CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REVOGAÇÃO UNILATERAL
Sumário


I- A relação jurídica validamente surgida de um contrato é susceptível de se extinguir por resolução, revogação ou denúncia.
II- A denúncia consiste na manifestação da vontade de uma das partes, em contratos de prestações duradouras, dirigida à sua não renovação ou continuação.
III- A revogação consiste na destruição do vínculo contratual mediante uma declaração dos contraentes, oposta à primitiva que lhe deu vida.
IV- Ao lado da revogação que resulte de comum acordo das partes, admite-se a que seja feita apenas por uma delas. Mas ainda quando se trate de revogação unilateral, o instituto não se confunde com a resolução, visto que opera «ex nunc», ou seja, apenas para futuro.
V- Salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação imobiliária deve considerar-se revogável. Todavia, não podem valer os seus efeitos no sentido de a parte que interveio no contrato de mediação se querer eximir ao pagamento estipulado quando, pelas circunstâncias do caso, se verifique que a denúncia não constituiu senão um expediente, porventura grosseiro, destinado a dar ao denunciante a aparente liberdade negocial de contratar com a pessoa angariada sem qualquer responsabilização face ao mediador angariante.

Texto Integral


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

*
1 RELATÓRIO

X – Mediação Imobiliária Lda, com sede na Avenida … BRAGA, intentou procedimento destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato de valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância(1) contra M. P., residente na Rua …, em Braga pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 6.150,00 e o montante pago a título de taxa de justiça – € 102,00.

Alega em síntese:
Que celebrou a 14-08-2017, com a R., contrato escrito denominado de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, e por 6 meses renováveis automaticamente se não fosse denunciado pelas partes.
Que por via desse contrato se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra da fração autónoma destinada à habitação e respectivo sótão, designada pela letra V, um T3, 3º andar esq., do prédio sito na Rua …, freguesia de ..., em Braga, descrita na CRP sob o nº ... e inscrita na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., pelo valor de € 39.900,00.
Que em contrapartida a R. obrigou-se a pagar a título de remuneração, a quantia de € 5.000,00 mais IVA.
Que no cumprimento do acordado efectuou a promoção da venda, deslocando-se ao local para analisar as características do imóvel, tirar fotografias, tendo divulgado o imóvel nas diversas plataformas e meios publicitários de que dispõe.
Que na sequência da promoção do imóvel, foram realizadas visitas ao mesmo, tendo a A. logrado obter uma proposta de compra, a 27-12-2017, do Sr. R. D., NIF ...... pelo valor de € 47.000,00, superior aos € 39.900,00 que constavam do contrato.
Que dessa proposta deu conhecimento à R. para o e-mail que constava do contrato, não tendo tido qualquer resposta, sendo depois surpreendida a 25-01-2018, com missiva da R. a resolver o contrato.
Conclui peticionando o valor previsto no contrato, a título de remuneração, uma vez que cumpriu a sua parte no mesmo, tendo obtido proposta de compra do imóvel de valor até superior ao constante do contrato.

Citada a R., confirmou a celebração do contrato e os seus termos, invocando que nada tem a pagar, uma vez que não era proprietária do imóvel, apenas herdeira e Cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido, na qual há mais dois herdeiros, os seus filhos, já maiores, que não intervieram no referido contrato.
Invoca, que não tinha legitimidade, por si só, para celebrar qualquer contrato de compra e venda do imóvel, tendo que intervir os seus filhos, situação que a A. sempre soube, uma vez que aquando da celebração do contrato lhe entregou a habilitação de herdeiros, tendo a A. assumido o risco da não concretização do negócio, uma vez que sabia que o contrato de mediação não vinculava os restantes herdeiros.
Concluiu afirmando que a venda não se fez porque os seus filhos não pretendiam a alienação pelo preço indicado, e não por culpa sua.
Juntou o contrato de mediação (fls. 7) certidão do imóvel (fls. 7v e ss.) e procuração.

