RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
Sumário


O crime de resistência e coação sobre funcionário é um crime de execução vinculada, pois a lei exige que o fim típico procurado pelo agente, ou seja, opor-se a que a autoridade pública exerça as suas funções, seja alcançado pelos meios descritos no tipo legal, isto é, através de violência que pode assumir as modalidades de ameaça grave ou ofensa à integridade física, para além de formas de violência que não se reconduzam àquelas.
No crime de resistência e coação sobre funcionário, como resulta da sua própria inserção sistemática, o bem jurídico que a lei quis especialmente proteger é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade e a liberdade de atuação do seu funcionário ou membro de força armada, posta em causa pelo emprego de violência ou resistência do agente arguido, não abrangendo, por isso, a tutela da integridade dos mesmos, como bem pessoal.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I - Relatório

1 - Na sequência da sua detenção e subsequente primeiro interrogatório judicial de arguido detido, no âmbito do Proc. N.º 322/19.7PBELV, do tribunal Judicial da Comarca de Portalegre - Instância Local de Elvas - foi proferida decisão, em 20/07/2019, que, entre o mais, decidiu:

- Dar como indiciada a matéria de facto constante da promoção do Ministério Público;

- Que a conduta do arguido, PASG, não constitui crime de resistência e coacção, previsto e punido pelo artigo 347º nº1 do Código Penal;

- Que dos factos apresentados em relação ao arguido, não se verifica perigo grave de perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas – previsto no artigo 204º c) do Código de Processo Penal;

- Que não se justificava a aplicação, ao arguido, da obrigação de apresentações periódicas, bissemanais, no posto policial mais próximo da área da sua residência, sujeitando-o, apenas, a Termo Identidade e Residência.

2 - O MºPº, inconformado, interpôs recurso dessa decisão, apresentando, na sua motivação de recurso as seguintes conclusões:

“1. Em relação à matéria de direito, pretende-se impugnar a decisão do Tribunal que considerou que conduta do arguido, não constitui crime de resistência e coacção, previsto e punido pelo artigo 347º n.º 1 do Código Penal

2. E a decisão do despacho que considerou que, tendo-se dado como indiciada a matéria de facto constante da promoção do Ministério Público, da mesma não se verifica perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas –previsto no artigo 204º c) do Código de Processo Penal.

3. Salvo melhor entendimento, a grande maioria da jurisprudência portuguesa considera que as “condutas de resistência activa”, atingem já o patamar de violência previsto por este tipo de crime.

4. Considerando que a conduta do arguido se assume claramente como um “acto de resistência activa” porque consubstanciado numa agressão física de relevo (note-se que, contrariamente ao entendido pela Mma. Juiz a quo, consideramos que uma mordidela - com danos evidenciados no inquérito para o agente da Polícia de Segurança Pública - e um soco na face, perpetrados por um homem adulto e bem constituído, são actos de violência graves e não ligeiros ou de menor importância), dirigida directamente a obstar à prática de acto funcional por parte de um agente da Polícia de Segurança Pública.

5. Tal conduta claramente revela-se idónea a lesar o bem jurídico protegido pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao entender de forma contrária.

6. Perante a factualidade dada como indiciada pelo Tribunal a quo, não podemos deixar de considerar evidente a verificação de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública.

7. Tal conclusão é retirada do facto de os factos terem ocorrido em localidade de pequena dimensão e situada em zona predominantemente rural, perante pequeno grupo parte da população local.

8. Por outro lado, considerando que o arguido atacou os mecanismos desenvolvidos pelo Estado tendo em vista manter a ordem e tranquilidade públicas e evitar a necessidade por parte dos cidadãos de recorrer à “justiça popular”, é nosso entendimento que tal actuação gerou necessariamente o perigo previsto na alínea c) do artigo 204º do Código de Processo Penal.

9. Não existe qualquer confusão ou desconhecimento por parte do Ministério Público no que à finalidade legal da aplicação de medidas de coacção, sendo que é nosso entendimento, conforme supra explanado, que a preservação da autoridade de órgão de polícia criminal se encontra, face às descritas circunstâncias concretas, intimamente ligada com o acautelamento do perigo grave para a ordem e tranquilidade públicas, sendo acautelado o segundo através da protecção do primeiro.

10. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao considerar inexistente grave perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.

11. Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada por outra que dê como indiciada a prática pelo arguido de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347º n.º 1, do Código Penal e a existência de perigo grave de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, previsto pelo artigo 204º c) do Código de Processo Penal, e em consequência, aplicar ao arguido, medida de apresentações periódicas bi-semanais junto do posto policial da sua área de residência, por se considerar a mesma adequada, necessária e proporcional às exigências que se fazem sentir no caso concreto, tudo nos termos dos artigos 191º, 193º, 204º c) e 198º nº1 do Código de Processo Penal, pois só assim se fará justiça!”.

3 - O arguido, após ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 411º n.º 6, do C.P.P., apresentou a sua resposta, concluindo:

“I.Para o preenchimento do tipo legal de Resistência e coação sobre funcionário previsto no art. 347.º do C. Penal, relevam as características do funcionário na situação concreta em que se encontra, incluindo as especiais capacidades e aptidões que são inerentes à sua função, como sejam as decorrentes da formação, treino ou adestramento ministrados com vista a poder resistir a níveis de oposição e constrangimento que sejam normalmente de esperar no exercício das suas funções, de modo que, para o preenchimento do tipo legal, é necessário um comportamento particularmente grave e adequado a dificultar ou impossibilitar a actuação do funcionário em causa;

II. No presente caso, o comportamento pretensamente adoptado pelo Arguido, não foi idóneo ou adequado a impedir a atuação dos agentes da autoridade nem a dificultou de forma significativa, tanto que, o Arguido acabou por ser efectivamente detido.

III. Deste modo, muito bem decidiu o Tribunal a quo em não julgar indiciada a prática pelo Arguido de um crime de resistência e coação sob funcionário.

IV. As medidas de coacção visam satisfazer exigências cautelares, processuais, que resultem da concreta verificação dos perigos previstos, no art. 204º al. a), b) e c) do CPP, devendo sempre serem respeitados os princípios da legalidade (artigos 29.º, n.º 1, da CRP, e 191.º do CPP), excecionalidade e necessidade (artigos 27.º, n.º 3 e 28.º, n.º 2, da CRP, e 193.º, do CPP), adequação e proporcionalidade (art.º 193.º do CPP), como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.°, nº 2, da Constituição.

V.Ora, a pretensa conduta do Arguido não acarretou constrangimentos de maior, o Arguido é uma pessoa jovem e tem apenas uma condenação por factos ocorridos há mais de três anos.

VI. Deste modo e salvo o devido respeito, nada na pretensa conduta ou forma de actuação do Arguido permite concluir pela existência de um previsível comportamento futuro do Arguido que exija a aplicação de uma medida mais grave que o termo de identidade e residência pela existência de um perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas.

VII. Pelo que, o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, deve ser integralmente mantido, não merecendo qualquer reparo e consequente, ser o recurso improcedente.

Termos em que e nos mais de direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deve o douto despacho recorrido ser mantido integralmente, assim fazendo V. Exas. a devida e esperada, JUSTIÇA.”.

4 - O Mmo. Juiz “a quo” ordenou a subida dos autos a este tribunal de recurso para ulterior tramitação.

5 - O Digno Procurador-Geral Adjunto, junto deste tribunal, emitiu douto parecer, concluindo:

“QUANTO AO MÉRITO:

Analisados os fundamentos do recurso, acompanhamos a posição do Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância, aderindo-se à correcta e muito bem fundamentada argumentação oferecida pelo Dº Procurador-Adjunto, Dr. JSA, que alega exaustivamente, com sabedoria e rigor na sua Motivação e Conclusões do Recurso interposto da douta Decisão instrutória decorrente do 1º Interrogatório de Arguido Detido respeitante ao arguido PASG.

Assim, sem necessidade de outros considerandos, por se mostrarem despiciendos,

É PARECER do Ministério Público que o Recurso interposto pelo Ministério Público deve ser julgado totalmente procedente.”

6 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º n.º 2, C.P.P.

7 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II - Fundamentação

2.1 - O teor do despacho recorrido, na parte que importa, é o seguinte:

“Julgo válida a detenção do arguido, porque efectuada ao abrigo do disposto nos artigos 255.°, n. º 1, al. a), e 256º, n.º 1, do Cód. Proe. Penal, não tendo decorrido o prazo a que alude o artigo 254º, n. º 1, al. a), do mesmo diploma legal.

O arguido no exercício do seu direito legal, optou por não prestar declarações.

Não obstante não ter, assim, sido possível obter do arguido a sua versão dos factos, os factos indicados na promoção que antecede resultam fortemente indiciados dos elementos já juntos aos autos, nomeadamente dos indicados pelo M.P. na mesma peça processual.

E tais factos consubstanciam a prática pelo arguido, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º e 145º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência ao disposto na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, todos do Código Penal, e de quatro crimes de injúria agravada, p.p. pelos artigos 181º e 184. °, por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal.

Na verdade, não se considera encontrar-se indiciada a prática do crime de resistência e coação sobre funcionário por parte do arguido.

