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ACIDENTE DE VIAÇÃO
TRABALHADOR BENEFICIÁRIO DA CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
DIREITO DE REGRESSO
EFECTIVAÇÃO
Sumário
I - No caso de acidente de que resultou a incapacidade permanente de trabalhador beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, esta tem direito de regresso contra o terceiro responsável, incluindo seguradoras. II - Esse direito de regresso tem por objecto o capital necessário ao pagamento da indemnização ao trabalhador, sendo o correspondente às pensões futuras determinado por cálculo actuarial (capital de remissão). III - O exercício desse direito de regresso não está dependente de a CGA já ter pago ou começado a pagar ao trabalhador a indemnização, mas apenas de a CGA já ter proferido uma decisão definitiva a reconhecer o direito do trabalhador às prestações. IV - Se não obstante ter proferido essa decisão, a CGA sustou o pagamento até que lhe sejam prestados esclarecimentos, o direito ao reembolso não pode ser exercido enquanto a CGA não autorizar em definitivo o pagamento ao trabalhador
Texto Integral
Recurso de Apelação ECLI:PT:TRP:2020:1642.15.5T8PVZ.P1
Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório:
B…, contribuinte fiscal n.º …….., residente em Ermesinde, instaurou acção judicial contra a C… - Companhia de Seguros, S.A., pessoa colectivo e contribuinte fiscal n.º ………, com sede em Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a indemnização de 507.465€, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, e ainda todas as despesas e indemnizações ainda não totalmente apuradas e as que se venham a demonstrar necessárias ao que acrescerão os valores que vierem a ser apurados.
Alegou para o efeito que no dia 16.12.2010 quando conduzia o seu ciclomotor em …, Maia, parou a sua marcha num semáforo em obediência ao sinal vermelho e quando o sinal passou a verde, reiniciou-a, após o que foi embatido por um veículo ligeiro de mercadorias, segurado na ré, que ao chegar ao local onde seguia o autor guinou repentinamente à esquerda colidindo com a perna do autor e provocando a sua queda. Em consequência desse acidente sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais dos quais pretende agora ser ressarcido.
A ré contestou declarando aceitar a responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do acidente, bem como a obrigação de indemnizar o autor, mas impugnando os danos alegados pelo autor. Alegou ainda que o acidente foi, em simultaneamente, de viação e de serviço e o autor é funcionário da Câmara Municipal do Porto, encontrando-se a ser ressarcido pela Câmara Municipal do Porto e pela Caixa Geral de Aposentações, uma vez que é subscritor desta última instituição, razão pela qual requereu a intervenção principal das duas entidades.
Foi admitido a intervenção principal das chamadas.
A interveniente Caixa Geral de Aposentações pediu a condenação da ré no pagamento da importância a liquidar em execução de sentença, necessária para suportar o pagamento da pensão anual vitalícia ou do capital de remição devido pelas lesões sofridas no acidente de viação/acidente de trabalho a atribuir ao autor e seu subscritor.
O Município do Porto pediu a condenação da ré no pagamento do montante de 8.298,58€, bem como de todas as quantias que vierem a ser liquidadas a partir de 01.03.2016.
Na audiência de julgamento a ré e o interveniente Município do Porto celebraram transacção que não tendo merecido qualquer oposição das demais partes foi homologada por sentença.
Após julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar ao autor uma determinada indemnização. Na mesma sentença julgou-se totalmente improcedente o pedido da interveniente Caixa Geral de Aposentações, e absolveu-se a ré do mesmo.
No prazo de recurso da sentença o autor e a ré juntaram aos autos requerimento anunciando terem transigido entre si sobre o objecto da lide nos termos constante do acordo junto.
Foi então proferida sentença a homologar esta transacção, condenando e absolvendo a ré nos seus precisos termos.
A seguir, veio a Caixa Geral de Aposentações interpor recurso de apelação da «sentença proferida pelo tribunal a quo em 2020-01-27» e da «decisão … que homologou o acordo celebrado entre o autor e a ré C… – Companhia de Seguros, S.A. ...»
As alegações de recurso apresentadas terminam com as seguintes conclusões:
I - Da homologação do acordo celebrado posteriormente à sentença:
1.ª A transacção acordada entre o autor e a ré C… posteriormente à sentença foi celebrada sem ter sido ouvida a CGA – que também é parte nestes autos – e em absoluta desconsideração do exigido pelo art.º 9.º do DL n.º 187/2007, de 10/05, onde se determina que, em matéria de atribuição de indemnizações a beneficiários legalmente protegidos contra as eventualidades de invalidez, nenhuma transacção pode ser celebrada sem que seja previamente efectuada comunicação à instituição gestora (ou instituição de segurança social, na terminologia da redacção dada ao art.º 12.º do DL n.º 329/93, de 25/9, seu antecessor).
2.ª Pelo que o acordo celebrado não respeitou a Lei, designadamente o art.º 9.º do DL n.º 187/2007, o que, por sua vez, inquina a decisão homologatória que determinou a extinção da instância “ no que à ré “C…” se refere… ”.
3.ª Tal acordo nunca poderia servir para afastar o regime imperativo constante no DL n.º 503/99, de 20/11, sendo este, de resto, o entendimento que tem vindo a ser acolhido pela jurisprudência (cf. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra, de 2015-11-07, Proc.º n.º 295/14.2TJCBR.C1, segundo o qual: “Qualquer eventual “acordo” que o responsável civil realize com o sinistrado, através do qual este se declare “total e inteiramente indemnizado por todos os danos e prejuízos” e renuncie “a quaisquer direitos de acção judicial e indemnizações emergentes do acidente”, estará naturalmente condicionado pela imperatividade do regime jurídico dos acidentes de trabalho (em serviço), que não poderá desrespeitar/defraudar.” (cf. base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt)
II – Da sentença proferida em 2020-01-27:
4.ª A CGA foi citada nestes autos para, na qualidade de interveniente principal, deduzir o pedido de reembolso previsto no n.º 3 do artigo 46.º do DL n.º 503/99 de 20/11 e, nesse contexto, deduziu pedido de condenação da Companhia de Seguros a pagar-lhe a importância necessárias para suportar o pagamento das prestações por acidente em serviço atribuídas em consequência do evento danoso ocorrido em 2010-12-16
5.ª Em 2020-01-27, o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido formulado pela CGA, decorrendo da Sentença que o pedido de reembolso formulado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 503/99 só tem justificação quanto às quantias pagas, o que ainda não sucedeu no caso dos autos.
6.ª O pedido de reembolso formulado nestes autos teve por fundamento o disposto no art.º 46.º, n.º 3 do DL n.º 503/99, de 20/11, segundo o qual: “Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.”
7.ª Ao explicitar-se no n.º 3 do art.º 46.º que se recorre ao cálculo actuarial, a lei pensa num capital que, num dado momento, corresponde a encargos futuros, aceitando a álea sempre presente em cálculos de indemnizações por danos futuros, o que permite à CGA o direito a ser reembolsada dos montantes que terá de suportar no futuro, com o pagamento da pensão fixada à sinistrada em consequência do acidente.
8.ª E é esse, também, o entendimento que vem seguindo a jurisprudência, tal como se alcança da consulta aos Acórdãos do STJ de 2006-09-12 e de 2011-05-19, proferidos, respetivamente, no processo n.º 06A2213 e no processo n.º 1029/06.0TBTNV.C1.S1, parcialmente transcritos supra em Alegações (e disponíveis na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt).
9.ª E como ainda recentemente decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão proferido em 2019-09-26 no processo n.º 763/17.4T8SNT.L1.L1-6, cuja súmula se transcreve: “II. Da análise do n.º 3 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro, o único pressuposto para que o direito de reembolso da CGA possa ser exercido é ter sido proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da responsabilidade da mesma, não impondo tal norma que tenham sido pagas integralmente as prestações ao subscritor da CGA.” (igualmente disponível na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt)
10.ª Foi, assim, este direito de reembolso, previsto no n.º 3 do artigo 46.º do DL n.º 503/99, que a CGA se apresentou a reclamar nos autos, peticionando – como resulta do pedido – a condenação da Companhia de Seguros a pagar-lhe a importância necessárias para suportar o pagamento das prestações por acidente em serviço atribuídas em consequência do evento danoso ocorrido em 2010-12-16.
11.ª Como resulta da Matéria de Facto provada: “Por resolução da Direcção da “CGA” proferida em 11.10.2019, foi fixado ao sinistrado, a título de reparação total do acidente de trabalho de que foi vítima em 16.12.2010, uma pensão anual vitalícia de 9.065,27€, a que corresponde uma pensão mensal de 647,52 € (9.065,27 €/14).” (cf. 1.85. dos Factos Assentes), devida desde 2016-06-27 (cf. 1.86. dos Factos Assentes), tendo sido apurado “…o capital necessário para suportar os encargos com a referida pensão, o qual se cifrou em 116.268,68 €. (cf. 1.87. dos Factos Assentes).
12.ª Portanto, no quadro legal previsto no DL n.º 503/99, a reparação do acidente de trabalho ocorrido em 2010-12-16 (cf. 1.15 dos Factos Assentes) encontra-se fixada.
13.ª Como se procurou explicar no pedido de reembolso deduzido nos autos, a pensão fixada pelo acidente de trabalho (cf. 1.85 dos Factos Assentes) será paga com efeitos retroactivos a 2016-06-27, logo que a entidade patronal do A. (Município do Porto) esclareça se este já foi objecto de reconversão profissional. Isto porque a alínea a) do art.º 4.º do DL n.º 503/99, estabelece que, “As prestações periódicas por incapacidade permanente não são acumuláveis: a) Com remuneração correspondente ao exercício da mesma actividade, em caso de incapacidade permanente absoluta resultante de acidente… “ (como é o caso – cf. 1.83 dos Factos Assentes)
14.ª Sucede que a CGA tem três anos para deduzir o correspondente pedido contra o terceiro responsável, contados da data em que é proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações, sob pena de prescrição (cf. Acórdão do STJ, de 2017-07-14, proferido no proc.º n.º 1270/13.0TBALQ.L1.S1 (também disponível na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt), segundo o qual:“…o direito da CGA dirige-se contra o terceiro responsável pelo acidente ou seguradora respectiva, e nasce “Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade” (art. 46º, nº 3, do Decreto-Lei nº 503/99). Nada se dispondo neste regime especial acerca do prazo de prescrição, vigora o prazo de três anos previsto no art. 498º, nº 2, do Código Civil. De qualquer forma, o início da contagem deste prazo reporta-se ao momento em que é proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações pelas quais a CGA é responsável.”
15.ª A fim de não deixar prescrever o seu direito, a CGA tem que deduzir já o seu pedido contra o terceiro responsável pelo acidente (ou, no caso, a seguradora respectiva)
16.ª A manter-se o entendimento vertido na decisão recorrida, segundo o qual o pedido de reembolso só tem justificação quanto às quantias pagas, tal equivale a esvaziar de conteúdo a norma prevista no n.º 3 do art.º 46.º do DL n.º 503/99, de 20/11.
17.ª Dispositivo que inequivocamente prevê o direito da CGA a pedir a condenação do terceiro responsável no pagamento do capital necessário para pagar as prestações que terá que suportar em virtude do acidente, determinado por cálculo actuarial (o qual se cifra em 116.268,68€ - cf. 1.87. dos Factos Assentes)
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogadas as decisões acima identificadas, com as legais consequências.
O autor e a ré responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i) Se a sentença homologatória da transacção celebrada entre o autor e a ré é nula por não se ter aguardado o prazo para que a interveniente principal estranha à transacção se pronunciasse sobre a transacção;
ii) Se o pedido de reembolso da CGA está dependente de esta já ter pago ao trabalhador lesado as prestações por incapacidade permanente;
iii) Se a circunstância de a CGA ter decido fixar as prestações mas continuar sem autorizar o seu pagamento tem consequências jurídicas para o reembolso pedido.
III. Os factos:
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1. Cerca das 22:45 horas do dia 16 de Dezembro de 2010, o autor conduzia o seu ciclomotor de duas rodas, matrícula .. – FP - .., na Rua … (…/Maia), sentido este/oeste, tendo parado a sua marcha em obediência ao sinal vertical luminoso (semáforo) que se apresentava na cor vermelha, atento o seu sentido de trânsito.
2. Após o referido sinal ter passado para a cor verde, o autor reiniciou a sua marcha, sempre dentro da sua hemi-faixa de rodagem, lado direito, atento o respectivo sentido de marcha.
3. Quando o autor se encontrava a transpor o cruzamento da aludida Rua … com a Rua …, foi embatido pela frente do veículo ligeiro de mercadorias, marca Citroen …, matrícula .. - .. - MC, na sua (do autor) perna esquerda.
4. O condutor do veículo ligeiro de mercadorias circulava na mesma Rua …, em sentido contrário ao do autor, isto é, sentido oeste/este, e chegado ao supra citado cruzamento, sem parar ou sequer abrandar a marcha, guinou repentinamente o seu sentido de circulação à esquerda, vindo a causar a supra descrita colisão entre o seu veículo e a perna do autor.
5. Em virtude do que, o autor e o motociclo foram projectados pelo ar e de rastos, tendo o motociclo caído a, pelo menos, 5,95 m do local do embate, e o autor sido projectado de “rastos” pelo solo, até bater com a cabeça (protegida por capacete) no passeio (lado oeste) do mencionado cruzamento.
6. O condutor do veículo .. - .. - MC, D…, conduzia o seu veículo distraído.
7. Desde a altura do acidente até à chegada da ambulância (sempre com chuva muito intensa) passaram, pelo menos, 45 minutos, durante os quais o autor esteve sempre consciente, deitado na estrada, com a perna esquerda desfeita, a sangrar e com dores.
8. Tendo sido posteriormente transportado em ambulância para o Hospital E… no Porto.
9. Quando o autor chegou ao hospital tinha os bolsos das suas calças cheios do seu próprio sangue e a perna esquerda espetada por inúmeros vidros.
10. Após ter passado toda a noite e manhã do dia 17 (dia seguinte ao acidente) foi sujeito à primeira de muitas operações.
11. O condutor do veículo .. - .. - MC, D…, conduzia o veículo propriedade da sociedade “F…, Lda.”, exercendo as suas funções de funcionário da empresa por conta e no interesse desta.
12. O veículo .. - .. - MC encontrava-se seguro, por transferência de responsabilidade civil estradal para com terceiros, na companhia de seguros ré, através da apólice n.º …….., válida e em vigor no momento do acidente.
13. A ré assumiu integral e exclusivamente a responsabilidade do acidente, tendo até à presente data custeado muitas despesas (salariais e clínicas) do autor.
14. À data do acidente, o autor B… era cantoneiro de limpeza no Município do Porto – entidade pública empregadora – e subscritor da “CGA” com o número …….
15. A entidade pública empregadora do autor qualificou o acidente de viação como acidente de trabalho, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.
16. Foi requerida na “CGA” a reparação do acidente nos termos do disposto no regime de protecção social em matéria de acidentes e doenças profissionais ocorridos no domínio da Administração Pública, previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.
17. Em 2015.11.13, o autor B… foi presente à junta médica da “CGA” que, para efeitos de avaliação das lesões decorrentes do acidente de trabalho/viação considerou que aquele apresentava como lesões “sequelas de traumatismo membro inferior esquerdo”.
18. Tendo a junta médica da “CGA” fixado ao interessado uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 59,89%, de acordo com o Capítulo III nº 6.2.8 alínea a), Capítulo I nº 11.2.3 alínea e), Capítulo I nº 14.2.1.1 alínea a) e Capítulo I nº 15.2.2.1 da T.N.I.
19. Por ainda não ter sido comunicada à “CGA” a data da alta definitiva do acidente, não foi ainda possível, até à data, fixar o montante efectivamente a pagar ao autor a título de reparação pelo acidente de trabalho sofrido em 2010.12.16.
20. De acordo com a informação prestada pela Direcção Municipal de Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto em 2016.01.11, o sinistrado mantém-se em situação de baixa médica.
21. Tendo o acidente dos autos sido declarado e considerado como acidente em serviço, foi assegurada ao autor, pelo Município do Porto, a reparação legalmente prevista, designadamente, o pagamento da sua remuneração, incluindo os suplementos, e respectivo subsídio de refeição, desde a data do sinistro até Março de 2016, conforme cópia dos recibos (Dezembro de 2010 a Fevereiro de 2016) juntos aos autos.
22. Assim, desde 16.12.2010 até 29.02.2016, o Município do Porto suportou as remunerações do autor, no valor global de 103.096,32€.
23. Por cheque datado de 28.01.2015, a ré procedeu ao pagamento da quantia de 101.995,21€, respeitante às seguintes despesas: 65.257,68€ a título de vencimentos (até Outubro de 2014); 30.235,13€ a título de despesas hospitalares (fisioterapia); e 6.502,40 € despesas de transporte e medicamentos.
24. E, por cheque datado de 17.11.2015, procedeu ainda ao pagamento da quantia de 26.555,36€, referente às seguintes despesas: 18.261,03€ a título de vencimentos (Novembro de 2014 a Outubro de 2015); 2.009,98€ de despesas com consultas, fisioterapia e cadeira de rodas; e 6.284,35€ de despesas com transporte (táxi).
25. Como consequência directa do acidente, o Autor sofreu esfacelo da perna esquerda com fractura exposta cominutiva dos ossos da perna esquerda.
26. Fez osteotaxia com fixador de G… dos ossos da perna esquerda.
27. Retirou os fixadores em 13.01.2011.
28. Após, foi sujeito a imobilização com bota gessada.
29. Em 10.11.2011 foi submetido a correcção cirúrgica de pseudoartrose dos ossos da perna pela técnica de H…, com excerto ósseo e factores de crescimento.
30. Por indicação médica efectuou fisioterapia diária, dolorosa, da qual resultou, em plena sessão de fisioterapia, refractura dos ossos da perna.
31. Em 26.09.2012 apresentava bota gessada antálgica.
32. Desde e por causa do acidente, o autor foi submetido às seguintes intervenções cirúrgicas à perna esquerda: em 17.12.2010, no Hospital E…; em 29.12.2010, no Hospital I…; em 04.01.2011, na Ordem J…; em 10.02.2011, na Ordem J…; em 17.03.2011, na Ordem J…, em 07.07.2011, na Ordem J…; em 29.09.2011, na Ordem J…; em 03.11.2011, na Ordem J…; em 11.10.2012, na Ordem J…; e em 06.08.2013, no Hospital K….
33. Foi sujeito a várias consultas, designadamente, no Hospital I…, na Ordem J…, na K… e no Hospital L….
34. Realizou vários exames radiográficos.
35. Esteve acamado, de cadeira de rodas e teve dores.
36. Em 21.10.2015, o médico da K…, Dr. M…, elaborou a seguinte “Informação Clínica”, junta aos autos a fls. 24 verso: “(…) História de atropelamento em 16/12/2010 do qual resultou fratura exposta ossos perna esquerda, sendo submetido a várias cirurgias (ultimas: artrodese tornozelo e a 05/08/2013), por falência de osteossíntese, infecção e deformidade. Sequelas: - artralgias mecânicas (tornozelo e pé esquerdo) - edema pé e TT esquerdo; alterações tróficas marcadas da pele tornozelo e pé esq. - limitação da amplitude articular dos membros inferiores (joelho direito limitação da flexão nos últimos graus e das mobilidades do tornozelo); rigidez TT esquerda (artrodese); Joelho esquerdo – limitação dos últimos graus de flexão e extensão; Rigidez dedos pé esquerdo; - atrofia global dos membros inferiores (cerca de 6 cm) - deambula em cadeira de rodas; Capaz de bipedestação com apoio de 3ª pessoa; dependente em todas as AVC excepto alimentação. Recentemente retomou acompanhamento na consulta de Ortopedia por processo provável reactivação de infecção para o qual ainda está a fazer tratamento com bom resultado. Na última observação verifica-se estabilidade dos marcadores de inflamação, melhoria do edema no entanto persistência de dor que o doente refere como incapacitante. Assim sendo colocam-se 2 opções: intervir perante períodos de agudização e equacionar plano de antibioticoterapia supressiva ou intervir cirurgicamente com amputação pela perna (…).”
37. Após o acidente, ao longo dos anos, o autor fez pelo menos duas reacções alérgicas aos antibióticos prescritos.
38. Após o acidente, ao longo dos anos, o autor sofreu processos de inflamação e infecção.
39. Em 19.08.2915 foi elaborada a seguinte informação clínica, a qual consta de fls. 25: “(…) Acidente de viação há 5 anos - 16 de Dezembro - de que resultou fractura exposta dos ossos da perna esquerda. Operado no H de E… e posteriormente em Valongo e mais 6 vezes em J… pelo Dr. N…. Última cirurgia - panartrodese na k… há 1 ano. Estado actual - de cadeira de rodas, encurtamento de 6 cm em fisio tem dores, tem rubor, tem edema, medicado com antibiótico há 1 semana Penso que o maior problema e a incapacidade do doente para caminhar desde o acidente - o pé não me parece funcionante - está em equino com um quadro algodistrofico com um recurvatum na tíbia. Penso que deve ser de considerar uma amputação pelo meio da perna e uma prótese.”
40. O autor, desde 16 de Dezembro 2010 até à data da amputação sentiu dores diárias na perna e pé esquerdo, obrigando-o à toma de analgésicos.
41. As intervenções cirúrgicas identificadas em 1.32. foram todas efectuadas através de anestesia geral, seguidas, pelo menos algumas delas, de um período de internamento.
42. Todos os tratamentos foram efectuados no Porto, residindo o autor em ….
43. O autor, sendo incapaz de se manter ou andar a pé, apenas se deslocava, desde a data do acidente, em cadeira de rodas.
44. À data do acidente o autor era uma pessoa saudável e dinâmica.
45. O autor nasceu a 26.09.1951.
46. O autor, até à data do acidente, levava uma vida normal.
47. Em Dezembro de 2010 o autor auferia uma remuneração mensal ilíquida no valor de 1.102,26€ - 782,68€ a título de remuneração base, 89,67€ a título de subsídio de refeição, 58,94€ a título de acréscimo à remuneração Dl 109/2006 e 170,97€ a título de subsídio nocturno – e líquida no valor de 930,54€.
48. A partir da data do acidente o autor perdeu totalmente a sua autonomia, para todas as actividades de vida diária, incluindo as básicas de higiene pessoal e confecção de alimentação.
49. O autor deixou praticamente de sair de casa (excepto para os hospitais).
50. Deixou de trabalhar.
51. Deixou de conduzir o seu motociclo de duas rodas (seu modo de deslocação diário).
52. Deixou de confraternizar com os amigos.
53. Deixou de ir às compras ao supermercado.
54. Deixou de assistir a jogos de futebol.
55. Deixou de poder desfrutar plenamente da sua condição de avô, designadamente, de tomar conta dos netos, de pegar neles ao colo ou de ir levá-los e buscá-los à escola.
56. O autor depende completamente da sua mulher e filha para tudo.
57. É a sua mulher que o veste, ajuda na sua higiene e que trata da confecção das suas refeições, das suas mudanças de posição na cama, que provém à limpeza e manutenção do seu quarto e da sua roupa.
58. É a filha do autor, O…, que tem acompanhado o autor a todas as consultas e actos médicos, por vezes faltando ao trabalho.
59. Antes do acidente o autor vivia em casa da filha P….
60. A partir do acidente, aí permaneceu de forma deficitária - em virtude das barreiras arquitectónicas para si aí existentes, não conseguindo entrar com a sua cadeira de rodas na casa de banho -, até ao mês de Julho de 2014.
61. A partir de Agosto de 2014 o autor arrendou uma casa com um só piso térreo e dimensões mais amplas, com a finalidade de minorar as dificuldades de deambulação em cadeira de rodas, mediante o pagamento de uma renda no valor mensal de 375,00€, aí passando a residir juntamente com a filha P….
62. A renda, até Agosto de 2018, data em que a filha P… adquiriu essa casa, era paga por esta última e pelo autor, sendo que, a partir dessa data, as prestações do crédito contraído para a sua aquisição passaram a ser pagas pela referida filha.
63. Essa casa carece de obras de adaptação e suprimento de barreiras arquitectónicas na casa de banho e na entrada, as quais ascendem a valor não apurado.
64. O autor revela sofrimento psíquico relacionado com as alterações da funcionalidade que lhe dificultam e em alguns casos impedem totalmente a sua autonomia e readaptação.
65. Utiliza de forma massiva mecanismos defensivos de repressão das emoções, não tendo conseguido elaborar o sofrimento de forma a encontrar formas mais adaptativas de vivência.
66. O sono do autor é irregular.
67. A atitude, o comportamento e mesmo a personalidade do autor mudaram, revelando frustração pela incapacidade de ter um modo de vida semelhante ao da grande maioria das pessoas, nomeadamente, das que o rodeiam.
68. A sua auto-estima resultou abalada.
69. Sente insatisfação, angústia e tristeza permanente, o que se manifesta perante os outros em apatia, alheamento, mau humor e irritabilidade.
70. A partir da data do acidente o autor tornou-se uma pessoa menos empática, menos comunicativa e muito mais triste.
71. As dores que o autor sente são diárias e prejudicam a sua qualidade de descanso e de sono.
72. O autor perdeu todo o vestuário que usava no dia do acidente, no valor de 100,00€.
73. Numa consulta de ortopedia, realizada em 11.11.2015 no Hospital Q…, o autor despendeu 65,00€.
74. O autor esteve internado no Hospital da K…, no serviço de ortopedia, de 22.01.2016 a 26.01.2016 para amputação pela perna à esquerda, após diagnóstico de osteomielite crónica secundária a fractura exposta dos ossos da perna esquerda e múltiplas intervenções cirúrgicas.
75. De acordo com o exame de avaliação multidisciplinar efectuado pelo Centro de Reabilitação de Vila Nova de Gaia, o autor beneficiaria dos seguintes produtos de apoio para optimizar a mobilidade e aumentar a qualidade de vida e segurança na realização das actividades de vida diária: - cadeira de duche homologada para o fim a que se destina, permitindo a realização dos cuidados de higiene no duche com segurança; - cadeira de rodas eléctrica adaptável a sistema de transferência rotativo e deslizante para o automóvel, a qual permitirá a deslocação autónoma nas imediações da sua casa e irá auxiliar o autor a entrar e sair do carro, para poder ser deslocado no exterior, possibilitando-lhe uma vida mais activa e aumentando o seu nível de participação em actividades quotidianas, sociais e de lazer; - cadeira de rodas manual, mais leve e activa, aumentando a independência e reduzindo o esforço na mobilidade; e, - elevador de transferência, garantindo conforto e segurança no ato de transferir.
76. De acordo com o exame de avaliação multidisciplinar efectuado pelo Centro de Reabilitação de Vila Nova de Gaia, o autor tem indicação para manter acompanhamento médico na área de Medicina Física e de Reabilitação e para realizar tratamento, tendo como objectivos a melhoria das funções meuro-musculo-esqueléticas, incluindo a melhoria da sintomatologia álgica, de mobilidade articular e da força muscular dos membros inferiores.
77. De acordo com o exame de avaliação multidisciplinar efectuado pelo Centro de Reabilitação de Vila Nova de Gaia: - a cadeira de duche tem um custo estimado de 200,00 € (sem IVA e sem custos de manutenção), tendo uma periodicidade de substituição de 3 anos; - a cadeira de rodas eléctrica tem um custo estimado de 10.000,00€ (sem IVA e sem custos de manutenção), tendo uma periodicidade de substituição de 5 anos; - a cadeira de rodas manual tem um custo estimado de 1.000,00€ (sem IVA e sem custos de manutenção), tendo uma periodicidade de substituição de 5 anos; - o elevador de transferência tem um custo estimado de 750,00€ (sem IVA e sem custos de manutenção), tendo uma periodicidade de substituição de 10 anos.
78. De acordo com o relatório pericial elaborado pelo INML, o autor apresenta:
- Membro inferior direito: aspecto inflamatório da perna (até joelho) e pé – rubor, edema, calor e dor – situação que se associa como compatível com Erisipela; a articulação tibiotársica encontra-se em aparente desvio medial fixo e o pé em aparente eversão fixa. Rigidez da articulação tibiotársica (já referida) e das articulações sub-astragalina, sub-talar e Lisfranc (apenas mobiliza dedos);
- Membro inferior esquerdo: amputação do membro pelo terço médio da perna, com coto bem almofadado e nesta data sem sinais inflamatórios estando frio ao toque quando comparado com a temperatura da pele da coxa homolateral. Cicatriz rosada linear na face anterior com 17,5 cm. Perimetrias das coxas (ponto de referência – 8 cm acima do pólo superior da rótula): 43 cm à direita e 43 cm à esquerda;
- Mobilidade Articular – Joelho: rigidez em flexo a 50 graus e movimento de flexão possível após os 50 graus até aos 180 graus ainda que considerando a interposição de partes moles. Refere sensação de membro fantasma – diz sentir o dedo grande do pé.
79. De acordo com o relatório pericial elaborado pelo INML:
- a data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor é fixável em 26.06.2016;
- o período de défice funcional temporário total é fixável num período de 85 dias;
- o período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 1204 dias;
- o período de repercussão temporária na actividade profissional total é fixável num período total de 1289 dias;
- o quantum doloris é fixável no grau 5/7;
- o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 43 pontos;
- as sequelas sofridas, em termos de repercussão permanente na actividade profissional são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional;
- o dano estético permanente é fixável no grau 5/7;
- a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 3/7;
- são consideradas as seguintes ajudas técnicas permanentes: medicamentosas; técnicas; adaptação do domicílio, local de trabalho ou veículo; e, ajuda de terceira pessoa.
80. De acordo com o relatório pericial elaborado pelo INML: - as ajudas medicamentosas correspondem à necessidade permanente de recurso a medicação analgésica, segundo esquema do médico assistente; - as ajudas técnicas correspondem às ajudas mencionadas em 75. e 76.; - as ajudas relativas à adaptação do domicílio, do local de trabalho ou do veículo correspondem às adaptações mencionadas em 75.; - a ajuda de terceira pessoa reporta-se à ajuda total para todas as actividades de vida diária, incluindo as básicas de higiene pessoal e confecção de alimentação.
81. Tendo sido suscitado o agravamento das lesões decorrentes do acidente, a Junta Médica da “CGA” considerou ser de solicitar a elaboração de parecer da especialidade de ortopedia.
82. Em 03.09.2019, o autor foi presente à junta médica da “CGA”, por agravamento do acidente em serviço de 16.12.2010, a qual considerou que aquele apresentava como lesões “Sequelas de fractura exposta dos ossos da perna esq., de que resultou amputação do MIE pelo terço médio do mesmo”.
1.83. A junta médica da “CGA” fixou ao interessado, em virtude do acidente de 16.12.2010: - uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções; - uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 84,22%, de acordo com o Capítulo I nº 13.2.3 da T.N.I.
84. Por carta datada de 17.09.2019 a “CGA” solicitou ao Município do Porto que informasse se o interessado “(…) continua a perceber a remuneração correspondente ao exercício da actividade que exercia à data em que foi vítima do acidente em serviço e, ainda, se mantém as mesmas funções que exercia à data do acidente, ou se foi reconvertido profissionalmente, e, em caso afirmativo, qual a categoria e a partir de que data.”
85. Por resolução da Direcção da “CGA” proferida em 11.10.2019, foi fixado ao sinistrado, a título de reparação total do acidente de trabalho de que foi vítima em 16.12.2010, uma pensão anual vitalícia de 9.065,27€, a que corresponde uma pensão mensal de 647,52 € (9.065,27 €/14).
86. Como “Data Início da Pensão” a “CGA” estabeleceu a data 27.06.2016.
87. A “CGA” promoveu o cálculo actuarial para apurar o capital necessário para suportar os encargos com a referida pensão, o qual se cifrou em 116.268,68€.
IV. O mérito do recurso:
A] recurso da sentença homologatória da transacção celebrada entre o autor e a ré:
A recorrente imputa a esta sentença os seguintes vícios:
ter sido proferida sem a recorrente que também é parte nestes autos ter sido ouvida;
não ter levado em conta o disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, que determina que, em matéria de atribuição de indemnizações a beneficiários legalmente protegidos contra as eventualidades de invalidez, nenhuma transacção pode ser celebrada sem que seja previamente efectuada comunicação à instituição gestora (ou instituição de segurança social, na terminologia da redacção dada ao art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25/9, seu antecessor).
A nosso ver, nenhum destes argumentos é procedente.
Quanto à não audição das restantes partes no processo, leia-se dos intervenientes principais, sobre o requerimento a solicitar a homologação da transacção celebrada entre o autor e a ré, o que sucedeu foi que essas partes foram notificadas do requerimento pelo ilustre mandatário do apresentante, tendo contudo a sentença sido proferida sem estar esgotado o prazo de 10 dias dentro do qual os intervenientes principais se poderiam pronunciar sobre o requerimento e a decisão a proferir em relação ao mesmo.
Essa falta não é, note-se, a falta de audição pois a notificação foi feita; é apenas a tomada de decisão antes de se esgotar o prazo de audição das pessoas que se podiam fazer ouvir (e não a desconsideração da posição destas porque ela não chegou sequer a ser apresentada). De todo o modo ela constituirá uma violação do princípio do contraditório, na medida em que entre os poderes processuais dos intervenientes principais estão, por certo, paralelamente aos poderes do autor e do réu, o de se pronunciar sobre qualquer requerimento ou questão que possa determinar a extinção (total ou parcial) da lide.
Contudo, uma vez que a interveniente tinha sido notificada para o efeito e estava em curso o prazo para ela se pronunciar, querendo, sobre a transacção apresentada pelo autor e pela ré, então, se ela desejava pronunciar-se, a nosso ver, devia apresentar o requerimento com a sua exposição ainda no prazo de que dispunha. Ora, a interveniente não apresentou requerimento algum, não se pronunciou no prazo de que dispunha e limitou-se apenas a arguir depois a nulidade.
No domínio do processo civil vigora o princípio da utilidade dos actos processuais. Uma nulidade baseada no princípio do contraditório pressupõe que a parte pudesse em tempo expor a sua posição sobre a questão a decidir. Se a parte não chegou a ser notificada para o efeito, nunca se iniciou o prazo para o efeito, pelo que não se pode argumentar que ela podia apresentar a sua posição e não o fez. Mas se a parte foi notificada e tinha prazo para apresentar a sua posição, se ela não apresentar o seu requerimento ainda dentro do prazo, a arguição de nulidade por a decisão ter sido proferida sem se ter esgotado esse prazo deve improceder por não ter nessa circunstância qualquer utilidade. Com efeito, a apreciação do mérito não pode ser influenciada desconsideração de uma posição …inexistente, razão pela qual se a parte não apresenta qualquer argumentação para condicionar o sentido da decisão a proferir esta podia afinal ser proferida nos moldes em que o foi.
Esta questão não é uma questão teórica, é uma questão prática porque no caso a interveniente não é parte na transacção, a qual não contende com a sua posição, não interfere com os seus direitos nem prejudica o seu pedido de reembolso. Por isso, tal como fez aquando da transacção antes celebrada entre a ré e o outro interveniente principal que deduziu pedido de reembolso dos valores pagos ao lesado – o Município do Porto –, a interveniente podia perfeitamente não se pronunciar sobre a transacção e/ou a sua homologação pelo tribunal, dirigindo a sua atenção sim para a impugnação da sentença na parte em que julgou o seu pedido de reembolso improcedente, como fez.
A nosso ver, nesse contexto, não faria sentido – não teria utilidade – anular uma decisão para ela ser proferida de novo, quando o verdadeiro óbice que a recorrente opõe à homologação da transacção é de conhecimento oficioso – alegado impedimento legal – constitui fundamento do seu recurso e poderá ser de imediato apreciado por esta Relação, no julgamento do recurso.
Quanto ao desrespeito pelo disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, que institui o regime de protecção nas eventualidades invalidez e velhice dos beneficiários do regime geral de segurança social, a verdade é que a simples leitura do preceito revela que o mesmo não é aplicável à situação dos autos.
Em primeiro lugar, trata-se de um preceito que faz parte do regime de protecção nas eventualidades invalidez e velhice dos beneficiários do regime geral de segurança social (o aludido Decreto-Lei n.º 187/2007) e não do regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas (constante do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, que não contém disposição equivalente)sendo certo que o autor é funcionário da Câmara Municipal do Porto – entidade pública empregadora – e subscritor da CGA com o número …….
Em segundo lugar porque a redacção da norma é a seguinte:
«1- Nos casos em que o pedido de reembolso do valor das pensões não tiver sido judicialmente formulado pela instituição gestora, nenhuma transacção pode ser celebrada com o beneficiário titular do direito à indemnização nem pode ser-lhe efectuado qualquer pagamento com a mesma finalidade sem que se encontre certificado, pela mesma instituição, o pagamento de pensões e o respectivo montante.
2- Havendo acordo, o responsável pela indemnização deve: a) comunicar à instituição gestora o valor total da indemnização devida; b) reter e pagar directamente à instituição gestora o valor correspondente ao das pensões pagas, até ao limite do montante da indemnização.
3- Em caso de incumprimento do disposto nos números anteriores, o terceiro responsável pela indemnização responde solidariamente com o beneficiário pelo reembolso do valor das pensões pagas a este.»
Resulta claro da redacção da norma que a mesma é aplicável apenas nos casos em que o pedido de reembolso das prestações pela instituição gestora não tiver sido formulado judicialmente. Por outras palavras, a norma dispõe apenas sobre a celebração de transacções nos casos em que não esteja pendente processo judicial no qual o pedido de reembolso tenha sido efectuado.
A razão de ser da diferença parece fácil de antever: tendo o pedido de reembolso sido formulado judicialmente ele terá de ser decidido pelo tribunal que, se se verificarem os respectivos pressupostos, condenará o responsável no reembolso, independentemente de qualquer transacção que possa vir a ser celebrada entre o beneficiário e o responsável.
No presente processo judicial aquele pedido de reembolso foi formulado, pelo que está excluída a previsão da norma e afastada consequentemente a sua aplicação.
O recorrente refere ainda que «tal acordo nunca poderia servir para afastar o regime imperativo constante no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11».
Trata-se de uma argumentação sem qualquer conteúdo porque em momento algum vem dito se e em que aspecto a transacção homologada afasta ou prejudica o regime imperativo do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, não cabendo a esta Relação ir verificar se a transacção encerra a preterição de algum dos pontos desse regime jurídico que a recorrente não se dá ao trabalho de apontar de forma consubstanciada.
Por todas estas razões, improcede o recurso da sentença que homologou a transacção celebrada entre o autor e a ré.
B] recurso da sentença que julgou improcedente o pedido de reembolso da CGA:
Na sequência da sua admissão como interveniente principal, a Caixa Geral de Aposentações veio aos autos deduzir um pedido de reembolso que tem como evento gerador as lesões e os danos sofridos pelo autor que constituem a causa de pedir da acção.
Nesse pedido, a CGA alegou que o autor era funcionário do Município do Porto e subscritor da CGA, que a empregadora do autor qualificou o acidente como acidente de trabalho, requerendo na CGA a reparação do acidente, uma vez que os trabalhadores que exercem funções públicas vítimas de acidente de trabalho de que resulte diminuição permanente da sua capacidade geral de ganho têm direito a uma pensão vitalícia ou a um capital de remição, calculado em função do grau de desvalorização sofrido.
Mais alegou que o autor foi presente a junta médica da CGA, a qual lhe atribuiu uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 59,89%. Acrescentou que por ainda não ter sido comunicada à CGA a data da alta definitiva, não foi ainda possível, até à data, fixar o montante a pagar ao autor a título de reparação pelo acidente; todavia, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, uma vez proferida a resolução definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade existe direito de regresso contra terceiro responsável por forma a obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.
Na fundamentação de direito da sentença, em sede de apreciação do mérito do pedido de reembolso efectuado pela CGA, consta o seguinte:
«A interveniente “CGA” pediu, como vimos, a condenação da ré no pagamento da importância a liquidar em execução de sentença, necessária para suportar o pagamento da pensão anual vitalícia ou do capital de remição devido pelas lesões sofridas no acidente de viação/acidente de trabalho a atribuir ao subscritor aqui autor. Posteriormente, veio deduzir incidente de liquidação, pedindo a condenação da ré no pagamento do valor global de 116.268,68 €, o qual refere corresponder ao dano patrimonial sofrido em consequência directa do acidente do qual foi vítima o autor.
Pretende a interveniente tornar efectivo o direito de regresso que lhe é conferido pelo art.º 46 do DL n.º 503/99, de 20 de Novembro.
Estamos perante um acidente de viação e, simultaneamente, de serviço, importando observar o “Regime Jurídico dos Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública”, previsto no DL n.º 503/99, de 20 de Novembro.
Dispõe o artigo 46º do referido diploma legal:
“1 - Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas. 2 - O direito de regresso abrange, nomeadamente, as quantias pagas a título de assistência médica, remuneração, pensão e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho. 3 - Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial. (…).”
Deste quadro legal conclui-se, desde logo, que o direito de regresso conferido aos serviços mencionados e neste caso à interveniente depende da alegação e prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do responsável civil, dos factos que integrem a qualificação como acidente de serviço e do pagamento ao sinistrado da indemnização devida em conformidade com o Regime Jurídico de Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais, no âmbito da Administração Pública.
Na presente situação facilmente se conclui que a interveniente não alega ter pago ao sinistrado a pensão que alega ser-lhe devida em conformidade com o referido “Regime Jurídico de Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública”. Pelo contrário, apenas alega que a “pensão lhe será paga com efeitos retroactivos a 2016-06-27 (…), assim que a entidade patronal do Autor (Município do Porto) esclareça se o Autor já foi objecto de reconversão profissional” (cf. art.º 11º do incidente de liquidação).
Neste enquadramento e sem necessidade de ulteriores considerações, conclui-se pela improcedência do pedido formulado pela interveniente.»
A CGA discorda desta interpretação das normas invocadas, sustentando essencialmente que:
i) Para a constituição do direito de regresso o artigo 46.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, apenas exige que tenha sido proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações e não que tenham sido pagas integralmente as prestações ao subscritor da CGA
ii) A reparação do acidente de trabalho encontra-se decidida e fixada no quadro legal do Decreto-Lei n.º 503/99, e a pensão será paga com efeitos retroactivos a 2016-06-27, dispondo a CGA de três anos para deduzir o correspondente pedido contra o terceiro responsável, contados da data em que é proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações, sob pena de prescrição.
Vejamos.
O pedido de reembolso deduzido pela CGA ostenta como fundamento legal o artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, cuja redacção é a seguinte:
1- Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas.
2- O direito de regresso abrange, nomeadamente, as quantias pagas a título de assistência médica, remuneração, pensão e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho.
3- Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.
4- Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior, relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com terceiro responsável.
5- Quando na indemnização referida no número anterior não seja discriminado o valor referente aos danos patrimoniais futuros, presume-se que o mesmo corresponde a dois terços do valor da indemnização atribuída.
Este preceito estabelece, portanto, que uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.
Os factos constitutivos deste direito, que a norma qualifica como direito de regresso, parecem assim ser i) os pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do responsável civil, ii) os factos que integrem a qualificação como acidente de serviço e iii) a existência de uma decisão definitiva sobre o pagamento ao sinistrado da indemnização devida em conformidade com o regime jurídico de acidentes de serviço e das doenças profissionais, no âmbito da Administração Pública[1].
Existe uma diferença entre o direito de regresso previsto nos nos. 1 e 2 e o direito de regresso previsto no n.º 3 do preceito.
Naqueles números prevê-se o direito dos serviços que tenham pago aostrabalhadores ao seu serviçoquaisquer prestações previstas no referido regime jurídico contra o terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional. Trata-se, portanto, do direito de que são titulares os serviços com o qual o trabalhador tem o vínculo profissional, ao serviço do qual este se encontrava aquando do acidente. O seu direito depende de o serviço ter pago ao seu funcionário prestações previstas no regime jurídicos dos acidentes em serviços, designadamente despesas de assistência médica e remunerações, e tem por medida o valor efectivamente pago ao trabalhador a esse título.
O n.º 3 refere-se já não ao direito dos serviços de que o trabalhador é funcionário, mas ao direito da Caixa Geral de Aposentações.
No caso de sofrer um acidente de serviço, o trabalhador tem o direito à reparação dos seus danos em dinheiro recebendo, designadamente, a remuneração no período das faltas ao serviço motivadas por acidente em serviço ou doença profissional, e uma indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente (artigo 4.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro).
Nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte do trabalhador é à Caixa Geral de Aposentações que compete a avaliação e a reparação dos danos sofridos pelo seu subscritor (artigo 5.º, n.º 3). O direito consagrado no n.º 3 do artigo 46.º reporta-se a esta obrigação pecuniária da Caixa Geral de Aposentações perante o trabalhador.
No entanto, uma vez que em grande parte essa obrigação se estrutura mediante pagamentos que irão ser feitos no futuro ao longo da vida do trabalhador, a norma legal em apreço não confere à Caixa Geral de Aposentações um direito de regresso que se vá constituindo à medida que cada pagamento vá sendo feito e na medida de cada pagamento efectuado. A norma atribui à Caixa Geral de Aposentações um direito de regresso cuja medida e extensão é o valor do capital calculado nesse momento como necessário para assegurar o pagamento do conjunto das prestações, incluindo as prestações futuras.
É por isso que para a constituição do direito de regresso a norma não exige a demonstração de que a CGA efectuou o pagamento das quantias reclamadas: uma vez que se trata de um capital destinado a assegurar o pagamento da totalidade das prestações, incluindo prestações futuras, esse pagamento não estará, por definição, feito, ainda que possa estar iniciado.
Percebe-se assim que o facto constitutivodo direito de regresso (deva ele ser classificado como verdadeiro direito de regresso ou de sub-rogação legal[2]) da Caixa Geral de Aposentações (é só desse que tratamos) seja não o pagamento ao trabalhador lesado das prestações a que o mesmo tem direito em consequência do acidente de serviço ou tão pouco o início do seu pagamento, mas apenas a decisão definitiva da Caixa Geral de Aposentações que reconheça ao trabalhador o direito às prestações[3]. A decisão definitiva da entidade com competência legal para avaliar e reparar os danos, concretiza o direito do trabalhador ao recebimento dessas prestações e faz nascer a obrigação da Caixa de pagar as prestações cujo direito reconheceu[4].
O objectivo da norma parece aceitável. Uma vez que existe um responsável directo pelos danos e é sobre este em última instância que recai a obrigação de indemnizar os danos que causou, a intervenção da Caixa Geral de Aposentações tem somente a função de garantir que o trabalhador será sempre indemnizado, mesmo que o responsável civil não o faça ou não tenha meios económicos para o fazer. Por isso, decidido em definitivo que o trabalhador tem direito a uma prestação, a CGA não poderá recusar-se a pagá-la ao trabalhador assim que este lha exija, pelo que está justificado que o esforço da reunião do capital necessário ao pagamento dessas prestações (presentes e futuras) recaia de imediato sobre o responsável pelas lesões que as determinaram[5].
Discutem no entanto as partes no caso se existedecisão definitiva da CGA que reconheça o direito do trabalhador às prestações.
Resulta da matéria de facto provada que por Resolução da Direcção da CGA proferida em 11-10-2019, foi fixado ao sinistrado, a título de reparação total do acidente de trabalho de que foi vítima em 16.12.2010, uma pensão anual vitalícia de 9.065,27€, a que corresponde uma pensão mensal de 647,52€ (9.065,27€/14), com início em 27.06.2016.
Não vemos como deixar de qualificar esta decisão da Direcção da CGA como uma decisão definitiva de reconhecimento do direito do trabalhador às prestações por incapacidade permanente decorrente do acidente de serviço. Se através dela a Direcção da CGA fixou o valor da pensão devida ao trabalhador, seguramente lhe reconheceu o direito a essa pensão[6].
O caso tem uma particularidade que leva o autor a sustentar que não existe ainda decisão definitiva. Trata-se da circunstância de a entidade patronal do autor, não obstante as várias comunicações da CGA, ter continuado a pagar ao autor a remuneração de trabalho. Essa situação levou a que na notificação do autor e do Município do Porto da deliberação do Conselho Directivo da CGA que ficou o valor das prestações devidas ao autor pelo acidente de serviço e a data de início da incapacidade e do direito às prestações na anterior data da alta médica, a CGA tivesse incluído a observação de que como o trabalhador não pode acumular a pensão com a remuneração correspondente ao exercício da mesma actividade, o pagamento da pensão ficaria «a aguardar o esclarecimento» do Município do Porto sobre os valores que continuou a pagar ao trabalhador e a que título.
Tanto quanto vemos, tratou-se apenas de uma manifestação de cuidado por parte da CGA para evitar pagamento indevidos e/ou que posteriormente o trabalhador se veja obrigado a restituir o que lhe tenha sido pago em violação da proibição de acumular a pensão mensal por incapacidade e a remuneração como se ele estivesse ao serviço. Em qualquer caso, o que a CGA sustou até esclarecimentos foi o pagamento das prestações que reconheceu ao trabalhador, não a decisão definitiva de lhe reconhecer e atribuir o direito a tais prestações.
Tanto quanto nos quer parecer, o pedido de reembolso da CGA não pode deixar de ser afectado por esta posição da CGA de recusar efectuar o pagamento nas circunstâncias actuais (enquanto não se esclarecer a situação do trabalhador).
Na verdade, ignora-se se aquela sustação do pagamento virá em algum momento a ser levantada e se a informação de que a CGA diz depender o pagamento irá interferir com o cálculo efectuado, isto é, com o valor das prestações que a CGA irá efectivamente suportar e em função das quais se procede ao cálculo do capital.
Tendo a CGA sustado o pagamento das pensões atribuídas por entender que pode vir a apurar situações de possível acumulação ilegal de vencimentos e de pensões que são impeditivos do pagamento desta (nos termos decididos já) e resultando dos autos que efectivamente o Município do Porto continuou a pagar o vencimento total ao autor e inclusivamente já foi reembolsado pela ré do montante desses vencimentos, existe a possibilidade de as pensões que a CGA atribuiu não cheguarem nunca a ser pagas por esta porque o trabalhador continuou a receber os seus salários da entidade patronal e vai agora receber da seguradora (leia-se do responsável) uma indemnização que considera constituir ressarcimento integral de todos os danos presentes e futuros que para si resultaram do acidente.
Ora não nos parece que a lei possa consentir que a CGA obtenha a condenação da ré a pagar-lhe um capital que ela pode nunca vir a ter de despender a favor do seu subscritor.
O direito ao reembolso do capital nasce, nos termos do n.º 3 do artigo 46.º do 503/99, de 20 de Novembro, com a decisão definitiva de atribuição ao trabalhador das pensões relativas à incapacidade permanente porque a lei pressupõe que a partir desse momento a CGA vai logo necessitar desse capital para pagar tais prestações.
Por isso, estando já assente que por enquanto a CGA não vai efectuar esse pagamento e não se sabendo quanto vai durar essa situação e como é que ela cessará relativamente ao valor das prestações a suportar pela CGA, o fim social da norma referida não pode ser alcançado, razão pela qual ela não deve ser aplicada nas concretas circunstâncias que se nos deparam.
Se nos é permitida a liberdade da expressão que vamos buscar à sabedoria popular, a CGA não pode ter sol na eira – receber um capital já para o caso de vir a necessitar dele no caso de ter de pagar as prestações – e chuva no nabal – continuar sem pagar qualquer prestações porque podem existir acumulações ilegais e de pensões, vencimentos e indemnizações e não lhe cabe a si apurar se existem mesmo –.
Note-se que, fora as questões atinentes à prescrição que só a ela cabe resolver, esta situação não deve prejudicar em definitivo a CGA porque o seu pedido de reembolso vai improceder por não estar verificada uma condição – não estar ainda autorizado o pagamento das prestações fixadas –. Por esse motivo, nos termos do artigo 621.º do Código de Processo Civil, o caso julgado formado pela decisão não impedirá a CGA de formular novo pedido de reembolso quando essa condição se verifique – logo que estiver ultrapassado o impasse motivado pela entidade patronal do trabalhador e cesse a sustação do pagamento pela CGA –.
Pelo exposto, pese embora a diferente fundamentação que entendemos justificá-la, a decisão de julgar improcedente o pedido de reembolso deve ser mantida, motivo pelo que improcede o recurso da CGA.
V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, pese embora com diferente fundamentação, confirmam a sentença recorrida na parte que é objecto do recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações.
Custas do recurso pela Caixa Geral de Aposentações.
*
Porto, 14 de Julho de 2020.
* Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 559)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
[a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas]
___________________ [1] Segundo se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2016, proc. n.º 1270/13.0TBALQ.L1.S1, in www.dgsi.pt, «Poderá discutir-se a natureza deste direito (cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 30/05/2013 (proc. nº 1056/10.3TJVNF.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt) uma vez que a atribuição à CGA da faculdade de exigir a entrega do capital de forma antecipada em relação ao pagamento das pensões ao sinistrado, parece afastar-se tanto do direito de regresso verdadeiro e próprio como da sub-rogação legal, pois que ambas as hipóteses pressupõem que o lesado foi já ressarcido. Independentemente da sua exacta qualificação, o direito da CGA dirige-se contra o terceiro responsável pelo acidente ou seguradora respectiva, e nasce “Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade” (art. 46º, nº 3, do Decreto-Lei nº 503/99).» [2] Faz a distinção o Acórdão do STJ de 30-5-2013, proc. nº 1056/10.3TJVNF.P1.S1,in www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: «II - Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a CGA pode reclamar do terceiro responsável, incluindo seguradoras o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial. III – Muito embora o art. 46º nº3 do DL nº 503/99 de 20 de Novembro designe este direito como de regresso, tal qualificação é discutível, porquanto um dos pressupostos do direito de regresso é o pagamento ao lesado, e, no caso da CGA, basta a decisão definitiva desta sobre o direito às prestações que lhe compete satisfazer.» (sublinhado nosso). [3] Cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 19-10-2017, in www.dgsi.pt, cujo sumário assinala que «Ocorrendo um acidente, simultaneamente de viação e de serviço, imputável a culpa de terceiro e em que é sinistrado um subscritor da C. G. A., esta entidade, depois de proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, goza do direito de regresso contra aquele terceiro responsável, incluindo seguradoras, nos termos do n.º 3 do art.º 46º do DL n.º 503/99, de 20.11, com vista ao reembolso do capital de remição que pagou pela reparação da respectiva incapacidade permanente.». [4] No sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 23-06-2015, proc. n.º 2988/12.0TBVIS.C1, in www.dgsi.pt, afirma-se identicamente o seguinte: «i) Com o regime jurídico previsto nos art. 592º e segs. do CC, a sub-rogação pressupõe o cumprimento da obrigação por parte do respectivo titular, e a prescrição do respectivo direito só começa com esse cumprimento, como, de resto, decorre do art. 306º, nº 1, 1ª parte, do CC; ii) O art. 46º, nº 3, do DL 503/99, de 20.11, define um regime específico de execução prática da responsabilidade última pela indemnização, em caso de acidente simultaneamente de trabalho e de viação, que não pressupõe o pagamento prévio pela entidade que abonar a pensão por IPP do servidor do estado; assim, a Caixa Geral de Aposentações pode exigir judicialmente a entrega imediata do capital necessário para suportar o encargo do pagamento da pensão, determinado por cálculo actuarial.» (sublinhados nossos). [5] No Acórdão citado na nota 1 o Supremo Tribunal de Justiça afirma que «…no caso do art. 46º nº 3, do Decreto-Lei nº 503/99, a via fixada pela lei foi a da possibilidade de exigência antecipada do capital necessário – segundo cálculo actuarial – para suportar encargos futuros com a pensão do sinistrado» (sublinhados nossos). [6] É precisamente uma decisão desse teor que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido na nota 1 considera igualmente ser uma decisão definitiva da CGA a reconhecer o direito do trabalhador.