CONTRATO PROMESSA
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
BENFEITORIAS ÚTEIS
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário

I - Sendo até facto notório [cf. art. 5.º, n.º 2, al. c), e 412.º, n.º 1, ambos do CPC] a necessidade, para uma adequada conservação duma moradia, da realização periódica de trabalhos de pintura (interior e exterior), devem ser consideradas benfeitorias necessárias as despesas (no valor de, pelo menos, 18.000 €) suportadas pelos réus-reconvintes, promitentes-compradores, com os trabalhos de pintura realizados em duas ocasiões na moradia de que eram detentores, propriedade do autor-reconvindo, promitente-vendedor, no período de tempo compreendido entre 1998 e 2017.
II - Por sua vez, as despesas (na ordem dos 3.500 €) que tiveram com a plantação de um jardim nessa moradia, pela valorização que veio trazer ao prédio, devem ser consideradas uma benfeitoria útil, a par das obras relativas à arrecadação, churrasqueira e telheiro. E como não podem ser levantadas sem detrimento do prédio, está o autor-reconvindo obrigado a satisfazer aos réus-reconvintes o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
III - O direito de retenção a que se refere o art. 754.º do CC é excluído quando se verifique algum dos factos (impeditivos) previstos no art. 756.º do CC, designadamente a má-fé dos credores/detentores aquando da realização das despesas de que proveio o crédito, a qual se traduz na consciência de estarem com a sua “posse” a lesar os direitos do proprietário (que está obrigado a indemnizar).
IV - Não resultando dos factos provados que os trabalhos atinentes às benfeitorias úteis foram realizados já depois de os réus terem conhecimento de que era definitivamente impossível a celebração do contrato prometido, nem existindo outros factos reveladores de má-fé por parte da ré-reconvinte, não se pode considerar excluído, no que concerne à indemnização devida por tais benfeitorias, o direito de retenção invocado pela mesma.

Texto Integral

Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
SA…, Ré-reconvinte, na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, foi contra si e o seu marido, AG…, intentada por AGa… (pai do Réu), veio interpor o presente recurso de apelação da sentença, na parte em que julgou parcialmente procedentes a ação e a reconvenção.
Na Petição Inicial, apresentada em 23-02-2017, o Autor pediu que os Réus fossem solidariamente condenados:
A. A reconhecer e a ver julgado decretado que o Autor é o único, legítimo e pleno proprietário do prédio sito na Rua …, Lote … (atual n.º …), na Marisol, Charneca da Caparica, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo …;
B. A reconhecer e a ver julgado o incumprimento definitivo e, consequentemente, a ver julgada a rescisão do contrato promessa que celebrou com os Réus, tendo em vista o disposto no art. 808.º do CC e a interpelação admonitória que nos termos de tal disposição legal lhes foi enviada;
C. A ver julgada, consequentemente, a perda de todas as quantias pagas a título de sinal no âmbito do contrato promessa, nos termos do disposto no art. 442.º do CC;
 D. A devolver ao Autor, a expensas suas, a posse do referido imóvel, de modo não só a deixar de o impedir, como ainda a garantir-lhe e possibilitar-lhe o gozo pleno e exclusivo de todos os direitos de uso, fruição e disposição que, enquanto seu proprietário, lhe estão legalmente conferidos;
E. A pagar ao Autor uma indemnização que cabalmente o compense do período de tempo em que se verificar o locupletamento ilegítimo e de má fé por parte dos Réus do prédio, no que se refere aos prejuízos financeiros, económicos, fiscais e outros, que do mesmo sejam decorrentes, e que deverão ser calculados em quantia nunca inferior a 1.000,00 € mensais, ou em quantia diária proporcionalmente equivalente;
F. A indemnizar o Autor, de acordo com o disposto no art. 1312.º do CC, de todas as despesas judiciais, incluindo os honorários dos seus mandatários, que terá de suportar com o presente pleito, e que deverão ser calculadas e liquidadas em sede de execução de sentença;
G. A pagar ao A. todas as quantias decorrentes de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Mais, pediu o Autor, para o caso de não vir a ser reconhecido o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte dos Réus e ser declarada a invalidade desse contrato, que os Réus fossem solidariamente condenados:
H. A reconhecer e a ver julgado decretado que o Autor é o único, legítimo e pleno proprietário do prédio sito na Rua …, Lote … (atual n.º …), na Marisol, Charneca da Caparica, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º …, e inscrito na matriz sob o artigo …;
I. A devolver ao Autor, a expensas suas, a posse do referido imóvel, de modo não só a deixar de o impedir, como ainda a garantir-lhe e possibilitar-lhe o gozo pleno e exclusivo de todos os direitos de uso, fruição e disposição que, enquanto seu proprietário, lhe estão legalmente conferidos;
J. A pagar ao Autor uma indemnização que cabalmente o compense do período de tempo em que se verificar o locupletamento ilegítimo e de má fé por parte dos Réus do prédio, no que se refere aos prejuízos financeiros, económicos, fiscais e outros, que do mesmo sejam decorrentes, e que deverão ser calculados em quantia nunca inferior a 1.000,00 € mensais, ou em quantia diária proporcionalmente equivalente;
K. A indemnizar o Autor, de acordo com o disposto no artigo 1312.º do CC, de todas as despesas judiciais, incluindo os honorários dos seus mandatários, que terá de suportar com o presente pleito, e que deverão ser calculadas e liquidadas em sede de execução de sentença;
L. A pagar ao Autor todas as quantias decorrentes de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Alegou o Autor, para tanto e em síntese, que:
- Em 30-12-1997, celebrou contrato-promessa de compra e venda do referido imóvel com o 1.º Réu, seu filho;
- Este não lhe pagou o reforço de sinal que se mostrava acordado, pelo que incorreu em mora;
- A mora veio a ser convertida em incumprimento definitivo e a motivar a resolução do contrato-promessa, por via de interpelação efetuada através de notificação judicial avulsa (em que os Réus foram interpelados para procederem ao pagamento em falta impreterivelmente até ao dia 10-07-2015) e de ação para fixação judicial de prazo;
- Na eventualidade de assim se não entender e se considerar que o contrato-promessa é anulável por virtude da recusa da filha do Autor em consentir na venda do imóvel ao irmão, a atuação dos Réus constitui abuso de direito, porquanto recusam entregar o imóvel ao Autor com fundamento no contrato-promessa, negando terem incumprido o mesmo, mas simultaneamente invocam a sua invalidade por omissão de autorização;
- Sem prejuízo, deverá considerar-se válido o contrato-promessa, porquanto a sua filha já tem conhecimento do mesmo há quase vinte anos, mostrando-se integralmente decorrido o prazo de um ano sem que aquela tenha requerido a anulação do contrato;
- Os Réus causam ao Autor desde 15-07-2015, data estabelecida na notificação avulsa, um prejuízo económico pela apropriação do imóvel, pelo que devem ser condenados no pagamento de indemnização pela privação do uso do imóvel, a liquidar, calculada com recurso à equidade, em quantia nunca inferior a 1.000,00 € mensais.
Regularmente citados, cada um dos Réus apresentou a sua Contestação, defendendo-se por impugnação (e o Réu invocando também a exceção perentória do não cumprimento) e por reconvenção:
a) O 1.º Réu-reconvinte pediu que:
i) fosse declarada a aquisição pelo mesmo, por usucapião, do referido prédio, sito na Rua …, Lote … (atual n.º …), na Marisol, Charneca da Caparica, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º …, e inscrito na matriz sob o artigo …;
ii) caso assim não se entenda, e se considere o contrato incumprido definitivamente, que tal seja declarado por culpa exclusiva do Autor-reconvindo e este condenado a devolver, em dobro, o sinal e reforço de sinal pago pelo 1.º Réu, no montante de 115.000 €, bem como a pagar-lhe a quantia de 50.000,00 €, a título de benfeitorias, acrescida dos respetivos juros legais, a contar da notificação da Contestação;
b) A 2.ª Ré-reconvinte pediu que:
i) fosse o Autor-reconvindo condenado a pagar-lhe, a título de benfeitorias, a quantia de 50.000,00, € acrescida de juros legais, contados a partir da notificação da contestação;
ii) fosse declarado o direito de retenção da 2.ª Ré sobre o prédio sito na Rua …, Lote … (atual n.º …), na Marisol, Charneca da Caparica, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo …, até ao efetivo pagamento do crédito em que o Autor venha a ser condenado nos termos da alínea anterior.
