NOTIFICAÇÃO DA DATA DA AUDIÊNCIA
SEGUNDA SESSÃO
NULIDADE INSANÁVEL
Sumário

1. No nosso sistema processual penal, a regra geral é a da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento conforme dispõem os artº 332º, nº 1 artº 61º, nº 1, al. a) CPP, sendo excepção, a realização do julgamento na ausência do arguido.
2. A audiência só pode ser realizada na ausência do arguido, verificadas que estejam as circunstâncias a que alude o artº 333º CPP.
3. Assim, se na 1ª sessão da audiência de julgamento, foi alterada a 2ª data previamente designada e dessa alteração não foi o arguido notificado, considerando o disposto no artº 333º, nº 3, CPP, estamos perante uma nulidade insanável - c) do art. 119º CPP.
4. Tendo a 2ª sessão sido realizada nessas circunstâncias, tal implica necessariamente a invalidade da respectiva sessão da audiência e dos actos que dele dependem, incluindo a própria sentença recorrida, impondo-se por isso ao tribunal recorrido proceder à respetiva repetição, depois das diligências de notificação do arguido para comparência (cfr. artº 122º nº 1 e nº 2 do CPP).

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
No âmbito do processo nº 91/17.5GALNH, que correu termos no Tribunal de Competência Genérica da Lourinhã, em processo comum singular, foi o arguido, M_________ , julgado e condenado, nos seguintes termos:
- «Nestes termos e com estes fundamentos, julgo a Acusação Pública totalmente procedente e, em consequência:
- Absolvo o arguido M_________ pela prática de um crime de dano qualificado, p. p. pelos arts. 212º e 213º/2, al. a), ex vi art. 202º, al. b), todos do Código Penal, de que veio acusado;
E, ainda,
- Condeno o arguido M_________ pela prática de um crime de dano qualificado, p. p. pelos arts. 212º e 213º/1, al. a), ex vi art. 202º, al. a), todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão que suspendo por igual período e que subordino à seguinte condição:
- Depositar à ordem destes autos, mediante um único pagamento ou por tranches e por conta da indemnização devida ao assistente V__________, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), nos seguintes termos e nos seguintes prazos:
- € 5.000,00 (cinco mil euros) no prazo de um ano contado do trânsito em julgado da presente sentença;
- € 5.000,00 (cinco mil euros) no prazo de um ano contado do exaurimento do prazo estabelecido na al. a);
Nos termos conjugados dos arts. 513º/1, 2 e 3 e 514º/1, ambos do cód. proc. penal e art. 8º/5 do RCP e Tabela III Anexa a este diploma, condeno o arguidoM______ nas custas de processo, fixando a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
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Instância Cível
- Nos termos e com os fundamentos apontados, julgo o pedido de indemnização civil deduzido por V__________ por parcialmente procedente e, em consequência:
- Condeno o demandado M _________ a pagar ao demandante V__________ a quantia de € 20.550,00 (vinte mil, quinhentos e cinquenta euros), acrescido de juros de mora, à taxa civil, desde a data de notificação do PIC e até efectivo e integral pagamento;
No mais, absolvo o demandado do pedido contra ele formulado.
Custas por demandante e demandado, na proporção do respectivo decaimento, ex vi art. 527º/1 e 2 do NCPC e art. 523º do cód. proc. penal.
Boletins ao Registo Criminal»
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Inconformado com a decisão, veio o arguido M_________ a recorrer, concluindo nos seguintes termos:
«a)      Nos presentes autos iniciou-se audiência de discussão e julgamento em 02.04.2019, constando da acta da mencionada sessão que o arguido regularmente notificado não compareceu.
b) A este propósito pretende o arguido esclarecer que não compareceu porquanto não recepcionou a mencionada notificação.
c) Junto aos autos refere-se que o arguido foi notificado nos termos do disposto no art. 113º nº 1 al. c) por registo simples com prova de depósito.
d) Sendo certo que a prova de depósito, pelo menos na plataforma citius não se encontra visível, não estando entre o mais cumpridos os formalismos legais previstos no art. 113º nº 3 do cód. proc. penal.
e) No processo pelo menos na plataforma citius não consta a Prova de depósito, podendo constar no processo físico o que se desconhece, certo é que o arguido nunca recebeu a notificação contendo data de audiência de discussão e julgamento e por conseguinte, Não tendo recebido a notificação por facto que lhe não é imputável, não compareceu ao julgamento porquanto não se encontrava regularmente notificado.
f) Somente agora, quando em 20.04.2019 foi notificado pessoalmente por OPC do teor da sentença proferida, tomou conhecimento de que a audiência de discussão e julgamento já se realizara,
g) Ora, se o julgamento somente se pode realizar na ausência do arguido quando este esteja regularmente notificado para comparecer, a falta de tal notificação regular, impede a realização da audiência na sua ausência,
h) A presente alegação constitui invocação de nulidade insanável nos termos do disposto no art. 119º al c), cominada com a inutilidade de todos os actos praticados posteriormente, impondo a repetição da audiência de discussão e julgamento.
Caso assim não se entenda, sempre se dirá,
i) Ainda que se entenda que o arguido fora regularmente notificado da data designada para realização da audiência de discussão e julgamento, o que por mera hipótese se equaciona,
j) Sempre se dirá que garantidamente não o foi para a segunda data designada,
k) Isto porque, conforme acta junto aos autos de 02.04.2019, o arguido não esteve presente na primeira sessão de julgamento, mas tendo sido considerado regularmente notificado, foi condenado em multa, determinando-se o início do julgamento na sua ausência, nos termos disposto no artigo 382º do cód. proc. penal;
l) Consignando o Meritíssimo Juiz em acta, “sem prejuízo do disposto no artº 333º, nº 3 do cód. proc. penal”
m) Nessa aludida primeira sessão foi determinada a continuação da audiência de julgamento para o dia 11.04.2019 pelas 10 horas,
n) Nada tendo sido determinado quanto à convocação do arguido para a nova data designada,
o) E não constando dos autos que o mesmo tivesse sido notificado dessa nova data,
p) Assim, a segunda e última sessão de julgamento, teve lugar na ausência do arguido como documenta a respectiva acta.
q) Das disposições conjugadas do cód. proc. penal, sobressai que o julgamento só pode realizar-se na ausência do arguido, quando haja sido regularmente notificado para comparecer e não compareça.
r) Sopesando o exposto e o facto de o arguido ter direito a estar presente em todos os actos processuais que lhe digam respeito nos termos do disposto no art. 61º nº 1 al. a) e que, mesmo que o julgamento se inicie na sua ausência tal não derroga o seu direito a prestar declarações até ao encerramento da audiência, nos termos do disposto no art. 333º nº 3 do cód. proc. penal, impõe-se concluir que a efectividade de tais direitos pressupõe necessariamente que o arguido seja notificado, (sempre que iniciado o julgamento na sua ausência), este continue numa nova data.
s) Caso contrário estaríamos a coartar tais direitos, como bem se enfatiza no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2009.03.03, disponível em www.dgsi.pt.
Concluindo diremos,
 t) Se o julgamento apenas se pode realizar na ausência do arguido, estando este regularmente notificado para comparecer, sendo a sua comparência obrigatória, salva essa excepção, a falta de notificação ao arguido e sua ausência nessas condições integra efectivamente nulidade insanável prevista no art. 119º al. c) do cód. proc. penal.
v) Nos termos do disposto no art. 122º do cód. proc. penal, a nulidade torna inválido e sem qualquer eficácia o acto em que se verifica, e bem assim, os que dele dependerem e aquelas puderem afectar
w) Pelo que a segunda sessão de julgamento, bem como os actos que dele dependerem, como é o caso da sentença proferida são nulos e sem nenhum efeito, implicando a repetição dos actos viciados.
x) Pelo que deverá ser declarada a nulidade da segunda sessão de audiência de discussão e julgamento realizada em 11.04.2019 e para a qual o arguido não foi notificado, determinando a nulidade da sentença proferida, ordenando a repetição de tais actos com o cumprimento da prévia formalidade de notificação ao arguido que aqui foi omitida.
Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, declarando as nulidades invocadas, determinando a repetição da audiência de discussão e julgamento com o cumprimento das prévias formalidades de notificação ao arguido que foram omitidas, fazendo-se assim a costumada Justiça!».
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O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recorrente, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida, concluindo nos seguintes termos:
«1. O arguido foi regularmente notificado para comparecer na audiência de julgamento, mediante via postal simples com prova de depósito, remetida para a morada constante do Termo de Identidade e Residência (TIR), tudo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 113º, nº 1, alínea c) e nº 3 e 196º, nº 3, alínea c), todos do Código de Processo Penal.
2. O TIR foi prestado a fls. 52, a notificação remetida para a morada aí indicada consta a fls. 138 e a prova de depósito consta do verso.
3. Não tendo comparecido nem apresentado qualquer justificação para a sua ausência, a audiência iniciou-se legitimamente, ao abrigo do disposto no artigo 333º, nº 1 do Código de Processo Penal, pelo que não se verifica a nulidade invocada.
4. Todavia, na audiência realizada no dia 02/04/2019 foi designado o dia 11/04/2019 para continuação da audiência de julgamento - data diferente daquela que estava previamente determinada como segunda data -, com leitura de sentença, não tendo sido ordenada a notificação do arguido para comparecer.
5. Ora, como se refere em Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, “Das disposições do CPP, quer relativas ao processo sumário, quer relativas ao processo comum, parece evidenciar-se que o julgamento só pode realizar-se na ausência do arguido quando haja sido notificado para comparecer e não compareça, apesar de advertido da possibilidade de o julgamento se realizar mesmo que não compareça. Não esqueçamos que nesta matéria a regra é a de que é obrigatória a presença do arguido na audiência (artigo 332º, nº 1 do cód. proc. penal) sendo excepção a realização do julgamento na ausência do arguido. Equacionando o exposto com o direito que o arguido tem de estar presente a todos os actos processuais que lhe digam respeito nos termos do artigo 61º, nº 1, alínea a) e que, mesmo que o julgamento se inicie na sua ausência, mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, nos termos do artigo 333º, nº 3, uma conclusão se impõe, a efectividade desses direitos pressupõe que o arguido seja notificado sempre que, iniciado o julgamento em data para que tenha sido notificado, este continue numa nova data. De outro modo far-se-á letra morta de tais direitos (...)”.
6. A realização da sessão da audiência onde se procede à leitura da sentença sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito e sem que tenha sido tomada qualquer medida para obter a sua comparência, constitui efectivamente a nulidade processual insanável tipificada na al. c) do art. 119º do Código do Processo Penal.
7. E tal nulidade implica necessariamente a invalidade da sessão da audiência de leitura e dos actos que dele dependem, incluindo a própria sentença recorrida, afigurando-se-nos que deve o tribunal proceder à respectiva repetição, depois das diligências de notificação da arguida para comparecimento (artigo 122º nº 1 e nº 2 do Código do Processo Penal).
Razões pelas quais, nestes termos e nos mais de Direito, deve o recurso a que se responde ser julgado parcialmente procedente e, em consequência:
- Ser declarada a nulidade da sessão da audiência onde se procedeu à leitura da sentença, nos termos do disposto no artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal, e dos actos que dele dependem, incluindo a própria sentença recorrida, afigurando-se-nos que deve o tribunal proceder à respectiva repetição, depois das diligências de notificação da arguida para comparecimento (artigo 122º nº 1 e nº 2 do Código do Processo Penal), desse modo se fazendo Justiça!».
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Neste Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta não emitiu qualquer parecer, limitando-se à aposição do respectivo “visto”, nos termos do artº 16º nº 1 do cód. procº penal, (cfr. fls. 351).
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O recurso foi tempestivo, legítimo e correctamente admitido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTOS
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação[1], que, no caso "sub judice", se circunscreve à apreciação da alegada nulidade da audiência de julgamento por falta de notificação para o respectivo acto.
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FACTOS PROVADOS
O Tribunal “a quo” deu como provados os seguintes factos:
1. O prédio rústico denominado “Mato do Forno”, sito em casal da Galharda, que pertencente a V_______, foi por este cedido ao assistente VF______ no ano de 2017, para que ele nele efectuasse uma exploração agrícola nessa campanha;
2. Na sequência, VF_____ efectuou uma cultura de batatas no prédio, incorporando no terreno valor não-inferior a € 20.000,00;
3. Em data não-concretamente determinada, mas entre 11.03.2017 e 18.03.2017, o arguidoM______, tripulando um tractor munido de uma fresa, dirigiu-se ao referido terreno e, conduzindo-o, fresou-o, destruindo as sementeiras ali existentes, agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo o seu comportamento previsto e proibido por Lei;
4. Manuel Guilherme tem por última remuneração declarada a ISS, IP o valor de € 489,08 em 12.2014, declarou início de actividade como profissional independente no sector da agricultura, que mantém aos dias de hoje, é dono de do prédio urbano descrito na matriz sob o nº 1025 (armazém e actividade industrial) com o VPT de € 22.965,35, o prédio urbano com o nº 485 (habitação) com o VPT € 16.909,90, o prédio urbano com o nº 1095 (habitação) com o VPT € 58.849,70, prédio rústico descrito sob o nº 62 da secção O com o VPT € 115,14, prédio rústico descrito sob o nº 138 com o VPT € 38,72, prédio rústico descrito sob o nº 76 com o VPT € 288,47, prédio rústico descrito sob o nº 137 com o VPT 198,60, prédio rústico descrito sob o nº 96 com o VPT € 39,97, todos sediados na freguesia de União de Freguesias de S. Bartolomeu dos Galegos e Moledo e de um ligeiro de passageiros Renault Twingo do ano de 1993, o arguido concorre a duas heranças de acervo desconhecido, e tem por encargos pelo menos os associados à sua subsistência;
5. Não há notícia que M______ haja sido antes condenado por prática criminal;
6. Vítor Fonseca, na plantação que efectuou, acima aludida, aplicou 73 sacas de batata “AGRIA” (para um gasto de € 1.725,72), 12 sacas de batata Manitou (gasto de € 234,00), 230 sacos de adubo (gasto de € 1.617,00), 5 sacas de químico fitossanitário (gasto de € 139,28) e despendeu várias horas na preparação e corte da batata, bem como pelo menos dois dias completos de trabalho, manual e em tractor, para fresar, ripar e semear o terreno, assim deixando a cultura de batata no prédio no estado em que se achava à data em que sucedeu o descrito em Factos Provados 3.);
7. Como consequência directa e necessária da actuação de M______, VF______ perdeu a plantação de batatas que efectuara, incluindo investimento e produto bruto que esperaria da colheita, de € 25.500,00, mas esta receita dependeria ainda da aplicação de químicos e da realização da apanha da batata, em tempo;
8. VF______sofreu perturbação do seu estado emocional e físico, ficou incomodado e desconfortado pelo sucedido.
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Factos Não-Provados
Ainda atendendo à prova produzida, os seguintes factos não resultaram provados:
a) O demandante incorporou no terreno que lhe foi cedido o valor de € 25.500,00, despendeu 120 horas na aquisição e preparação da semente (€ 5,00/hora), 18 horas a semear com o tractor (€ 55,00/hora) e 10 horas (€ 40,00/hora) a ripar o terreno e a fresar.
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Motivação da matéria de facto pelo Tribunal “a quo
«Estriba a decisão do Tribunal quanto aos Factos Provados, acima enunciada, a articulação de todos os meios de prova apresentados em Audiência de Discussão e Julgamento de que resultou algum valor probatório, devidamente articulados com as regras de experiência comum e que permitiram, no seu conjunto, ao Tribunal alcançar as conclusões que infra melhor se fundamentam (arts. 125º, 127º e 355º, a contrario, do cód. proc. penal).
Quanto aos Factos Não-Provados, a decisão assentou na ausência de qualquer prova valorável que tivesse sido produzida nesse sentido, à luz dos mesmos critérios.
O arguido não compareceu a julgamento, não prestou declarações, mas a decisão de facto dificilmente poderia ser mais evidente, atendendo a forma consensual de toda a prova produzida em audiência de julgamento.
O assistente confirmou o relato da acusação integralmente, de forma consistente, circunstanciada e muito persuasiva. Foi secundado pelas testemunhas Vítor Príncipe (proprietário do terreno, como resulta da certidão do registo predial de fls. 117-118, munida do especial valor de prova que deriva do art. 169º do cód. proc. penal), Carla Fonseca (mulher do assistente, que o acompanha na gestão e realização de explorações agrícolas em vários terrenos da região, por isso munida também de conhecimento directo dos factos) e, de forma decisiva, em face da distância face aos sujeitos processuais, nas testemunhas . Estes últimos três depoentes residem nas cercaduras da propriedade e foram testemunhas oculares dos factos, tendo confirmado tanto a exploração lavrada pelo assistente, como a sua completa destruição pelo arguido, nos termos caracterizados na decisão de facto. Estes depoimentos colhem ainda sustentação complementar nos documentos de fls. 15 (foto GOOGLE do terreno) e de fls. 16-22, onde se retrata as marcas da fresa e o estado do terreno depois de M_______o ter fresado.
O valor da exploração de batatas arrasada pelo acusado obtém estribo nos mesmos elementos probatórios, associados ao registo de gastos com a companha de 2017 pelo assistente (cfr. fls. 65-70). No cálculo do valor incorporado no terreno (e, por inerência, da cultura destruída por acção do arguido), temos que os elementos que certificam o investimento realizado, suportados em instrumentos de facturação, quando cotejados com a razão de ciência, robusta, do assistente, de A______ (agricultor), P____ (técnico agrícola) e R_____ (comerciante de produtos hortícolas), no que tange a rentabilidade que seria possível extrair da cultura, emprestam muita segurança à decisão. Considerando a dimensão do terreno (dois hectares em registo, mas com área bastante superior - cfr. fls. 14-22) e o facto de as testemunhas terem considerado unidades de medida diferentes (uns, referindo-se à tonelagem por unidade/kg de colheita em função da área de produção; outros, reportando à proporção entre sacas semeadas e a colheita) convergindo sempre entre patamares idênticos sobre o produto bruto a extrair do terreno, na altura da colheita, levou a que o Tribunal se convencesse cabalmente da medida de comprovação (que reflecte o carácter conservador do nosso juízo probatório, que atendeu a montante ligeiramente inferior ao alegado mas que se ajusta melhor à prova e a forma como despesa de investimento no cultivo e aptidão para gerar lucro se consolidaram). Relativamente ao descontentamento do demandante, gerado pela situação (Factos Provados 8.)), a convicção decorre do contacto que mantivemos com o assistente, com gozo de oralidade e imediação e, bem assim, do testemunho de C______ e dos contornos do incidente, que obviamente são aptos a deixar este tipo de impressão moral.
Decidiu-se, pois, nos termos constantes de Factos Provados 1.) a 3.) e 6.) a 8.) sendo que a consciência intelectual das circunstâncias de entorno e da ilicitude do comportamento adoptado pelo arguido (Item 3.), 2ª parte, da matéria provada) se apoia em regra de experiência comum, atendendo a que constitui uma proposição de inegável mérito (não apenas uma conjectura especulativa) que quem age pela descrita fórmula conhece a reprovação e punibilidade da conduta (cfr. art. 351º do cód. civil).
No que tange insucesso (Item A.) da matéria não-provada), a incomprovação deve-se, desde logo, ao facto de, nessa parte, nos termos confrontado com estimativas: o tempo que tomou cada uma das operações necessárias à realização da cultura não foi cronometrado, ao passo que o valor horário colocado na petição constitui um juízo de arbitramento que não cabe levar à matéria de facto. Por outro lado, se o ganho bruto final do assistente seria superior ao valor que atribuímos à cultura no terreno, da prova decorreu que seriam necessárias outras diligências (incluindo aplicação de fitossanitários e a operação de colheita, sempre laboriosa) que importaria também novos encargos, razão por que existiu também uma medida de fracasso nessa parte.
Factos Provados 4.) estriba-se nos documentos de fls. 146-149, obtidos de bases de dados administrativas de rendimentos e património, ainda cotejados com as declarações do assistente e das testemunhas ouvidas. Por fim, Factos Provados 5.) decorre no CRC junto aos autos, que o comprova com o especial valor probatório que verte do art. 169º do cód. proc. penal».
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DO DIREITO
Como atrás aludimos, os recursos são delimitados pelas conclusões, extraídas da respectiva motivação. No caso concreto, o recorrente veio apenas arguir a nulidade da “segunda sessão de julgamento, realizada em 11.04.2019, bem como os actos que dela dependerem, como é o caso da sentença proferida” (cls. w) para a qual, alega o arguido “não foi notificado”, (cls. x), pedindo por isso a declaração de nulidade da mesma com “a repetição da audiência de discussão e julgamento com o cumprimento das prévias formalidades de notificação ao arguido que foram omitidas, fazendo-se assim a costumada Justiça”.
A questão afigura-se de alguma simplicidade e os factos em causa decorrentes dos autos permitem conceder alguma razão ao recorrente como veremos.
Com efeito, de acordo com o processado, o arguido foi regularmente notificado para comparecer na audiência de julgamento, mediante via postal simples com prova de depósito, remetida para a morada constante do Termo de Identidade e Residência (TIR), - prestado a fls. 52 - tudo efectuado em conformidade com os termos e disposições legais conjugadas dos artigos 113º, nº 1, alínea c) e nº 3 e 196º, nº 3, alínea c), todos do Código de Processo Penal.
A notificação remetida para a morada aí indicada, consta a fls. 138 e a prova de depósito consta do verso.
Está também demonstrado que o arguido não compareceu na 1ª sessão de julgamento em 02.04.2019 (para a qual fora regularmente notificado nos termos descritos) nem apresentou qualquer justificação para a sua ausência, pelo que, o tribunal determinou o início da audiência ao abrigo do disposto no artigo 333º, nº 1 do Código de Processo Penal, inexistindo assim, relativamente à 1ª sessão qualquer irregularidade e por consequência, muito menos a nulidade invocada.
No entanto, o mesmo não se poderá concluir em relação à 2ª sessão, realizada no dia 11/04/2019, na qual foi lida a sentença. Isto, porque na 1ª sessão, para continuação da audiência de julgamento, foi alterada a segunda data previamente designada e que fora notificada ao arguido, alteração essa que não notificada ao arguido para comparecer, confirmando-se assim, a sua alegação de que não foi notificado para comparência na 2ª data, a 11.04.2019.
A regra geral é a da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência (cfr. artº 332º, nº 1 do cód. proc. penal), tendo este o direito de estar presente ou assistir a todos os actos processuais que lhe digam respeito nos termos do artigo 61º, nº 1, al. a) do cód. proc. penal, sendo excepção a realização do julgamento na ausência do arguido. Por sua vez, nos termos do artº 333º do cód. proc. penal, o julgamento só pode realizar-se na ausência do arguido quando este haja sido notificado para comparecer e não compareça, apesar de advertido da possibilidade de o julgamento se realizar na sua ausência.
Compreende-se que assim seja porque, mesmo nos casos em que o julgamento se inicie na sua ausência, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, nos termos do artigo 333º, nº 3, do cód. proc. penal. Tal só é possível, se o mesmo for efectivamente notificado para todos os actos. No caso concreto, houve na verdade um lapso ou omissão de notificação do arguido para a 2ª data que foi alterada, sem lhe dar disso conhecimento.
O que está aqui em causa é apenas a 2ª sessão de julgamento em que foi lida a sentença, sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito e sem que tenha sido tomada qualquer medida para obter a sua comparência, consequentemente, estamos perante uma nulidade processual insanável tipificada na al. c) do art. 119º do Código do Processo Penal.
Tal nulidade implica necessariamente a invalidade da 2ª sessão da audiência e dos actos que dele dependem, incluindo a própria sentença recorrida, impondo-se por isso ao tribunal recorrido proceder à respectiva repetição, depois das diligências de notificação do arguido para comparência (cfr. artº 122º nº 1 e nº 2 do Código do Processo Penal).
O recurso procede neste ponto.
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DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto e decidem declarar a nulidade da segunda sessão de julgamento, incluindo a leitura da sentença, determinando-se a sua repetição, após as devidas notificações ao arguido.
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Sem custas, (artº 513º nº 1 do cód. procº penal).
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Lisboa 24 de Junho de 2020
A. Augusto Lourenço
João Lee Ferreira

[1] - Cfr. Ac. STJ de 19/6/1996, BMJ 458, 98.