PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário


1 - Correndo o prazo de prescrição de duas formas diferentes (considerando que também decorre o prazo tal como previsto no artigo 121º, nº 3 do CP), ocorre a prescrição quando uma das formas primeiro sobrevier.
2 - O recurso ao prazo de salvaguarda tal como contado pelo artigo 121º, nº 3, que não está dependente de interrupções, torna-se necessário pois que contado dessa forma o final do prazo de prescrição pode ocorrer com anterioridade e, por isso, deve impor-se.
(sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral



Decisão Sumária

A – Relatório

I - Autos de recurso do processo comum singular supra numerado;

Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Instância Local de Loulé, – J3;

Arguido recorrido: (…)

Recurso interposto pelo Ministério Público a 02-02-2020;

- Pedido: Seja revogada a douta sentença recorrida na parte em que, em violação dos artigos 3º nºs 1 e 2 do Dec.-Lei 2/98, de 3.01 e artigos 40º nº 1 e 60º do Código Penal, substituiu a pena de multa concretamente aplicada por pena de admoestação, substituindo-se por outra sentença que mantenha intacta a pena de 40 dias de multa à razão diária de €5,50.

Objecto de recurso: - sentença na qual o Mmº Juiz decidiu condenar o arguido Laurentiu Cristinel Stoian, pela prática de um crime condução sem habilitação legal, na pena de multa de 40 dias à razão diária de €5,00, substituída ao abrigo do disposto no artigo 60º nº 1 do Código Penal, por admoestação.

Distribuído neste Tribunal a 13-07-2020.

O Exmº Procurador-geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer em que defende que ocorrendo questão prévia prejudicial deverá ser declarada a prescrição do procedimento criminal, assim ficando prejudicado o recurso interposto pelo Ministério Público.


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B - Fundamentação

Dos autos ressalta, com interesse para o conhecimento da questão suscitada, o que revela o relatório e os factos que seguem:

Ø Os factos ocorreram a 22 de Março de 2006;

Ø A acusação nos presentes autos foi deduzida a 21-05-2006 e a sua notificação foi efectivada a 11-09-2006;

Ø O arguido foi acusado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 1 do Dec-Lei nº 2/98, de 03-01;

Ø O arguido foi declarado contumaz a 29-06-2009;

Ø Foi lavrada sentença pelo tribunal recorrido a 24-01-2020;

Ø Mais se condenou o arguido nas custas criminais do processo, com a taxa de justiça no mínimo e reduzida a metade.


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Sobre esta matéria regem os artigos 3º, n.º 1 do Dec-Lei nº 2/98, de 03-01, 118º, nº 1, al. c), 119º, nº 1, 120º, nº 1, als. b) e c), nsº 2, 3 e 6 e 121º, nº 3, estes do Código Penal.

Tendo presente a moldura penal abstracta e o seu máximo - pena de prisão até 1 (um) ano - temos, pois, um prazo de prescrição de 5 (cinco) anos. Os factos imputados ao arguido ocorreram em 22/03/2006 pelo que será a partir desta data que deve ser contado o indicado prazo.

Como bem nota o Exmº P.G.A., o regime concretamente mais favoravel ao arguido é o actualmente vigente pois que na sucessão de leis penais, a lei vigente à data dos factos – a Lei n.º 65/98, de 02 de Setembro – não previa prazo limite específico para a contumácia mas dava como terminada a suspensão quando cessasse a sua causa o que, neste caso concreto só ocorreria em 10-04-2019, data da declaração de cessação da contumácia.

Nestes termos (Redacção dada pela Lei n.º 65/98, de 02 de Setembro):


Artigo 120.º

Suspensão da prescrição


1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;

b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;

c) Vigorar a declaração de contumácia; ou

d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;

e) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.

3 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.

Assim, como ocorreram duas causas de suspensão e três de interrupção da prescrição – constituição de arguido, notificação da acusação e declaração de contumácia - a contagem de tais prazos em sucessão reconduziria à ocorrência da prescrição para momento muito posterior pois que desde logo a declaração de contumácia só estaria cessada em 2019, como se afirmou supra, regime que concretamente seria mais desfavorável ao arguido.

O prazo de suspensão de 5 anos a que se refere o nº 3 e a al. c) do nº 1 do actual artigo 120º do Código Penal, apesar de aparentemente mais desfavorável e não vigente à data da prática dos factos – redacção introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21/02 – é, nos termos do artigo 2º, nº 4 do Código Penal, aplicável ao caso concreto por ser o mais favorável.

Desta forma, estando a decorrer o prazo de prescrição de duas formas diferentes (considerando que também decorre o prazo tal como previsto no artigo 121º, nº 3 do mesmo diploma), ocorre a prescrição quando uma das formas primeiro sobrevier.

De facto, iniciando-se o prazo em 22-03-2006 ele vem a ficar suspenso com a notificação da acusação e com a declaração de contumácia, reiniciando-se a sua contagem naquela data (11-09-2006) por efeito da interrupção, o que reenviaria o terminus do prazo prescricional para a data indicada de 29-06-2019.

No entanto o recurso ao prazo de salvaguarda tal como contado pelo artigo 121º, nº 3 torna-se necessário pois que contado dessa forma a prescrição ocorre com anterioridade, nunca sendo afectado por eventuais interrupções, ocorre com anterioridade e, por isso, deve impor-se.

Assim, a prescrição teria sempre lugar quando, desde o seu início (22-03-2006) tivesse decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, a que acresceria o prazo da suspensão (de cinco anos), num total de (doze) anos e 6 (seis) meses (5+2,5+5 anos), o que reenvia o terminus do prazo prescricional para 22-09-2018. O que já constava da promoção do Exmº magistrado do Ministério Público de 08-11-2018, a fls 305 e vº.

Ou seja, o prazo prescricional findou antes da prolação da sentença.

Esta constatação tem efeitos directos óbvios sobre a sentença uma vez que esta foi lavrada e depositada a 24-01-2020, provocando a sua nulidade na medida em que conheceu de questões – o mérito da causa – de que já não podia conhecer – artigo 379º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal.


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Pelo que vai exposto se declara procedente o recurso interposto mas por diverso motivo e, consequentemente:

- prescrito o procedimento criminal;

- nula e de nenhum efeito a sentença recorrida, incluindo a matéria de tributação.

Notifique. Sem tributação.

Évora, 22 de Setembro de 2020