OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
REPARAÇÃO NATURAL
INDEMNIZAÇÃO POR EQUIVALENTE
MONTANTE NECESSÁRIO À REPARAÇÃO
Sumário


I- O pedido de condenação da ré a pagar à autora a quantia necessária a custear a reparação do muro que danificou, corresponde à restauração natural e não à indemnização por equivalente.
II- Se a ré, sujeito passivo da obrigação de indemnizar, reconheceu extrajudicialmente, a obrigação de reparar os danos que causou e, interpelada para esse efeito, se encontra em mora no cumprimento dessa obrigação, é lícito ao lesado, na acção em que a demanda, peticionar que a ré lhe pague o valor necessário a tal reparação, pois que o comportamento adoptado pela lesante, sujeito passivo da obrigação de indemnizar, justifica que o credor da prestação (neste caso da reparação do muro) tenha perdido a confiança em que ela a venha a realizar.
III- Interpretar o disposto nos artºs 562º e 566º do CC, no sentido de que o dever que recai sobre o sujeito passivo da obrigação de indemnizar, se transmuda em direito de ser ele, em quaisquer circunstâncias, quando e como quiser, a proceder à reposição natural, isto é, à reparação da coisa que danificou, além de não corresponder ao que neles vem expresso, pode agravar significativamente o dano, nomeadamente pelo atraso na reintegração do direito violado.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de L. C., em que é cabeça de casal a viúva A. C., instaurou contra X – Terraplanagens, Unipessoal Lda. acção declarativa com processo comum, pedindo que esta seja condenada a pagar à autora a quantia global de €5.075,00, a título de indemnização pelos danos sofridos, sendo €3075 para a reparação do muro (art.º 21º da P.I.) e €2000 pela desvalorização do respectivo prédio (28º da P.I.), sem prejuízo de a mesma vir a ser fixada em montante superior nos termos do disposto no art.º 569º do Código Civil, acrescida dos legais juros de mora vincendos a contar da data da citação até integral e efectivo pagamento;
Para o efeito alega, que é proprietária de um prédio que sofreu danos causados pela ré, quando esta executava trabalhos de terraplanagem num prédio contíguo ao da autora. A reparação de tais danos orça em € 3.075,00, incluído IVA à taxa em vigor. Mais alega, que a qualidade e o conforto do prédio foram afectados pelos danos no muro, sofrendo o imóvel uma desvalorização não inferior a € 2.000,00. Alega ainda, que a ré reconheceu a sua obrigação de reparar o muro, comprometeu-se em Junho de 2018 a efectuá-la rapidamente, mas não o fez até Fevereiro de 2019, tendo então sido interpelada pela autora para a efectuar até ao dia 20 desse mês. Também não o fez.

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Citada, a ré admitiu a sua responsabilidade mas pugnou pela observância do princípio da reposição natural e que, uma vez reparados os danos no prédio, este não ficará desvalorizado.
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Foi convocada uma tentativa de conciliação que se frustrou.
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Na audiência preliminar o tribunal entendeu estar em condições de, “sem necessidade de mais produção de prova, conhecer do mérito da causa, que passa por aferir da procedência do pedido de condenação no pagamento de indemnização à autora”, e proferiu saneador sentença em que decidiu:
«Face ao exposto, julga-se improcedente a ação proposta por Herança de L. C. e, por via disso, decide-se absolver de todo o peticionado a Ré, X – Terraplanagens Lda.------------------------------------------------
– Mais se decide condenar a Autora no pagamento das custas devidas pela presente ação, atento e na proporção do seu decaimento (sem prejuízo de isenção ou dispensa de que possa beneficiar».
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Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

«1ª - A recorrente entende que o tribunal a quo fez uma errada interpretação do estipulado nos artigos 591º, d) e 595º, 1 do CPC, proferindo sentença, sem realizar audiência de julgamento.
2ª - No caso, não havia possibilidade legal de decidir a ação logo no saneador como foi feito, pois o processo não dispunha ainda de todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa – devendo os autos prosseguir os seus trâmites com a identificação do objeto do litigio e a enunciação dos temas de prova (artigo 596º, 1 do CPC), que possibilite às partes ainda discutirem e intentarem provar em julgamento factos não assentes e de interesse para o desfecho da ação.
3ª – É certo que o artigo 595.º, n.º 1, do C.P.C., tenta evitar o arrastamento de ações que logo nesta fase contenham já todos os elementos necessários à sua boa decisão, mas também se não coaduna com decisões que, em nome de pretensas celeridades – que, depois, dão em vagares –, não permita às partes a discussão e prova, em sede de audiência, da factualidade que alegam e que poderá conduzir a soluções jurídicas muito mais abrangentes, ainda não possíveis na fase do saneador ou, pelo menos, a um desfecho diverso daquele que ao juiz do processo pareça ser o correto nessa altura, apresentando-se a audiência de julgamento como o momento processual propício à clarificação da factualidade invocada.
4ª - Aliás, na dúvida, deve o processo prosseguir os seus normais termos, com a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova (anteriormente organização de uma base instrutória e a passagem à instrução e produção das provas), apresentando-se excecional o conhecimento antecipado de mérito e normal o seu prosseguimento para a fase de julgamento.
5ª - Salvo melhor opinião, a M.ª Juíza do processo foi ousada ao ter enveredado imediatamente pelo conhecimento do mérito da causa, quando havia ainda uma acesa discussão entre as partes sobre a factualidade que subjazia às pretensões das partes.
6ª - Desde logo, alegando a Autora no artigo 16º da PI que a Ré, por declaração escrita de 19-06-2018, assumiu a responsabilidade no surgimento das fissuras e fendas no muro desta e a responsabilidade pela sua reparação, pediu desculpa e comprometeu-se a resolver o problema o mais rápido possível; mais tendo alegado nos artigos 17º e 18 da PI, suportada pelo doc. 7, que, apesar dessa assunção de responsabilidade, a Ré nada fez, tendo que lhe enviar uma carta, em 07-02-2019, por esta recebida em 08-02-2019, fixando-lhe o prazo limite de 20 de Fevereiro de 2019 para reparar o muro e que, ainda assim, o muro continua por reparar, o mais que tinha que se fazer era propiciar à parte a possibilidade de provar o que alega, identificando-se o objeto do litigio e a enunciação dos temas de prova, que levasse em conta as versões apresentadas desses factos.
7ª - E, no fim, produzidas as provas, partir então para a análise dos pressupostos de direito e dar razão a quem a tenha. De outro modo, ficará sempre a sensação de que se não fez tudo o que se poderia ter feito para alcançar a solução mais justa possível, naturalmente dentro da ação, com a verdade que lhe for trazida.
8ª - É que, no elenco dos factos dados como provados, a decisão recorrida omite completamente a matéria alegada pela Autora nos artigos 17º e 18º da PI, ou seja, dada a não reparação do muro pela Ré, apesar de a isso se ter obrigado por escrito em 19-06-2018, a Autora fixou-lhe prazo para o reparar pela notificação por carta de 07-02-2019, junta como doc. 7.
9ª - Pelo exposto, o tribunal a quo fez assim uma errada interpretação do estipulado nos artigos 591º, d) e 595º, 1 do CPC, pelo que, face ao que se deixa exposto, deve conceder-se provimento ao recurso e revogar a douta decisão recorrida, devendo a ação prosseguir os seus ulteriores termos.

Sem prescindir:
10ª - Se assim se não entender, o que não se concede, mas apenas por hipótese de trabalho se acautela, sempre se invoca então que, considerando a matéria alegada pela Autora e pela Ré, o tribunal a quo errou no apuramento dos factos dados como provados, pois uns estão incompletos e outros omissos, impugnando a matéria de facto nos termos do artigo 640º, nº 1 do CPC.
11ª - Desde logo, quanto aos factos incompletos, o tribunal a quo limita-se a concluir no ponto 5 que “A Ré assumiu perante a Autora, por declaração escrita, a responsabilidade no surgimento das fissuras e fendas no muro desta e a responsabilidade pela sua reparação, quando devia ter dado como assente o teor do artigo 16º da PI, que é mais abrangente.
12ª - Quanto aos factos omissos, o tribunal a quo omite completamente os factos alegados nos artigos 17º e 18º da PI e o teor da carta de 07-02-2019, junta como doc. 7, remetida e recebida pela Ré no dia seguinte, como se alcança do registo postal e aviso de receção juntos à PI, sendo que tal documento também não foi impugnado pela Ré.
13ª - Pelo exposto, considerando os documentos 6 e 7 juntos à PI, deve ser alterada a matéria de facto dada pelo tribunal a quo nos seguintes pontos:
5 - “A Ré assumiu perante a Autora, por declaração escrita de 19 de Junho de 2018, a responsabilidade no surgimento das fissuras e fendas no muro desta e a responsabilidade pela sua reparação, pediu desculpa e comprometeu-se a resolver o problema o mais rápido possível.
6 – Não tendo reparado o muro apesar da assunção de responsabilidade constante na declaração acima referenciada, a Autora enviou uma carta à Ré, em 07-02-2019, por esta recebida em 08-02-2019, fixando-lhe o prazo limite de 20 de Fevereiro de 2019 para reparar o muro. 7 – Até à presente data, o muro ainda não foi reparado pela Ré.
14ª - Deve pois manter-se a redação dos factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3, 4; o 6 passará a 7; a matéria factual constante no ponto 5 deve ser alterada conforme supra alegado, devendo finalmente ser acrescentado o ponto 6, tudo conforme supra referido.
15ª – Assim, porque se entende que o tribunal a quo não teve em devida consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, supra elencados, violou o disposto no nº 4 do artigo 607º do CPC.

Ainda sem prescindir:
16ª - Conforme resulta da decisão recorrida, o tribunal a quo entendeu que a Autora peticionou o pagamento da indemnização em dinheiro em detrimento da reposição natural. A recorrente entende, porém, que face aos factos alegados pela Autora e confessados pela Ré, o tribunal a quo fez uma errada ou deficiente aplicação ao caso das normas dos artigos 562º e 566º do Código Civil.
17ª - No caso concreto, está dado como provado que por causa da execução de obras de terraplanagem levadas a cabo pela Ré num terreno contíguo, o muro de vedação do prédio da Autora fez várias fissuras e abriu várias fendas (cfr. pontos 3 e 4 dos factos provados). Portanto, não há dúvidas que a conduta da Ré provocou danos à Autora.
18º - Por outro lado, está dado também como provado que a Ré reconheceu, por declaração escrita, a responsabilidade no surgimento das fissuras e fendas e a responsabilidade pela sua reparação (cfr. ponto 5 dos factos provados).
19ª - Como supra se disse, o tribunal a quo pecou por defeito nesta matéria factual, pois devia também ter dado também como provado que o reconhecimento da responsabilidade da Ré ocorreu na data de 19 de Junho de 2018, que a Ré pediu desculpa e que se comprometeu-se a resolver o problema o mais rápido possível” – cfr. o alegado no artigo 16º da PI e o teor da citada declaração escrita da Ré que sob doc. 6 está junto à PI, não impugnado.
20ª - Ora, como a Ré, pela declaração escrita de 19 de Junho de 2018, se comprometeu a resolver o problema “o mais rápido possível”, não era expectável que, sete meses depois, ou seja, em 7 de Fevereiro de 2019 (data da notificação pela carta junta como doc. 7 da PI) o problema da reparação do muro estivesse por resolver.
21ª - Com efeito, para o cidadão comum, quando alguém, de boa-fé, se obriga, por escrito, a praticar um ato “o mais rápido possível”, não é normal que, passado 7 meses após assumir essa obrigação, continue sem o praticar, sem qualquer justificação plausível.
22ª - Por isso, como a Ré não reparou o muro “o mais rápido possível”, como tinha assumido por escrito que o fazia, a Autora não teve outro remédio a não ser notificá-la pela carta de 07/02/2019, recebida no dia seguinte, para reparar o muro, fixando-lhe prazo para o efeito – cfr. doc. 7 junto à PI.
23ª - Esta notificação passou despercebida ao tribunal a quo, apesar de alegada pela Autora nos artigos 17º, 18º e 19º da PI, suportada pelo doc. 7 junto à PI, e não impugnada pela Ré. Por isso, como se disse, a decisão recorrida errou pois devia ter dado por provada esta matéria factual.
24ª - Encontram-se pois preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva (o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e um nexo causal entre o facto e o dano), pelo que, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, a Ré constituiu-se na obrigação de indemnizar a Autora pelos danos causados.
25º - Como se disse, a Ré assumiu a responsabilidade pela reparação do muro em 19-06-2018; como nada fez, a Ré foi notificada para reparar o muro por carta de 07-02-2019. Por isso, não nos parece que, no pedido da presente ação, a Autora tivesse novamente que pedir à Ré a reparação do muro, pois essa possibilidade – além de reconhecida - já lhe tinha sido dada e a Ré nada fez. Não parece ser este o espirito que está subjacente ao princípio da reposição natural, pois a manter-se a decisão recorrida, ela premeia manifestamente o lesante (a Ré) em detrimento da lesada (a Autora). Situação diferente seria se a Ré não reconhecesse a reparação do muro ou não lhe tivesse sido dada a possibilidade de o reparar.
26ª - É que a Ré, ao assumir perante a Autora, pela declaração escrita de 19-06- 2018, a responsabilidade no surgimento das fissuras e fendas no muro desta e a responsabilidade pela sua reparação (cfr. ponto 4 dos factos provados) trata-se de uma confissão, tal como definida pelo artigo 352º do CC, ou seja, é o reconhecimento que a parte (Ré) faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (Autora), sendo que, no caso, esta confissão extrajudicial tem força probatória plena, nos termos do nº 2 do artigo 358º do CC.
27ª - A confissão da Ré justifica, a ver da recorrente, o afastamento do princípio da primazia da reconstituição natural, face ao valor probatório da mesma e ao seu incumprimento por parte da Ré. Dito de outro modo: se a Ré, em 19-06- 2018 confessou reparar o muro “o mais rápido possível” e não o fez, continuando a não faze-lo apesar de notificada para o efeito por carta de 07-02-2019, não se justifica voltar a dar à Ré a possibilidade de reparar o muro com a presente ação.
28º - Até porque a Ré encontra-se vinculada ao procedimento de boa-fé, nos termos gerais, enunciados no artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil, traduzida no dever de colaboração intersubjetiva. Ora, a conduta da Ré, acima transcrita, viola aquele princípio. Com efeito, uma vez que a Ré, não reparou voluntariamente o muro, apesar de se comprometer por escrito a faze-lo, violou o dever de diligência, corolário do enunciado princípio geral de boa-fé.
29ª - Diante desta violação, a lesada Autora (ora recorrente), ainda assim, notificou a Ré, dando-lhe um prazo razoável para o cumprimento da obrigação a que se tinha obrigado, com a admonição de que, caso incumprisse, exigiria em ação judicial o pagamento duma indemnização.
30ª – Nas circunstâncias específicas do presente caso, justifica-se o afastamento do princípio da primazia da reconstituição natural, por excessiva onerosidade, traduzida numa injustificada espera, suscetível de aumentar os danos.
31ª - É que a Ré assumiu a reparação do muro do prédio da Autora em 19 de Junho de 2018 e passados dois anos (Junho de 2020), aquele muro continua por reparar. É assim evidente que a Ré não quer conscientemente reparar o muro, assumindo uma posição de notório alheamento da situação, a ver se a Autora se esquece, procurando passar pelos “pingos da chuva”.
32ª - Na Contestação, a Ré alega que não reparou o muro porque estava a aguardar “pelo tempo quente” (cfr. artigo 2º). Ora, analisando a informação disponibilizada pelo IPMA na sua página oficial, em Junho de 2018 o tempo estava “quente”, como quente permaneceu nos meses seguintes e no ano seguinte no ano de 2019 e 2020. Aliás, o prédio da Autora situa-se em Portugal, país reconhecido pelo tempo ameno durante praticamente todo o ano. Portanto, a não reparação do muro pela Ré à “espera do tempo quente” é mais uma desculpa como qualquer outra para fugir à obrigação que assumiu.
33ª - O princípio da reconstituição natural não é absoluto, tanto que é susceptível de ser afastado por acordo dos interessados e, dizemos agora, pela conduta injustificável do lesante.
34ª - Em suma, a conduta da Ré é injustificável, e, por isso, a decisão recorrida de voltar a obrigar a Autora a pedir a restituição natural, não pode deixar de ser considerada como um “prémio” atribuído à Ré, que assim vê arrastar-se a situação, dando cobertura à violação do princípio da boa-fé. É que – reafirma-se - a lesada Autora (ora recorrente), permitiu a reparação do muro pela Ré, possibilidade esta que a Ré ignorou.
35ª – No caso, foi a Ré, com a sua conduta, juridicamente injustificada, que inviabilizou a reconstituição natural a que tinha direito. A sentença recorrida fez pois uma interpretação errada do disposto no artigo 562.º, com o n.º 1 do artigo 566.º, ambos do Código Civil.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, nos termos das articuladas conclusões.»
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A ré contra-alegou.
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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Factualidade julgada provada na 1ª instância:

«Com relevo para a decisão da causa, por admitidos por acordo e provados por documentos não questionados, tem-se por assente a seguinte factualidade:
1. A Autora é dona e legitima possuidora de prédio urbano composto por habitação, inscrito na matriz urbana de ... sob o art.º ….º.
2. A Ré dedica-se à atividade de terraplanagens, construções em pedra, serviço de camião grua, pavimentações, demolições, transportes e obras públicas.
3. No exercício da sua atividade, nos meses de maio e junho de 2018, em terreno contíguo à do prédio da Autora, a Ré fez obras de terraplanagem.
4. Durante e por causa da execução de tais obras de terraplanagem, o muro de vedação da realidade predial da Autora fez várias fissuras e abriu várias fendas.
5. A Ré assumiu perante a Autora, por declaração escrita, a responsabilidade no surgimento das fissuras e fendas no muro desta e a responsabilidade pela sua reparação.
6. Até à presente data, o muro ainda não foi reparado pela Ré.»

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

No caso em apreço e em suma, cumpre apreciar se a Mmª juiz “a quo” estava na posse de todos os elementos necessários a decidir do mérito da acção no saneador, se nele contemplou todos os factos com interesse para a decisão das questões que apreciou no saneador sentença e que já se mostravam assentes, questões que se reconduzem à questão principal, que é a de saber se a apelante podia formular um pedido indemnizatório em dinheiro ou estava obrigada a pedir a reposição natural, ou seja, a reparação dos danos causados pela ré no seu prédio.

A) Ampliação da matéria de facto assente

Em primeiro lugar urge fixar a matéria de facto que se deve considerar assente, isto é que já se encontra plenamente provada, pois que a apelante, embora em segunda linha, defende que a sentença omitiu parte dela e a mesma pode ter interesse para a decisão deste recurso.
Sustenta a apelante que o tribunal “a quo” deveria ter incluído, para além do que consta do ponto 5 dos factos provados, o teor do artigo 16º da PI, que é mais abrangente.
Por outro lado, alega que o Tribunal “a quo” omitiu completamente os factos alegados nos artigos 17º e 18º da PI e o teor da carta de 07-02-2019, junta como doc. 7, remetida e recebida pela ré no dia seguinte, como se alcança do registo postal e aviso de recepção juntos à PI, sendo que tal documento também não foi impugnado pela ré.

Por isso e considerando os documentos 6 e 7 juntos à PI, pugna pela alteração da matéria de facto nos seguintes pontos:

5 - “A Ré assumiu perante a Autora, por declaração escrita de 19 de Junho de 2018, a responsabilidade no surgimento das fissuras e fendas no muro desta e a responsabilidade pela sua reparação, pediu desculpa e comprometeu-se a resolver o problema o mais rápido possível.
6 – Não tendo reparado o muro apesar da assunção de responsabilidade constante na declaração acima referenciada, a Autora enviou uma carta à Ré, em 07-02-2019, por esta recebida em 08-02-2019, fixando-lhe o prazo limite de 20 de Fevereiro de 2019 para reparar o muro.
7 – Até à presente data, o muro ainda não foi reparado pela Ré.
Apreciando.
Considerando a contestação da ré e os documentos juntos com a P.I., não impugnados pela ré, é evidente que a supra referida matéria se encontra plenamente provada. Deverá apenas acrescentar-se no ponto 7: «a qual alega na contestação não o ter feito por “aguardar pelo tempo quente para o fazer, pois a obra é mais fácil e ficará melhor construída. Com o mau tempo não é aconselhável ser feita”».

Posto isto, na procedência das conclusões da apelante neste conspecto, julgamos assente a seguinte factualidade:

1. A autora é dona e legitima possuidora de prédio urbano composto por habitação, inscrito na matriz urbana de ... sob o art.º ...º.
2. A ré dedica-se à actividade de terraplanagens, construções em pedra, serviço de camião grua, pavimentações, demolições, transportes e obras públicas.
3. No exercício da sua actividade, nos meses de Maio e Junho de 2018, em terreno contíguo à do prédio da autora, a ré fez obras de terraplanagem.
4. Durante e por causa da execução de tais obras de terraplanagem, o muro de vedação da realidade predial da autora fez várias fissuras e abriu várias fendas.
5. A ré assumiu perante a autora, por declaração escrita de 19 de Junho de 2018, junta aos autos, a responsabilidade no surgimento das fissuras e fendas no muro desta e a responsabilidade pela sua reparação, pediu desculpa e comprometeu-se a resolver o problema o mais rápido possível.
6 – Não tendo reparado o muro apesar da assunção de responsabilidade constante na declaração acima referenciada, a autora enviou uma carta à ré, em 07-02-2019, por esta recebida em 08-02-2019, fixando-lhe o prazo limite de 20 de Fevereiro de 2019 para reparar o muro.
7. Até à presente data, o muro ainda não foi reparado pela ré, a qual alega na contestação que estava a “aguardar pelo tempo quente para o fazer, pois a obra é mais fácil e ficará melhor construída. Com o mau tempo não é aconselhável ser feita”.

B) Da improcedência do pedido relativo ao valor ou custo da reparação.

O art.º 591º nº 1 al. b) do CPC permite conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
No presente caso a Mmª juiz “a quo” entendeu, que, face à causa de pedir e a parte do pedido formulado (a parcela de €3.075,00 para custear a reparação dos danos causados no muro), a autora apenas poderia peticionar a condenação da ré a proceder a tal reparação, atento o princípio da reposição ou restauração natural.
Por isso julgou improcedente tal pedido e dele absolveu a ré.
Apreciando.
Efectivamente o art.º 566º nº 1 do CC, a propósito da indemnização em dinheiro, estabelece que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Significa isto que, sendo danificada uma coisa, a indemnização visa em primeiro lugar a sua reparação ou a sua substituição (primazia da restauração natural).
Só não sendo possível reparar ou substituir a coisa, ou sendo-o de forma apenas parcial ou mostrando-se que a reparação ou substituição é excessivamente onerosa para o devedor, pode ser fixada em dinheiro (indemnização por equivalente).
Esta subsidiariedade da indemnização em dinheiro tem conduzido a soluções como a ora recorrida, quando, sendo possível a reparação, o lesado a manda efectuar à sua custa e vem pedir o montante despendido, ou quando, como no presente caso, ainda a não efectuou, e vem pedir o montante necessário para custear a sua efectivação.
Mas não em todas as circunstâncias, isto é, em alguns casos, a situação concretamente verificada leva a que se admita que o lesado mande efectuar a reparação à sua custa e peça o montante despendido ou peça simplesmente o montante necessário para proceder à reparação.
Como veremos adiante, as circunstâncias que têm relevado para esse efeito prendem-se geralmente com a atitude do sujeito passivo da obrigação de indemnizar, nomeadamente quando este já foi interpelado extrajudicialmente para proceder à reparação e não o fez, ou em situações de urgência em que não é exigível ao lesado que veja agravado o dano com a demora da acção.
Outros vão mais longe e consideram que este pedido ou esta indemnização (valor necessário a efectuar a reparação da coisa ou a sua substituição) se enquadra na “reconstituição natural” a que alude o art.º 566º não traduzindo a denominada indemnização por equivalente.
Vejamos.

Acórdão do TRC de 25.01.2011 (processo 265/09.2T2ALB.C1):

– (…) «Almeida Costa [Direito das Obrigações, 4.ª edição, pág. 525.], questionando-se: «Poderá o credor da indemnização opor-se à reconstituição natural que o devedor pretenda efectuar, optando pela indemnização pecuniária?».
E a resposta negativa, decorre dos fundamentos que o autor citado adianta: «Em certos sistemas - por exemplo, o do Cód. Civ. italiano (art. 2058) , a restauração natural constitui um direito do credor, embora com limites, quer dizer, está consagrada no seu interesse, pelo que o mesmo credor pode renunciar a essa forma de indemnização, preferindo uma indemnização pecuniária. Afigura-se, porém, que a nossa lei estatuiu uma solução diversa. É no interesse de ambas as partes e como modo normal de indemnização que a restauração natural se encontra estabelecida. Portanto: se o credor reclama a restauração natural, o devedor só pode contrapor-lhe a indemnização pecuniária se aquela for impossível ou resultar excessivamente onerosa para ele, devedor; e, da mesma sorte, se o devedor pretende efectuar a restauração natural, também o credor apenas poderá opor-se com fundamento na referida impossibilidade fáctica ou na circunstância da reconstituição “in natura” não reparar todos os danos»[ No mesmo sentido, veja-se Castro Mendes, in Direito Civil, Teoria Geral, 1979, edição AAFDL, Vol. III, pág. 815.].
No mesmo sentido, veja-se a posição do Professor Paulo Mota Pinto [Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II, Coimbra Editora, Dezembro de 2008, pág. 1490 e 1491.]:
«Esta prioridade de um ressarcimento in natura ao credor; diversamente da execução específica, está subordinada (além de aos restantes requisitos da responsabilidade civil) às exigências previstas no artigo 566.°, n.º 1, ou seja, à sua possibilidade, suficiência e não excessiva onerosidade para o devedor, mas é uma prioridade objectiva, isto é, que se impõe ao credor e ao devedor, não sendo disponível pelo primeiro. Impõe-se ao devedor, que só pode contrariá-la invocando as circunstâncias previstas no artigo 566.°, n.º 1: mostrando que a recons­tituição natural não é possível ou que é excessivamente onerosa para ele, pois o credor pode ter, e frequentemente terá, interesse em que a indemnização tenha lugar in natura.
Mas impõe-se em geral também ao credor, que não pode exigir imediatamente uma indemnização por equivalente, só o podendo fazer se (de entre as circunstâncias previstas no artigo 566.°) a reconstituição natural não for possível ou, sobretudo, se não reparar integralmente os danos».
E prosseguindo, nesse mesmo acórdão, cita-se um parecer constante daqueles autos, subscrito pelo Professor António Pinto Monteiro, onde este conclui que: “i) a reparação impõe-se à vontade do lesado; ii) não pode o lesado optar pela indemnização em dinheiro, em vez da reparação do veículo; iii) não pode converter-se o lesante, obrigado à reparação do veículo (reconstituição natural), em mero devedor da importância necessária a essa reparação; iv) a prioridade da reconstituição natural implica que o lesante não pode ser remetido ao papel de quem simplesmente “paga a factura”; v) é o lesante quem deve encarregar-se da reparação, efectuando-a ele próprio, ou mandando efectuá-la, pois é nisso que consiste a reconstituição natural; vi) cabe ao devedor a escolha da oficina, sem prejuízo de o lesado se poder, justificadamente, opor à reparação na oficina escolhida.”
Contudo, no citado acórdão, apesar do princípio defendido, admite-se que: “caso se verificasse um atraso na resposta por parte da seguradora, susceptível de ser considerado violação do dever de diligência, corolário do enunciado princípio geral de boa fé, deveria a lesada (ora recorrente), notificar a seguradora, dando-lhe um prazo razoável para o cumprimento da obrigação a que estava adstrita, com a admonição de que, caso incumprisse, assumiria a reparação, exigindo mais tarde o pagamento do respectivo preço, a título de indemnização”.
Mais se diz: “Nessas circunstâncias específicas, poderia equacionar-se a legitimação do afastamento do princípio da primazia da reconstituição natural, por excessiva onerosidade, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil, traduzida numa injustificada espera, susceptível de causar outros danos”.
Isto é, admite-se que numa situação como a presente, em que a ré (lesante), reconheceu ter causado os danos e o dever de reparar o muro e se comprometeu, por carta datada de 19 de Junho de 2018, a resolver o problema o mais rápido possível, sendo que não o fez nem nesse mês, nem nos seguintes 7 meses, sendo interpelada pela autora, em 9 de Fevereiro do ano seguinte (2019) para efectuar a reparação até 20 de Fevereiro e também nada fez, nem nesse prazo, nem até à propositura da acção (28.3.2019), que a autora tenha perdido a confiança na ré, de que esta iria repor a situação que antes existiria e tenha optado por formular um pedido de indemnização pecuniária, correspondente ao valor em que foi orçada a reparação.
Neste sentido se pronunciou a jurisprudência em numerosos acórdãos, citando-se a título meramente exemplificativo, além do atrás mencionado, o acórdão também do TRC de 13-11-2012 (503/09.1TBLNS.C1).
Outros defendem a possibilidade de, apesar de se ter formulado pedido de indemnização pecuniária, o Tribunal condenar na reposição natural
Assim, no acórdão do STJ de 31.5.2016 (741/03.0TBMMN.E1.S1), sustenta-se que “configurando-se a restauração natural como princípio primário da indemnização, ditada no interesse de ambas as partes, e a indemnização por equivalente como o modo imperfeito da reparação, tendo o autor pedido na acção o sucedâneo da indemnização pecuniária, pode o tribunal condenar, em temos de reposição natural, sem que tal importe a violação do princípio do pedido”[ Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição, reelaborada, Almedina, 2006, 772 e 773; Pereira Coelho, Obrigações, Sumários das Lições ao Curso de 1966/67, Coimbra, 1967, 174]”. (sublinhado nosso).