Designado dia para julgamento, a ele se procedeu com observância de todas as formalidades legais.
A A. antes do julgamento – ver fls. 18v e ss – tomou posição quanto à matéria de excepção invocada pela R., pugnando pela procedência da acção, juntando a proposta recebida e seu reencaminhamento para o e-mail constante do contrato datadas do dia 28-12-2017 (ver fls. 21), a missiva que recebeu da R. a resolver o contrato em janeiro de 2018 (fls. 21v e 22), cópia da escritura de compra e venda do imóvel pela R. e seu marido em 1977 (fls. 23 e ss), e bem assim documentação da Conservatória onde consta o registo efetuado após a morte do marido da R. (fls. 22v).
No julgamento foram juntos e-mails trocados entre a A. e o interessado na compra, incluindo a documentação por este fornecida e certidão predial actualizada do imóvel, onde consta registo de propriedade a favor de R. D., decorrente da compra à R. e seus filhos.

No final, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos:

Pelo exposto, julga-se procedente por provada a presente acção, condenando a R. a pagar à A. a quantia de 6.150,00€, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde 27.12.2018, até integral pagamento, e bem assim, do montante pago pela A. a título de taxa de justiça.
Fixo o valor da acção em 6.150,00€.
Custas pela R.
Registe e notifique.
*

Inconformada com essa sentença, apresentou a R. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. É requisito fundamental para a aplicação do n.º 2 do art.º 19.º da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, que a contraparte contratual da empresa mediadora seja imperativamente proprietária do imóvel a mediar.
2. A R. não era, nem proprietária, nem mesmo comproprietária daquele imóvel, mas apenas co-herdeira da herança indivisa aberta por óbito do seu marido, na qual eram também herdeiros os dois filhos do casal, que não celebraram o contrato de mediação.
3. Como não se verificam os requisitos necessários à aplicação do n.º 2, do artigo 19.º, da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, não tem direito a A. à remuneração aí estipulada.
4. O artigo 17.º, n.º 1, al. a), da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, estipula que compete à empresa mediadora a obrigação expressa de certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover.
5. A R. não tinha, por si só, capacidade e legitimidade para celebrar um contrato de compra e venda daquele imóvel, facto que sempre foi do conhecimento da A.
6. Não agiu a R. com abuso de direito, pois era à A. que incumbia a obrigação de verificar a capacidade e a legitimidade daquela para outorgar a futura escritura de compra e venda.
7. Não ficou provado nos autos que a não celebração do contrato de compra e venda, se deveu à culpa da R.
8. A obrigação do mediador imobiliário é uma obrigação de meios, em que o resultado desempenha um papel especial no contrato, uma vez que, como resulta do n.º 1, do art. 19.º da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, "a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação" é condição necessária do nascimento do direito do mediador à remuneração, ou seja, a remuneração do mediador não depende apenas do cumprimento da sua prestação, exigindo-se ainda a celebração do contrato visado.
9. A A. ao celebrar o contrato de mediação imobiliária nestas condições, escolheu correr por sua conta e risco, a não celebração da venda e o consequente não recebimento da remuneração, caso contrário, logo na data da celebração daquele contrato, teria exigido que aquele fosse celebrado por todos os herdeiros.
10. Mesmo que se entendesse que o motivo indicado na carta enviada pela R. à A., em Janeiro de 2018, não constituía justa causa para a resolução do contrato de mediação imobiliária, sempre aquela missiva tinha de ser entendida como uma oposição à sua renovação, nos termos da cláusula 8.º daquele contrato.
11. O contrato de mediação imobiliária terminou os seus efeitos em 14 de fevereiro de 2018, fruto da oposição à sua renovação realizada pela R., pelo que a A. não tem direito a qualquer remuneração.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso e alterando a douta decisão recorrida nos termos pugnados nas presentes alegações, com a consequente absolvição da R., farão inteira JUSTIÇA.
*

Foram apresentadas contra-alegações nas quais se pugna pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.
*

A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
*

Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
*

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*

2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta deseja que seja reapreciada a decisão de mérito da acção.
*

3 – OS FACTOS

Resultam provados os seguintes factos:

1. Entre A. e R., a 14.08.2017, foi celebrado o contrato escrito denominado de mediação imobiliária junto a fls. 7 e aqui dado por inteiramente reproduzido, para todos os legais efeitos.
2. Por via desse contrato obrigou-se a A. a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra da fração autónoma destinada à habitação e respectivo sótão, designada pela letra V, um t3, 3º andar esq., do prédio sito na Rua …, freguesia de ..., em Braga, descrita na CRpredial sob o nº ... e inscrita na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., pelo valor de 39,900,00€ - ver cláusula 1ª e 2ª.
3. Na cláusula 1ª consta que a R. é proprietária do imóvel aludido em 2.
4. A R. deu conhecimento à A. que os filhos também eram proprietários do imóvel, entregando-lhe a habilitação de herdeiros.
5. Sugerindo a A. que eles também outorgassem o contrato.
6. Situação que a R. e o seu filho, na altura também presente, não quiseram invocando que a filha estaria no estrangeiro e era mais fácil ficar só a constar a R.
7. Nos termos contratados, obrigou-se a pagar a título de remuneração, a quantia de 5.000,00€ mais IVA – ver cláusula 5ª – ali se dizendo que a remuneração só será devida se a mediadora – A – conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, e também, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.
8. Na clausula 4ª é referido que o contrato é em regime de exclusividade, precisando-se que só a mediadora tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência, ficando o cliente – 2º contratante – obrigado a pagar a comissão acordada, caso viole a obrigação de exclusividade.
9. O contrato foi celebrado por 6 meses, com possibilidade de renovação, nos termos referidos na cláusula 8ª.
10. O prédio aludido em 2 foi comprado pela R. e seu marido a -.4.1977, casados que estavam em comunhão geral de bens – ver fls. 23 a 25v.
11. Que o registaram em seu nome – ver certidão de fls. 8.
12. O marido da A. faleceu, tendo o prédio, por força da dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária, sido registado a favor da R., de J. F. e G. F. (filhos da R), em comum e sem determinação de parte ou direito – ver certidão de fls. 9.
13. No contrato celebrado ficou a constar para contacto da R. o seguinte e-mail: ….@....
14. A A. efectuou a promoção da venda do imóvel aludido em 2., deslocando-se ao local para analisar as características do imóvel, tirar fotografias, tendo divulgado o imóvel nas diversas plataformas e meios publicitários de que dispõe.
15. Na sequência da promoção do imóvel, foram realizadas visitas ao mesmo.
16. Tendo a A. logrado obter uma proposta de compra, a 27.12.2017, do Sr. R. D., NIF ...... pelo valor de 47.000,00€.
17. Dessa proposta deu a A. conhecimento à R. para o e-mail que constava do contrato, reencaminhando o e-mail do interessado.
18. Não tendo tido qualquer resposta da R..
19. Por carta remetida à A. pela R., em janeiro de 2018, contante de fls. 21v e 22, a A. comunicou à R. que dava unilateralmente sem efeito o contrato celebrado a 14.08.2017, antes de mais, pelo facto de o mesmo ter sido subscrito apenas por ela, quando deveria ter sido feito também pelos filhos, igualmente proprietários do imóvel, dizendo que tal facto sempre foi do conhecimento da A.
20. O imóvel aludido em 2. encontra-se registado desde 27.12.2018 a favor de R. D. NIF ......, pessoa aludida em 16, tendo-o comprado à R. e seus filhos, conforme certidão do imóvel actualizada junta no julgamento.
*
Não existem, com interesse para a decisão da causa, factos não provados.
*
Motivação.

A convicção do tribunal fundamentou-se, desde logo, nas posições assumidas pelas partes no processo, estando assente a celebração do contrato (junto a fls. 7) e a comunicação remetida pela R. à A. pondo fim ao contrato que consta de fls. 21v e 22.
Mais nos ativemos à documentação junta aos autos, devidamente referida no elencar dos factos provados, desde logo, cópia da escritura de compra e venda do imóvel pela R. e seu marido em 1977 (fls. 23 e ss), e bem assim documentação da Conservatória do registo predial, onde consta o registo efetuado após essa compra, a favor da R. e seu marido, o registo efectuado após a morte do marido da R. (fls. 22v) a favor da R., de J. F. e G. F. (filhos da R e do falecido), em comum e sem determinação de parte ou direito, e bem assim, o registo efectuado respeitante à aquisição do imóvel por R. D., NIF ......, por compra à R. e seus filhos.
Por outro lado, atendemos às declarações prestadas em sede de julgamento por L. M., prestador de serviços à A., que teve intervenção directa nesta situação.
A testemunha depôs com grande rigor, pormenor e clareza, mostrando conhecimento directo dos factos, tendo prestado um depoimento marcado pela objectividade, sem dúvidas e hesitações, que nos mereceu credibilidade total, destacamos que a sua sinceridade e lisura foram para nós impressivas, sendo certo que, apesar de interesse no desfecho da causa (receberá parte da comissão reclamada) convenceu-nos da veracidade dos factos por si relatados.
Atente-se que a testemunha aludiu às circunstâncias exactas da celebração do contrato em causa nos autos, logo explicando que foi o filho da R. J. F. que o contactou para vender o imóvel, tendo estado presentes aquando da formalização do contrato tanto a R. como este seu filho.
Perguntado disse que lhe foi transmitido que todos os herdeiros (os presentes R. e J. F. e a ausente, filha da R.) estavam de acordo com a venda, admitindo que teve acesso à habilitação de herdeiros e que logo sugeriu que todos ficassem a constar do contrato, situação que não sucedeu, porque a R. e o seu filho pretenderam que apenas aquela ficasse a constar, uma vez que a filha estaria no estrangeiro, bastando a R. assinar, uma vez que era cabeça de casal, também proprietária, e que todos estavam de acordo, situação que veio a suceder, apenas figurando como contraente no acordo celebrado com a A., a aqui R.
Realço que a forma franca e simples com que este depoimento decorreu em geral, e em particular nesta parte, não nos fez duvidar da sinceridade dos factos relatados pela testemunha.
A testemunha prosseguiu aludindo à explicação que forneceu quanto aos termos do contrato, em particular, quanto à exclusividade, tendo depois relatado que obteve as chaves, passando a descrever as diligências de promoção que encetou – fotografias, visitas, colocação de cartaz no imóvel –, tendo logrado, fruto das mesmas, obter uma proposta por valor bem superior ao pretendido pela R. – 47.000,00€ –, o que comunicou à R. para o email que constava do contrato, tendo até reencaminhado o e-mail onde constava a proposta do interessado, atente-se neste ponto aos e-mails que constam dos autos, os trocados entre o interessado e a testemunha que respaldam inteiramente os factos por si relatados em tribunal, e bem assim, o e-mail onde comunicou esta proposta de 47.000,00€ à R. (para o e-mail que constava do contrato).
Aqui chegados, cumpre referir, que foi para nós evidente, que o grande erro da testemunha foi dar informações a mais do interessado, aliás, ao reencaminhar o e-mail da proposta, acabou por colocar as duas partes – comprador e vendedor – em condições de falarem, sem a sua mediação (o seu exacto papel na situação), sendo certo, que a testemunha, embora admitindo que não o deveria ter feito, acabou por explicar o porquê, o que mais uma vez mostra a sua franqueza e boa fé em toda esta situação, confiou nas pessoas e tinha um contrato assinado, nunca pensando que acabassem por fazer o negócio – como é evidente que fizeram, dada a aquisição que foi feita pelo interessado directamente à R. e seus filhos – directamente, fazendo tábua rasa do contrato, do acordo que se estabelecera entre a A. e a R., sendo mais grave ainda, usando de um argumento formal, o facto dos filhos não terem assinado – quando foi a própria que assim o quis – para acabar com o contrato precisamente na sequência da obtenção dos contactos – do e-mail, e demais elementos – da pessoa que a A. havia angariado para compra do imóvel.

[transcrição dos autos].
*

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Não questionando a matéria de facto dada como provada, pretende a recorrente que seja reapreciada a decisão de mérito da acção.
Entendendo que a R. não era, nem proprietária, nem mesmo comproprietária daquele imóvel, mas apenas co-herdeira da herança indivisa aberta por óbito do seu marido, na qual eram também herdeiros os dois filhos do casal, que não celebraram o contrato de mediação e que não agiu com abuso de direito, pois era à A. que incumbia a obrigação de verificar a capacidade e a legitimidade daquela para outorgar a futura escritura de compra e venda, não tendo ficado provado nos autos que a não celebração do contrato de compra e venda, se deveu à culpa da R.
Com o que discorda a recorrida, considerando que o imóvel era pertença da R. e de seu marido, autor da herança, apenas integrando a herança, a metade indivisa do imóvel que era do marido, já que a outra metade indivisa sempre continuou a pertencer à R., mesmo depois da morte daquele (certo é que metade indivisa de tal bem mantém-se na propriedade exclusiva da Ré). Sendo que, independentemente de lhe assistir ou não razão (com referência à questão da R. ser comproprietária do imóvel transaccionado) parece-nos da mais elementar justiça que o contrato assinado pela Ré a vincule em todos os seus termos, e isto porque foi assinado de forma livre, esclarecida e por quem tem legitimidade e capacidade para o fazer.
Quid iuris?

Começando pela questão da titularidade do imóvel em questão, como já se escreveu quanto a esta contestada questão, temos que Se um prédio foi adquirido através de escritura de compra e venda, pela autora e seu marido, com quem era casada no regime da comunhão geral de bens, tal significa que esse prédio entrou na comunhão conjugal, ficando a constituir um bem comum do casal. Os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede um certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela. Se entretanto faleceu o marido da autora, a herança é que deve reivindicar o reconhecimento de que tal prédio é pertença da mesma herança e não vir a autora reivindicar que é dele comproprietária. A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade, uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas. Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um”. Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança. (2)
Acresce que, dispõe o nº 1 do art. 1730º do CC (aplicável ex vi art. 1734º) que os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão. Daqui se retira a meação do cônjuge sobrevivo. Mas, como ensinam Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, na comunhão conjugal “os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela.” (3). E, depois de esclarecerem que não se trata de cada cônjuge ter direito a metade de cada bem concreto do património comum, concluem: “O direito a metade é, assim, um direito ao valor de metade.” (4).
Logo, tem razão a R. quando diz que não era, nem proprietária, nem mesmo comproprietária daquele imóvel, mas apenas co-herdeira da herança indivisa aberta por óbito do seu marido, não sendo correcto afirmar, como faz a A., que apenas integra a herança, a metade indivisa do imóvel que era do marido, já que a outra metade indivisa sempre continuou a pertencer à R., mesmo depois da morte daquele (certo é que metade indivisa de tal bem mantém-se na propriedade exclusiva da Ré).
Assim, a R. não era proprietária do imóvel aludido em 2, como consta da cláusula 1ª do contrato escrito denominado de mediação imobiliária junto a fls. 7 dos autos, o que configura um lapso, se tal for entendido em sentido estrito e jurídico, mas já não se for entendido em sentido lato ou comum, sem rigor jurídico, tal como foi vontade da R. e do seu filho ali presentes e é referido na carta de Janeiro de 2018, em que a R. dá unilateralmente sem efeito o contrato, pois os filhos sendo igualmente proprietários do imóvel, apenas ela o subscrevera.
Todavia, não tendo a herança indivisa ainda sido sujeita a partilhas, é o cabeça de casal quem administra a herança, sendo este cargo ocupado pelo cônjuge, se for herdeiro. Isto porque, de acordo com os arts. 2047º e 2075º do CC, é necessário que o cabeça de casal administre a herança até à sua liquidação e partilha, momento a partir do qual um dos herdeiros se transforma em proprietário.
Como assim, tendo-se a R. limitado a praticar um ato de gestão (e não de disposição ou oneração, como seria o contrato de compra e venda do imóvel), exercendo, nessa medida, os direitos que assistem aos comproprietários (que aqui se aplica ex vi art. 1404º do CC), tinha legitimidade para celebrar, como celebrou, o contrato em causa.
Sendo, pois, o contrato de mediação imobiliária aqui em causa válido (5), vejamos agora a carta de Janeiro de 2018 a dá-lo unilateralmente sem efeito.
O que coloca a questão de saber se a recorrente podia “denunciar” unilateral e antecipadamente o contrato de mediação imobiliária.
Ora, um dos princípios que caracterizam o regime geral dos contratos é o princípio da força vinculativa ou da obrigatoriedade e está consagrado no art. 406º do CC: “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.” O princípio da força vinculativa desenvolve-se através de outros três princípios: o da pontualidade, e os da irretractabilidade ou da irrevogabilidade dos vínculos contratuais e da intangibilidade do seu conteúdo. Os dois últimos fundem-se no que também se designa por princípio da estabilidade dos contratos. (6)
Todavia, o próprio art. 406º/1 do CC prevê desvios justificados à regra clássica «pacta sunt servanda». Na verdade, a relação jurídica validamente surgida de um contrato é susceptível de extinguir-se por resolução, revogação ou denúncia. (7)
A denúncia consiste na manifestação da vontade de uma das partes, em contratos de prestações duradouras, dirigida à sua não renovação ou continuação. Apresenta, assim, duas características: é exclusiva dos contratos com prestações duradouras e deve fazer-se para o termo do prazo da renovação destes, salvo tratando-se de contratos por tempo indeterminado (8).
Por sua vez, a revogação consiste na destruição do vínculo contratual mediante uma declaração dos contraentes, oposta à primitiva que lhe deu vida. Ao lado da revogação que resulte de comum acordo das partes, admite-se a que seja feita apenas por uma delas. Mas ainda quando se trate de revogação unilateral, o instituto não se confunde com a resolução, visto que opera «ex nunc», ou seja, apenas para futuro (9).
Assim, chegamos à conclusão que, ao caso em apreço, melhor se adequa o conceito de revogação unilateral do contrato, em vez de denúncia. Esta, por definição, opera após o termo do prazo de vigência do contrato, evitando a sua renovação ou seja, a denúncia não pode ser antecipada, apenas a revogação é que poderá ser antecipada e unilateral.
Ora, a possibilidade de revogação do contrato naturalmente que é aplicável ao contrato de mediação imobiliária. “Salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação deve considerar-se revogável. Não se trata de uma aplicação analógica das regras do mandato e da comissão, mas de uma consequência da própria natureza do contrato, tal como ela é de presumir ser querida pelos contraentes, pois parece de presumir que o autor do encargo, ao celebrar o contrato de mediação, não quer privar-se da faculdade de prescindir dos serviços do mediador, já que pode oferecer-se-lhe oportunidade de realizar o negócio sem intermediário, ou aparecer-lhe outro intermediário mais conveniente, ou perder a confiança que depositara no primeiro, ou desistir do propósito de concluir o negócio; por outro lado, desde que o mediador só adquire direito à remuneração quando o negócio é concluído por efeito da sua intervenção...e a conclusão depende do autor do encargo, tem este o direito de revogação” (10).
No caso em apreço, o termo do contrato, celebrado em 14 de Agosto de 2017, por um prazo de seis meses, não chegou a ser denunciado, tendo apenas ocorrido a comunicação feita pela R. à A., em Janeiro de 2018, por carta, que se configura como uma revogação do contrato.
Em tese, como se disse supra, a revogação do contrato é legal.
Porém, vejamos o que diz VAZ SERRA, a propósito: “pois que a retribuição do corretor só é de pagar aquando da realização do contrato tido em vista, mas a conclusão depende da vontade do dador do encargo, tem o dador do encargo a liberdade de resolver outra coisa, especialmente de concluir o contrato de outro modo sem a ajuda deste corretor ou revogar o contrato de corretagem.
Todavia, a revogação não pode fazer-se com a intenção de prejudicar a pretensão de provisão do corretor. De contrário, é de pagar a provisão...” (11)
Assim, sendo em princípio admissível a revogação do contrato de mediação, não podem valer os seus efeitos no sentido de a parte que interveio no contrato de mediação se querer eximir ao pagamento estipulado quando, pelas circunstâncias do caso, se verifique que a denúncia não constituiu senão um expediente, porventura grosseiro, destinado a dar ao denunciante a aparente liberdade negocial de contratar com a pessoa angariada sem qualquer responsabilização face ao mediador angariante”. (12)
O que se configura no presente caso, em que, como resulta dos factos que ficaram provados, perante a proposta para aquisição do imóvel feita por um interessado angariado pela mediadora, disposto a pagar mais € 7.100,00 do preço que constava no contrato, tendo a mediadora reencaminhado o e-mail do interessado, a R. nada responde à A. quanto à proposta, enviando-lhe antes uma carta onde revoga, segundo diz, com justa causa o contrato. Tendo-se para tal justificado com recurso a motivo sem fundamento, pois a mesma tinha, como já vimos supra, legitimidade para assinar sozinha o contrato, desacompanhada dos filhos, conduta que, como assertivamente se refere na sentença recorrida, seria sempre abusiva, integradora de abuso de direito, uma vez que foi por sua vontade que apenas ela ficou a constar do contrato, usando depois este argumento para o resolver.
Inequivocamente, pois, que estamos, in casu, perante uma situação de revogação unilateral do contrato, sem que a R. se possa eximir ao pagamento estipulado, dado a A. ter cumprido a sua parte do contrato, tendo mesmo a R. e filhos vendido já o imóvel em questão ao interessado angariado pela A.
Impondo-se, pois, com este enquadramento e fundamento, o acerto da solução jurídica dado ao caso sub judice pelo Tribunal a quo, encontrando-se, pois, a R., apesar de ter revogado unilateralmente o contrato de mediação imobiliária que validamente assinara, obrigada ao pagamento da remuneração contratualmente estipulada, dando-se nesta parte por reproduzido, o ali consignado, a fim de evitar repetições.

Improcede, assim, o recurso, com custas a pagar pela recorrente (art. 527º do CPC).
*

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – A relação jurídica validamente surgida de um contrato é susceptível de se extinguir por resolução, revogação ou denúncia.
II – A denúncia consiste na manifestação da vontade de uma das partes, em contratos de prestações duradouras, dirigida à sua não renovação ou continuação.
III – A revogação consiste na destruição do vínculo contratual mediante uma declaração dos contraentes, oposta à primitiva que lhe deu vida.
IV – Ao lado da revogação que resulte de comum acordo das partes, admite-se a que seja feita apenas por uma delas. Mas ainda quando se trate de revogação unilateral, o instituto não se confunde com a resolução, visto que opera «ex nunc», ou seja, apenas para futuro.
V – Salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação imobiliária deve considerar-se revogável. Todavia, não podem valer os seus efeitos no sentido de a parte que interveio no contrato de mediação se querer eximir ao pagamento estipulado quando, pelas circunstâncias do caso, se verifique que a denúncia não constituiu senão um expediente, porventura grosseiro, destinado a dar ao denunciante a aparente liberdade negocial de contratar com a pessoa angariada sem qualquer responsabilização face ao mediador angariante.
*

6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
*
Guimarães, 17-09-2020

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Braga - JL Cível - Juiz 3
2. Vd. Ac. do STJ de 21-04-2009, Revista n.º 635/09 -6.ª Secção e acessível in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=28932&codarea=1.
3. Vd. Curso de Direito da Família, Coimbra Editora, vol. I, 2ª ed., 2001, p. 506.
4. Obra citada, p. 510.
5. Estamos efectivamente perante um contrato de mediação imobiliária, contrato de prestação de serviço nominado, previsto e regulado pela Lei nº 15/2013, de 8-02 (vulgo RJAMI), onde a mediadora assume a incumbência, em nome dos seus clientes, de procurar destinatários para a realização de negócio sobre bens imóveis (art. 2º do RJAMI). Trata-se de um contrato formal, que tem de ser reduzido obrigatoriamente a escrito e, nos termos do art. 16º/2 do RJAMI, além da forma escrita, do contrato têm de constar obrigatoriamente determinados elementos aí enunciados, nomeadamente, a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente [al. g)]. A não inclusão no contrato escrito do previsto em qualquer das alíneas deste nº 2, determina a nulidade do contrato, nos termos previstos no nº 5, “não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação”.
6. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição reelaborada, Almedina, p. 312-313.
7. Idem, p. 317.
8. Idem, p. 322.
9. Idem, p. 321.
10. Vaz Serra, Anotação ao Acórdão do STJ de 07-03-1967, RLJ, Ano 100.º, pp. 340/348.
11. Idem, p. 346.
12. Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-11-2004, Processo n.º 5439/2004-8, disponível em www.dgsi.pt.