Alegaram os Réus-reconvintes, em síntese, que:
- O 1.º Réu (que, em 02-08-1998, casou com a Ré no regime da comunhão geral) pagou o reforço do sinal e não incumpriu o contrato-promessa, tendo existido tradição do imóvel;
- O Autor atua em abuso de direito, ao exigir o pagamento do reforço do sinal, quando sabe que está impossibilitado de proceder à venda, por falta de consentimento da sua filha (irmã do 1.º Réu) para o negócio, nunca tendo marcado a escritura pública de compra e venda, nem diligenciado no sentido de obter o necessário consentimento da sua filha para a realização da venda;
- Os Réus procederam a obras no imóvel (que descreveram, sem indicar quando foram realizadas), as quais custaram 50.0000,00 €, valorizando-o em igual montante, pelo que, no caso de ser decretada a resolução do contrato-promessa, têm direito a ser indemnizados, invocando a 2.ª Ré o direito de retenção sobre o imóvel com base neste crédito.
A 2.ª Ré defendeu ainda inexistir abuso de direito da parte dos Réus, na medida em que nunca lhes foi dito que o contrato-promessa era inválido por falta de consentimento da filha do Autor para a venda, mas apenas que esse consentimento seria necessário para a venda.
Sustentou também o 1.º Réu que os Réus sempre se comportaram como proprietários do imóvel objeto do contrato promessa, pelo que adquiriram a propriedade do mesmo por usucapião.
Notificado das Contestações, o Autor apresentou (dois) articulados de Réplica, em que pugnou pela improcedência da referida exceção e das reconvenções, negando designadamente terem sido realizadas quaisquer obras que representem um benefício para o imóvel e sustentando que, a existirem, não foram autorizadas pelo Autor, não assistindo à Ré o direito de retenção uma vez que o contrato foi incumprido pelos Réus.
Pediu ainda a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.
Os Réus pronunciaram-se a respeito da invocada litigância de má fé, defendendo que não se verifica.
Realizou-se audiência prévia para tentativa de conciliação das partes e audição das mesmas sobre a projetada decisão de mérito no saneador, tendo nessa ocasião sido requerida pelas partes a suspensão da instância, com vista à obtenção de acordo sobre o objeto do litígio, o qual se veio a frustrar.
Foi então proferido despacho saneador, no qual foram admitidas as reconvenções e se conheceu parcialmente do mérito da causa, decidindo-se:
- Julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo Réu-reconvinte de declaração da aquisição do direito de propriedade sobre o prédio por usucapião;
- Declarar que o Autor é o proprietário do aludido imóvel;
- Julgar improcedente o pedido de anulação do contrato promessa com fundamento na violação do disposto no art. 877.º, n.º 1, do CC.
Mais se proferiu despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, quanto aos demais pedidos principais e reconvencionais.
Procedeu-se a perícia singular, tendo por objeto apenas a valorização do imóvel, “porquanto o custo das obras deve ser demonstrado por quem alegadamente as fez, com base em documentos ou testemunhas que atestem o preço efetivamente pago pelas mesmas”.
Realizou-se a audiência final de julgamento, tendo o Sr. Perito prestado esclarecimentos.
De seguida, foi proferida a sentença recorrida, cujo dispositivo tem o seguinte teor (sublinha-se a parte ora impugnada no presente recurso):
“Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide julgar a ação e a reconvenção parcialmente procedentes, e em consequência:
 1. Declara resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre o A. AGa… e o R. AG…, relativo ao prédio sito na Rua …, Lote … (atual nº …), na Marisol, Charneca da Caparica, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o nº …, e inscrito na matriz sob o artigo …, por impossibilidade de cumprimento imputável ao A.;
2. Condena os RR. AG… e SA… a entregarem ao A. AGa…, livre e devoluto de pessoas e bens, o prédio aludido em 1., assim que se mostre paga a indemnização aludida em 5.a) e c), reconhecendo desta forma à R. direito de retenção sobre aquele prédio;
3. Condena os RR. AG… e SA… a pagarem ao A. AGa… indemnização pela privação do uso do prédio, desde a data em que o prédio devia ser entregue, nos termos aludidos em 2., até à efetiva entrega do prédio, a liquidar em incidente de liquidação;
4. Condena o A. AGa… na restituição do sinal em dobro aos RR. AG… e SA…, no valor de € 14.963,92;
5. Condena o A. AGa… no pagamento aos RR. AG… e SA…:
a) € 11.800,00, a título de indemnização por benfeitorias necessárias;
b) € 1.120,00, a título de indemnização por benfeitorias úteis;
c) juros de mora sobre as indemnizações aludidas em a) e b), contados desde a data da notificação da última contestação até à presente data, à taxa de 4%, e desde a presente data até efetivo e integral pagamento, à taxa legal;
6. Absolve, no mais, as partes dos pedidos.
Custas da ação e da reconvenção pelas partes, na proporção do respetivo vencimento. Notifique e registe.”
Inconformada (em parte) com esta decisão, veio a Ré-reconvinte interpor recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (sublinhado nosso):
1ª- O ponto 33. do elenco dos Factos Provados refere que os trabalhos realizados pelos RR. ascendem, no seu todo, a € 27.800,00, mas os valores parcelares aí indicados apenas atingem € 18.800,00.
2ª- Na Motivação da decisão de facto, a propósito dos pontos 22. a 34. do elenco dos Factos Provados, o Tribunal “a quo” declara ter somado os valores indicados nos itens a), b), d), g), h), i) e m) do relatório pericial de fls. 146-v a 147, ponderando duas das três pinturas aludidas no item m) desse relatório, por isso alcançando o valor total de € 27.800,00.
3ª- Como flui do mencionado item m) do relatório pericial em apreço, o valor de duas pinturas (tão necessária uma como outra e terem lugar de 7 em 7 anos, como flui do mencionado relatório), ascende a € 18.000,00 e não apenas a € 9.000,00, que é o valor parcelar e unitário respetivo indicado no ponto 33 do elenco dos Factos Provados.
4ª- Assim, em consonância lógica com a sua Motivação, o ponto 22 do elenco dos Factos Provados deve passar a ter a seguinte redação:
“Os RR. pintaram toda a morada, quer interior, quer exteriormente, por duas vezes”.
5ª- E, no ponto 33 do mesmo elenco, o valor de € 9.000,00 que aí vai reportado aos trabalhos indicados no antecedente ponto 22 deve ser corrigido para € 18.000,00, assim se perfazendo o referido valor global de € 27.800,00.
 6ª- Estas duas alterações enquadram-se na disciplina do nº 1 do artigo 662º do CPC;
7ª- Mas se assim se não entender, a decisão de 1ª instância deve ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do CPC.
8ª- Estando em causa não apenas uma, mas duas pinturas interiores e exteriores da moradia, tão necessárias uma como a outra, a condenação inserta no ponto 5.a) do dispositivo decisório final da douta sentença apelada (no montante de € 11.800,00) terá de ser fixada, a título de indemnização por benfeitorias necessárias, em mais € 9.000,00, ou seja, em € 20.800,00.
9ª- Por outro lado, a douta sentença recorrida fixou em € 1.120,00 a valorização que as benfeitorias úteis realizadas pelos RR. (no valor de € 2.800,00) teriam proporcionado à moradia, representando, no seu dizer, cerca de 40% deste último valor;
10ª- Pois que, no dizer da douta sentença apelada, essa percentagem de 40% seria também a que resultava do facto de, em 2012, as Finanças terem avaliado a moradia em € 334.140,00 e de, em 1997, o valor da prometida venda ter sido acordado em € 199.519,15.
11ª- Porém, se a moradia valia € 199.519,15 em 1997 e passou a valer € 334.140,00 em 2012, o acréscimo de valorização é de 67,47% e não apenas 40%.
12ª- Donde, na esteira do critério adotado pela douta sentença apelada (que se não contesta), mas em termos aritméticos corretos, a valorização da moradia, operada pelas referidas benfeitorias úteis, ascende a € 1.889,16 (ou seja, em mais € 769,16) e não apenas a € 1.120,00.
13ª- Acresce que o jardim que os RR. plantaram, no valor de € 3.500,00, constitui uma benfeitoria útil e não voluptuária.
14ª- A douta sentença recorrida, aliás, na Motivação da decisão de facto, reconhece expressamente que a plantação do jardim “torna sempre uma casa globalmente mais atrativa”.
15ª- Essa circunstância, permitindo repercutir em potencial e futura venda o investimento realizado, não pode deixar de ser um fator de valorização da moradia.
16ª- Por essa razão, o ponto 34 do elenco dos Factos Provados terá de passar a ter a seguinte redação:
“Os trabalhos aludidos em 23. a 26. valorizaram a moradia”.
17ª- Com base no mesmo critério perfilhado pela douta sentença apelada, a valorização que emana do jardim em apreço para a moradia ascende a € 2.361,45 (ou seja, € 3.500,00 x 67,47%).
