ALIMENTOS PROVISÓRIOS
Sumário

Os alimentos provisionais constituem acção cautelar destinada a suprir as necessidades elementares da vida e subsistência, dentro do padrão normal da pessoa credora, tendo em vista o seu status social.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. B………… instaurou, no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, contra C………., o presente procedimento cautelar de alimentos provisórios, pedindo a fixação de uma prestação alimentícia provisória mensal de montante não inferior a 350 Euros, a suportar pelo requerido, alegando que, sendo ainda casados, se encontram separados de facto, bem como factos integradores da sua necessidade de alimentos e da possibilidade de o requerido os prestar.

2. Designado dia para o julgamento, a que se procedeu com observância do formalismo legal, apresentou o requerido contestação na qual, impugnando a necessidade de alimentos por parte da requerente, conclui pela improcedência da providência.

3. Proferida decisão a julgar improcedente a providência com a consequente absolvição do requerido do pedido, dela agravou a requerida que, nas pertinentes alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª: A recorrente encontra-se numa situação de carência urgente de alimentos;
2ª: O recorrido tem possibilidades de prestar alimentos à recorrente;
3ª: O artº 2009º, nº 1, do Código Civil impõe uma ordem decrescente na obrigação de prestar alimentos;
4ª: Estando o recorrido em condições de prestar alimentos à recorrente é este que deve ser condenado a pagá-los;
5ª: Tendo em consideração as necessidades da recorrente e as possibilidades do recorrido, a quantia mensal de alimentos deve ser fixada em montante não inferior a 350 Euros;
6ª: Ao julgar improcedente a providência cautelar intentada pela recorrente a m. Juiz a quo violou o disposto nos artºs 381º e 399º e seguintes do Código de Processo Civil, bem como o disposto nos artºs 2004º e 2009º, ambos do Código Civil.
Termos em que deve ser revogada a decisão proferida pela M. Juiz a quo e ser substituída por outra que condene o recorrido a pagar à recorrente quantia não inferior a 350 Euros mensais, a título de alimentos provisórios, por ser de inteira JUSTIÇA.

4. Não foram apresentadas contra-alegações.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Na decisão recorrida foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos:
A) requerente e requerido casaram em 16/01/1972;
B) requerente e requerido estão separados desde 23/03/2005, altura em que o requerido abandonou a casa de morada de família para ir viver com uma amante;
C) o requerido já havia anteriormente abandonado a casa de morada de família, tendo depois regressado;
D) está pendente acção de divórcio entre a requerente e o requerido;
E) em data não apurada, o requerido abandonou a casa de morada de família e foi viver com D……….., com quem saía e mantinha relações de sexo, o que ainda se mantém, comportando-se como se de marido e mulher se tratassem;
F) posteriormente, o requerido voltou para casa, refazendo a vida marital com a requerente, passando ambos a manter relações de sexo e a sair juntos;
G) algum tempo depois, o requerido voltou a refazer a vida com a referida D………..;
H) em Fevereiro de 2005, o requerido voltou para casa, refazendo a vida com a requerente;
I)) em 23 de Março de 2005 o requerido abandonou o domicílio conjugal, passando a viver em comunhão de cama, mesa e habitação com a já referida D………..;
J) a requerente tem 54 anos e não tem qualquer ocupação remunerada;
L) não recebe qualquer pensão de velhice ou invalidez;
M) o requerido sempre recusou a hipótese da requerida se empregar;
N) a requerida sofre de doença da coluna;
O) tem gastos com medicamentos;
P) gasta em alimentação e vestuário a quantia de 250 Euros mensais;
Q) gasta em electricidade a quantia mensal de cerca de 40 Euros;
R) é auxiliada por um filho que exercia a profissão do requerido;
S) o filho perdeu o seu posto de trabalho;
T) o requerido aufere mensalmente a quantia de 1.226,83 Euros líquidos, pelas funções de encarregado de oficina que exerce na empresa “E…………., L.da”;
U) a tal montante acresce o subsídio de férias e de natal de igual montante;
V) o requerido não paga renda de casa;
X) fora das horas de trabalho na empresa o requerido trabalha em casa, em serviços da sua especialidade;
Z) a requerente vive com um filho, uma filha e o genro e toma conta de dois netos;
AA) o genro trabalha na oficina que o requerido tinha na casa do casal;
BB) o filho da requerente e requerido recebe em prestações a indemnização relativa ao emprego que perdeu.

2. Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que nelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir são as de saber se os factos provados integram os requisitos da providência cautelar de alimentos provisórios e, em caso afirmativo, qual a quantia mensal a fixar.

A obrigação de alimentos entre os cônjuges – situação presente no caso dos autos - vigora não só durante a vigência da sociedade conjugal, como pode manter-se para além dela, ou seja, mesmo após a extinção do vínculo conjugal, ou mesmo perante a sua anulação (cfr. artºs 2009º, nº 1, al. a), 2015º, 2016º e 2017º do CCivil, diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra indicação de origem).
Essa obrigação entre os cônjuges nasce com a celebração do casamento e decorre, desde logo, do dever geral de assistência a que ambos os cônjuges estão reciprocamente obrigados (artº 1672º), dever esse que compreende, como decorre do artº 1675º, nº 1, a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, mas também da disposição contida no artº 2015º, ao estabelecer que “na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges estão reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do artº 1675º”.
Estando requerente e requerido apenas separados de facto (e portanto ainda vinculados pelo matrimónio), a obrigação de alimentos integra-se no dever de assistência conjugal, que se mantém durante a separação de facto – artº 1675º, nº 2 -, obrigação que tem natureza e conteúdo diferentes da obrigação de alimentos após a dissolução do vínculo conjugal, e que melhor se denominaria dever de manutenção (Ac. STJ de 13/11/90, BMJ nº 401, pág. 591).

A noção legal de alimentos consta do artº 2003º, nº 1, que estipula que “por alimentos entende-se tudo aquilo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”.
O conteúdo da expressão “alimentos” não corresponde apenas ao seu sentido literal. Se se considerasse que o sustento abrangia apenas as necessidades ligadas à alimentação, e uma vez que as expressões “habitação” e “vestuário” têm alcance preciso, ficaria demasiado restrito o âmbito da definição, pois o alimentando pode carecer de mais alguma coisa para viver, como, por exemplo, despesas de tratamentos clínicos e medicamentos, de deslocações e outras. Assim, deve entender-se como alimentos tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentado – neste sentido A. Abrantes Santos Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol., págs. 106/107, Vaz Serra, RLJ 102º, pág. 262, e Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos, pág. 37, nota 40, para quem, a expressão legal “sustento” deve ser interpretada em sentido lato, de modo a incluir ainda aquilo que respeite à saúde e à segurança.

No que se refere à medida dos alimentos, eles serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade do que houver de recebê-los e, na sua fixação, deve atender-se à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência – artº 2004º.
Assim, para definir a medida da necessidade do que houver de receber alimentos, há que atender a múltiplos factores, designadamente ao valor dos bens e montante dos rendimentos do alimentado, à circunstância de ele ter possibilidades de ganhar a vida, à sua condição social e estado de saúde, factores que também relevam no que se refere ao alimentante.

A prestação provisória de alimentos, como forma de garantir a subsistência do alimentando, encontra-se genericamente prevista no artº 2007º, nos termos do qual, enquanto se não fixarem definitivamente os alimentos, pode o tribunal conceder alimentos provisórios, que serão taxados segundo prudente arbítrio, não havendo, em caso algum, lugar à restituição dos recebidos.
Ou seja, o preceito legal acabado de citar indica como linha de orientação geral o prudente arbítrio do juiz, próximo dos juízos de equidade mas que se não confunde com a arbitrariedade.

Existem diferenças entre o conceito de alimentos definitivos e o de alimentos provisórios.
Os primeiros são integrados por tudo quanto seja “indispensável” à satisfação das referidas necessidades, sendo mais reduzido o perímetro dos alimentos provisórios, conceito que abarca tudo aquilo que se mostrar “estritamente necessário” para o efeito - cfr. Abrantes Geraldes, obra e locais citados, em que, citando Wilson e Sílvia Batalha, Cautelares e Liminares, escreve que “os alimentos provisionais constituem acção cautelar destinada a suprir as necessidades elementares da vida e subsistência, dentro do padrão normal da pessoa credora, tendo em vista o seu status social”.
E, estando-se no âmbito de providência cautelar de alimentos provisórios, regulada no artº 399º e seguintes do CPCivil, isso mesmo resulta do nº 2 desse preceito legal, nos termos do qual a prestação alimentícia provisória é fixada em função do estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário do requerente.
Aos alimentos provisórios presidem todos os interesses que é comum invocar quando se abordam os procedimentos cautelares, sendo a respectiva medida jurisdicional daquelas que mais reflecte a necessidade de a ordem jurídica proteger, devida e antecipadamente, situações de risco, interessando, mais do que a consagração abstracta do direito a uma prestação alimentícia, assegurar aos interessados os meios de subsistência básicos.
Os alimentos provisórios funcionam, deste modo, como “primeiro socorro” prestado a quem se encontra numa situação de carência no que concerne à satisfação do que é essencial à condição humana, servindo, como os restantes procedimentos cautelares, para “colmatar os inconvenientes das demoras naturais das acções” – neste sentido o Ac. STJ de 3/3/1998, sumariado em www.dgsi.pt..
Nos procedimentos cautelares a lei resolve um conflito entre as exigências da celeridade e de ponderação dando, porém, prevalência àquela, há que ter em linha de conta que na determinação obrigação alimentícia e na sua fixação, o direito exprime um juízo de mera probabilidade e só a pressão da necessidade instante e urgente justifica a providência antecipada - cfr. Acórdão da Relação do Porto de 19.11.91, publicado em http://www.dgsi.pt/jtrp.
Conforme referem P. Lima/A. Varela, Código Civil Anotado, Volume V, pág. 587, os alimentos provisórios assentam na constatação de ser necessariamente demorado o processamento de qualquer acção em juízo e difíceis de prognosticar os riscos que, em virtude do facto, correriam a vida, a saúde e o bem-estar da pessoa carecida, se todo o auxílio que ela careça estivesse dependente do êxito final da acção de alimentos instaurada contra o familiar obrigado.
Assim, sem necessidade de exemplificar com situações em que é visível uma maior fragilidade (v.g. menores ou idosos), para a ordem jurídica intervir basta que a lei substantiva reconheça, em abstracto, o direito a alimentos a qualquer interessado e adicionar-lhe circunstâncias que determinem um corte abrupto nos rendimentos ou a cessação dos meios necessários à provisão com as despesas com o sustento, habitação ou vestuário.

Focados os preceitos legais aplicáveis, apreciemos o caso em apreço, tendo presente que as exigências quanto às decisões finais dos procedimentos cautelares são naturalmente menores do que as impostas nas sentenças destinadas a dirimir os conflitos, simplificação que resulta até do texto legal (artº 400º, nº 3, parte final, do CPC), ao estabelecer que a sentença é sucintamente fundamentada.
E, face aos factos provados, afigura-se indubitável a necessidade da requerente de alimentos (o que também foi reconhecido na decisão recorrida) já que se provou que a requerente não tem qualquer ocupação remunerada, não recebe qualquer pensão de velhice ou invalidez, sofre da coluna e tem gastos com medicamentos, gasta em alimentação e vestuário a quantia de 250 Euros mensais, gasta em electricidade a quantia mensal de cerca de 40 Euros e o requerido sempre recusou a hipótese de a requerente se empregar.
Mas também a possibilidade de o requerido os prestar está suficientemente demonstrada já que aufere mensalmente a quantia de 1.226,83 Euros líquidos, pelas funções de encarregado de oficina que exerce na empresa “E…………, L.da”, montante acresce o subsídio de férias e de natal de igual montante, não paga renda de casa e, fora das horas de trabalho na empresa, o requerido trabalha em casa, em serviços da sua especialidade.
Todavia, a decisão recorrida, apesar de reconhecer que o filho da requerente (que a auxilia e exercia a profissão do requerido, tendo perdido o seu posto de trabalho) não tem obrigação legal de a auxiliar, uma vez que tal obrigação só existe na impossibilidade dos alimentos serem prestados pelo cônjuge (artº 2009º) e que as prestações da indemnização relativa ao emprego que perdeu terão fim, entendeu que o risco de lesão da requerente à sua subsistência se não verificava já que esse filho recebe em prestações a indemnização relativa ao emprego que perdeu.
Discordamos, todavia, deste entendimento não só precisamente pelos motivos indicados na decisão agravada - a obrigação de alimentos incide em primeiro lugar sobre o requerido (artº 2009º, nº 1, do CCivil, de acordo com o qual a vinculação à prestação de alimentos deve observar a ordem nele indicada e, em primeiro lugar encontra-se o cônjuge ou ex-cônjuge) e as prestações relativas à indemnização terão um fim -, mas também porque nada se apurou quanto ao montante das prestações e ao período durante o qual as irá receber, o que é relevante designadamente porque o facto de o filho se encontrar a auxiliar a mãe pode pôr em risco a sua própria subsistência.
Concluindo-se, assim, pela necessidade da requerente de alimentos provisórios, passemos à sua quantificação.

A lei indica como linha de orientação geral o prudente arbítrio do julgador (artº 2007º, nº 2), e o artº 399º, nº 2, do CPCivil, determina que a fixação da prestação deve ter em conta o que for “estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário da requerente”.
Como defende Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 119, a expressão “estritamente necessário” não pode ser interpretada literalmente, permitindo abarcar tudo quanto se revelar imprescindível a uma vida condigna. E, em apoio dessa afirmação, cita o Ac. deste Tribunal de 12/12/96, sumariado em www.dgsi.pt. (também sumariado no BMJ nº 472, pág. 484), nos termos do qual nos alimentos provisórios a prestação deve ser fixada em valor razoável, segundo o prudente arbítrio do juiz, atendendo aos meios de quem deve pagá-los e às necessidades de quem vai recebê-los.
Por outro lado, como acima se acentuou, os alimentos provisórios destinam-se a suprir as necessidades elementares da vida e subsistência, dentro do padrão normal da pessoa credora, tendo em vista o seu status social.
Face a estes critérios, atendendo a que a requerente não tem qualquer profissão remunerada e tem gastos com medicamentos (sofre da coluna), gastando 250 Euros em alimentação e vestuário e 40 Euros em electricidade, e que o requerido aufere mensalmente quantia de 1.226,83 Euros líquidos, a que acresce o subsídio de férias e de natal de igual montante e que não paga renda de casa, é de fixar a quantia mensal de 300 Euros a título de alimentos provisórios.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juizes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao agravo e consequentemente, na procedência do procedimento cautelar, fixar em 300 Euros mensais a prestação de alimentos provisórios a pagar pelo requerido à requerente, devidos desde o primeiro dia do mês subsequente à data da dedução do pedido.

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Custas do agravo e na 1ª instância por agravante e agravado na proporção do vencimento de do decaimento.
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Porto, 26 de Outubro de 2006
António do Amaral Ferreira
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo