ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
RENDAS PAGAS
IMPUTAÇÃO NA INDEMNIZAÇÃO DEFINITIVA
LIQUIDAÇÃO DOS JUROS
PRAZO PRESCRICIONAL DOS JUROS
Sumário


I- O recebimento das rendas pelo lesado com o cumprimento voluntário ou coercivo da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória é por conta da indemnização definitiva que lhe vier a ser paga posteriormente (art. 388º, n.ºs 1 e 3 do CPC).
II- No caso de o “quantum” da indemnização definitiva ser superior ao valor global das rendas provisórias pagas, estas devem ser imputadas naquele montante, ficando a pessoa condenada na indemnização definitiva obrigada a pagar apenas a diferença entre os dois valores.
III- Considerando os pagamentos das rendas mensais feitos em cumprimento da providência cautelar, os quais foram realizados de forma faseada e são imputados ou subtraídos no quantitativo indemnizatório apurado na ação principal, a liquidação dos juros de mora deverá ser feita em relação a cada pagamento parcial, sendo calculados, para cada período, sobre o capital sucessivamente diminuído.
IV- O prazo prescricional relativamente à obrigação de juros de mora é de cinco anos (art. 310º, al. d) do CC), apenas estando prescritos os juros que, à data da instauração da execução, se tiverem vencido há mais de cinco anos.

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

X – Companhia de Seguros, S.A., executada nos autos principais de execução, deduziu oposição à execução, mediante embargos de executado, contra a embargada/exequente M. C., pedindo a procedência da exceção de prescrição e a extinção da execução.
Para tanto alegou, em síntese, que o título executivo dado à execução pela exequente é a decisão judicial, transitada em julgado, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 981/07.3TBVVD, que correu termos no extinto 1º Juízo, do Tribunal Judicial de Vila Verde, instaurado pela exequente contra a executada.
Nos termos dessa decisão judicial a ora embargante foi condenada a pagar à exequente o montante indemnizatório de € 750.000,00 (limite de capital seguro obrigatório à data do sinistro em apreço – 04/04/2006), acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, descontando-se nesse montante as quantias pagas provisoriamente no âmbito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória.
A título de indemnizações pagas no âmbito da providência cautelar, pagou à exequente o montante de € 140.000,00, bem como o valor de € 10.000,00, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos na viatura sinistrada.
E, no cumprimento da decisão judicial, proferida no processo n.º 981/07.3TBVVD, pagou à embargada o montante global de € 750.180,82, que corresponde ao valor da condenação (€ 750.000,00), deduzida do montante de € 150.000,00 (que se refere ao montante de € 140.000,00 pago a titulo de rendas, no âmbito da providência cautelar, acrescido da indemnização de € 10.000,00, pela viatura danificada), o que perfaz € 600.000,00, sobre o qual foram calculados os respetivos juros, desde a citação (10/09/2007) até à data do pagamento (10/12/2013), os quais ascenderam a € 150.180,82.
Sobre a importância de € 150.000,00 não são devidos juros, pois quer as rendas pagas na providência cautelar, quer a indemnização paga pelo veículo sinistrado, foram pagas atempadamente.
Ao aceitar receber a indemnização, no montante global de € 750.180,82, a embargada deu-se como integralmente ressarcida por todos os danos sofridos em virtude do sinistro em apreço.
A exequente nada mais tem a receber da embargante, nem a título de capital (que até já está esgotado), nem a título de juros, vencidos e/ou vincendos.
Acresce que os juros reclamados pela embargada reportam-se à data de 30/12/2013, ou seja, há mais de 5 anos, razão pela qual a eventual obrigação pelo seu pagamento está prescrita (art. 310º, al. d), do CC).

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Recebidos liminarmente os embargos de executado, a exequente/embargada, apresentou contestação, na qual concluiu pela improcedência da excepção da prescrição e da oposição à execução, devendo o montante de 10.000,00 €, pago a título de indemnização pelo veículo sinistrado, ser deduzido no montante agora peticionado (ref. ª 34192879).

Aduz para o efeito, em resumo, que:

O acórdão dado à execução é claro quando refere que se desconta no montante de € 782.282.74 (€750.000.00, acrescido de juros até à data da entrada da execução) as quantias pagas provisoriamente no âmbito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória e a indemnização paga pelo veículo sinistrado, que a ora embargada aceita.
A embargante não pode calcular os juros apenas sobre 600.000,00 €, independentemente dos descontos que efetuou, pois assim altera a sentença.
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Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que, após se pronunciar pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais, decidiu julgar procedentes os embargos de executado e, consequentemente, determinou a extinção da instância executiva (ref.ª 166616143).
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Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a embargada/exequente (ref.ª 34834945), e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1.ª A sentença considerou que a embargante já liquidou a totalidade do montante indemnizatório e respectivos juros, nos termos doutamente ordenados pelo Douto Acórdão condenatório apresentado à execução.
2.ª Ora, tal decisão, além de injusta, é incoerente e contrária à verdade dos factos.
3.ª Na decisão judicial dada à execução, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, a ora recorrida foi condenada a “pagar à Autora um montante indemnizatório de 750.000,00 euros acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, montante a que serão descontadas as quantias já arbitradas provisoriamente no âmbito da providência cautelar apensa.
4.ª O acórdão é claro quando refere que se desconta nesse montante, de 750.000.00 €, acrescido de juros até à data da entrada da execução, as quantias pagas provisoriamente no âmbito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória e a indemnização paga pelo veículo sinistrado.
5.ª Salvo o devido respeito, a ora recorrida não pode calcular os juros apenas de 600.000 €, independentemente dos descontos que efectuou, pois assim altera, ou melhor, subverte a sentença.
6.ª Aos pagamentos parciais feitos no âmbito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória acrescem os respectivos juros, e desde a citação até integral pagamento.
7.ª Só assim não seria caso a ora recorrida tivesse pago a totalidade dos 140.000,00 € de uma só vez. O que não aconteceu.
8.ª A forma como a ora recorrida efectua os cálculos para encontrar o montante devido pelo cálculo de juros devidos não é a correcta, isto porque, se assim fosse, consistiria numa manobra extraordinária para as companhias de seguro se furtarem ao pagamento de milhões de euros correspondentes a juros.
9.ª O que seria uma forma ilícita das companhias de seguro enriquecerem.
10.ª Os juros devem ser calculados considerando sempre o valor da indemnização devida nos diferentes momentos, isto é, como por via da providência cautelar a ora recorrida foi pagando um valor mensal, esse valor mensalmente pago deve ser deduzido no cálculo de juros devidos no mês seguinte ao referido pagamento.
11.ª Em concreto, se a ora recorrida, no caso presente, foi condenada a pagar uma indemnização de 750.000,00€, os juros a calcular seriam os devidos considerando esse montante. No entanto, passados seis meses da data da propositura da acção principal, e de acordo com providência cautelar, a ora recorrida pagou 6.000,00€, por conta da indemnização a que vier a ser condenada.
12.ª Voltando ao cálculo de juros devidos, e se não houvesse mais pagamentos intercalares, os referidos juros teriam que ser calculados considerando um primeiro período, referente aos primeiros seis meses (180 dias sobre os 750.000,00€=14.794,52€) e um outro período, referente ao tempo que decorreu entre o final desses seis meses e a data em que a Seguradora veio a efectuar o pagamento (2.127 dias sobre 744.000,00€=173.423,52). O que resultaria num total de juros devidos de 188.218,04€.
13.ª Se se optar por calcular os juros como a ora recorrida o fez, apenas teríamos que calcular o total em dívida pelo total do período em causa, isto é os 744.000,00 sobre os 2307 dias. O que resultaria num total de juros devidos de 188.099,52€.
14.ª No entanto e para complicar mais os cálculos a ora recorrida foi pagando mensalmente o valor de 2.000,00€.
15.ª Por tal motivo, não podemos considerar apenas os dois períodos apresentados no exemplo supra referido mas sim os sessenta e dois que motivaram alteração do montante ainda em dívida.
16.ª É esse o cálculo que, considerando a dedução mensal de 2.000,00€/mensais, se apresenta na tabela de excel, que se encontra junta, como doc. n.º 1, aos presentes autos aquando da contestação aos embargos.
17.ª Nessa tabela considera-se os juros mensalmente, tendo em conta que para o mês seguinte o valor calculado já não inclui o montante pago no mês anterior. Deste modo, chegamos ao final dos 2307 dias calculando juros em sessenta e três períodos.
Desse combinar de cálculos chegamos ao valor devido de 172.282,08€.
18.ª Outra opção para efectuar esses cálculos tem a recorrida. Considera que, como no final apenas deve 610.00,00€, só é devedora de juros sobre esse valor (2307 dias sobre os 610.000,00€=154.221.37€).
19.ª O que é um erro contabilístico, que rende muitos milhões de euros às companhias de seguro.
20.ª A ora recorrida, só poderia usar esta estratégia de cálculo caso os pagamentos intercalares tivessem sido substituídos por um pagamento inicial igual ao total pago. Isto é, se aquando da propositura da acção inicial a ora recorrida tivesse entregado, de uma só vez, os 140.000,00€, esse valor poderia ficar de fora para o cálculo de juros devido. O que não foi o caso. Portanto, o processo correto para fazer esse cálculo é o que a ora recorrente preconiza e apresenta.
21.ª Daí que a ora recorrida não liquidou a totalidade do montante indemnizatório e respectivos juros, violando o preceituado no Douto Acórdão condenatório apresentado à execução.
22.ª A ora recorrida fez uma dedução ilegal aos juros devidos à ora recorrente.
Termos em que: deve o presente recurso obter provimento e a sentença recorrida ser revogada por outra que julgue improcedente os embargos de executado e ordene o prosseguimento da acção executiva,
para o que se pede e espera o douto suprimento de Vossas Excelências».
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Contra-alegou a embargante/executada, X Companhia de Seguros, SA, pugnando pela improcedência do recurso interposto e manutenção da decisão recorrida (ref.ª 34987664).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª 167476106).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em aferir:
- Do incumprimento do pagamento da totalidade da quantia (capital e respetivos juros de mora) em que a embargante/executada foi condenada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) dado à execução; e, no caso de procedência dessa questão,
- Da prescrição dos juros de mora.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.
A. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1.- Por douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no passado dia 13 de outubro de 2013, a companhia de seguros executada/embargante foi condenada a pagar à exequente/embargada “o montante indemnizatório de 750.000,00 euros acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, montante a que serão descontadas as quantias já arbitradas provisoriamente no âmbito da providência cautelar apensa”.
2.- A X, a título de indemnizações pagas no âmbito da providência cautelar, pagou à exequente, entre os dias 07-04-2008 e 04-10-2013 o montante total de € 140.000,00, conforme documento n.º 1 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
3.- A X pagou ainda no dia 17 de março de 2012 o valor de € 10.000,00, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos na viatura sinistrada, conforme documento n.º 2 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
4.- Com efeito, no processo judicial 386/11.1TBVVD, que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, instaurado pela proprietária do veículo sinistrado (Y, Lda.) contra a W Seguros, S.A. (entretanto incorporada na X – Companhia de Seguros, S.A.), foi celebrada transação, homologada por sentença transitada em julgado, nos termos da qual foi acordado o valor de € 10.000,00, relativo aos prejuízos sofridos no veiculo sinistrado, valor esse que teria de ser deduzido na indemnização que viesse a ser fixada no âmbito do processo judicial 981/07.3TBVVD, instaurado pela embargada contra a X, caso se esgotasse o limite do capital seguro, como foi o caso, conforme documento n.º 3 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
5.- A X, no cumprimento da decisão judicial, proferida no processo 981/07.3TBVVD, pagou à embargada o montante global de € 750.180,82, que corresponde ao valor da condenação (€ 750.000,00), deduzida do montante de € 150.000,00 (que se refere ao montante de € 140.000,00 pago a titulo de rendas, no âmbito da providência cautelar, acrescido da indemnização de € 10.000,00, pela viatura danificada), o que perfaz € 600.000,00, sobre o qual foram calculados os respetivos juros, desde a citação (10/09/2007), até à data do pagamento (10/12/2013), os quais ascenderam a € 150.180,82, conforme documentos n.ºs 4 e 5 juntos com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
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B. E deu como não provado os seguintes factos:

- A companhia de seguros executada foi condenada a pagar à exequente uma indemnização no montante de 782.282.74 €, acrescido de juros de mora.
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V. Fundamentação de Direito.
1. Considerações gerais.

A oposição à execução mediante embargos de executado é o modo de que o executado dispõe para se libertar (total ou parcialmente) da execução contra si instaurada, seja com base em razões de natureza processual, seja aduzindo argumentos materiais (que contendam com a existência ou a subsistência da obrigação exequenda) (1), seja pela verificação de um vício de natureza formal que obsta ao prosseguimento da execução (2).
Constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado e na dependência do processo executivo, fisicamente correndo por apenso.
Assim, embora os embargos constituam um procedimento estruturalmente autónomo, estão funcionalmente ligados ao processo executivo (fala-se em função instrumental da oposição (3), até porque sem execução não há oposição à execução), visando a pronúncia que neles é feita, quer sobre o mérito, quer sobre matéria processual, servir exclusivamente as finalidades e os fins da execução (4).
Este carácter incidental ou instrumental dos embargos, funcionalmente vinculados ao processo executivo em que se enxertam, resulta claramente do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 732.º do CPC, nos termos dos quais a procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte, além de que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
Na petição inicial de oposição à execução a embargante/executada alegou factos extintivos do crédito exequendo. Mais concretamente invocou o pagamento da totalidade da quantia exequenda (quer a título de capital, quer de juros de mora, vencidos e vincendos).

A invocação do pagamento, como fundamento da oposição à execução, assume especial relevância jurídica, especificando o art. 729º, al. g), do CPC que:
Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
(…)
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
(…)».
Diversamente do que acontece na oposição à execução baseada em outros títulos, a qual pode fundar-se em qualquer causa que fosse lícito deduzir como defesa no processo de declaração, dado o executado não ter tido ocasião de, em ação declarativa prévia, se defender amplamente da pretensão do exequente/embargado, na oposição deduzida à execução fundada em sentença – como é o caso versado nos presentes autos – os fundamentos passíveis de ser validamente invocados restringir-se-ão aos que se mostram taxativamente previstos no citado art. 729º do CPC (5) (conforme resulta do advérbio “” empregado no preceito).
Como tem sido reiteradamente salientado por referência ao fundamento da al. g), o facto modificativo ou extintivo da obrigação só pode ser invocado em sede de oposição à execução desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se mostre provado por documento.
Percebem-se estas exigências uma vez que a superveniência decorre e é imposta pelo respeito pelo caso julgado (6) (7).
De facto, vigorando no processo declarativo o princípio da concentração da defesa na contestação (art. 573º, n.º 1, do CPC), está vedado ao executado invocar em sede de oposição à execução factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação que já se verificassem no decurso do prazo para a apresentação da contestação no processo declarativo ou, ainda que superveniente à contestação, mas anteriores ao encerramento da fase de discussão e julgamento.
Se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, valendo a máxima segundo a qual o caso julgado “cobre o deduzido e o dedutível” (8), e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu, pelo que os factos extintivos ou modificativos da obrigação reconhecida na sentença só podem ser os posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração (9).
Exige-se também que, sendo a execução fundada em sentença, o facto modificativo ou extintivo só possa ser provado por documento. Excetua-se a prescrição do direito ou da obrigação, a qual pode ser provada por qualquer meio.
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2. - Do incumprimento do pagamento da totalidade da quantia indemnizatória (capital e respetivos juros de mora) em que a executada foi condenada no acórdão do STJ de 13/10/2013 dado à execução.
No caso sub júdice, a recorrente/embargada discorda da decisão recorrida que, sufragando os fundamentos da oposição à execução deduzida pela executada, considerou que «os juros a que a embargante foi condenada, por força do douto Ac. STJ e na sequência do acordado entre as partes, apenas podiam incidir sobre “o montante indemnizatório” do valor total ainda em dívida de 600.000,00 euros, (…), e não sobre o valor total de 750.000,00 euros (…)», bem como na parte em que considerou ter a embargante comprovado a liquidação da totalidade do montante indemnizatório e respetivos juros em que foi condenada pelo acórdão do STJ condenatório dado à execução.
Isto porque, defende, tendo a executada sido condenada a pagar à exequente/embargada “o montante indemnizatório de 750.000,00 euros acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, montante a que serão descontadas as quantias já arbitradas provisoriamente no âmbito da providência cautelar apensa”, estava-lhe vedado calcular os juros apenas sobre 600.000,00€, independentemente dos descontos que efectuou no âmbito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, sob pena de desvirtuar a sentença. Os pagamentos parcelares e mensais feitos no âmbito daquela providência cautelar e a indemnização paga referente ao veículo sinistrado devem ser levados em consideração, sendo que os juros devem ser calculados considerando sempre o valor da indemnização devida nos diferentes momentos.
A embargante, ora recorrida, na petição de embargos de executado, tinha contraposto que a exequente recebera já a totalidade do montante indemnizatório e respetivos juros, conforme decidido pelo S.T.J., visto que, aquando do pagamento do montante indemnizatório, a embargante tinha o direito de deduzir ao montante indemnizatório o valor total de € 150.000,00 – correspondendo € 140.000,00 às quantias já arbitradas provisoriamente no âmbito da providência cautelar apensa e € 10.000,00 à parcela respeitante aos danos sofridos na viatura sinistrada, conforme ficou acordado –, pelo que os juros, objeto do acórdão condenatório, apenas podiam incidir sobre o montante indemnizatório do valor total ainda em dívida de € 600.000,00, como aconteceu, e não sobre o valor total de € 750.000,00, como reclama a exequente. Assim é porque, proclama, quer as rendas pagas no âmbito da providência cautelar, quer a indemnização paga a título dos prejuízos sofridos no veículo sinistrado (tudo no total de € 150.000,00), foram pagas na respetiva data do seu vencimento, não implicando, por isso, o cálculo de juros.
Vejamos, pois, se a decisão deverá ser mantida.
É unanimemente reconhecido que os juros são frutos civis (art. 212º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil - abreviadamente CC), constituídos por coisas fungíveis que representam o rendimento de uma obrigação de capital, ou seja, a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital, que se determina em função do valor do capital devido, do tempo durante o qual se mantém a privação deste pelo credor e da taxa de remuneração fixada por lei ou convencionada pelas partes (10).
Os juros são, assim, a compensação que o devedor paga continuadamente pelo uso ou simplesmente pela disponibilidade temporária de um capital constituído por dinheiro ou outras coisas fungíveis e que é expressa numa fracção previamente determinada ou determinável da quantidade devida (11).
A obrigação de juros pressupõe, portanto, uma obrigação de capital, da qual é dependente ou acessória (pois sem a qual não se pode constituir) e tem o seu conteúdo e extensão delimitados em função do tempo, sendo por isso uma prestação duradoura periódica. Mas essa dependência é meramente relativa, dado que, a partir do momento em que se constitui, o crédito de juros adquire autonomia em relação ao crédito de capital, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro (art. 561º do CC) (12).
Distinguem-se os juros quanto à sua fonte entre legais e voluntários ou convencionais (art. 806º, n.º 2, do CC): os primeiros, previstos no art. 559º, n.º 1 do CC, são, como o nome indica, os devidos por simples decorrência da lei e que se vencem independentemente da existência de qualquer acordo de vontades; os segundos são aqueles em que a sua taxa ou quantitativo é estipulada pelas partes (arts. 1145º, n.º 1, e 1146º do CC), dentro dos limites legalmente estabelecidos.
No tocante à sua função ou finalidade económica e social, podem ainda distinguir-se entre juros remuneratórios, compensatórios, moratórios, indemnizatórios e compulsórios (13).
Os juros remuneratórios têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao preço do empréstimo do dinheiro, pelo tempo que o credor se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência (art. 1145º, n.º 1, do CC).
Os juros compensatórios destinam-se a proporcionar ao credor um pagamento que compense uma temporária privação do capital que ele não deveria ter suportado (arts. 460º, n.º 1, 1ª parte, 480º, 1167º, al. c) e 1199º, al. b), ambos do CC).
Os juros moratórios têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o devedor pelos prejuízos em virtude do retardamento no cumprimento de uma obrigação pecuniária pelo devedor (art. 806º do CC). O mesmo é dizer que correspondem à indemnização dos custos induzidos pelo atraso no recebimento de quantias que deveriam ter sido recebidas em certo tempo e que o não foram (14).
Os juros indemnizatórios são aqueles que se destinam a indemnizar os danos por outro facto praticado pelo devedor, especialmente o não cumprimento definitivo da obrigação.
Por último, há a referir os juros compulsórios, que são os consagrados no n.º 4 do art. 829º-A do CC. Não constituem remuneração de capital, nem tão pouco se destinam a satisfazer indemnização pela mora (15), funcionando, sim, como elemento de pressão para o devedor cumprir.
Por fim, quanto ao titular, de harmonia com a natureza dos intervenientes na operação, os juros podem ser civis (art. 559º do CC), comerciais (art. 102º do Código Comercial) ou das instituições de crédito e sociedades financeiras decorrentes de operação de crédito.
O juro legal estabelecido no direito civil (aplicável, portanto, às prestações civis, não comerciais) é de 4% (art. 559º do CC e Portaria n.º 291/2003, de 8/04). Excecionalmente, no n.º 4 do art. 829º-A do CC, além dos juros de mora, prescrevem-se juros à taxa de 5%.
Em conformidade com as disposições combinadas nos arts. 804º, n.º 1, 805º, n.º 1 e 806º, n.º 1, ambos do CC, a mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, sendo certo que nas obrigações pecuniárias essa indemnização corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora.
No caso de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco (e, como é entendido, também por facto lícito), o devedor constitui-se em mora a partir da citação – art. 805º, n.º 3, do CC; ou seja, em vez de se proceder à avaliação do dano real sofrido com a mora, presume-se que, por estar privado do montante da indemnização, o lesado sofre um prejuízo que corresponde aos juros contados desde a citação (16).
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Particularizando agora o caso concreto mostra-se provado que, por acórdão do STJ de 13/10/2013, a executada/embargante foi condenada a pagar à exequente/embargada “o montante indemnizatório de 750.000,00 euros acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, montante a que serão descontadas as quantias já arbitradas provisoriamente no âmbito da providência cautelar apensa”.
A título de indemnizações pagas no âmbito da providência cautelar, a executada/embargante pagou à exequente, entre os dias 07-04-2008 e 04-10-2013, o montante total de € 140.000,00, bem como ainda, no dia 17/03/2012, o valor de € 10.000,00, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos na viatura sinistrada. Com efeito, relativamente a este último ponto, no processo judicial n.º 386/11.1TBVVD, que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, instaurado pela proprietária do veículo sinistrado (Y, Lda.) contra a W Seguros, S.A. (entretanto incorporada na X – Companhia de Seguros, S.A.), foi celebrada transação, homologada por sentença transitada em julgado, nos termos da qual foi acordado o valor de € 10.000,00, relativo aos prejuízos sofridos no veículo sinistrado, valor esse que teria de ser deduzido na indemnização que viesse a ser fixada no âmbito do processo judicial n.º 981/07.3TBVVD, instaurado pela embargada contra a X, caso se esgotasse o limite do capital seguro, como foi o caso.
Ou seja, com vista ao cumprimento da decisão judicial condenatória proferida no processo n.º 981/07.3TBVVD, a X pagou à embargada o montante global de € 750.180,82, sendo que, por reporte ao valor da condenação (€ 750.000,00), deduziu o montante de € 150.000,00 (que se refere ao montante de € 140.000,00, pago a titulo de rendas, no âmbito da providência cautelar, acrescido da indemnização de € 10.000,00 pela viatura danificada, conforme o acordado pelas partes), o que perfaz € 600.000,00, sobre o qual calculou os respetivos juros, desde a citação (10/09/2007) até à data do pagamento (10/12/2013).
Sendo inquestionável – tal como decidido na decisão recorrida – que à quantia condenatória arbitrada no acórdão condenatório do STJ (indemnização de 750.000,00 €, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento”) se impõe a dedução dos montantes pagos pela recorrida no âmbito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória (no montante total de € 140.000,00), bem como a quantia de € 10.000,00 paga a título de indemnização pelos prejuízos sofridos na viatura sinistrada, já não podemos concordar com o ali decidido – bem como com a posição propugnada pela embargante/recorrida – quando isenta ou exime do pagamento de juros de mora os montantes parcelares entretanto pagos, o que determina que os juros apenas incidam sobre a quantia de € 600.000,00 (e não, como decidido no acórdão dado à execução, sobre € 750.000,00).
Com vista a elucidar a nossa discordância quanto ao decidido pelo tribunal “a quo” afigura-se-nos relevante ter presente as questões atinentes à imputação da indemnização recebida em sede da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória.

Este procedimento cautelar especificado está previsto e regulado nos arts. 388º a 390º do CPC, estabelecendo aquele preceito que:
«1 - Como dependência da ação de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano.
2 - O juiz defere a providência requerida desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido.
3 - A liquidação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano, é fixada equitativamente pelo tribunal.
4 - O disposto nos números anteriores é também aplicável aos casos em que a pretensão indemnizatória se funde em dano suscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado».

O referido procedimento cautelar visa a antecipação de créditos de natureza pecuniária emergentes de responsabilidade civil, em situações de grave carência, enquanto não decidida a ação principal e abrange as situações em que urge reparar provisoriamente o dano decorrente da morte ou de lesão corporal ou em que a pretensão indemnizatória se funde em dano suscetível de colocar seriamente em causa o sustento ou a habitação do lesado.
Trata-se de uma medida antecipatória de reparação provisória do dano sofrido, mormente quando está em causa o direito à indemnização em sede de responsabilidade civil extracontratual, no pressuposto que a lesão corporal determinou para o lesado uma situação de carência de meios económicos, que deve ser colmatada imediatamente pelo requerido em prol dos princípios da justiça distributiva (17).
O recebimento das rendas pelo lesado com o cumprimento voluntário ou coercivo da providência cautelar é por conta da indemnização definitiva que lhe vier a ser paga posteriormente (art. 388º, n.ºs 1 e 3 do CPC).
Sendo o arbitramento de reparação provisória uma providência antecipatória da decisão que visa acautelar as indemnizações pagas, sob a forma de renda, têm um cariz precário, sendo meros adiantamentos por conta da indemnização que se vier a apurar ser devida na ação declarativa da qual a providência é instrumental.
Assim, na hipótese do “quantum” da indemnização definitiva ser superior ao valor global das rendas provisórias entretanto pagas, estas devem ser imputadas naquele montante (art. 388º, n.º 3 do CPC), ficando a pessoa condenada na indemnização definitiva obrigada a pagar apenas a diferença entre os dois valores (18).

Por força deste regime não há, no caso dos autos, que fazer apelo ao regime de imputação do cumprimento previsto no art. 785º do CC, que dispõe:
«1. Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.
2. A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes».

Na verdade, o regime estabelecido no referido normativo não se mostra directamente estruturado ou pensado para o pagamento das rendas efetivado em sede de procedimento cautelar de arbitramento de reparação por conta da indemnização definitiva a fixar posteriormente.
Por conseguinte, não oferecendo dúvidas que à quantia fixada no acórdão do STJ se devem deduzir os montantes pagos pela recorrida no âmbito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, não menos verdade é que, tendo efetivado pagamentos parcelares e mensais, os juros de mora deverão incidir apenas sobre o capital remanescente, já que quanto aos valores que foram pagos – e que eram devidos desde a citação – deixou de haver mora.
Com efeito, considerando os pagamentos das rendas mensais feitos em cumprimento da providência cautelar, os quais foram realizados de forma faseada e são imputados ou subtraídos no quantitativo indemnizatório apurado na ação principal, a liquidação dos juros de mora deverá ser feita em relação a cada pagamento parcial, levando em conta os sucessivos pagamentos parcelares, por forma a não prejudicar o executado como sucederia caso essa liquidação, mormente no que concerne aos juros, apenas fosse relegada para o pagamento que perfizesse a integralidade da quantia indemnizatória, mas de igual modo por forma a não prejudicar o exequente, como sucederia caso – como decidido na decisão recorrida –, no apuramento dos juros, apenas se tomasse em consideração o remanescente do montante indemnizatório já após a integral imputação das rendas mensais pagas, sem atender ao momento em que estas foram parcelarmente pagas. O que significa que, para cada período, os juros de mora deverão ser calculados sobre o capital sucessivamente diminuído.
Diverso seria se, por reporte à data da citação, a recorrida tivesse já procedido ao pagamento à recorrente da quantia de 150,000,00€, posto que nessa situação os juros de mora incidiriam apenas sobre o capital (então) em dívida, no valor de 600.000,00€.
Relembre-se, o Ac. do STJ que serve de título executivo, condenou a executada a pagar à exequente “o montante indemnizatório de 750.000,00 euros acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, montante a que serão descontadas as quantias já arbitradas provisoriamente no âmbito da providência cautelar apensa”.
Ora, os pagamentos parcelares feitos no âmbito da providência cautelar (bem como o ressarcimento do valor da viatura sinistrada) tiveram o seu início em data posterior à citação da ré na ação declarativa (19), pelo que inexiste qualquer fundamento para dispensar (ou isentar) a executada do pagamento de juros de mora pelo retardamento no cumprimento da obrigação pecuniária a que estava adstrita.
Termos em que procede este fundamento da apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida.
*
3. - Da prescrição dos juros de mora (20).

A embargante, na petição de embargos, arguiu a exceção de prescrição dos juros de mora, aduzindo para o efeito que os juros reclamados pela embargada reportam-se à data de 30/12/2013, ou seja, há mais de 5 anos, razão pela qual a eventual obrigação pelo seu pagamento está prescrita (art. 310º, al. d), do CC).
De acordo com o disposto no art. 298.º, n.º 1, do Código Civil, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
A prescrição é ditada, numa primeira linha, pelo valor da segurança jurídica e da certeza do direito, embora também em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reação à inércia do titular do direito, fundando-se num imperativo de justiça (21).
Segundo a lição de Orlando de Carvalho, «a prescrição é uma forma de extinção de direitos de crédito, na área dos direitos das obrigações, direitos que deixam de ser judicialmente exigíveis, passando a obrigação civil a obrigação natural» (22).
Na verdade, o decurso do tempo é um facto jurídico não negocial, é um acontecimento natural juridicamente relevante, ou seja, produtor de efeitos jurídicos.
Uma vez completado o prazo de prescrição, o beneficiário da mesma tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como decorre do disposto no art. 304.º, n.º 1, do Código Civil. Ou seja, a prescrição não extingue a obrigação; o efeito da prescrição é o de facultar ao obrigado o poder de recusar o cumprimento. Oposta com êxito a prescrição, o titular do direito perde uma das faculdades que lhe assistia, deixando de poder exigir o cumprimento judicial da prestação.
A prescrição dos juros de mora encontra-se submetida ao regime geral estabelecido no art. 310º, al. d) do CC, segundo o qual prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos.
A prescrição a que se refere o citado normativo não é uma prescrição presuntiva como a que vem prevista nos arts. 312 e ss. do CC, mas sim uma prescrição de curto prazo, uma prescrição extintiva, destinada a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (23).
Como se decidiu no Ac. da RL de 19/10/2006 (relator Vaz Gomes), in www.dgsi.pt., a “dívida de juros, tal como todas as prestações que constituem o correspectivo do gozo de coisas fungíveis (o que ocorre também na mora, já que o decurso do tempo sem a disponibilização do capital beneficia o devedor e prejudica o credor), detém certa autonomia em relação à dívida de capital que corresponde à prestação obrigacional do contrato celebrado, pelo que cada uma dessas dívidas, com alguma independência entre si está sujeita também a prescrição própria. A dívida de juros renasce periodicamente no termo de cada período ou dia, pelo que quanto à dívida de juros correspondente à mora a prescrição se conta dia a dia, considerando-se prescritos os juros na medida em que sobre a respectiva obrigação vão decorrendo os cinco anos previstos no art.º 310, alínea d) do CCiv. Com a extinção da dívida de capital, designadamente pelo seu pagamento, cessa, a partir desse exacto momento, a renovação daquela obrigação autónoma de juros, mas também é a partir do exacto momento do nascimento da obrigação de pagamento do capital (…) que se vencem e renovam as prestações correspondentes à dívida de juros de mora” (24).
No mesmo sentido defende Correia das Neves (25) que “a dívida de juros não é uma dívida a prestações, mas antes uma dívida que periodicamente (ou dia a dia) renasce: no termo de cada período (ou dia) vence-se uma nova dívida ou obrigação”. E exemplifica que mesmo que decorram 20 anos desde a falta primeira ao pagamento dos juros, não se extingue o direito aos que ainda se venham a vencer e aos vencidos há menos de 5 anos.
Em concreto, a execução deu entrada no dia 1/10/2019, pelo que estão prescritos os juros moratórios vencidos para além dos últimos cinco anos, ou seja, até 1/10/2014.
Termos em que procedem, parcialmente, os embargos de executado.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Assim, dada a procedência da apelação, as custas do recurso são integralmente da responsabilidade da recorrida.
E as custas da oposição à execução, mercê da procedência da exceção de prescrição dos juros de mora, são a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (art. 527º do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I – O recebimento das rendas pelo lesado com o cumprimento voluntário ou coercivo da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória é por conta da indemnização definitiva que lhe vier a ser paga posteriormente (art. 388º, n.ºs 1 e 3 do CPC).
II – No caso de o “quantum” da indemnização definitiva ser superior ao valor global das rendas provisórias pagas, estas devem ser imputadas naquele montante, ficando a pessoa condenada na indemnização definitiva obrigada a pagar apenas a diferença entre os dois valores.
III – Considerando os pagamentos das rendas mensais feitos em cumprimento da providência cautelar, os quais foram realizados de forma faseada e são imputados ou subtraídos no quantitativo indemnizatório apurado na ação principal, a liquidação dos juros de mora deverá ser feita em relação a cada pagamento parcial, sendo calculados, para cada período, sobre o capital sucessivamente diminuído.
IV – O prazo prescricional relativamente à obrigação de juros de mora é de cinco anos (art. 310º, al. d) do CC), apenas estando prescritos os juros que, à data da instauração da execução, se tiverem vencido há mais de cinco anos.
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VI. - DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
- julgar procedente o recurso de apelação interposto pela apelante M. C.;
- em consequência, revoga-se a sentença recorrida, a qual se substitui por outra que, julgando os embargos de executado parcialmente procedentes, declara prescritos os juros moratórios vencidos até 1/10/2014.
- Custas da apelação a cargo da apelada;
- Custas dos embargos de executado a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
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Guimarães, 17 de setembro de 2020

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr. Paulo Pimenta, Acções e Incidentes Declarativos na Pendência da Execução, Revista Themis, Ano V, n.º 9, 2004, p. 73.
2. Cfr. José lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, p. 321; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, pp. 195/196, J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum À Face do Código Revisto, Almedina, pp. 149/150 e Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, p. 195.
3. Cfr. Ac. do STJ de 29/09/2009 (relator Paulo Sá), in www.dgsi.pt.
4. Cfr. Ac. do STJ de 12/11/2009 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt.
5. Em geral agrupados em três categorias, a primeira integrada pelos casos de falta de pressupostos processuais gerais da acção – alínea c) –, a segunda por falta de pressupostos específicos da acção executiva – alíneas a), b), d), e) e f) – e a última, por sua vez, referente à inexistência ou insubsistência da obrigação – referidos nas alíneas g) e h) (cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, (…), p. 196 e Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª ed., Coimbra Editora, 1973, pp. 279/280).
6. Nas palavras de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, não se permite “ao réu vencido (em acção de cumprimento do contrato) a alegação em nova acção, de quaisquer factos não invocados na acção anterior, mas verificados antes do encerramento da discussão, para contrariar a decisão contida na sentença. Parte-se fundamentalmente da ideia de que, tendo reconhecido no todo ou em parte, o direito do autor, a sentença preclude todos os meios de defesa do réu, no pleno desenvolvimento do pensamento esboçado no art. 489.º/1. É a consagração do ensinamento já condensado na velha máxima segundo a qual “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat” - cfr. Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 716.
7. Cfr. Acs. da RC de 21/04/15 (relator Barateiro Martins) e de 15/11/2016 (relator Manuel Capelo), in www.dgsi.pt.
8. Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 324.
9. Cfr. Acs. da RC de 21/04/15 (relator Barateiro Martins) e de 15/11/2016 (relator Manuel Capelo), in www.dgsi.pt.
10. Cfr., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, pp. 870.
11. Cfr., Vaz Serra, Obrigação de Juros, BMJ, n.º 55, pp. 159 a 170 e Correia das Neves, Manual dos Juros, 3ª edição, 1989, Coimbra Editora, p. 14 e ss.
12. Cfr., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações em Geral, 6.ª ed., Almedina, pp. 644/645 e Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 2ª ed., 2002, Almedina, p. 152.
13. Cfr., na exposição em apreço seguir-se-á de perto o ensinamento de Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, obra citada, pp. 152/153, bem como de L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, Almedina, p. 347 e a fundamentação do Acórdão Uniformizador da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2009, de 25/03/2009, publicado no Diário da República n.º 86/2009, Série I de 2009-05-05, pp. 2530 – 2538.
14. Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, vol. I, Almedina, p. 120.
15. Cfr. Abrantes Geraldes, Juros/Elementos Práticos, CEJ 1994/95, p. 4.
16. Cfr. Ac. do STJ de 14/03/2015 (relator Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt.
17. Cfr. Ac. da RL de 16/02/2016 (relatora Maria Adelaide Domingos) e Ac. da RE de 8/02/2018 (relator Mário Branco Coelho), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
18. Cfr. João Cura Mariano, A Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória, 2ª ed., Almedina, pp. 119 e 120.
19. A citação ocorreu em 10/09/2007 e os pagamentos, a título de indemnizações no âmbito da providência cautelar, verificaram-se entre os dias 07/04/2008 e 04/10/2013 (pontos 2 e 5 dos factos provados). Por sua vez, o pagamento do valor de € 10.000,00, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos na viatura sinistrada, deu-se em 17/03/2012 (ponto 3 dos factos provados).
20. O conhecimento da referida questão impõe-se por força do estatuído no n.º 2 do art. 665º do CPC, nos termos do qual “[s]e o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
21. Cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil (“O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”), Coimbra Editora, 2008, pp. 20 e ss.
22. Cfr. Sumários desenvolvidos de Teoria Geral do Direito Civil, Centelha, Coimbra, 1981, p. 153.
23. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 280 e Ac. do STJ de 18/11/2004 (relator Araújo de Barros), in www.dgsi.pt.
24. Cfr. Em sentido idêntico, Ac. da RL de 4/10/2018 (relatora Laurinda Gemas), in www.dgsi.pt.
25. Cfr., obra citada, p. 193.