18ª- Assim, à condenação inserta no ponto 5.b) do dispositivo decisório final da douta sentença recorrida (no montante de 1.120,00) terá de ser acrescentada, a título de indemnização por benfeitorias úteis, para além da quantia de € 769,16 (cf. supra a conclusão 12ª), a importância de € 2.361,45 (cf. supra conclusão 17ª).
 19ª- Ao invés do que vem decidido, os RR. não atuaram de má fé aquando da realização das obras que realizaram na moradia, não lhes sendo, por isso, aplicável a exclusão contida na alínea b) do artigo 756º do CC.
20ª- Não é definitiva, nem irreversível, a recusa de consentimento que “desde logo” a filha do A. apelado anunciou para a prometida venda;
21ª- Pois que, por via de suprimento judicial (em procedimento próprio dirigido a esse fim, o que não é o caso da presente ação) ou mediante negociação persuasiva, sempre o A. apelado poderia obter de sua filha o necessário consentimento para conclusão dessa venda.
22ª- Só através de cartas de 03/07/2018 é que o A. apelado deu conta aos RR., pela primeira vez, da sua impossibilidade de cumprir a promessa outorgada (cf. docs. juntos por requerimento produzido nos autos em 11/12/2018 sob a referência 21210407).
23ª- Os termos em que a presente ação foi proposta desmentem, de resto, que o A. apelado estivesse convicto dessa impossibilidade.
24ª- As obras que os RR. realizaram não só tiveram em vista reunir as necessárias condições de habitabilidade, mas também, na expectativa da sua aquisição, investir na valorização futura da moradia, de que poderiam vir a usufruir e sem que, com tanto, pretendessem ou concebessem a mera hipótese de estarem a lesar qualquer direito do A. apelado.
25ª- O valor da sucumbência no presente recurso, como resulta das conclusões 8ª, 12ª, 17ª e 18ª supra, ascende a € 12.130,61.
26ª- A douta sentença apelada violou, pelo menos, os artigos 754º, 756º, alínea b), e 1.273º, todos do CC.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, alterada a redação dos pontos 22, 33 e 34 do elenco dos Factos Provados, deve o A. apelado ser condenado, em acréscimo às importâncias constantes da douta sentença recorrida, no pagamento aos RR. da quantia de € 9.000,00, a título de indemnização por benfeitorias necessárias, e da quantia de € 3.130,61, a título de indemnização por benfeitorias úteis, reconhecendo-se à R. apelante direito de retenção sobre o prédio identificado nos autos e por si ocupado até ao pagamento integral das quantias indemnizatórias supra referidas e, bem assim, da quantia de € 1.120,00 mencionada no pontos 5.b) do dispositivo decisório da douta sentença apelada, alterando-se esse ponto 5.b) e os pontos 2. e 5.a) do mesmo dispositivo nos seguintes termos:
2. Condena-se os RR. AG… e SA… a entregarem ao A. AGa…, livre e devoluto de pessoas e bens, o prédio aludido em 1., assim que se mostrem pagas as indemnizações aludidas em 5.a), b) e c), reconhecendo desta forma à R. direito de retenção sobre aquele prédio.
5. Condena-se o A. AGa… no pagamento aos RR. AG… e SA… de:
a) € 20.800,00, a título de indemnização por benfeitorias necessárias;
b) € 4.250,61, a título de indemnização por benfeitorias úteis;
mantendo-se tudo o mais decidido em 1ª instância,
Não foi apresentada alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Face ao teor das conclusões da alegação de recurso (e tendo presente o disposto no art. 634.º, n.º 1, do CPC), identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto (no tocante aos pontos 22., 33. e 34. do elenco dos factos provados);
2.ª) Qual o valor da indemnização devida (i) pelas benfeitorias necessárias e (ii) pelas benfeitorias úteis;
3.ª) Se a Ré-reconvinte também goza do direito de retenção como garantia do pagamento do crédito relativo às benfeitorias úteis, apreciando se estava de má-fé aquando da realização destas.
Factos provados
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (mantivemos, para facilitar o conhecimento da 1.ª questão, a numeração e a ordem pela qual os factos são elencados na sentença; assinalámos com asterisco os que são alvo de impugnação no presente recurso; e acrescentámos as referências e a matéria de facto que constam entre parenteses retos – cf. artigos 607.º, n.ºs 3 e 4, 662.º, n.º 1, e 663.º, n.º 2, do CPC):
1. Está inscrita, pela Ap. 1740, de 09-07-2012, a aquisição, por partilha da herança de ZF… [casada com (o Autor) AGa…, no regime de comunhão geral], a favor do Autor, do prédio sito na Rua …, Lote … (atual n.º …) [composto de moradia de r/c, 1.º andar e logradouro, com a área total de 694 m2 e a área coberta de 200 m2] na Marisol, Charneca da Caparica, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º …, e inscrito na matriz sob o artigo … [descrito como moradia unifamiliar, destinada a habitação, em alvenaria coberta a telha, composto por r/c com 3 divisões, cozinha, duas casas de banho, vestíbulo, corredor, despensa e garagem; 1.º andar com 4 divisões, sanitário, duas casas de banho, vestíbulo, corredor e terraço] (docs. 1 e 2 – fls. 17-v a 19) [Indicado na sentença como facto da PI considerado facto assente]
2. No dia 30 de dezembro de 1997 o Autor celebrou com o 1.º Réu um contrato promessa de compra e venda, cujo objeto era o referido prédio, e no qual o Autor o prometia vender e o 1.º Réu o prometia comprar (doc. 3 – fls. 19-v a 20). [Indicado na sentença como facto da PI considerado facto assente]
3. De acordo com o contratado, o preço do contrato prometido ascendeu a Esc.: 40.000.000$00 (199.519,15 €), constando do texto do contrato o pagamento da quantia de Esc.: 1.500.000$00 (7.481,96 €), a título de sinal e princípio de pagamento (doc. 3 – fls. 19-v a 20). [Indicado na sentença como facto da PI considerado facto assente]
4. Na cláusula 5.ª do contrato ficou estipulado o pagamento por parte do 1.º Réu do reforço do sinal e continuação do pagamento do preço do contrato prometido, no valor de Esc.: 10.000.000$00 (49.879,78 €), no prazo de 180 dias a contar da data da celebração do referido contrato promessa (doc. 3 – fls. 19-v a 20). [Indicado na sentença como facto da PI considerado facto assente]
5. O Autor requereu a notificação judicial avulsa dos Réus no sentido de que deveriam proceder ao pagamento em falta impreterivelmente até ao dia 10 de julho de 2015, e ainda de que, face à situação de mora contratual que então se verificava, tal pagamento deveria ser ainda acrescido dos juros vencidos entre os dias 30 de junho de 1998 e 10 de julho de 2015, à taxa legal, na quantia de 42.404,64 € (docs. 4 a 7 – fls. 20-v a 26). [Indicado na sentença como facto da PI considerado facto assente]
6. Os Réus foram ainda notificados de que, findo o prazo acima referido, e nos termos da Lei, incluindo o disposto nos arts. 801.º, 802.º e 432.º e seguintes do CC, o Autor passaria a considerar que existia incumprimento definitivo do contrato promessa, e de que seria considerada a cominação estabelecida no art. 442.º do CC, pelo que os Réus deveriam devolver ao Autor a posse do prédio prometido vender e de que a partir de então seriam do mesmo considerados possuidores de má fé, com todas as consequências legais que de tal advirão (docs. 4 a 7 – fls. 20-v a 26). [Indicado na sentença como facto da PI considerado facto assente]
6-A. As notificações referidas supra nos pontos 5. e 6. foram concretizadas e recebidas pela 2.ª R. em 06-07-2015 e pelo 1.º R. em 25-09-2015. [Indicado na sentença como facto da PI considerado facto assente]
7. A 02-08-1998 o 1.º Réu contraiu casamento com a 2.ª Ré sob o regime da comunhão geral de bens (doc. 1 junto com a Cont. da 2.ª R. – fls. 58 a 58-v). [Indicado na sentença como facto da Contestação da 2.ª Ré considerado facto assente]
8. A marcação da escritura ficou a cargo do Autor, de acordo com a cláusula 5.ª do contrato promessa (doc. 3 junto com a P.I. – fls. 19-v a 20). [Indicado na sentença como facto da Contestação da 2.ª Ré considerado facto assente]
9. O Autor instaurou ação contra os Réus, que veio a correr termos sob o n.º …/…T8ALM, na Comarca de Lisboa – Almada – Instância Local – Secção Cível – J…, peticionando a fixação judicial de prazo para cumprimento da aludida promessa de compra e venda (doc. 2 junto com a Cont. da 2.ª R. – fls. 59 a 61-v). [Indicado na sentença como facto da Contestação da 2.ª Ré considerado facto assente]
10. Na contestação a esta ação alegaram os Réus, designadamente, que a escritura não é celebrada porque sendo o Réu filho do Autor, este necessita do consentimento de uma outra filha para celebrar o negócio e tal filha recusa-se a dar o seu consentimento para o negócio (doc. 2 junto com a Cont. da 2.ª R. – fls. 59 a 61-v). [Indicado na sentença como facto da Contestação da 2.ª Ré considerado facto assente]
11. Por sentença de 20-12-2016, a ação em apreço foi julgada improcedente, considerando-se que, nos termos do art. 777.º do CC, o Autor poderia exigir o cumprimento da promessa quando o entendesse (doc. 2 junto com a Cont. da 2.ª Ré – fls. 59 a 61-v). [Indicado na sentença como facto da Contestação da 2.ª Ré considerado facto assente]
12. O Autor tem mais uma filha, CM…, a qual desde logo manifestou a sua oposição à venda prometida, declarando que não daria o seu consentimento. [Indicado na sentença como facto da Contestação da 2.ª Ré considerado facto assente]
13. O Autor não conseguiu até hoje demover a recusa de sua filha. [Indicado na sentença como facto da Contestação da 2.ª Ré considerado facto assente]
14. O Autor intentou contra a 2.ª Ré ação que veio a correr termos sob o n.º …/…TBALM, na Comarca de Lisboa – Almada – Instância Central – ….ª Secção Cível – J.., alegando ter dado de empréstimo o imóvel ora reivindicado e peticionando a condenação da Ré na respetiva restituição (doc. 3 junto com a Cont. da 2.ª Ré – fls. 62 a 67-v). [Indicado na sentença como facto da Contestação da 2.ª Ré considerado facto assente]
15. Essa ação foi julgada improcedente por sentença lavrada em 11 de março de 2015, onde se entendeu ser a 2.ª Ré titular de um direito pessoal de gozo sobre o imóvel, decorrente da sua entrega antecipada, acordada na sequência da celebração do contrato promessa de compra e venda entre o Autor e o seu filho (doc. 3 junto com a Cont. da 2.ª Ré – fls. 62 a 67-v). [Indicado na sentença como facto da Contestação da 2.ª Ré considerado facto assente]
16. Em 1998, por causa e ao abrigo da promessa de venda, o Autor entregou as chaves do prédio objeto do contrato aos Réus, os quais passaram desde então a habitar o prédio. [Indicado na sentença como facto da Contestação da 2.ª Ré considerado facto assente]
17. Na contestação vertida na ação aludida em 14. sustentou a 2.ª Ré, designadamente, que o contrato prometido ainda não se realizou porque o Autor não logrou obter o consentimento para esse ato da filha, mantendo-se o contrato promessa em vigor (doc. 3 junto com a Cont. da 2.ª R. – fls. 62 a 67-v).
19. O 1.º Réu e o Autor eram ambos sócios da Sociedade de Construções “Os Faraós, Lda.”. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
21. A moradia em apreço, em 1998, estivera desabitada durante mais de dez anos, sem que o Autor tivesse para ela conseguido comprador, apresentando-se degradada ao nível da pintura interior e exterior, bem como do terraço e do sótão. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
* 22. Os Réus pintaram toda a moradia, quer interior, quer exteriormente. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
23. Construíram uma arrecadação no logradouro do prédio, em alvenaria, com uma porta e uma janela e encimada por telha. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
24. Implantaram, cimentada à parede da garagem, uma churrasqueira. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
25. Edificaram um telhado, com vigas de cimento e telha, entre a garagem e a moradia de habitação. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
26. Plantaram um jardim. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
27. Extraíram um balcão de bar que se encontrava no vestíbulo de entrada da habitação, que substituíram por um roupeiro de madeira. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
28. No 1.º andar da moradia, eliminaram a parede divisória de dois quartos. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
30. Forraram o sótão da moradia em madeira e empedraram o chão desse sótão. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
31. Isolaram terraços. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
* 33. Os trabalhos aludidos custaram aos Réus, pelo menos, o valor total de 27.800,00 €, tendo os trabalhos aludidos em 22. o valor de 9.000,00 €, os trabalhos aludidos em 23. o valor de 1.000,00 €, os trabalhos aludidos em 24. e 25. o valor de 1.800,00 €, os trabalhos aludidos em 26. o valor de 3.500,00 €, os trabalhos aludidos em 27. o valor de 700,00 €, os trabalhos aludidos em 30. o valor de 1.300,00 € e os trabalhos aludidos em 31. o valor de 1.500,00 €. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
32. O Autor teve conhecimento dos trabalhos aludidos em 22. e 23. e não se opôs aos mesmos. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
* 34. Os trabalhos aludidos em 23. a 25. valorizaram a moradia. [Indicado na sentença como facto das Contestações abrangido pelos Temas da Prova]
35. O valor patrimonial atual da moradia, apurado no ano de 2012, ascende a 334.140,00 € (doc. 2 junto com a P.I. – fls. 18-v a 19).
36. O Autor remeteu aos Réus cartas datadas de 03-07-2018, das quais consta designadamente que “fica V. Ex.ª por este meio e para todos os efeitos legais, incluindo os previstos no artigo 808º do Código Civil, notificado da presente interpelação admonitória de que deverá proceder ao pagamento contratualmente em falta impreterivelmente no prazo de 40 (quarenta) dias a contar do recebimento da presente notificação” (fls. 137 a 139-v).
37. As cartas não foram recebidas, sendo ambas por motivo de “Objeto não reclamado” (fls. 136 a 136-v).
38. A razão avançada pela filha do Autor e irmã do 1.º Réu para a recusa do consentimento é a de que na realidade o seu pai pretende, através da declarada venda, dar o prédio ao seu irmão.
Na sentença foram ainda considerados não provados os seguintes factos (apenas por facilidade, mantivemos a numeração e a ordem conforme constam da sentença; acrescentámos o que consta entre parenteses retos para melhor compreensão):
18. O pagou ao Autor o reforço de sinal de 10.000 contos.
20. Para liquidação do ajustado reforço de sinal, o Autor arrecadou para si dividendos dessa sociedade e que eram destinados ao 1.º Réu, por essa via ficando integralmente liquidado o ajustado reforço de sinal de 10.000 contos.
21. [A moradia] Apresentava adiantado estado de degradação geral.
23. [A arrecadação] Com cerca de 12 m2.
27. [O roupeiro] Com cofre incrustado.
29. E, ainda nesse piso [no 1.º andar da moradia], substituíram uma casa de banho por um roupeiro.
32. Sempre [teve o Autor conhecimento de]; todas as descritas modificações e beneficiações introduzidas pelos Réus ao longo dos anos na moradia e nunca a elas se opôs.
34. Todos os trabalhos [aludidos em 23. a 25.]; [Valorizaram a moradia] em, pelo menos, 50.000,00 €.
1.ª questão – Da alteração da decisão da matéria de facto
Pontos 22. e 33 do elenco dos factos provados
Na sentença, considerou-se provado que:
22. Os Réus pintaram toda a moradia, quer interior, quer exteriormente.
33. Os trabalhos aludidos custaram aos Réus, pelo menos, o valor total de 27.800,00 €, tendo:
- os trabalhos [pintura] aludidos em 22. o valor de 9.000,00 €,
- os trabalhos aludidos em 23. [arrecadação] o valor de 1.000,00 €,
- os trabalhos aludidos em 24. e 25. [churrasqueira e telheiro] o valor de 1.800,00 €,
- os trabalhos aludidos em 26. [jardim] o valor de 3.500,00 €,
- os trabalhos aludidos em 27. [substituição de balcão por roupeiro] o valor de 700,00 €,
- os trabalhos aludidos em 30. [revestimento do sótão] o valor de 1.300,00 €,
- e os trabalhos aludidos em 31. [isolamento dos terraços] o valor de 1.500,00 €.
Na motivação da sentença, o Tribunal recorrido justificou a sua decisão a este respeito, referindo designadamente o seguinte (sublinhado nosso):
“Pontos 22. a 34.:  O Tribunal atendeu ao relatório pericial de fls. 146-v a 147, bem como às declarações dos RR., pelo que julgou os factos em apreço provados, com exceção do ponto 29., uma vez que a R. declarou que não chegaram a fazer obras nesse WC, e de parte dos pontos 23. e 27., que não encontraram suporte na prova produzida.
No que concerne ao custo das obras, apesar da 2ª R. ter apontado um custo das obras acima dos 100 mil euros, não há qualquer prova documental, sejam orçamentos ou faturas, nem foram ouvidas pessoas que tenham efetuado as mesmas, com exceção do 1º R., que declarou ter realizado parte das obras, no que foi corroborado pela 2ª R.. Porém, o 1º R. não apontou o custo das obras.
Assim, porque os factos alegados correspondem aos itens a), b), d), g), h), i) e m) do relatório pericial, o Tribunal procedeu à soma dos valores aí indicados (ponderando duas pinturas, uma vez que sabemos que foi feita mais do que uma, mas não sabemos exatamente quantas), alcançando o valor de € 27.800,00.”
A Apelante pretende que a redação do ponto 22. seja alterada, passando a ser: “Os RR. pintaram toda a morada, quer interior, quer exteriormente, por duas vezes”.
E também pretende que, no ponto 33. do mesmo elenco, o valor de 9.000,00 € (reportado aos trabalhos indicados no antecedente ponto 22.) deve ser corrigido para 18.000,00 €, assim se perfazendo o referido valor global de 27.800,00 €.
Para tanto, alega, em síntese, que:
- Os valores parcelares indicados no ponto 33. apenas atingem 18.800,00 €;
- Na Motivação da decisão de facto, a propósito dos pontos 22. a 34. do elenco dos Factos Provados, o Tribunal declara ter somado os valores indicados nos itens a), b), d), g), h), i) e m) do relatório pericial de fls. 146-v a 147, ponderando duas das três pinturas aludidas no item m) desse relatório, por isso alcançando o valor total de 27.800,00 €;
- Mas, como consta do mencionado item m) do relatório pericial em apreço, o valor de duas pinturas (tão necessária uma como outra e a terem lugar de 7 em 7 anos, como flui do mencionado relatório), ascende a 18.000,00 € e não apenas a 9.000,00 €, que é o valor parcelar e unitário respetivo indicado no ponto 33. do elenco dos Factos Provados.
Apreciando.
No art. 51.º da Contestação do Réu e no art. 92.º da Contestação da Ré consta a alegação (de facto) de que os Réus pintaram a moradia, quer interior, quer exteriormente, mas não é feita qualquer menção ao número concreto de vezes em que o fizeram. No entanto, o Tribunal recorrido podia, aliás, devia, ao abrigo do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPC, ter concretizado que o fizeram pelo menos duas vezes, por ser essa a convicção formada a respeito dessa factualidade (convicção que é também a nossa, desde já o adiantamos, face ao teor do relatório pericial) e tendo em conta a relevância desse facto no cômputo global feito no ponto 33., como adiante se irá referir. Assim, embora não exista propriamente, no ponto 22., de per si, um lapso material que deva ser corrigido, justifica-se a alteração nos termos pretendidos pela Apelante.
Aliás, quanto ao ponto 33., é manifesto que existe um lapso, pois, como assinala a Apelante, a soma das verbas parcelares aí descritas (9.000,00 € + 1.000,00 € + 1.800,00 € + 3.500,00 € + 700,00 € + 1.300,00 € + 1.500,00 €) não perfaz 27.800 €, mas apenas 18.800 €.  Não se trata aqui de erro de cálculo, mas de lapso material.
Com efeito, no relatório pericial (para avaliação das obras e benfeitorias realizadas no prédio) indica-se que o custo de cada pintura da moradia (por dentro e por fora) é de cerca de 9.000 €. Mais precisamente, o Sr. Perito fez constar no relatório que os Réus moram no imóvel há cerca de 23 anos, que a “parede interior do imóvel é de tipo rugoso, o que na pintura gasta muita tinta. Portanto se o Imóvel for pintado por dentro e por fora, de 7 em 7 anos, dependendo da qualidade da tinta utilizada, terá um custo cerca de 9.000 € cada pintura, o que perfaz nas 3 vezes o valor de: € 27.000,00 (Vinte e Sete Mil Euros)”). E esclareceu ainda o Sr. Perito, na audiência final, que lhe parece que a moradia, pelo seu aspeto e localização, terá sido pintada “talvez três vezes”. Também referiu que os valores que considerou eram, “tirando as pinturas”, eram “os valores atuais”, não podendo precisar qual terá sido o valor das pinturas à data em que foram feitas, mas referiu que a mão de obra necessária era a mesma e que alguns materiais de construção até podem estar atualmente mais baratos (considerando os preços praticados nas “grandes superfícies”).
Conforme acima referimos, o Tribunal recorrido reconheceu expressamente na motivação da sentença que existiram pelo menos duas pinturas, ou seja, que a casa foi pintada em, no mínimo, duas ocasiões diferentes. E não vemos razão para divergir desse entendimento, considerando o teor do relatório pericial e os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito. Assim, e porque, como é óbvio, estamos perante trabalhos de algum vulto (dadas as características da moradia), implicando a utilização de materiais, mormente tintas (que o Sr. Perito referiu, pelo que lhe foi dado verificar, terem sido de qualidade), e de mão de obra, entendemos que o custo dos trabalhos de pintura, levados a cabo em, pelo menos, duas ocasiões, ascendeu a valor global não inferior a 18.000 € (9.000 € × 2), perfazendo a soma desse valor com os demais indicados o montante de 27.800 €.
Assim, altera-se a redação dos pontos 22. e 33., nos seguintes termos:
22. Os Réus pintaram toda a morada, quer interior, quer exteriormente, pelo menos, duas vezes.
33. Os trabalhos aludidos custaram aos Réus, pelo menos, o valor total de 27.800,00 €, tendo os trabalhos aludidos em 22. o valor global de 18.000,00 €, os trabalhos aludidos em 23. o valor de 1.000,00 €, os trabalhos aludidos em 24. e 25. o valor de 1.800,00 €, os trabalhos aludidos em 26. o valor de 3.500,00 €, os trabalhos aludidos em 27. o valor de 700,00 €, os trabalhos aludidos em 30. o valor de 1.300,00 € e os trabalhos aludidos em 31. o valor de 1.500,00 €.
Ponto 34. do elenco dos factos provados
Na sentença recorrida considerou-se provado que: Os trabalhos aludidos em 23. a 25. valorizaram a moradia.
E motivou-se o decidido, referindo designadamente o seguinte:
“Pontos 22. a 34.:  O Tribunal atendeu ao relatório pericial de fls. 146-v a 147, bem como às declarações dos RR., pelo que julgou os factos em apreço provados, com exceção do ponto 29., uma vez que a R. declarou que não chegaram a fazer obras nesse WC, e de parte dos pontos 23. e 27., que não encontraram suporte na prova produzida.
(…) Quanto ao facto destas obras terem sido efetuadas por virtude da casa se encontrar em adiantado estado de degradação geral, o Tribunal pesou em particular os depoimentos dos RR., dos quais se retira que as obras do sótão e do terraço foram feitas porque existiam infiltrações, o que motivou também a pintura interior e exterior da moradia.
Relativamente aos demais trabalhos, não se logrou associar os mesmos à degradação da moradia, sendo que apesar do telheiro instalado entre a garagem e a moradia se destinasse a evitar a entrada de água na cozinha, esta obra não constituiu a reparação de uma deterioração, mas antes uma melhoria das condições de habitabilidade do edifício. Deste modo, o Tribunal respondeu restritivamente a esta matéria.
E pese embora nada conste do relatório pericial acerca da valorização produzida pelas obras efetuadas na moradia, o perito, nos esclarecimentos que prestou em audiência, reconheceu-a, com ressalva da demolição da parede.
Acrescente-se que não vislumbramos também que a substituição do balcão de bar pelo roupeiro produza a valorização da casa, por não se detetar que objetivamente constitua uma melhoria, é apenas uma diferente forma de ocupação do espaço, que poderá ser do gosto de um ocupante concreto, mas não suscitar qualquer interesse ou desagradar mesmo a outra pessoa.
Com respeito ao jardim, admitimos que este torna sempre uma casa globalmente mais atrativa, mas pressupõe contínua manutenção, sob pena de total desaparecimento, pelo que não é uma obra perene e não nos permite por isso afirmar que valoriza a moradia. Não foi produzida prova sobre a medida em que os trabalhos valorizaram a moradia, pelo que não se julgou provado o valor alegado.”
A Apelante pretende que seja alterada a redação do ponto 34. dos factos provados, passando a ser seguinte: “Os trabalhos aludidos em 23. a 26. valorizaram a moradia”. Por outras palavras, pretende que se dê como provado que os trabalhos referidos no ponto 26., atinentes à plantação de um jardim pelos Réus, também valorizaram a moradia. Neste particular, defende a Apelante que:
- O jardim que os Réus plantaram, no valor de 3.500,00 €, constitui uma benfeitoria útil e não voluptuária;
- Na motivação da decisão de facto, o Tribunal reconheceu expressamente que a plantação do jardim “torna sempre uma casa globalmente mais atrativa”;
- Essa circunstância, permitindo repercutir em potencial e futura venda o investimento realizado, não pode deixar de ser um fator de valorização da moradia.
Vejamos.
Não se discute a existência do jardim, nem o custo dos trabalhos da sua “construção” (cf. pontos 26. e 33.).
Nos tempos que correm, um jardim numa moradia, sem embargo da manutenção envolvida, até pode ter alguns aspetos relativamente perenes ao nível do solo, da vegetação e do sistema de rega, sendo um espaço com utilidade prática, muito apreciado e que contribui para o aumento do valor do imóvel.
Assim, contrariamente ao que se considerou na sentença, entendemos que os trabalhos referidos em 26., cujo custo ascendeu a 3.500 € (cf. ponto 33.), valorizaram a moradia, situação que se manteve à data a que nos devemos reportar (cf. art. 611.º do CPC), conforme também resulta do relatório pericial, em que se faz constar o seguinte: “Benfeitorias no Imóvel (…) b)-Plantaram jardim em toda a volta do Imóvel, a que se atribui o valor de € 3.500,00 (Três Mil e Quinhentos Euros)”.
Assim, altera-se o decidido no ponto 34., o qual passa a ter o seguinte teor:
Os trabalhos aludidos em 23. a 26. valorizaram a moradia.
2.ª questão – Do valor da indemnização por benfeitorias necessárias e úteis
Na sentença recorrida, teceram-se a este respeito as seguintes considerações (sublinhado nosso):
«Peticionam os RR. a condenação do A. no pagamento das benfeitorias efetuadas no imóvel.
Foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.06.2012 (Processo n° 1119/10.5TBPBL-E.C2, in http://www.dgsi.pt/) que “1. As benfeitorias necessárias conferem tanto ao possuidor de boa fé como ao possuidor de má fé, o direito a ser indemnizado nos termos gerais, isto é, segundo as regras da reconstituição natural (artigos 1273º, nº 1, 1ª parte, 562º e 566º, todos do Código Civil).
2. As benfeitorias úteis conferem, prioritariamente, ao possuidor de boa ou má fé o direito ao levantamento das benfeitorias, desde que tal levantamento não implique detrimento para a coisa benfeitorizada (artigo 1273º, n0 1, 2ª parte, do Código Civil).
3. As benfeitorias úteis que não possam ser levantadas conferem tanto ao possuidor de boa fé como ao possuidor de má fé o direito ao valor das benfeitorias, valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigo 12730, n0 2, do Código Civil).” Com efeito, nos termos do art. 1273º, nº 1 do CC, “tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela”.
Por outro lado, são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; são úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; e são voluptuárias as que não sendo indispensáveis para a sua conservação, nem lhe aumentando o valor, sevem apenas para recreio do benfeitorizante (art. 216º, nº 3 do CC).
Da matéria de facto provada resulta que só quanto à pintura interior e exterior, ao sótão e ao terraço a moradia se apresentava degradada, pelo que só estas obras poderão ser consideradas benfeitorias necessárias, importando o seu valor em € 11.800,00.
No mais, está provado que as obras atinentes à arrecadação, à churrasqueira e ao telhado entre a garagem e a moradia valorizaram a mesma, pelo que nesta parte estamos em presença de benfeitorias úteis.
Considerando que as construções referidas foram feitas em cimento, estando, portanto, incorporadas na coisa, entendemos não ser possível o seu levantamento sem detrimento para a coisa, pois tal levantamento sempre envolveria a destruição parcial da moradia (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.06.2016, Processo nº 280/13.1TBCND.C1, in http://www.dgsi.pt/).
Não temos, porém, demonstrada a medida em que estas construções valorizaram a moradia, mas sabemos que a moradia valorizou cerca de 40% entre 1997 e 2012, atendendo a que a mesma foi avaliada pelas Finanças em € 334.140,00 no ano de 2012 e a sua venda foi acordada por € 199.519,15 em 1997.
Assim, considerando que o custo daquelas obras foi de € 2.800,00, a aplicação de um critério de valorização na ordem dos 40% remete-nos para € 1.120,00.
Por último, quanto às demais obras efetuadas na casa, constituirão benfeitorias voluptuárias, não sendo por isso suscetíveis de levantamento, nem de indemnização. Ou seja, deve o A. pagar aos RR., a este título, o valor total de € 12.920,00.»
No que concerne às benfeitorias necessárias, a Apelante defende que, estando em causa não apenas uma, mas duas pinturas interiores e exteriores da moradia, tão necessárias uma como a outra, a condenação inserta no ponto 5.a) do dispositivo decisório final da douta sentença apelada (no montante de 11.800,00 €) terá de ser fixada, a título de indemnização por benfeitorias necessárias, em mais 9.000,00 €, ou seja, em 20.800,00 €.
Apreciando.
Conforme preceitua o art. 216.º do CC, consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa; são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa.
E o art. 1273.º do CC estabelece que:
“1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.”
Na lição de Pires de Lima e Antunes Varela, no seu “Código Civil Anotado”, Volume III, 4.ª edição, Coimbra Editora, págs. 42-43: “O princípio consagrado quanto a estas benfeitorias é o de que o possuidor, esteja de boa ou de má fé, goza do direito de ser indemnizado. É obrigado à indemnização o titular do direito. Evita-se, assim, mesmo em relação ao possuidor de má fé, um locupletamento injusto. (…) A obrigação de o titular do direito indemnizar o possuidor do custo das benfeitorias necessárias e das benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa deve ser considerada uma dívida de valor e, como tal, actualizada em função da depreciação que o valor da moeda entretanto tenha sofrido.”
No caso dos autos, pese embora não tenha resultado provado quando foram realizados os trabalhos de pintura, não há dúvida, face ao estado em que a moradia se encontrava em 1998 (cf. ponto 21. dos factos provados) e ao período de tempo que decorreu até à propositura da ação, que os mesmos se mostravam necessários para evitar a deterioração daquela.
Com efeito, é até facto notório [cf. art. 5.º, n.º 2, al. c), e 412.º, n.º 1, ambos do CPC] a necessidade, para a adequada conservação duma moradia, da realização periódica de trabalhos de pintura (interior e exterior). No relatório pericial refere-se que a pintura deverá ser realizada de 7 em 7 anos (e, nos esclarecimentos prestados na audiência final, o Sr. Perito referiu 7-8 anos), mas reconhecemos que essa periodicidade difere em função de diversos factores, designadamente da exposição aos elementos ambientais e da própria qualidade dos materiais (tintas) utilizados, podendo ser um pouco mais alargada, à luz do disposto no art. 89.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), o qual estabelece que as edificações devem ser objeto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético.
Seja como for, se a moradia em 1998 já estava a precisar de ser pintada, parece seguro afirmar que até 2017 os trabalhos de pintura de que beneficiou são obras de conservação que visavam evitar a sua deterioração, pelo há que somar o respetivo custo às demais despesas (revestimento do sótão e isolamento dos terraços) que foram consideradas benfeitorias necessárias (cf. pontos 22., 30., 31., 33. e 34.), perfazendo a quantia global de 20.800 €.
Daí que nos pareça acertado o entendimento seguido a este respeito na decisão recorrida, havendo apenas que retificar o valor da indemnização devida pelas benfeitorias necessárias (de 11.800 € para 20.800 €), no seguimento da alteração da decisão da matéria de facto, no ponto 33., alterando-se, em conformidade, o ponto 5.a) da sentença, o que também aproveita, como, aliás, o mais acima referido, ao Réu-reconvinte (cf. art. 634.º do CPC).
No tocante ao valor da indemnização por benfeitorias úteis, a Apelante pretende que à condenação inserta no ponto 5.b) do dispositivo decisório final da douta sentença recorrida (no montante de 1.120,00 €) sejam acrescentadas a quantia de 769,16 € (cf. supra a conclusão 12.ª) e a importância de 2.361,45 € (cf. supra conclusão 17.ª), argumentando o seguinte:
- A sentença recorrida fixou em 1.120,00 € a valorização que as benfeitorias úteis realizadas pelos RR. (no valor de € 2.800,00) teriam proporcionado à moradia, representando, no seu dizer, cerca de 40% deste último valor;
- Porém, se a moradia valia € 199.519,15 em 1997 e passou a valer € 334.140,00 em 2012, o acréscimo de valorização é de 67,47% e não apenas 40%.
- Donde, na esteira do critério adotado pela douta sentença apelada (que se não contesta), mas em termos aritméticos corretos, a valorização da moradia, operada pelas referidas benfeitorias úteis, ascende a 1.889,16 € (ou seja, em mais 769,16 €) e não apenas a 1.120,00 €.
- Com base no mesmo critério perfilhado pela douta sentença apelada, a valorização que emana do jardim em apreço para a moradia ascende a 2.361,45 € (ou seja, 3.500,00 € x 67,47%).
Apreciando.
Conforme já referimos, consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa. E são úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor (cf. art. 216.º do CC).
Como decorre do acima decidido, a plantação do jardim deve ser assim qualificada, pela valorização que veio trazer ao prédio, a par, portanto, das obras relativas à arrecadação, churrasqueira e telheiro.
Logo, considerando os factos provados nos pontos 23., 24., 25., 26., 33. e 34., concluímos que as despesas relativas às benfeitorias úteis ascendem, no seu conjunto, a 6.300 € (mais 3.500 € do que os 2.800 € considerados na sentença).
Quanto ao valor da indemnização, e concordando que não pode haver lugar ao seu levantamento sem detrimento da moradia, a lei apenas obriga o Autor-reconvindo a satisfazer aos Réus-reconvintes o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
A este respeito, remetemos de novo para a lição de Pires de Lima e Antunes Varela. Veja-se o exemplo que dão na obra citada, pág. 43 (sublinhado nosso): “Se, por exemplo, o possuidor de um prédio rústico gastou, em 1970, 20 contos com a exploração de águas subterrâneas ou com uma plantação de árvores que nele fez, e o proprietário vier, antes do decurso do prazo da usucapião, reivindicar o imóvel, deverá indemnizar o possuidor, até ao limite do valor daquelas benfeitorias (benfeitorias úteis), do montante que, à data da reivindicação, seria necessário para as realizar. Só assim se evitará um locupletamento injusto do titular do direito à custa do possuidor. Entre a data da realização das benfeitorias e a data em que é reclamada a respectiva indemnização pode mediar um longo período e o possuidor deve receber o valor real que despendeu para conservar a coisa ou para lhe introduzir melhoramentos.”
Portanto, quanto às benfeitorias úteis, é necessário provar-se, não apenas que valorizaram a coisa e que o seu levantamento a deterioraria, mas também o custo daquelas e o valor atual, pois o proprietário (devedor) não pagará mais do que o montante despendido nas mesmas, nem mais do que o seu valor atual.
Ora, no caso em apreço, conforme resulta dos factos provados, os valores que foram considerados provados (cf. ponto 33.) não correspondem aos montantes efetivamente despendidos pelos Réus-reconvintes (na motivação da sentença refere-se mesmo a falta de prova documental e/ou testemunhal a esse respeito), tratando-se de valores aproximados (“pelo menos”), apurados com base no relatório pericial em que o Sr. Perito procurou (como esclareceu em audiência final) atribuir valores atuais a cada uma das benfeitorias que aí identificou, por alíneas (aliás, dificilmente uma perícia com o objeto que foi definido poderia ir mais além).
Não nos parece, pois, que se justifique a este respeito maior indagação fáctica, mormente por via do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC ou em incidente de liquidação ulterior. Na verdade, o relatório pericial visando a avaliação das benfeitorias (e as dúvidas que suscita foram esclarecidas pelo Sr. Perito na audiência final) aponta já para o valor da respetiva indemnização.
Na sentença recorrida, considerou-se, todavia, que o valor indicado devia representar apenas uma percentagem do aumento do valor da moradia ao longo dos anos. O que, se bem percebemos, está ancorado na ideia de que as benfeitorias úteis aumentam o valor da coisa; daí que se tenha procurado calcular a percentagem desse aumento, partindo do valor da prometida venda e considerando o valor patrimonial atual (ou mais atual) do imóvel (avaliado em 2012). A Apelante (Ré-reconvinte) manifestou a sua concordância com o critério seguido na sentença recorrida, sendo certo que as demais partes (Autor-reconvindo e Réu-reconvinte) também parecem aceitá-lo, pois nada disseram em contrário. Assim sendo, partindo dos valores discriminados no ponto 33., reputamos oportuno e adequado adotar o aludido critério.
Ou seja, vamos considerar que as benfeitorias úteis, cujo custo foi de, pelo menos, 6.300 €, valorizaram o imóvel em valor não inferior ao que proporcionalmente corresponde ao do aumento do valor do prédio desde 1998 até à data mais recente em que foi avaliado. Logo, esse aumento é de 134.620,85 € (334.140 € - 199.519,15 €). Significa isto que a percentagem do aumento é de 67,4726461% (134.620,85 × 100 : 199.519,15), e não de 40%, como, por erro de cálculo, se refere na sentença (terá porventura sido calculado 134.620,85 × 100 : 334.140, o que dá 39,09…%, ou seja, um valor aproximado dos referidos 40%).
Consequentemente, o valor da indemnização é (com arredondamento) de 4.250,78 € (6.300 € × 67,4726461% ꞊ 4.250,776704), mas será fixado em 4.250,61 €, conforme pretende a Apelante, procedendo, neste particular, as conclusões da sua alegação, o que igualmente aproveita ao Réu-reconvinte (cf. art. 634.º do CPC).
3.ª questão – Do direito de retenção por benfeitorias úteis (má-fé da Ré-reconvinte)
Na sentença recorrida, considerou-se existir uma situação de total impossibilidade superveniente de celebração do negócio, decorrente da recusa de consentimento da irmã do 1.º Réu, e que essa impossibilidade era imputável ao Autor, com a consequente resolução contratual e a obrigação deste último pagar aos Réus o sinal em dobro, os quais, por seu turno, deverão restituir o imóvel ao Autor (indemnizando-o pela privação do uso desde a data em que o prédio deva ser entregue). Ademais, teceram-se a respeito do direito de retenção as seguintes considerações (sublinhado nosso):
«Invoca ainda a 2ª R. o direito de retenção sobre a moradia.
Nos termos do art. 754º do CC, o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
Ora, no caso em apreço, estão efetivamente os RR. obrigados a restituir a moradia ao A., mas está também o A. obrigado a pagar aos RR. o valor correspondente às obras que estes efetuaram na moradia, no valor total de € 12.920,00.
Porém, estabelece-se no art. 756º, al. b) do CC, que não há direito de retenção a favor dos que tenham realizado de má fé as despesas de que proveio o crédito.
Esclarecendo o que se deve entender por má fé para este efeito, afirmou-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.05.2007 (Processo n° 0751909, in http://www.dgsi.pt/) que “I - A má fé referenciada no art. 756.º, b) do CC deverá ser considerada no sentido psicológico, sendo que a equiparação do comodatário ao possuidor de má fé a que se reporta o art. 1138.º, n.º 1, no que concerne às benfeitorias realizadas na coisa comodatada, em termos de presunção, é apenas para efeitos da indemnização a que alude o art. 1273.º do CC.
II - Uma coisa é a existência de má fé para o exercício do direito reconhecido no referido art. 1273.º e outra a má fé para exclusão do direito de retenção.
III - E só haverá má fé do retentor quando, havendo vícios ou defeitos na aquisição, deles tenha conhecimento, não se abstendo de realizar as despesas com a coisa retida, apesar de tais vícios ou defeitos, e quando realize as despesas com a consciência de prejudicar ou lesar o direito do dono da coisa.”
Ou seja, “A má fé na realização das benfeitorias a que se refere a al. b) do artº 756º do C.Civil - conhecimento pelo comodatário de que por via da realização das obras estava a lesar os interesses de outrem - tem a ver, como elemento excludente, com a constituição ou não do direito de retenção para garantia do direito de crédito do retentor” (ibidem).
No caso em apreço dir-se-á que estando provado que “desde logo” a irmã do 1º R. recusou o seu consentimento à venda em causa, e esgrimindo os RR. esse argumento para sustentar que não estão em mora quanto ao pagamento do reforço de sinal, uma vez que o negócio é impossível, não podemos senão concluir que aquando da realização das obras os RR. já sabiam de toda esta situação, ou seja, estavam de má fé, para este efeito.
No entanto sempre se dirá que, pelo menos quanto às obras que consubstanciam benfeitorias necessárias, estas se destinam a preservar a integridade física da coisa, não podendo por isso considerar-se que tenham sido feitas de má fé.
Estão, pois, reunidos os pressupostos de que depende o reconhecimento do direito de retenção à 2ª R., mas apenas com respeito ao valor atinente às benfeitorias necessárias. Com relevo para a apreciação desta questão, citamos ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.09.2011 (Processo nº 458/07.7TBTND.C1, in http://www.dgsi.pt/), onde se decidiu que “I – O direito de retenção (artigo 754º do CC), quando feito actuar na dinâmica de um processo como excepção peremptória, obsta à concretização imediata do pedido do autor – pedido de entrega de uma coisa (artigo 1311º, nº 2 do CC) –, mas já não obsta a que o réu seja condenado, projectivamente, a cumprir essa prestação (entrega da coisa) quando o autor cumpra a sua (satisfação das benfeitorias).
II – Poderemos chamar à fórmula decisória assim gerada – através da actuação de um direito (real) de retenção da coisa oposto à obrigação de entrega desta e referido a despesas (benfeitorias) com essa mesma coisa – “condenação quid pro quo”, “condenação num cumprimento simultâneo” ou “condenação a prestar em troca da contraprestação”.
III – Embora este tipo de condenação produza alguma relativização do acertamento do direito na Sentença, justifica-se o uso da mesma com base nas mesmas razões de economia processual presentes no artigo 662º, nº 2, alínea a) do CPC, aplicado por analogia à situação.”
 Ou seja, por se verificarem os pressupostos do direito de retenção, devem os RR. ser condenados na restituição da moradia, assim que se mostre paga a indemnização por benfeitorias necessárias a que têm direito.
Significa isto que o reconhecimento do direito de retenção paralisa a obrigação de entrega, e do mesmo passo paralisa também a obrigação de pagamento da contrapartida correspondente ao gozo do imóvel, pois não seria lógico que alguém fosse autorizado a permanecer na posse de uma coisa e em simultâneo fosse obrigado a pagar uma indemnização pela ocupação ilícita da mesma.
Assim, tal obrigação de pagamento da indemnização pela ocupação indevida do imóvel só ressurgirá se após o pagamento da indemnização pelas realização das benfeitorias necessárias, os RR. persistirem em não restituir o imóvel ao A..»
A Apelante pugna pelo reconhecimento do seu direito de retenção sobre o prédio em apreço até ao pagamento integral de todas as quantias indemnizatórias acima referidas, incluindo, pois, a indemnização pelas benfeitorias úteis.
Para tanto, argumenta, em síntese, que:
- Ao invés do que vem decidido, os Réus não atuaram de má fé aquando da realização das obras que realizaram na moradia, não lhes sendo, por isso, aplicável a exclusão contida na alínea b) do art. 756.º do CC;
- Não é definitiva, nem irreversível, a recusa de consentimento que “desde logo” a filha do Autor anunciou para a prometida venda, pois que, por via de suprimento judicial (em procedimento próprio dirigido a esse fim, o que não é o caso da presente ação) ou mediante negociação persuasiva, sempre aquele poderia obter de sua filha o necessário consentimento para conclusão dessa venda;
- Só através de cartas de 03-07-2018 é que o Autor deu conta aos Réus, pela primeira vez, da sua impossibilidade de cumprir a promessa outorgada;
- Os termos em que a presente ação foi proposta desmentem, de resto, que o Autor estivesse convicto dessa impossibilidade;
- As obras que os Réus realizaram não só tiveram em vista reunir as necessárias condições de habitabilidade, mas também, na expectativa da sua aquisição, investir na valorização futura da moradia, de que poderiam vir a usufruir e sem que, com tanto, pretendessem ou concebessem a mera hipótese de estarem a lesar qualquer direito do Autor.
Apreciando.
Começamos por lembrar, mais uma vez, a lição de Pires de Lima e Antunes Varela, na obra citada (pág. 44), ainda em anotação ao art. 1273.º, explicando que este artigo não faz qualquer referência ao direito de retenção: “A matéria passou a ser regulada, genericamente, nos artigos 754.º e segs., que tratam do direito de retenção. O primeiro destes artigos confere o direito de retenção ao possuidor para garantia da indemnização por benfeitorias, mas o artigo 756.º, alíneas a) e b), limitou o exercício desse direito ao possuidor que esteja de boa fé no momento da realização das despesas.”
O art. 754.º do CC estabelece precisamente que o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
Esse direito é excluído quando se verifique algum dos factos (impeditivos) previstos no art. 756.º do CC. Assim, e no que ora importa, estabelece-se, na alínea b), que não há direito de retenção “(A) favor dos que tenham realizado de má fé as despesas de que proveio o seu crédito”.
Veja-se a explicação dos referidos autores, em anotação ao art. 756.º do CC (obra citada, Volume I, pág. 779, sublinhado nosso):
“1. A detenção da coisa só justifica o direito de retenção quando seja legítima. E é ilegítima quando foi obtida, conscientemente, por meios ilícitos, ou seja, (…) por acto ilícito doloso. Tal é o caso, por exemplo daquele que subtraiu fraudulentamente a coisa ou a furtou. É esta a doutrina da alínea a).
2. Mas pode a detenção ter sido obtida por meios lícitos, ou por meios ilícitos não conhecidos do detentor, e, todavia, não ser legítimo o exercício do direito de retenção. A alínea b) considera também ilegítima a garantia quando as despesas de que provém o crédito tenham sido realizadas de má fé. Não obstante, pois, a aquisição de boa fé, se o detentor vem a saber que está com a sua posse a lesar os direitos doutrem, perde o direito de retenção pelas despesas posteriormente feitas, embora tenha direito à indemnização (…)
Há, no entanto, que fazer uma reserva. Aquele que detém de má fé a coisa alheia pode fazer despesas não em seu benefício, mas como gestor de negócios do dono. Neste caso, não pode dizer-se que as despesas foram feitas de má fé”.
Não cumpre no presente recurso apreciar a questão da impossibilidade definitiva de cumprimento do contrato-promessa, pois as partes conformaram-se com o que a este respeito foi decidido na sentença recorrida, sendo assim despiciendas e inatendíveis as considerações da Apelante condensadas nas conclusões 20.º e 21.º da sua alegação recursória.
Mas já nos parecem acertados os demais argumentos aduzidos pela Apelante.
Com efeito, os Réus, na sequência da celebração do contrato-promessa com tradição da coisa, passaram, em 1998, a habitar a moradia que pertencia aos seus pais/sogros (cf. ponto 1. dos factos provados), a qual se encontrava na situação descrita no ponto 21., tendo realizado obras que são habituais neste género de imóveis e que até tiveram um custo moderado (face às caraterísticas da moradia), sendo mesmo, em parte (designadamente a arrecadação), do conhecimento do Autor (pai do Réu e sogro da Ré).
De salientar que não consta dos factos provados (ou sequer alegados) quando foram realizadas as obras ora em questão (jardim, arrecadação, churrasqueira, telheiro), designadamente se o foram antes ou depois do envio das cartas referidas no ponto 36., nem se tiveram lugar antes ou depois de 2015, altura em que o litígio que opõe as partes chegou aos tribunais e em que os Réus poderão ter adquirido, mormente por intermédio do(s) seu(s) mandatário(s) judiciais), a noção de que seria muito difícil (ou improvável) a celebração do contrato prometido.
Tão pouco consta dos factos provados (ou foi sequer alegado) que a Ré (ou mesmo o Réu), aquando da realização dessas obras, tinha conhecimento da oposição categórica (inabalável) da filha do Autor à celebração do contrato prometido. Logo, não nos parece resultar dos factos provados (ou alegados) que a Ré, na altura das ditas obras, soubesse que se verificava uma impossibilidade definitiva (e não meramente temporária) da prestação.
Portanto, não é possível concluir que, aquando da realização das ditas obras, a Ré soubesse que estava com a sua “posse” a lesar os direitos do Autor (o que, configurando matéria de exceção perentória, haveria de ter sido alegada pelo Autor-reconvindo na Réplica – cf. artigos 5.º, n.º 1, e 584.º do CPC), tanto mais que a ação que contra ela foi intentada veio a ser julgada improcedente por sentença de 11 de março de 2015, onde até se entendeu ser a 2.ª Ré titular de um direito pessoal de gozo sobre o imóvel, decorrente da sua entrega antecipada, acordada na sequência da celebração do contrato-promessa de compra e venda entre o Autor e o seu filho, ora Réu.
Tudo ponderado, não vemos razão para considerar que, na altura em que as obras em apreço foram realizadas, a Ré estava de má-fé, pelo que não podemos acompanhar, a este propósito, a sentença recorrida ao restringir o direito de retenção ao crédito indemnizatório atinente às benfeitorias necessárias [5.a) do segmento decisório] e aos juros da indemnização por estas últimas e pelas benfeitorias úteis [5.c) do segmento decisório], procedendo, neste particular, as conclusões da alegação de recurso, com a inclusão da indemnização pelas benfeitorias úteis aludida em 5.b) no ponto 2. do segmento decisório.
Vencido o Autor-apelado, é responsável pelas custas do recurso (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida, que se substitui pela presente decisão, com a alteração do segmento decisório daquela, nos seguintes termos:
2. Condena os RR. AG… e SA… a entregarem ao A. AGa…, livre e devoluto de pessoas e bens, o prédio aludido em 1., assim que se mostre paga a indemnização aludida em 5.a), b) e c), reconhecendo desta forma à R. direito de retenção sobre aquele prédio;
(…) 5. Condena o A. AGa… no pagamento aos RR. AG… e SA… de:
a) € 20.800,00, a título de indemnização por benfeitorias necessárias;
b) € 4.250,61, a título de indemnização por benfeitorias úteis;
mantendo-se a sentença quanto ao mais que aí foi decidido.
Condena-se o Autor-apelado no pagamento das custas do recurso.
D.N.

Lisboa, 10-09-2020
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua