebeu o requerimento e documentos, mas recusou assinar a presente certidão de citação/ notificação;
6. Pelas  _____:­­­­­­_____do dia ___-___-20___ deixei aviso com a indicação para citação/notificação com dia e hora certa, tendo ficado consignado que a diligência será realizada pelas___:___ do dia ____-___-20___;
7. A citação/notificação foi efetuada mediante afixação na morada supra referida da nota de citação/notificação com a indicação de que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando/notificando na secretaria judicial, tendo testemunhado este acto os Srs. _________________ e ________________;
8. efectuada pelo empregado forense ________________________________, portador do B.I. nº ________________;
9. efectuada pelo Agente de Execução João Magalhães, com a cédula profissional nº 4359;
10. Observações:_________________________________________
Encontram-se preenchidos os campos 01-02-09-X-X-X-X.
ASSINATURAS
O(a) citando/notificando
_________________________________________

O Agente de Execução
_________________________________________

(cfr. documento n.º 2 junto à oposição à execução).
6 - No dia 2 de Novembro de 2015, foi proferida a sentença referida em 1., a qual é do seguinte teor:
***
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
O processo está isento de nulidades, excepções ou questões prévias que, obstando à apreciação do mérito da causa, cumpra conhecer.
O pedido não se afigura como manifestamente improcedente.
*
O Réu, regular e pessoalmente citado, não contestou a presente acção.
*
Nos termos do artigo 2.° do Decreto-Lei n° 269/98, de 1 de Setembro (na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n° 107/2005, de 01/07), confiro força executiva à petição.
Custas a cargo do Réu - artigo 527.°, n.°s 1 e 2, do Cód. Processo Civil.
Registe e notifique.
(cfr. sentença junta à execução).
7 – O embargante juntou procuração aos autos declarativos referidos em 1. no dia 18 de Julho de 2016 (cfr. ofício de 17-05-2018).
8 – À data de 15 de Novembro de 2018, o valor actualizado da quantia exequenda e custas previsíveis da execução era de € 9.822,85, encontrando-se penhorada nos autos de execução a quantia total de € 9.489,02 (cfr. informação do Agente de Execução junta a este apenso a 17-05-2019).
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões a decidir neste recurso pela sua ordem de análise e precedência lógica, começando pelas atinentes à oposição à execução:
Da impugnação da matéria de facto vertida no art. 5º dos Factos Provados
Nos termos do disposto no art. 662º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Dispõe, por sua vez, o art. 640º do Cód. Proc. Civil que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.
Impugna o apelante a matéria de facto vertida no art. 5º dos Factos Provados, alegando, em síntese útil, que: ali foi dada “por reproduzida uma “suposta citação” da Recorrente para a ação declarativa realizada na pessoa de Fernando ….., que não é nem nunca foi representante legal da Recorrente, o que foi demonstrado documentalmente nos embargos deduzidos”; a sentença recorrida “não deixou de “subtilmente”, ao dar por reproduzida a certidão da supra referida citação, “deixar no ar “ a possibilidade real de a então Ré e aqui Recorrente ter sido efetivamente citada para a ação declarativa.”; e o tribunal a quo, “com esta decisão, precludiu a apreciação de toda a matéria de facto alegada pelas partes a este respeito, e portanto devia ter-se abstido de dar por reproduzida a certidão de uma citação que não pode apurar se era válida.” - cfr. arts. 18º a 20º das motivações e als. L) a N) das conclusões de recurso.
Relembramos aqui, que, dos Factos Provados sob o nº 5, consta: “Em 30 de Março de 2015, foi junta na acção declarativa referida em 1. certidão do seguinte teor:”, seguindo-se a transcrição do teor de tal certidão, cuja cópia foi junta pelo ora apelante como documento nº 2 no Requerimento Inicial da oposição à execução.
O que significa que o tribunal a quo, naqueles Factos Provados apenas deu como assente que, na acção declarativa onde foi proferida a sentença que constitui o título executivo dado à execução, consta uma certidão, aí junta em 30 de Março de 2015 e com o preciso teor que ali foi transcrito. Nada mais se extraí daqueles Factos Provados quanto à citação da apelante para a acção declarativa, ao contrário do que é entendido pelo apelante.
E, o tribunal a quo, na sequência da factualidade pertinente para a decisão que proferiu e que deu como assente nos demais Factos Provados, não podia deixar de ali fazer constar – como fez - como provada (i) a existência de tal certidão na acção declarativa, (ii) o teor literal de tal certidão (iii) e a data da respectiva junção àquela acção, cuja prova resulta – de forma cristalina e incontroversa – quer do documento nº 2 junto pelo próprio apelante no Requerimento Inicial de oposição à execução que deu origem a este processo, quer do acordo das partes nesse sentido.
Questão diversa é saber se a pessoa identificada em tal certidão e que assinou a mesma representava – ou não -, para efeitos de citação judicial e naquela altura, o ora apelante, questão essa, que é a verdadeiramente suscitada pelo apelante na oposição à execução quanto à sua falta de citação para a acção declarativa (cfr. arts. 29º a 34º do Requerimento Inicial de oposição à execução que deu origem a estes autos). E, quanto a esta última questão, o tribunal a quo não se pronunciou em sede de matéria de facto (no sentido de dar como provada – ou não – a versão do ora apelante) por ter decidido em sede de saneador-sentença pela extemporaneidade da arguição da nulidade da falta da mencionada citação, sendo certo que não chegou a ser produzida a prova testemunhal e documental indicada quer pelo ora apelante (cfr. parte final do Requerimento Inicial de oposição à execução), quer pela ora apelada (cfr. parte final da Contestação àquele Requerimento).
Por isto, improcedem os argumentos do apelante, confirmando-se a manutenção dos Factos Provados sob o nº 5, improcedendo, nesta parte, o recurso.
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Da tempestividade da arguição da falta de citação do ora apelante na acção declarativa onde foi proferida a sentença que constitui o título executivo dado à execução
Na decisão recorrida, julgou-se sanada a invocada falta de citação, com os seguintes fundamentos:
Salvo o devido respeito por melhor opinião, a falta de citação na acção declarativa, a existir, ter-se-ia que considerar sanada, porquanto, tendo o embargante aí procedido à junção de procuração no dia 18-07-2016, não arguiu logo a falta de citação.
Sob a epígrafe “Suprimento da nulidade de falta de citação”, preceitua o artigo 189º do Código de Processo Civil o seguinte:
«Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.».
É entendimento deste Tribunal que a junção de procuração tem de considerar-se intervenção relevante para efeitos daquele normativo legal, considerando que, se a parte junta procuração a um processo é porque teve conhecimento da sua existência e, nessa medida, estará em condições de arguir logo a sua falta de citação.
Não tendo o embargante arguido a falta de citação aquando da intervenção nos autos de declaração, a falta, a existir, deve considerar-se sanada.
Nestes termos, entende-se ser de julgar a oposição à execução improcedente.”.
O apelante sustenta em sede deste recurso que a decisão proferida pelo Tribunal a quo fez errada interpretação da norma prevista no art. 189º do Cód. Proc. Civil, sendo tempestiva a arguição da nulidade de falta de citação nesta oposição à execução, por duas ordens de razões:
(i) não ser possível aquela arguição na acção declarativa aquando da junção da procuração por, nesse momento, tal acção já se encontrar finda (e não pendente), com o trânsito em julgado da sentença aí proferida;
(ii) apenas com a junção da procuração forense à acção declarativa, poderia o apelante consultar o processo e obter conhecimento do que fundamentava a execução, pelo que, em tal acto de junção da procuração não lhe era possível arguir a falta de citação, que, naquele momento, desconhecia.
Assim, a questão que se coloca neste recurso é a interpretação a dar ao art. 189º do Cód. Proc. Civil, que prescreve: “Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.”; cumprindo decidir se a junção da procuração forense apresentada pelo réu na acção declarativa após o trânsito em julgado da sentença ali proferida, sem arguir a nulidade da citação, importa uma intervenção relevante no processo para os termos e efeitos daquele preceito legal.
Apreciemos.
A citação é o acto ou peça processual através do qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele uma determinada acção e se chama ao processo para se defender; é utilizada para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada – cfr. art. 219º, nº 1 do Cód. Proc. Civil. É através da citação que o réu é convocado para exercer o seu direito ao contraditório e, eventualmente, deduzir pedidos contra o autor, constituindo-se o demandado como parte.
Quer pela forma, quer pelo seu conteúdo e finalidade, a citação constitui o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo civil: o princípio do contraditório. Num processo de natureza dialética, como é o processo civil, é a citação do réu que determina o início da discussão necessária a iluminar a resolução do conflito de interesses, com vista à justa composição do litígio. É pelo ato de citação que se dá conhecimento ao réu da petição ou do requerimento inicial, propiciando-lhe a faculdade de deduzir oposição.” – cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado Parte Geral e Processo de Declaração”, Vol. I, Almedina, 2019, p. 251.
A nulidade (em sentido lato) da citação comporta duas modalidades: a falta de citação e a nulidade (stricto sensu) – cfr., respectivamente, arts. 188º e 191º, ambos do Cód. Proc. Civil.
A mera nulidade (stricto sensu) da citação ocorre quando na sua realização não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei; devendo ser arguida no prazo indicado para a contestação ou, sendo a citação edital ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, na primeira intervenção do citado no processo – cfr. art. 191º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.
Por sua vez, nos termos do art. 188º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, haverá falta de citação quando: o acto tenha sido completamente omitido (al. a); tenha havido erro de identidade do citado (al. b); se tenha empregado indevidamente a citação edital (al. c); se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade (al. d); ou quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável (al. e). A falta de citação constitui uma nulidade principal que pode ser invocada em qualquer estado do processo, é de conhecimento oficioso e só se sana com a intervenção do interessado nos autos - cfr. arts. 189º, 196º e 198º, nº 2, todos do Cód. Proc. Civil.
A este respeito (em comentário ao art. 196º do Cód. Proc. Civil então em vigor, com idêntica formulação ao actual art. 189º), esclarece Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume I, 3ª ed., reimpressão, Coimbra Editora, 1982, p. 313, que, para a arguição da falta de citação não há prazo; enquanto o réu (ou o Ministério Público) se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se mantiver alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação, mas “logo que intervenha no processo, há-de alegar imediatamente a falta referida sob pena de se considerar sanada a nulidade”; acrescentando, agora, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, p. 447 (reproduzindo intervenção de Barbosa de Magalhães no âmbito da Comissão Revisora, que propôs a eliminação do prazo de cinco dias para arguir a falta de citação, que constava do artigo 224º do Projecto, e que foi aceite) que “Desde que o réu, por sua vontade, intervém no processo, não deve poder arguir a falta da sua citação. Por outras palavras: se a quiser arguir, não deve intervir no processo, pois não é a isso obrigado. O réu, tendo conhecimento de que contra ele corre um processo em que não foi citado, ou intervém nele na altura em que se encontra ou argui a falta da sua citação.”. Em consequência destas observações, conclui Alberto dos Reis que: “(…) declarou-se que a falta fica sanada se o réu a não arguir logo, isto é, no preciso momento em que, pela 1ª vez, intervém no processo” (cfr. última ob. e loc. cit.).
Porém, importa ter em consideração que a norma do art. 189º do Cód. Proc. Civil (de se considerar sanada a nulidade se o réu ou o Ministério Público intervierem no processo sem arguir logo a falta da sua citação) pressupõe logicamente que o processo ainda esteja pendente, ou seja, a nulidade só pode ser arguida até ao trânsito em julgado da sentença. E isto porque, com a previsão legal de nulidade da citação pela sua falta, visa-se salvaguardar o direito de defesa do réu, e, portanto, dar-lhe a oportunidade de poder defender-se num processo que ainda pende, ou seja, exercer um dos princípios basilares do processo civil: o princípio do contraditório. Findo o processo, por ter decorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória do réu revel, esgotado que está o poder jurisdicional do juiz nesse processo (cfr. art. 613º, nº 1 do Cód. Proc. Civil), a existir nulidade da citação, deverá o réu, julgado à revelia, invocá-la como fundamento de recurso de revisão no prazo legal para o efeito (cfr. arts. 696º, al. e) e 697º, nºs 1 e 2, al. e), ambos do Cód. Proc. Civil), ou como fundamento de oposição à execução (cfr. art. 729º, al. d) do Cód. Proc. Civil).
A este propósito, escreve-se, de forma deveras elucidativa, no Acórdão do TRP de 05/05/2010, Maria Adelaide de Jesus Domingos, acessível em www.dgsi.pt que: “Em termos que até consideramos mais rigorosos, também num acórdão desta Relação do Porto, que analisou uma questão muito semelhante à que ora nos ocupa, se decidiu que a nulidade da falta de citação pode ser arguida ou conhecida oficiosamente em qualquer estado do processo, ou seja, enquanto o mesmo pender, considerando que após o trânsito em julgado da sentença final o estado do processo já não permite a arguição ou o conhecimento oficioso por o processo já não se encontrar pendente.[6]. / Cremos ser este o entendimento correcto sobre a questão, em face do modo como o ordenamento jurídico organiza a reacção processual relativamente à nulidade da citação e aos pressupostos com base nos quais aceita a sanação daquele vício. /De facto, a lei estabelece vários mecanismos de reacção processual contra a nulidade da citação: reclamação através da arguição da nulidade, nos termos previstos nos artigos 201.º e seguintes do CPC; interposição de recurso ordinário se a mesma tiver sido explicita ou implicitamente objecto de decisão judicial,[7] e desde que verificados os pressupostos de recorribilidade previstos nos artigos 676.º e seguintes do CPC; interposição de recurso extraordinário de revisão se arguida após o trânsito em julgado e verificados os pressupostos mencionados nos artigos 771.º e seguintes do CPC; e, finalmente, através de oposição à execução, conforme estipula o artigo 814.º, alínea d) do CPC. Daqui resulta que o que varia é o modo ou a forma processual de levar a cabo a sua invocação, [8] sendo que cada uma destes modos ou formas está sujeito a requisitos específicos.” (…) / “Mas para além do argumento formal do esgotamento do poder jurisdicional do juiz, não se podem descurar as razões de fundo e que estão relacionadas com o direito de defesa, que as partes devem exercer em condições de igualdade, sendo para o efeito imprescindível um real cumprimento do princípio do contraditório, ínsito no direito ao acesso aos tribunais com consagração constitucional no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e vertido na lei ordinária, mormente nos artigos 3.º e 3.º-A do CPC. / Ou seja, um juízo de constitucionalidade sobre a admissão da sanação da nulidade da citação por intervenção do réu no processo sem a arguir, conforme prescreve o artigo 196.º do CPC, só pode ter acolhimento no nosso sistema judicial, tal como já foi decidido pelo Tribunal Constitucional,[9] se “…da intervenção posterior do réu nos autos, resul[ar] que, de harmonia com um juízo de razoabilidade, o mesmo, não obstante o vício da falta de citação, fique, ciente, nos seus precisos termos, das razões de facto e de direito que são avançadas pelo autor para fundarem a pretensão contra ele deduzida.” / Acrescentando-se no mesmo aresto que, face aos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, “Só assim, na verdade, se pode perspectivar que o princípio do contraditório foi observado e que ao réu foi, na prática, dada a possibilidade de uma actuação na lide em condições idênticas à do autor, princípio e possibilidade essas que (…) que defluem dos aludidos normativos constitucionais.”.
É este o entendimento perfilhado tendencialmente na jurisprudência e que subscrevemos, como se deixou dito, podendo consultar-se neste sentido, para além, do Acórdão acabado de citar, os Acórdãos do TRP de 17/12/2008, Fernando Manuel Pinto de Almeida; e do TRC de 21/05/2013, Regina Rosa, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
Descendo ao caso dos autos, constata-se que a procuração forense foi junta pelo réu/ora apelante na acção declarativa após o trânsito em julgado da sentença aí proferida – cfr. Factos Provados sob os nºs 6. e 7..
Desta forma, na esteira do entendimento que perfilhamos e acima enunciado, verifica-se que, já tendo decorrido o trânsito em julgado da sentença que condenou o réu revel/ora apelante, a intervenção do mesmo na acção declarativa através da junção da procuração forense, sem que tenha arguido a nulidade da sua citação, não determina a sanação deste vício, por aplicação do art. 189º do Cód. Proc. Civil (uma vez que a sua arguição, naquela fase, já se revelava extemporânea por se encontrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à respectiva apreciação). Por outras palavras, após o trânsito em julgado da sentença proferida na acção declarativa, a nulidade em causa não poderia ser arguida pelo réu/ora apelante, nomeadamente aquando da junção da procuração forense (ou, mesmo, no prazo de dez dias, como refere a apelada em sede de contra alegações), por aquela acção já não se encontrar pendente. Como acima se referiu, após o trânsito em julgado da sentença, a nulidade pode ainda ser invocada, mas apenas como fundamento de revisão da sentença transitada ou como fundamento na oposição à execução da sentença, sendo esta última via que o opoente/ora apelante se encontra a utilizar nesta acção. Salienta-se, ainda, que, no caso dos autos, o réu/ora apelante reagiu contra o vício, que defende existir, de falta da sua citação no prazo de dez dias após a junção daquela procuração forense, uma vez que a juntou em 18/07/2016 e instaurou esta oposição à execução, invocando aquele vício, em 29/07/2016 (cfr. arts. 137º, nº 4; 138º, nº 2, 2ª parte; e 149º, nº 1, todos do Cód. Proc. Civil).
Invoca a apelada em sede de contra alegações, defendendo que se encontra sanada a nulidade em referência com a junção da mencionada procuração forense, que: estes embargos entraram em tribunal a 29/07/2016 e a acção declarativa só terminou a 27/09/2017, quando nela foi aposto o visto em correição, sendo que a 08/09/2017 foi notificada a ambas as partes nessa acção, nas pessoas dos seus Mandatários constituídos, a dispensa da conta, tendo sido essa a última intervenção de ambas nele.
Porém, este argumento não procede, porquanto, como acima se deixou dito, a pendência do processo para efeitos de tempestividade de arguição da nulidade por falta de citação (a fim de evitar a sua sanação, nos termos do art. 189º do Cód. Proc. Civil) é limitada pelo trânsito em julgado da sentença. Após esse trânsito, independentemente de poderem ser praticados actos, nomeadamente, em sede de contagem do processo e pagamento das respectivas custas, o processo já não se encontra pendente para aqueles efeitos (de arguição da nulidade da citação).
Desta forma, a prática de actos ocorridos na mencionada acção declarativa após o trânsito em julgado da sentença aí proferida (e, entretanto, dada à execução), máxime, após a junção da procuração forense pelo réu/ora apelante, não implica, para efeitos de arguição da nulidade em referência, que aquela acção estava pendente.
Por outro lado, mesmo se se entendesse que a acção declarativa ainda estaria pendente para efeitos de aplicação do disposto no art. 189º do Cód. Proc. Civil – entendimento que não perfilhamos, como resulta do que acima se deixou dito -, não se poderia considerar o acto do réu/ora apelante de junção da procuração forense como intervenção relevante para efeitos daquela disposição legal, ou seja, tal junção não se afigura, de per si, como suficiente, idónea e adequada para sanar a nulidade da falta de citação.
Senão, vejamos.
Como vimos, resulta do citado art. 189º do Cód. Proc. Civil, que a intervenção do réu no processo sem arguição imediata (“logo”) da falta de citação tem como consequência a sanação daquele vício.
Importa, então, definir o que deve entender-se por intervenção do réu no processo.
A propósito desta matéria, entende J. Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 3ª ed., Almedina, p. 251, que a aludida intervenção há-de reportar-se à prática de acto susceptível de pôr termo à revelia do réu, esclarecendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão.
No mesmo sentido, esclarece Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, p. 335, a propósito do art. 196º do Cód. Proc. Civil de 1961 (idêntico ao actual art. 189º), que “não faria sentido que o réu ou o Ministério Público interviesse no processo sem arguir a falta de citação e esta mantivesse o efeito de nulidade. Ao intervir, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de iure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se.”.
António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in ob. cit., p. 228, em comentário ao art. 189º do Cód. Proc. Civil, escrevem que: “A solução aqui consagrada radica no seguinte entendimento: se, não obstante o vício, quem deveria ter sido citado está no processo, o intuito informativo típico da citação está, afinal, assegurado. Mas para o efeito, «intervir no processo» pressupõe que o réu ou o Ministério Público estão em condições que permitem concluir que está superada uma situação de revelia absoluta.”.
Na jurisprudência, refere-se no já citado Acórdão do TRP de 17/12/2008, Pinto de Almeida, que importante, para que essa intervenção no processo possa assumir relevo, é que a mesma envolva ou pressuponha “o conhecimento pelo réu da pendência do processo declarativo, o conhecimento que lhe seria dado pela citação./ A intervenção deve mostrar que o interessado teve, do processo, aquele conhecimento que a citação lhe deveria dar, e revela que a falta o não impediu de vir a juízo pugnar pelo seu direito[8]./ A intervenção relevante deve, como acima se referiu, preencher as finalidades da citação; pressupõe, portanto, o conhecimento do processo que esta propiciaria. Só assim seria legítimo presumir que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.”
Na esteira destes entendimentos, consideramos também que a intervenção no processo relevante para efeitos de sanação da falta de citação, nos termos do disposto no art. 189º do Cód. Proc. Civil, é aquela que pressupõe o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento do processo pelo réu como decorreria da citação, ou seja, o conhecimento que lhe seria dado pela citação.
Em sede deste recurso, invoca o apelante que apenas com a junção da procuração forense à acção declarativa, poderia consultar o processo e obter conhecimento do que fundamentava a execução, pelo que, no acto de junção da procuração não lhe era possível arguir a falta de citação, donde, tal junção não pode ser considerada como relevante para efeitos de sanação daquele vício, nos termos do art. 189º do Cód. Proc. Civil.
E, adianta-se desde já, tem razão o apelante.
Senão, vejamos.
A acção declarativa onde foi proferida a sentença que constitui o título dado à execução de que este processo é apenso (cfr. Factos provados sob os nºs 1. e 4.) encontra-se sujeita a tramitação electrónica de acordo com a Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto (que entrou em vigor em 01/09/2013).
Estabelece o art. 27º da referida Portaria nº 280/2013, na redação vigente na data da junção da procuração forense pelo ora apelante, na parte relevante para esta decisão, que:
“1 - A consulta de processos por parte de advogados e solicitadores é efetuada:
a) Relativamente às peças e documentos existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador de processo; ou
b) Junto da secretaria.

2 - O acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º.”
Nos termos do art. 5º, nº 2 da referida Portaria: “O acesso ao sistema informático referido no número anterior por advogados, advogados estagiários e solicitadores requer o seu registo junto da entidade responsável pela gestão dos acessos ao sistema informático.”.
O que significa que, ainda que exista um processo físico em suporte de papel, o acesso à tramitação electrónica do mesmo – indispensável a uma análise completa e detalhada do processo – implica necessariamente a junção de uma procuração forense, que, por isto, constitui, em si mesma, o pressuposto de qualquer intervenção nos autos.
Deste modo, perfilhamos, no essencial, o entendimento da mais recente jurisprudência sobre esta questão (cfr., por todos: Acórdão do TRE de 03/11/2016, José Manuel Galo Tomé de Carvalho; Acórdãos do TRL de 06/07/2017, António Fernandes dos Santos; e de 05/11/2019, Maria da Conceição Saavedra; Acórdão do TRC de 24/04/2018, Isaías Pádua; e Acórdãos do TRG de 29/06/2017, Jorge Teixeira; e de 23/01/2020, de Fernanda Proença Fernandes, todos acessíveis in www.dgsi.pt) – que vimos seguindo de perto - no sentido de que a intervenção relevante da parte na causa, para os efeitos previstos no art. 189º do Cód. Proc. Civil, pressupõe um acesso ao processo electrónico que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial hoje não garante.
 “Ou seja, não deverá, no atual quadro normativo, considerar-se que a simples junção da procuração forense afasta a possibilidade de ulterior arguição de vício de nulidade por falta de citação. Pelo menos nos 10 dias subsequentes (cfr. art. 149 do C.P.C.).” - Acórdão desta mesma Secção, de 05/11/2019, Maria da Conceição Saavedra, acima citado.
Assim, subscrevemos também o entendimento plasmado no Ac. TRE de 03/11/2016, de José Manuel Galo Tomé de Carvalho, acima citado, de, em consonância com o disposto no art. 9º, nº 1, in fine, do Cód. Civil, interpretar de forma actualista a lei, no sentido de considerar como estando desactualizada a corrente jurisprudencial que pugnava por reputar como intervenção relevante - para efeitos do actual art. 189º do Cód. Proc. Civil - a simples junção ao processo de uma procuração.
Conforme se conclui neste último Acórdão: “(…) Tendo presente a realidade social, económica e a própria evolução tecnológica, inclusivamente na dimensão do acesso ao direito através do recurso a ferramentas informáticas, de acordo com os cânones de uma boa interpretação, estando a hermenêutica actualista legitimada pelo Código Civil e pela Teoria do Direito, o julgador tem de tomar em consideração as circunstância de tempo e de modo em que a lei deve ser aplicada e, como corolário lógico, no domínio da Tramitação Electrónica dos Processos Judiciais preconizada pela Portaria nº280/2013, de 26/08, não é legítima a conclusão que a simples apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema electrónico e constitui pressuposto de qualquer actuação processual futura, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes e preclude a hipótese de suscitar a competente nulidade.(…).”
Revertendo, agora, ao caso em apreço, e perfilhando nós o entendimento de que a junção da procuração forense (que é condição de acesso ao sistema electrónico e constitui pressuposto de qualquer actuação processual futura) não é suficiente para pôr termo à revelia absoluta, nem meio idóneo de tomar conhecimento do processo, de modo a presumir-se que logo aí o réu prescindiu, conscientemente, de arguir a falta de citação, concluímos que a junção à acção declarativa da procuração forense em 18/07/2016 não sanou a eventual nulidade da falta de citação, nos termos do art. 189º do Cód. Proc. Civil, ao contrário do decidido na sentença recorrida.
Em suma, por não estar sanada, a nulidade da falta de citação do réu/ora apelante na acção declarativa podia ser arguida, como foi, na oposição à execução.
Assim, nesta parte, procede a apelação, revogando-se o decidido, devendo o tribunal a quo apreciar agora do mérito do vício de nulidade de citação arguido pelo apelante (mérito esse, que não constitui objecto deste recurso).   
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Da oposição à penhora
Quanto à oposição à penhora, por excesso da penhora realizada na execução de que estes autos são apenso, decidiu o tribunal a quo:
“No que concerne à matéria de oposição à penhora deduzida, conforme resulta da informação prestada pelo Agente de Execução, a penhora dos saldos bancários não se mostra excessiva, porquanto, o valor da penhora é ainda inferior ao valor da quantia exequenda e das custas previsíveis da execução, as quais, conforme decorre do disposto nos artigos 541º e 735º, n.º 3 do Código de Processo Civil, têm de ser consideradas.”.
Tal decisão assenta na factualidade provada sob o nº 8, cujo teor aqui relembramos: “À data de 15 de Novembro de 2018, o valor actualizado da quantia exequenda e custas previsíveis da execução era de € 9.822,85, encontrando-se penhorada nos autos de execução a quantia total de € 9.489,02 (cfr. informação do agente de execução junta a este apenso a 17-05-2019)”.
Alega o apelante, no essencial, que: o tribunal a quo considerou como facto assente que se encontra penhorado apenas o produto da penhora de saldos bancários, em completa contradição com o que é alegado pelo apelante na sua Oposição à Penhora e desconsiderando que, antes desta penhora, foram os condóminos notificados das penhoras das quotizações de que seria credor o apelante (cfr. notificações constantes dos autos de execução com as Referências: 3917671, 3917672, 3917673, 3917674, 3917675, 3917676, 3917677, 3917678, 3917679, 3917680, 3917681, 3917682, 3917683, 3917684, 3917685, 3917686, 3917687, 3917688, 3917689, 4011164).
Apreciemos.
E, fazendo-o, desde já se salienta que, o apelante, querendo colocar em crise a decisão proferida quanto à matéria de facto dada como assente nos Factos Provados sob o nº 8., teria de observar o ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse, consagrado no supra citado e transcrito art. 640º do Cód. Proc. Civil.
Com efeito, resulta deste preceito legal, como é entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência, a consagração do ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser fundamentados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida. O que significa que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou. Porém, e como se refere, a este propósito, no Acórdão da Relação de Lisboa de 24/05/2016, Maria Amélia Ribeiro, acessível em www.dgsi.pt: “É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.”.
Por isto, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão os elementos probatórios produzidos nos autos em que funda o seu entendimento, bem como, consignar na motivação do recurso a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada uma das concretas questões de facto que impugna.
Ora, este ónus não foi observado no caso dos autos quanto à matéria de facto respeitante ao valor realmente penhorado nos autos, uma vez que, no recurso, o apelante não indica qual a concreta decisão probatória que, no seu entender,  deve ser proferida sobre o valor (diverso do dado como provado sob o nº 8.) penhorado na execução; nem precisou qualquer meio probatório específico constante da execução (nomeadamente, e por exemplo, de que concretos documentos resulta a efectiva realização de penhora de bens/direitos/valores superior ao dado como provado) que imponha decisão diversa da recorrida - desrespeitando, por isto, os ónus consagrados nas als. b) e c) do nº 1 do art. 640º do Cód. Proc. Civil.
A não observância de tais regras implica a rejeição imediata do recurso sobre a matéria de facto vertida nos Factos Provados sob o nº 8., pois, como ensina Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 167, “não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento”.
Desta forma, impõe-se aplicar a cominação prevista no corpo do citado art. 640º do Cód. Proc. Civil: rejeitar o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto vertida nos Factos Provados sob o nº 8.. O que se decide.
Quanto à decisão proferida sobre o mérito da oposição à penhora, também não tem razão o apelante.
Senão, vejamos.
De acordo com o disposto na parte final da al. a) do nº 1 do art. 784º do Cód. Proc. Civil – para o que aqui interessa, face ao invocado na acção e neste recurso -, sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com fundamento na inadmissibilidade da extensão da penhora realizada. O que significa que, o que está em causa é apenas a medida em que a penhora se realizou. Ou seja, nos termos desta disposição legal, constitui fundamento de oposição à penhora o facto de terem sido penhorados bens ou direitos cujo valor exceda o da quantia exequenda e custas da execução, em violação do princípio da proporcionalidade consagrado nos arts. 735º, nº 3 e 751º, nº 2, ambos do Cód. Proc. Civil.
Ora, no caso dos autos, não se verifica qualquer violação deste princípio da proporcionalidade, uma vez que a penhora efectivamente realizada (no valor de € 9.489,02) é inferior ao valor provável da quantia exequenda e custas da execução (€ 9.822,85), como resulta dos Factos Provados sob o nº 8.
Na verdade, o excesso de bens penhorados relativamente ao valor provável da quantia exequenda e custas da execução tem de ser aferido, como é natural, aos bens efectivamente penhorados e não aos bens cujas diligências de penhora foram feitas na execução, mas cujo resultado foi infrutífero (ou seja, que não chegaram a realizar-se). E, no caso dos autos, o valor realmente penhorado à data da prolação da sentença recorrida é apenas o mencionado (de € 9.489,02), sendo certo que as notificações para penhora - a que se refere o apelante neste recurso - relativamente às quotizações dos condóminos de que seria credor o apelante apenas consubstanciam diligências de penhora efectuadas pelo Sr. Agente de Execução, ou seja, não correspondem a qualquer bem/direito realmente penhorado e a acrescer à aludida penhora no valor de € 9.489,02.
Por todo exposto, bem andou a sentença recorrida ao concluir pela improcedência da oposição à penhora, pelo que resta decidir pela respectiva manutenção, julgando-se improcedente a apelação nesta parte.
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As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade do apelante e da apelada, na proporção de metade por cada um (face aos respectivos decaimentos na oposição à penhora e na oposição à execução) – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em:
A) Julgar a presente apelação procedente no que concerne à oposição à execução, e, em consequência, revogar a decisão recorrida a esse respeito, e determinar que se aprecie em 1ª instância do mérito da nulidade de citação arguida pelo opoente/ora apelante.
B) Julgar a presente apelação improcedente no que concerne à oposição à penhora, e, em consequência, manter a decisão recorrida a esse respeito.
Custas pelo apelante e pela apelada, na proporção de metade por cada um.
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Lisboa, 29 de Setembro de 2020
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
Dina Maria Monteiro