Isto porque, sendo penalmente relevante, o comportamento indiciado do arguido (um pontapé num dos elementos da PSP), não assumiu tal comportamento, em nosso entendimento, contornos de violência ou de ameaça grave que possam, por si só, preencher o elemento objectivo deste tipo de crime. Ou seja, não cremos que o comportamento do arguido seja dotado de idoneidade suficiente para inviabilizar os actos funcionais do agente policial visado, como o não foi, porque não se mostra tal comportamento adequado a anular ou a dificultar de forma significativa a capacidade de actuação daquele elemento da PSP, especialmente treinado para o exercido das suas funções, constituindo antes um ilícito criminal de natureza diversa.

Conforme se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.4.2013, proferido no Proc. n.º 597/12.2GCOVR.P1, disponível in www.dgsi.pt, a propósito do crime de resistência e coacção e cujo entendimento sufragamos, para “… a consumação do crime necessário se torna que a acção violenta ou ameaçadora seja idónea a atingir de facto o seu destinatário ou destinatários, isto é, que essa acção possa impedir o funcionário de concretizar a actividade por este prosseguida", acrescentando que não “… comete o crime de resistência e coação sobre funcionário o agente que, ao ser-lhe dada voz de detenção, empurra dois agentes da GNR, começando a debater-se, a empurrar e a esbracejar para evitar a detenção, ao mesmo tempo que grita: "seus filhos da puta, eu vou-vos foder, eu mato-vos, vocês vão pagar por isto, estão fodidos" já que tal conduta não é dotada de idoneidade suficiente para inviabilizar os actos funcionais dos agentes da GNR".

Importa ter presente que a decisão a proferir, neste momento, se prende com o estatuto coactivo do arguido.

Presidem à aplicação das medidas de coacção os principias da legalidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, estatuídos nos artigos 191º e seguintes do Cód. Proc. Penal.

No caso em apreço, não obstante a gravidade dos factos, o arguido é ainda bastante jovem, apresentando uma única condenação por dois crimes de roubo, cometidos em 23.7.2016.

Acresce que os crimes destes autos foram praticados em meio urbano, não tendo sido alegados factos capazes de demonstrar que, devido a um concreto e já previsível comportamento futuro do arguido, a não sujeição do mesmo a medida de coacção poderia causar danos à ordem e tranquilidade da sociedade em geral.

Diga-se, ainda, que se desconhece se os factos foram presenciados por número elevado de pessoas, sendo que, mesmo que o tenham sido, tal facto, por si só, não justifica a aplicação de qualquer medida de coacção ao arguido.

Considera-se, portanto, não se verificar o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, ou qualquer outro, acrescentando-se ainda que, mesmo que tal perigo existisse, a medida de coacção proposta não seria adequada a acautelar o mesmo.

Sublinhe-se, finalmente, que as medidas de coacção visam satisfazer exigências cautelares, exclusivamente processuais, que resultem da concreta verificação dos perigos previstos no artigo 204.°, n.º 2, do CPP, não podendo ser aplicadas para acautelar, perante a população local, a autoridade do órgão de polícia criminal, como parece pretender o M.P., sob pena de, a não ser assim, terem de ser aplicadas em todos os casos em que fossem praticados crimes contra órgãos de policia criminal (o que não se crê tivesse sido a intenção do legislador).

Assim, afigura-se-me bastante que o arguido continue a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito apenas à medida de coacção Termo de identidade e residência, que deverá prestar.

Restitua-se o arguido à liberdade.”

2.2 - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respectiva motivação, nos termos preceituados nos arts. 403º, n.º 1 e 412º n.º 1, ambos do C.P.P., sem embargo do conhecimento doutras questões que deva ser conhecida oficiosamente. São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.

Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.

Essa definição compete exclusivamente ao recorrente e tem a finalidade útil e garantística de permitir que não existam dúvidas de interpretação acerca dos motivos que levam o recorrente a impugnar a decisão, o que poderia acontecer perante a mera leitura das alegações, por natureza mais desenvolvidas, definindo-se claramente quais os fundamentos de facto e/ou de direito, já que é através das conclusões que se conhece o objecto do recurso.

Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.

As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

2.3 - O objecto do recurso penal delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, demonstra que as questões que se colocam à apreciação do Tribunal são as seguintes:

A decisão de direito do despacho ora recorrido, tendo dado como indiciada a matéria de facto constante da promoção do Ministério Público, errou, ou não, ao considerar que:

- A conduta do arguido, não constitui crime de resistência e coacção, previsto e punido pelo artigo 347º nº1 do Código Penal;

- Dos factos apresentados em relação ao arguido, não se verifica perigo grave de perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas – previsto no artigo 204º c) do Código de Processo Penal;

- Não se justificava a aplicação, ao arguido, da obrigação de apresentações periódicas, bissemanais, no posto policial mais próximo da área da sua residência.

2.4 - Análise do objecto do recurso e das questões suscitadas pelo recorrente.

2.4.1 - Os factos fortemente indiciados, não contestados, são:

1. No dia 19/07/2019, pelas 23h15, o arguido encontrava-se na Rua …………, em …….., junto à "……….", altura pela qual chegou, ao local, uma patrulha da Polícia de Segurança Pública daquela localidade constituída por JO, JP, IF e EM, agentes da Polícia de Segurança Pública, todos devidamente uniformizados e identificados.

2. Altura pela qual, após ter sido abordado por estes, o arguido disse aos mesmos: "filhos da puta".

3. Momento em que, face a tais factos, JO informou o arguido que deveria parar com tal conduta injuriosa pois a mesma constituía crime, altura pela qual o arguido lhe desferiu pontapé junto ao joelho direito, causando-lhe dor.

4. Acto seguido, quando JO tentava proceder à sua imobilização, o arguido desferiu-lhe dentada na zona do peito do lado esquerdo e soco na face do lado esquerdo, causando dor, escoriações e edemas a JO.

5. Ao agir como descrito em 3, o arguido actuou de forma livre e consciente, com o propósito concretizado' de lesar JO na sua integridade física, bem sabendo que o mesmo era agente da Polícia de Segurança Pública que agia no exercício das suas funções e por causa delas, tendo ainda conhecimento que a sua conduta era apta a alcançar tal resultado.

6. Ao agir da forma descrita em 3 e 4, o arguido actuou de forma livre e consciente, com o propósito de impedirem JO de o deter, bem sabendo que o mesmo era agente da Polícia de Segurança Pública, que agia no exercício das suas funções e por causa delas, tendo ainda conhecimento que aquelas condutas eram susceptíveis de colocar em causa a autonomia intencional do Estado Português e a autoridade pública daquele agente policial, bem como a sua integridade física.

7. Ao agir da forma descrita em 2, o arguido actuou com a intenção concretizada de ofender JO JP, IF e EM no seu bom nome, honra e consideração, bem sabendo que a sua conduta era apta a alcançar tal resultado e que os mesmos eram agentes da Polícia de Segurança Pública, que agiam no exercício das suas funções e por causa delas.

8. O arguido sabia ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

2.4.2 - Iniciaremos por analisar se estes factos, fortemente, indiciados permitem imputar ao arguido o crime de resistência e coacção, previsto e punido pelo artigo 347º nº 1 do Código Penal.

Este artigo 347.º, sobre a epígrafe “Resistência e coacção sobre funcionário”, preceitua:

“1 - Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”

A actual redacção deste preceito legal foi-lhe introduzida pela Lei 59/2017, de 4 de Setembro, que ao substituir a locução anterior - “violência ou ameaça grave”- por “violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física”, deixou claro que a ameaça grave constitui uma das formas de violência tipicamente previstas e não uma realidade distinta daquela e, concomitantemente, que cabem no conceito de violência outras formas de agir, tanto físicas como psicológicas, não reconduzíveis às expressamente mencionadas no tipo legal.

Este tipo legal de crime exige a verificação dos seguintes pressupostos legais: 1º - a oposição a que funcionários, membros das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, pratiquem ou continuem a praticar acto legítimo compreendido nas suas funções, ou constrangimento a que pratiquem acto relacionado com as suas funções mas contrário aos seus deveres; 2º - que essa oposição ou constrangimento sejam operados através de violência, quer física, quer psicológica, ou ameaça grave; 3º - que o agente saiba que está perante um funcionário, membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança; 4º . que tenha conhecimento de que a oposição e ou o constrangimento, através da violência ou ameaça, o impeçam de praticar o acto relacionado com as suas funções ou de prossegui-lo.

Está-se perante um crime de execução vinculada, pois a lei exige que o fim típico procurado pelo agente, ou seja, opor-se a que a autoridade pública exerça as suas funções (no que aqui importa), seja alcançado pelos meios descritos no tipo legal, isto é, através de violência que, como vimos, pode assumir as modalidades de ameaça grave ou ofensa à integridade física, para além de formas de violência que não se reconduzam àquelas.

No crime de resistência e coacção sobre funcionário, como resulta da sua própria inserção sistemática, o bem jurídico que a lei quis especialmente proteger é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade e a liberdade de actuação do seu funcionário ou membro de força armada, posta em causa pelo emprego de violência ou resistência do agente arguido, não abrangendo, por isso, a tutela da integridade dos mesmos, como bem pessoal.

A doutrina e a jurisprudência já se pronunciaram sobre este tipo legal de crime.

Leal-Henriques - Simas Santos, Código Penal Anotado, 2° vol., 1996, pág. 1082), entendem que o bem jurídico protegido pela incriminação é constituído pelo "interesse do Estado no desempenho livre das funções que impendem sobre os servidores públicos no sentido de que sejam respeitadas as suas atribuições e atos legítimo;

Cristina Monteiro, Comentário Conimbricense III, p 339, adianta que “… a autonomia intencional do Estado, protegendo-a de ataques vindos do exterior da Administração pública, evitando-se que não-funcionários ponham entraves à livre execução das "intenções" estaduais, tornando-as ineficazes", referindo que a protecção da pessoa do funcionário é somente "funcional ou reflexa", pois "a Liberdade do funcionário importa na estrita medida em que representa a liberdade do Estado". Assim, “acautela-se a liberdade de ação pública do funcionário, não a sua liberdade de ação privada".

No que concerne à posição jurisprudencial, vejamos os arestos seguintes:

Ac. TRE, de 18-02-2014, proferido no Proc. N.º 183/11.4PFSTB.E1, com o sumário seguinte: “I – A violência a que alude o n.º 1 do art.º 347.º do Código Penal não tem de ser grave e nem sequer tem de consistir em agressão física, bastando que exista uma simples hostilidade, idónea a coagir, impedir ou dificultar a atuação legítima das autoridades. II - É suficiente para preencher a disposição normativa do art. 347.º, n.º 1, do Código Penal, o simples esbracejamento de alguém que se encontra algemado e que assim quer resistir à atuação dos agentes policiais, vindo até a provocar uma lesão no corpo de um deles, pois, esse comportamento, constitui uma ofensa sobre o corpo de quem o está a agarrar e, nessa medida, é um ato violento para efeitos da incriminação penal.”;

Ac. TRC, de 06-03-2013, proferido no Proc. N.º 713/10.9GAVNO.C1, referindo: “A violência a que se alude não tem que ser agressão física, bastando a simples hostilidade idónea a coagir ou impedir a actuação legítima do funcionário (No mesmo sentido: Ac STJ, de 25-9-2002, CJ/STJ, ano IX , t. III, p. 180)”;

Ac. TRC, de 08-05-2013, proferido no Proc, n.º 509/10.8TAVNO.C1, com o sumário seguinte: “O crime de resistência e coacção sobre funcionário constitui um crime de perigo, ou seja, para a sua verificação não é necessária a efectiva lesão do bem jurídico que lhe está subjacente, mas apenas a possibilidade ou a probabilidade da correspondente conduta típica vir a afectar os interesses protegidos. A violência exigida no tipo de crime previsto no artigo 347.º, do CP, concretiza-se em todo o acto de força ou hostilidade que seja idóneo a coagir o funcionário ou membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança, sem que tenha de ser necessariamente grave ou de consistir em agressão física. Mostra-se preenchido o tipo objecto do crime de resistência e coacção sobre funcionário se o arguido, na sequência de uma acção de fiscalização legitimamente exercida por fiscais municipais, acompanhados por elementos da GNR, com a finalidade de impedirem a apreensão de objectos que se encontravam na via pública, usou da força física para com um dos elementos fiscalizadores, tendo-lhe, inclusivamente, rasgado o bolso da camisa, atitude que só terminou com a intervenção de um dos agentes do referido corpo militarizado”;

O Ac. TRE, de 20-03-2018, proferido no Proc. N.º 26/14.7GTEVR.E1, expõe: “ Independentemente das modalidades de violência abrangidas no tipo, a jurisprudência e a doutrina têm destacado um aspeto essencial para a sua delimitação, ditado pela relação entre a violência e a finalidade da conduta, exigida pela estrutura do tipo e pela correta identificação do bem jurídico tutelado como sendo a autonomia intencional do Estado e, pelo menos reflexamente, a liberdade do funcionário na medida em que representa a liberdade do Estado.

Isto é, constituindo a violência o meio “típico” de o agente se opor a que o funcionário pratique ato relativo ao exercício das suas funções (no que aqui importa), exige-se que a ação concreta do agente seja adequada ou idónea para lograr a oposição pretendida, aferindo-se tal adequação ou idoneidade de acordo com o critério objetivo-individual a que se referem Cristina Líbano Monteiro e Américo Taipa de Carvalho no Comentário Conimbricense do C. Penal, respetivamente na p. 341 do Tomo III e p. 563 do Tomo I, 2ª ed., pelo que apenas deve considerar-se adequada a violência que, tendo em conta as circunstâncias em que é praticada e as caraterísticas do agente e do funcionário visado, é suscetível de afetar a liberdade de ação do funcionário e condicionar a sua atuação, ainda que no caso concreto não venha a consegui-lo – vd neste sentido, entre outros, o Ac do STJ de 24.10.2004, o Ac da R.P. de 26.11.2008 (www.dgsi.pt/jtrp, processo 0815669) e Ac RL de 09.05.2017, rel. Jorge Gonçalves.

Assim sendo, para o preenchimento do ilícito típico objetivo relevam as caraterísticas do funcionário na situação concreta em que se encontra, incluindo as especiais capacidades e aptidões que são inerentes à sua função, como sejam as decorrentes da formação, treino ou adestramento ministrados com vista a poder resistir a níveis de oposição e constrangimento que sejam normalmente de esperar no exercício das suas funções.

Como refere Cristina L. Monteiro, ob. citada p. 341, “Os meios utilizados …devem ser entendidos, do mesmo modo que no tipo legal de coação…Há-de considerar-se …que os destinatários da coação possuem, nalgumas das hipóteses deste tipo legal, especiais qualidades no que diz respeito à capacidade de suportar pressões e estão munidos de instrumentos de defesa que vulgarmente não assistem ao cidadão comum. Membros das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança não são, para efeitos de atemorização, homens médios. Neste mesmo sentido, pronunciaram-se, por todos, o Ac do S.T.J., de 7 de Outubro de 2004, (CJ, Acórdãos do S.T.J., Ano XII, tomo III, p.184) o Ac. RP de 27/06/2010 e o Ac. RC de 08/09/2010, para além do Ac. RL de 09.05.2017 citado.

Ainda a respeito das especiais capacidades do funcionário visado pela conduta do agente, importa considerar especialmente o tipo de atos e atitudes que, previsivelmente, pode esperar-se dos destinatários da autoridade pública cuja autonomia o tipo legal tutela, pois a formação e treino dos funcionários são, em princípio, também moldados pela experiência e expectativas a esse nível.

Assim, mesmo que em abstrato pudesse reputar-se de violenta a conduta do agente, nomeadamente por se traduzir em ação corporal ou psicológica sobre o funcionário, aquela não será típica se a ação concretamente executada corresponder a comportamento para o qual o funcionário deve estar preparado no normal exercício das suas funções.

Daí que, particularmente nas hipóteses de resistência do cidadão à sua própria detenção, como se verifica no caso presente, importa ter em conta que a liberdade é um bem eminentemente pessoal, cuja autolimitação não só não pode ser jurídico criminalmente imposta, salvo casos excecionais e com todas as limitações [Cfr Eduardo Correia a propósito, entre outros, dos crimes de tirada de presos e de evasão, Atas das sessões da Comissão Revisora do C. Penal, Ministério da Justiça 1979 p. 441], como não constitui atitude que se espere de quem é fisicamente detido, dada a pulsão ou instinto de reagir contra a vis corporalis ou vis física, mesmo legítima, que se encontra na generalidade dos cidadãos. Assim sendo, a formação e treino dos que têm por função executar a detenção do comum dos cidadãos contará que a pessoa a deter pode reagir para evitá-la ou pôr-lhe fim, nomeadamente através de gestos ou atitudes que, de forma moderada e previsível, corresponde a conduta socialmente aceitável e, portanto, não punível.

Ou seja, conforme resulta do exposto, o tipo legal de Resistência e coação sobre funcionário previsto no art. 347º do C. Penal não pune toda e qualquer forma de oposição ao exercício de funções, mas apenas formas de resistência qualificadas pela utilização de violência adequada ao fim ilícito típico, e não o mero desrespeito ou desobediência para com a ordem do funcionário que se proponha praticar atos relativos ao exercício das suas funções, ainda que ao fazê-lo interaja fisicamente com o funcionário, desde que o faça de forma consentânea com a reação que pode esperar-se da generalidade dos cidadãos ao ser fisicamente privado da liberdade.” (disponíveis em www.dgsi.pt).

Desde já afirmamos que a situação factual descrita neste último aresto é muitíssimo distinta da do caso “sub judice”, onde a violência empregue, pelo arguido, para obstar a sua detenção, sobre o agente da PSP, JO (que procedia à sua imobilização e detenção, após ser por ele pontapeado) foi desmesurada e descomedida, pois que lhe desferiu uma dentada no peito, do lado esquerdo, e um soco na fase do mesmo lado, cuja intensidade se mostra visível no relatório fotográfico junto aos autos.

Certamente por lapso, no despacho recorrido são omitidas estas agressões e violências físicas (uma dentada no peito, do lado esquerdo, e um soco na fase do mesmo lado) no enquadramento da factualidade fortemente indiciada, referente ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, sendo apenas referido o primeiro pontapé, que como refere o recorrente, é “enquadrado em sede de requerimento para aplicação de medida de coacção como acto de ofensa à integridade física qualificada).”.

Apesar das forças policiais deverem estar preparadas para o exercício das suas funções e para os confrontos com os opositores da lei e da ordem e tranquilidade pública, o tipo de agressões levadas a cabo pelo arguido, sobre o agente da autoridade que o pretendia deter, não é, ainda, nesta nossa sociedade, onde esses confrontos ocorrem, qualificada e aceita como uma atitude que se espere de quem é fisicamente detido, pela generalidade dos cidadãos.

Assim sendo, a factualidade fortemente indiciada nos presentes autos, constantes dos pontos nºs 4, 6, e 8, descritos no ponto 2.4.1, deste acórdão, integra o conceito de violência usado pelo legislador no art. 347º nº1 do C. Penal, aferido pelo critério individual objetivo supra referido, verificando-se os aludidos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime em causa, pelo que imputação ao arguido da prática do crime de resistência e coação sobre funcionário p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal, como pretende o recorrente, é assertiva e justificada.

Neste segmento do recurso, o recorrente tem razão.

2.4.3 - Ao cidadão, em regra, deve ter assegurado o direito fundamental de viver em plena liberdade de movimentação.

Constitucionalmente (arts. 27° e 28° da CRP) a liberdade das pessoas só pode ser limitada pelas medidas de coacção previstas na lei e inspiradas pelos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade.

A aplicação de qualquer medida de coacção tem de obedecer a esses princípios da legalidade, proporcionalidade e adequação, previstos nos arts. 191º, e 193º do CPPenal.

O art.º 191º do CPPenal preceitua que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função das exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei.

Portanto, as medidas de coação em processo penal constituem, todas elas, em maior ou menor grau, restrições dos direitos, liberdades e garantias, mas emergem como condição indispensável, embora num quadro de excepcionalidade, à realização da justiça. Para ser aplicada uma medida de coação prevista nos arts. 197.º a 199.º do Código de Processo Penal, mostra-se suficiente a existência de indícios; sendo que, para a aplicação das medidas de coação previstas nos arts. 200.º a 202.º, mostra-se necessária a existência de “fortes indícios” da prática dos crimes pelos arguidos.

O art.º 193º n.º 1 do CPP restabelece que as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

O princípio da adequação significa que a medida de coacção a aplicar ao arguido num concreto processo penal deve ser o estritamente necessário e idóneo para satisfazer as necessidades ou exigências cautelares que o caso requer, devendo, por isso, ser escolhida em função de tal finalidade e não de qualquer outra.

Uma medida de coacção é idónea ou adequada se com a sua aplicação se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para a realização das exigências cautelares.

Acresce que, nenhuma medida de coacção, à excepção do termo de identidade, poderá ser aplicada se, em concreto, se não verificarem os requisitos alternativos fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, perigo em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa - art. 204°do CPP.

No caso concreto, foi, apenas, imposta uma única medida de coacção imposta - TIR – por se entender que não se verificava o perigo, grave de perturbação da ordem e tranquilidade pública, afastando a pretendida obrigação de apresentações periódicas, bissemanais, no posto policial mais próximo da área da sua residência.

Vejamos se a mesma se justifica e se mostra estritamente necessária e idónea para satisfazer as necessidades ou exigências cautelares que o caso requer.

Da análise de todos os elementos juntos aos autos não resultam dúvidas da existência dos fortes indícios, discriminados no ponto 2.4.1, que não foram questionados.

No caso concreto, este mesmo circunstancialismo fortemente indiciado, permite concluir pela verificação da perturbação da ordem e tranquilidades públicas, porquanto, conforme é referido na motivação do recurso: “… recorde-se que o arguido, pelas 23h15, se encontrava em …………, junto à “………….”, tendo sido abordado por patrulha da Polícia de Segurança Pública, que começou imediatamente por destratar, tendo de seguida, sem qualquer provocação, atingido agente da Polícia de Segurança Pública com pontapé.

Apenas em tal sequência, o agente da Polícia de Segurança Pública decidiu deter o mesmo, no caso face a evidente flagrante delito.

Em tal momento, tendo em vista obstar a tal acto, o arguido atingiu aquele agente da Polícia de Segurança Pública com mordedura no peito – cuja violência é espelhada no relatório fotográfico junto aos autos – e ainda com soco na face.

Importa então dar nota que ……… é cidade de pequena dimensão, com cerca de 18 000 habitantes, situada em zona predominantemente rural e localizada na região do Alto Alentejo.

Que os factos ocorreram junto à “………..”, já de madrugada, perante um pequeno ajuntamento de pessoas, que face ao comportamento do arguido haviam solicitado ajuda à Polícia de Segurança Pública.

Perante tal factualidade, não podemos deixar de considerar evidente a verificação deste perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, uma vez que, tratando-se de localidade de pequena dimensão, em zona predominantemente rural, parte relevante da população local pôde constatar a agressão perpetrada pelo arguido à autoridade do Estado, ficando como tal necessariamente afetada, desde logo, a ordem pública.

Por outro lado, note-se ainda que que os agentes da Polícia de Segurança Pública se deslocaram ao local tendo em vista suprimir os comportamentos desviantes do arguido – ou seja, restabelecer a tranquilidade pública - tendo eles próprios acabado como vítimas deste.

De tal conclusão se retira que tal actuação do arguido criou naquela população grave sentimento de intranquilidade e de desordem, uma vez que o arguido, ao actuar conforme descrito sobre aqueles agentes da Polícia de Segurança Pública, atacou os próprios mecanismos desenvolvidos pelo Estado tendo em vista manter a ordem e tranquilidade públicas e evitar a necessidade por parte dos cidadãos de recorrer à “justiça popular”.

Assim, face a tal conduta, impõe-se então às instituições do Estado reagir por forma a contrariar a ideia/sentimento daquela forma gerados de que “tudo é possível fazer, até agredir um cidadão” que é agente de autoridade.”

Não olvidar que estes tipos de condutas geram, em concreto, uma forte e grave perturbação da ordem e tranquilidade pública, tendo uma notória repercussão social, bem patente na exposição pública que este tipo de crimes merece nos órgãos de comunicação social, considerando a gravidade e a panóplia de crimes indiciariamente praticados contra as forças policiais no exercício de funções.

Todas estas circunstâncias implicam que se conclua pela existência de um perigo de perturbação grave de perturbação e de ordem pública, pois a reiteração deste tipo de crimes, muitas vezes, sem a punição necessária, até com permissividade, quando envolvem, como vítimas, agentes de autoridade, no exercício de funções - sem as excederem ou usurparem -, que intervêm para manter a ordem pública, e são vexados e agredidos, levam ao descrédito completo, a uma desarmonia social e a uma quebra da paz social por parte dos cidadãos, que importa contrariar - cfr. artigo 204º n.º 1 al. c) do Cód. Processo Penal.

Face ao exposto, entende-se que está presente, o perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.

Assim sendo, preenchem-se as circunstâncias previstas no disposto no art.º 204 al. c) do CPP e que permitem a aplicação de uma ou mais medidas de coacção, para além do TIR já prestado.

A questão que ora se coloca é a de saber se esta pretensa medida de coacção é adequada, por necessária às exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade dos crimes e às sanções previsivelmente venham a ser aplicadas.

Não esquecer que, a nossa Lei Fundamental admite as medidas de coacção, em razão da necessidade dessas medidas para a realização dos fins do processo e desde que estejam verificados todos os pressupostos e condições gerais de aplicação legalmente previstos. As medidas de coacção não interferem com os aludidos princípios uma vez que mais não são do que meios processuais de limitação da liberdade pessoal dos arguidos, tendo por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução de uma eventual decisão condenatória (vide Prof. Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal”, 1993, II vol., pág. 205).

Assim sendo, conclui-se que aplicar esta medida de coacção ao arguido é adequado e proporcional ao perigo e às exigências de natureza cautelar verificados no caso “sub judice”, sendo, insuficiente, tão só, a sua sujeição a TIR.

Todavia, é mais apropriado - por conforme à situação concreta e aos princípios que balizam e norteiam essa mesma aplicação, da proporcionalidade, adequação e necessidade -, impor-se, apenas, uma apresentação semanal, no posto policial mais próximo da área da sua residência, pois que a mesma se apresenta como suficiente para à salvaguarda do perigo concreto evidenciado.

Procede, assim, parcialmente, os fundamentos do recurso.

III - Decisão

Por tudo o exposto, sem necessidade de mais considerandos, acordam em conceder provimento parcial ao recurso, determinando, a revogação do despacho, no segmento que considerou não indiciada a prática pelo arguido, do crime de resistência e coacção sobre funcionário. Em sua substituição, deve considerar-se, como fortemente indiciada, a prática, pelo arguido, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347º nº1, do Código Penal e a existência de perigo grave de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, previsto pelo artigo 204º c) do Código de Processo Penal. Em consequência, aplica-se ao mesmo a medida de apresentação periódica, devendo apresentar-se, uma vez por semana, no posto policial mais próximo da área da sua residência. Sem Custas.

(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora que rubrica as restantes folhas).

Évora, 14/07/2020

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(Maria Isabel Duarte de Melo Gomes)

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(José Maria Simão)