Como se infere da análise que antecede, no caso em apreço, face aos factos já plenamente provados, a acção deveria ter prosseguido para julgamento. Para uns porque face à mora da ré a autora poderia proceder à reparação e peticionar o montante despendido ou o necessário à reparação que se propõe ela efectuar. Para outros porque nada obstaria a que o Tribunal condenasse em termos de reposição natural.
Falta definir o nosso entendimento, sem prejuízo de as posições relatadas se mostrarem bem fundamentadas.
Entendemos nós que, no presente caso, não se trata de fixar uma indemnização em dinheiro, nos termos previstos no art.º 566º do CC, mas de pedir o valor necessário à restauração natural, isto é, à reparação, sendo certo que em parte alguma da obrigação de indemnizar se refere que a restauração natural tem de ser efectuada pelo próprio lesante. Tem sim de ser efectuada à sua custa por quem esteja apto a executá-la.
Em, matéria de responsabilidade extracontratual existe apenas o princípio geral (art.º 562º do CPC) de que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Em primeira linha deve proceder à reparação (reconstituição natural), ou, tendo já reconhecido a obrigação de reparar os danos, se não o fizer em tempo razoável, tem de pagar ao lesado o montante por este despendido, caso tenha decidido fazer por sua conta a reparação, ou pagar o montante necessário e efectuar tal reparação, se este assim o peticionar na acção que se viu forçado a intentar pela inércia do lesante, pois que o comportamento adoptado pelo lesante, sujeito passivo da obrigação de indemnizar, justifica que o credor da prestação (neste caso da reparação do muro) tenha perdido a confiança em que ele a venha a realizar.
Interpretar o disposto nos artºs 562º e 566º do CC, no sentido de que o dever que recai sobre o sujeito passivo da obrigação de indemnizar, se transmuda em direito de ser ele, em quaisquer circunstâncias, quando e como quiser, a proceder à reposição natural, isto é, à reparação da coisa que danificou, além de não corresponder ao que neles vem expresso, pode agravar significativamente o dano, nomeadamente pelo atraso na reintegração do direito violado.
Exigir que o lesado, para além do dano sofrido e de se ver obrigado a recorrer aos Tribunais para ver reintegrado o seu direito, tenha de voltar a pedir na acção que a ré seja condenada a proceder à reparação, quando a mesma já declarara que iria proceder à reparação e não o fez ao longo de vários meses, nem mesmo quando formalmente interpelada. Mais se impondo à autora que, obtida sentença que condene a ré na prestação de facto positivo e não sendo voluntariamente cumprida, tenha de instaurar execução exigindo uma vez mais a reparação, fixando-se prazo para tal e só posteriormente, se for incumprida, pedir a avaliação do custo da obra para poder obter a quantia necessária ao seu custeamento. É algo que mesmo os juristas acima citados acabam por reconhecer como limite à tese que sustentam.
Assim, entendemos que relativamente a esta parte do pedido, isto é ao pedido de condenação da ré a pagar à autora a quantia correspondente ao custo da reparação, os autos não permitiam que logo no saneador se julgasse improcedente o pedido, dele se absolvendo a ré, por se entender que a autora só podia formular um pedido de restauração natural, ou seja de condenação da ré e efectuar a reparação do muro.
Não podia, porque dos factos provados resulta que a ré se encontrava em mora no cumprimento da obrigação de restauração natural, pois já fora interpelada para esse efeito e não cumprira, sendo-lhe por isso lícito peticionar que a ré lhe pague o valor necessário a proceder a tal reparação.
Pedido este que, de qualquer forma, se deve entender corresponder à restauração natural e não à indemnização por equivalente.
Assim, no acórdão do STJ de 11.1.2007 (processo nº 06B4430) discorre-se:
– «(…) Por outro lado, não é verdade que a atribuição do montante em causa constitua indemnização por equivalente.
De facto, os 35.212,10 € fixados destinam-se à "execução das obras de reconstrução do muro dos autores," o que integra restauração natural e não indemnização por equivalente.
É o que se diz, de forma acertada na seguinte passagem da sentença da 1.ª instância que o acórdão recorrido confirmou: "está em causa,...., a reposição da situação tal como existiria antes da violação do disposto no art. 1348.º do CC, e não uma qualquer compensação monetária que dê uma satisfação equivalente à que foi perdida."
Em apoio do que defendemos, Júlio Gomes [Cadernos de Direito Privado, 3, pág. 56.], ao analisar o âmbito da "restauração natural, entende, na esteira da doutrina Alemã, que "tratando-se da lesão de um bem, caberá certamente neste domínio a sua reparação".
E, na doutrina nacional, indica que esse também parece ser o entendimento de A. Varela: "entre nós, Antunes Varela, ....parece sugerir que as despesas com a substituição cabem ainda na reparação natural ..."De facto, este Mestre [Direito das Obrigações em Geral, Vol. I, 9.ª ed., págs. 933, ao se referir ao primado da restauração natural, como forma se satisfazer o fim da lei que é o de "prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes"] dá como exemplos de restauração natural a reparação do bem danificado: "se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóias, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação, ou substituição da coisa por conta do agente."
E quando se opta pela reparação da coisa danificada, nada impede que, em determinados casos, o lesado opte pelos custos para reparar o bem danificado, estando em tais casos, no domínio da restauração natural [Júlio Gomes , Ob e loc. cits.]»
Consequentemente e no que tange a esta questão concreta, acolhemos também as conclusões da apelante, impondo-se revogar o saneador sentença na parte em que absolveu a ré deste pedido parcelar.

C) Da improcedência do pedido respeitante à indemnização pela desvalorização do prédio da autora

Neste conspecto a autora alegou:
23º Por outro lado, mercê dos danos supra identificados, o prédio da Autora está manifestamente desvalorizado.
24º Com efeito, como se alcança das fotos juntas, o muro em causa é um muro de vedação, muito extenso e bem visível quer do exterior quer do interior do prédio da Autora, habitação permanente da referida cabeça de casal.
26º Mas que, em consequência direta e necessária dos danos em apreço, agora aparenta ser um prédio com muitos mais anos de idade e, consequentemente, desvalorizado.
27º E assim vai continuar até, pelo menos, o muro estar totalmente reparado.
28º Por isso, a qualidade e o conforto do prédio foram afectados pelos danos no muro, sofrendo o imóvel uma desvalorização não inferior a € 2.000,00.
Ora a indemnização pela desvalorização, esta sim por equivalente, é concedida quando, apesar da reparação a coisa ficou depreciada, ou seja quando a restauração natural não repare integralmente os danos.
Dos factos alegados decorre o contrário. Uma vez efectuada a reparação o prédio voltará a ser o que era, com o mesmo valor.
Assim os factos alegados nunca poderiam conduzir à procedência deste pedido.

Neste ponto subscrevemos o saneador sentença recorrido, onde se lê:

– «A alegada perda de qualidade e de conforto do seu imóvel por causa das fissuras ou fendas no muro de vedação e consequente desvalorização daquela realidade predial implicava, para sua demonstração e valoração jurídica, em termos factuais, que se alegassem factos donde se pudesse perceber da impossibilidade definitiva de reparação daquele muro ou que tal reparação não permitisse a recuperação total das finalidades do muro atingido.
Ora, a Autora não alegou qualquer factualidade nesse sentido, nem as regras da normalidade e da experiência da vida permitem inferir a mesma, ainda que da demais factualidade dada como provada
Acresce que não foi alegada qualquer matéria no sentido de ter sido diminuído o gozo da realidade predial e isso ter acarretado prejuízos, diariamente quantificados. O que foi alegado é que, por causa dos problemas apontados ao muro a realidade perdeu valor comercial.»
A Mmª juiz “ a quo” estava assim habilitada, nesta parte, a conhecer do mérito no saneador.
*
Em face do exposto procedem parcialmente as conclusões da apelante impondo-se a revogação parcial de saneador sentença na parte em que absolveu a ré do pedido formulado relativamente ao pagamento da quantia necessária à reparação do muro do prédio da autora.

V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando o saneador sentença recorrido na parte em que julgou improcedente a parte do pedido indemnizatório relativa ao valor necessário à reparação do muro, devendo a audiência preliminar prosseguir para os fins previstos no art.º 596º e oportunamente para julgamento.
No mais confirma-se o saneador sentença recorrido.
Custas da apelação por apelante e apelada na proporção do respectivo decaimento.
Guimarães, 17-09-2020

Eva Almeida
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas