FIRMA
PERDA DE DIREITO
PRECLUSÃO
PRAZO
CADUCIDADE
MÁ FÉ
Sumário

I) - Sendo o pedido, não é de anulação, mas de declaração de perda do direito ao uso de firma, na ausência de norma aplicável sobre o prazo previsto no regime do RNPC ou no CSC, não será de aplicar o regime constante do Código Civil, mas, analogicamente, a disposição do art. 215º do Código de Propriedade Industrial de 1995, ao tempo em vigor.
II) Tenha a requerente tolerado ou não, durante um período de cinco anos consecutivos, o uso da firma posterior, não poder deixar de considerar-se, dadas as circunstâncias, que o registo desta foi efectuado de má-fé (com o conhecimento da firma anterior), donde resulta não poder ter-se como precludido por tolerância, o direito da requerente de se opor ao uso da firma.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Notificada da decisão desfavorável, proferida pelo Director-Geral dos Registos e Notariado, no recurso hierárquico (pedido de declaração de perda do direito ao uso da firma “Dr. B……….., SA”), sob o n.º 806613, a Requerente “C…………, Lda” interpôs recurso contencioso dessa decisão, devidamente instruído, para o Tribunal Cível da Comarca do Porto, nos termos do art. 66 e ss. do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovado pelo DL n.º128/98, de 13 de Maio, contra:
Director-Geral dos Registo e Notariado e
“Dr. B………….., SA”,
pedindo a revogação da mesma, com a consequente declaração de perda do direito ao uso da firma “B…………, SA”.
Notificados, ambos os Requeridos apresentaram as suas próprias contra-alegações, pugnando pela manutenção do despacho recorrido do Director – Geral dos Registos e Notariado.
Foi, então, proferida sentença a julgar improcedente o recurso, mantendo o despacho recorrido.

Inconformada, a Requerente “C…………, Lda.” interpôs dessa sentença, o presente recurso, finalizando a sua alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
A. O Tribunal recorrido deu razão à recorrente quanto à questão de fundo, ou seja, considerou confundíveis as denominações sociais em causa e por conseguinte, entendeu violados os princípios da novidade e da exclusividade.
B. No entanto, mau grado se ter pronunciado favoravelmente quanto à questão de fundo, o tribunal recorrido julgou improcedente o recurso contencioso por entender verificar-se a caducidade do direito de reagir da Recorrente.
C. A decisão recorrida ao desconsiderar todos os meios de protecção do direito à firma ou denominação, e por conseguinte não considera todos os meios de reacção destinados a evitar, nuns casos, e a fazer cessar noutros o uso ilegal da firma.
D. Na realidade, a lei prevê duas espécies de meios de protecção da firma, meios preventivos e meios repressivos.
E. Meios preventivos destinam-se a evitar a ilegalidade da composição da firma.
F. De que se destacam, os certificados de admissibilidade de firma que apenas constituem simples presunção de exclusividade, de acordo com o artigo 35.°, n. 2 do RRNPC, é possível ilidir essa presunção, nada impedindo que mesmo uma firma que haja sido considerada admissivel por certificado do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, seja ilegal.
G. Para sancionar essa ilegalidade, a lei estabelece meios repressivos, destinados a fazer cessar e a punir essa ilegalidade ou a ilegalidade do respectivo uso, isto é as acções judiciais:
H. As acções judiciais de declaração de nulidade, e
I. As acções judiciais de anulação de firma, ambas previstas no artigo 35, n.º 4 do RRNPC.
J. E ainda, a acção judicial para exigir a proibição do uso ilegal de uma firma ou denominação, bem como a possibilidade de exigir indemnização pelos danos daí emergentes, prevista no artigo 62.° do RRNPC, sem prejuízo de acção criminal se houver lugar a ela.
K. Nestas acções podendo ainda ser invocada a concorrência desleal nos termos do artigo 317 do CPI (Código da Propriedade Industrial).
L. A decisão recorrida errou, desde logo, ao desconsiderar a diversidade de meios de protecção do direito à firma ou denominação, considerando erradamente que a Recorrente falhou os meios preventivos, quando na realidade não são condição prévia, nem limitam o direito de reacção do interessado.
M. Erra também a decisão recorrida quando sem considerar os meios de reacção possíveis, e sem qualquer fundamentação legal vem dizer que à questão da confundibilidade apenas corresponde a sanção da anulabilidade.
N. E erra quando na ausência de prazo previsto no RRNPC e no CSC vem aplicar o prazo previsto na lei geral.
O. Conforme admite a douta decisão recorrida não estando fixado na lei um prazo para arguir a anulabilidade, admitindo assim a existência de uma lacuna, nunca seria de aplicar o prazo de um ano previsto no artigo 287 do Código Civil, porquanto a existir uma lacuna a mesma teria de ser preenchida pelo recurso à analogia (artigo 10, 1 e 2 do Código Civil),
P. Assim, aos casos omissos as normas que directamente contemplem casos análogos - e só na hipótese de não se encontrar no sistema uma norma aplicável a casos análogos é que deverá proceder de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo.
Q. Dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo.
R. O que imporia atendendo à mesma natureza de sinais distintivos do comércio, além de outros, a denominação social, a marca, o nome de estabelecimento, a insígnia, devam ser aplicadas analogicamente as disposições do artigo 266.° do CPI e (Código da Propriedade Industrial aprovado pelo DL 36/2003 de 5 de Março, cuja redacção é idêntica ao anterior CPI aprovado pelo DL 16/95 de 24 de Janeiro).
S. In casu, a má fé é evidente já que foi o sócio gerente Dr. D……….., na época, sócio gerente de ambas as sociedades, que, em 1998, fez o pedido da denominação posterior, ou seja "Dr. B……….., S.A.", que sabia ser confundível com a sociedade de que também era sócio gerente desde 1979 "C……………, Lda.".
T. Uma vez que desta primeira sociedade fazia parte a actual sócia gerente da Recorrente, de quem o mesmo se estava a separar, aquele pretendeu constituir uma sociedade para a qual pudesse transferir todos os activos da primeira e fazê-la cessar.
U. No entanto, a sociedade recorrente como pessoa colectiva que é, manteve-se.
V. Sendo certo, que só com o falecimento deste em 2001, a sociedade recorrida passou a apresentar-se autonomamente no mercado, passando a concorrer frontalmente com a Recorrente, gerando uma total confusão no mercado que provoca concorrência desleal da autoria da sociedade posteriormente constituída, ou seja a aqui recorrida.
W. Assim, os documentos existentes no RNPC comprovam que foi o sócio D…………… que requereu a denominação posterior, bem sabendo que era em tudo idêntica à anterior, pelo que a violação do princípio da novidade e do exclusivismo foi intencional, e por isso de má fé, tornando o direito a reagir imprescritível.
X. Pelo que, também não teria precludido o direito com base no artigo 267 do mesmo CPI.
Y. Sendo certo que o mesmo prazo prevê o artigo 4, n.º 4 e 5 do actual CPI (em tudo idêntico ao artigo 5 do CPI aprovado pelo DL 16/95 de 24 de Janeiro).
Z. Deste modo inexistindo, à data da constituição da sociedade, fixado na legislação aplicável qualquer prazo de caducidade - como admite a douta sentença recorrida -, restaria a aplicabilidade dos n. 4 e 5 do artigo 4.°, e bem assim ao artigo 266 do C6digo da Propriedade Industrial, para determinar o prazo para o exercício do direito de pedir a anulação da denominação social da Recorrida.
AA. A Recorrente deitou mão do meio repressivo que entendeu adequado, o da proibição do uso da denominação, que é a nosso ver imprescritível, tanto mais que houve má fé no pedido da denominação posterior como se referiu supra.
BB. De resto, estando em causa a violação de imperativos legais, em primeira linha o princípio da novidade e exclusividade consagrado no artigo 35, é evidente que os mesmos têm em vista a defesa do interesse público e não apenas deste ou daquele comerciante, pelo que sempre deveria ser declarada a nulidade da denominação.
CC. Está em causa a utilização dos meios repressivos da protecção do direito à denominação, tendo a Recorrente requerido a declaração de perda do direito ao uso da denominação como prevê o artigo 62.° do RRNPC, que se entende ser um direito imprescritível, à semelhança do regime da nulidade.
DD. Ainda que se entenda que o regime a aplicar é o da anulabilidade, não havendo qualquer prazo fixado na lei, é forçoso concluir pela aplicação do prazo previsto no CPI através do recurso à analogia para colmatar a lacuna como determina o artigo 10 do Código Civil.
EE. Donde se conclui que a Recorrente estava em tempo de exercer o seu direito de reacção contra a denominação registada posteriormente, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida e em sua substituição, ser declarada a perda do direito ao uso da denominação da Recorrida.
FF. A sentença recorrida violou os arts. 3, 33, 35, 37, 60 do RRNPC, 10 do CSC, 10 do CC e 4 e 266 do CPI aplicáveis subsidiariamente e por analogia no caso de se entender aplicável o regime da anulabilidade.
GG. Relativamente à questão de fundo a Recorrente logrou convencer o tribunal recorrido sobre a efectiva confundibilidade das denominações sociais em causa, pelo que a única questão que subsiste é a da tempestividade do direito de reacção da Recorrente.

A Recorrida “B…………, SA” apresentou as suas contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Estamos, como começámos por dizer, diante de recurso da sentença proferida em processo de recurso contencioso interposto de despacho do Director-Geral dos Registos e do Notariado, nos termos do art. 66 e seguintes do DL n.º 129/98, de 13 de Maio.(1)

Duas questões essenciais se colocavam à consideração do Tribunal recorrido:
Primeira: a de saber se houve violação do princípio da novidade consagrado no art. 33 do DL n.º 129/98, invocada pela Requerente “C………….., Lda”, como fundamento da perda do direito ao uso da firma “B…………, SA”;
Segunda: a de saber se a Requerente exerceu em tempo o direito de pedir ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas a declaração de perda do direito ao uso da firma.

À primeira questão, respondeu a sentença, no sentido afirmativo, dando razão à Requerente e contrariando o entendimento do Senhor Director-Geral dos Registos e do Notariado.
À segunda questão, porém, respondeu a sentença, em sentido negativo, nesta parte de acordo com a posição antes expressa no despacho do Senhor Director-Geral dos Registos e do Notariado.

É, portanto, esta segunda questão, a única que constitui objecto do presente recurso.
Elementos disponíveis (os primeiros quatro enunciados na sentença recorrida):
1. Em 20 de Agosto de 1979, o Dr. D………… constituiu com E…………. (com quem viria a contrair casamento em 12 de Setembro de 1979) uma sociedade comercial por quotas denominada “C…………, Lda.”
2. Em 1998, na sequência de divergências pessoais e profissionais com a sua mulher, o Dr. D………. separou-se de facto de E………., instaurou uma acção de divórcio litigioso e constituiu em 27 de Julho de 1998, uma sociedade comercial sob a denominação “B…………, SA”, cujo registo definitivo ocorreu em 29 de Julho de 1998.
3. As duas sociedades têm a sede social na cidade do Porto (Rua …….).
4. O objecto social das supra referidas sociedades comerciais é a prestação de serviços de análises de anatomia patológica.
5. Em 2 de Março de 2004, a Requerente “C…………, Lda”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto, 2.ª Secção, sob o n.º 24782/800116, deduziu junto do RNPC, pedido de declaração de perda do direito ao uso da firma “B……………, SA”.
6. Esse pedido foi indeferido por despacho do Director dos Registos e do Notariado, proferido em 2 de Abril de 2004, notificado á Requerente por carta registada de 12 de Abril do mesmo ano.
7. Interposto (em 14 de Maio de 2004) e recebido o recurso hierárquico, foi proferido despacho de sustentação em 7 de Agosto de 2004.
8. A decisão final do recurso hierárquico foi proferida pelo Senhor Director-Geral dos Registos e do Notariado, em 9 de Agosto de 2004.


Na sentença, considerou-se que a Requerente tinha o prazo de 30 dias após a publicação no Diário da República da notícia da constituição da Recorrida para interpor o competente recurso hierárquico, previsto no art. 63 do DL n.º 129/98, o que não fez. Só em 2004, tendo requerido ao RNPC a declaração da perda do direito ao uso daquela firma, que já existia desde 1988, devidamente registada, com pleno conhecimento da Requerente.
Ora, atendendo a que nem o DL 129/98, nem o Código das Sociedades Comerciais, prevêem prazo para arguir a anulabilidade resultante da confundibilidade das firmas, deverá aplicar-se, à hipótese dos autos, o prazo de um ano previsto no art. 287 do C. Civil.
Acentuando-se que os valores da estabilidade jurídica e comercial, e o próprio conceito de direito à firma, enquanto bem patrimonial, não são compatíveis com a ausência de prazo para a arguição de eventuais irregularidades passíveis de gerar a nulidade ou a anulação de certos actos jurídicos geradores de direitos radicados na esfera jurídica da pessoa colectiva.

Por sua vez, a Recorrente defende, em resumo, que, não fixando, nem o Regime do RNPC, nem o Código das Sociedades Comerciais, qualquer prazo de caducidade do direito de requerer a perda do direito ao uso da firma, a considerar-se, como na sentença, que a violação do principio da novidade ou exclusividade era motivo de anulabilidade, impor-se-ia, a aplicação, por analogia, do regime estatuído no Código de Propriedade Industrial, à luz do qual, não se verificava a caducidade do direito invocado (citam-se os arts. 4, n.º 4 e 5, 266, n.º 4 e 267 do actual CPI).
Em todo o caso, acaba por defender que, visando o estabelecimento do princípio da novidade ou exclusividade a defesa do interesse público e não apenas deste ou daquele comerciante, a sua violação constituiria fundamento de nulidade, sendo imprescritível o direito que pretende exercer.

Importa dar resposta á questão.
Como é sabido, no direito português, o direito a uma firma,(2) com todas as suas prerrogativas, designadamente a exclusividade, depende do seu registo definitivo no RNPC (v. arts. 3 e 35 do Regime do RNPC).
Os meios de tutela do direito á firma são de duas espécies: meios preventivos, destinados a evitar a ilegalidade de composição da firma (3) e meios repressivos, destinados a fazer cessar e a punir essa ilegalidade ou a ilegalidade do respectivo uso.
Entre os primeiros, contam-se os certificados de admissibilidade de firma, emitidos pelo RNPC (art. 45).
Entre os segundos, contam-se as acções judiciais de declaração de nulidade, anulação ou revogação ou a declaração pelo RNPC de perda do direito ao uso da firma (arts. 35, n.º 4 e 60)
Por outro lado, o uso ilegal de uma firma “confere aos interessados o direito de exigir a sua proibição, bem como a indemnização pelos danos daí emergentes, sem prejuízo da correspondente acção criminal, se a ela houver lugar” (art. 62).(4)

A Requerente optou pela via administrativa para requerer a declaração da perda do direito ao uso da firma.
Não recorreu hierarquicamente do despacho que terá sido emitido pelo RNPC a admitir a firma “B………, SA”, para o que teria o prazo legal de 30 dias estabelecido no art. 64 do DL n.º 129/98, nos termos do qual:
“O recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias após a recepção do ofício de notificação ou, nos casos em que o acto recorrido não deu lugar a ofício, após o seu conhecimento pelo recorrente ou, se for o caso, da publicação no Diário da República da notícia da constituição ou alteração da pessoa colectiva”.
Parece-nos, porém, que não lhe estava vedado fazer, como fez: requerer ao RNPC, donde não proveio a iniciativa oficiosa, a declaração de perda do direito ao uso da firma, com fundamento na violação do princípio da novidade, ao abrigo do art. 60, n.º 1 do mesmo diploma legal (fora, portanto, das situações previstas no artigo seguinte) e, perante um despacho de indeferimento, dele interpor recurso hierárquico. (5)
A ser assim, coloca-se, efectivamente, o problema de saber qual o prazo para requerer a declaração de perda do direito ao uso da firma, já que, nem no DL n.º 129/98, nem no Código das Sociedades Comerciais, se encontra qualquer norma que especificamente o preveja.

Entendeu o douto Ac. do STJ de 14-10-2004, de que foi Relator o Ex. m.º Juiz Conselheiro Dr. Araújo Barros, publicado na íntegra em www.dgsi.pt, cuja doutrina secundamos, que:
“A firma e a denominação social representam de facto um sinal distintivo do comércio com a mesma ligação à concorrência que se detecta a propósito dos restantes sinais distintivos”;
“O art. 215 do Código da Propriedade Industrial de 1995 (tal como o art. 123 do CPI de 1940) ao cominar com a caducidade do direito de pedir a anulação de marca posterior a conduta passiva do interessado, que permite, sem oposição visível, que determinada marca seja utilizada, após o seu registo de boa fé, durante mais de 5 anos, é aplicável ao uso ou utilização de outro qualquer sinal distintivo do comércio (nomeadamente a denominação social)” (pontos 5 e 6 do respectivo Sumário).
No nosso caso, em que o pedido não é de anulação, mas de declaração de perda do direito ao uso de firma, julgamos que, na ausência de norma aplicável sobre o prazo prevista no Regime do RNPC ou no CSC, não será de aplicar o regime constante do Código Civil, mas, analogicamente, a disposição do art. 215 do Código de Propriedade Industrial de 1995, (6) no qual, sob a epígrafe “Preclusão por tolerância”, se prescrevia:
“1.O titular de uma marca registada que, tendo conhecimento do facto, tiver tolerado o uso de uma marca registada posterior, durante um período de cinco anos consecutivos, deixará de ter direito, com base na sua marca anterior, a requerer a anulação do registo da marca posterior, ou a opor-se aos seu uso em relação aos produtos ou serviços para os quais a marca posterior tenha sido usada, salvo se o registo da marca posterior tiver sido efectuado de má fé.
2.O prazo de cinco anos previsto no número anterior é de caducidade e conta-se a partir do momento em que o titular conheceu ou devia ter conhecido do facto.
3….” (7)
Em anotação ao art. 267 do actual CPI de 2003 (idêntico ao art. 215 do CPI anterior), escreve José Mota Maia (8) que:
“O princípio da preclusão por tolerância, a que se referem as citadas disposições, vem dar satisfação a uma exigência em matéria de segurança jurídica que visa limitar, pelo menos temporalmente, a possibilidade de propor uma acção de anulação de uma marca registada e usada posteriormente a uma outra de que é idêntica ou semelhante para produtos ou serviços idênticos ou afins.
O facto que está subjacente ao disposto no n.º 1 do artigo 267, em análise, é um conflito de interesses entre o titular de uma marca registada posteriormente e o titular de direitos anteriores em relação àquela, fundamentados em registo de marca anterior.
Nos termos da referida disposição a questão apoia-se no pressuposto de que a marca posterior foi objecto de uso efectivo e difundida no mercado com a aquiescência ou, pelo menos, a passividade do titular dos direitos anteriores no conflito”.
E mais adiante:
“Finalmente, para que o princípio da preclusão por tolerância, previsto no art. 267, em análise, seja aplicável, é imprescindível, que o pedido e o consequente registo posterior tenha sido efectuado de boa fé, o que implica que o referido pedido não se tenha efectuado com o conhecimento ou cognoscibilidade da marca anterior ou não se persiga uma finalidade ilícita ou lesiva dos direitos do titular da marca preexistente”.

No caso concreto, verificamos que decorreu um período superior a cinco anos entre a data do registo da firma “B……….., SA” (29 de Julho de 1998) e a data da apresentação pela Requerente do pedido de declaração de perda do direito ao uso da firma no RNPC (2 de Março de 2004).
Nas circunstâncias apuradas (v. pontos 2 e 3 dos factos disponíveis), podemos concluir que a Requerente conheceu ou devia ter tomado conhecimento do uso da referida firma desde praticamente o seu início.
No entanto, tenha a Requerente tolerado ou não durante um período de cinco anos consecutivos o uso da firma posterior, parece-nos não poder deixar de considerar-se, dadas as ditas circunstâncias, que o registo desta foi efectuado de má fé (com o conhecimento da firma anterior).(9)
Donde resulta não poder ter-se como precludido por tolerância o direito da Requerente de se opor ao uso da firma (cfr. art. 215, n.º 1, parte final, do CPI de 1995).

Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em, no provimento do recurso, revogar a decisão recorrida, declarando a perda do direito ao uso da firma “B………., SA”.
Custas pela Requerida.
A Direcção-Geral dos Registos e do Notariado está isenta de custas, nos termos do artigo 73 do DL n.º 129/98, de 13 de Maio.

Porto, 30 de Outubro de 2006
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingos

_______________________________
(1) Diploma que entrou em vigor no dia 1 do mês seguinte ao decurso de 30 dias sobre a data da sua publicação (art. 13 do DL 129/98).
(2) A firma da sociedade constitui elemento que deve constar do contrato de qualquer tipo de sociedade (cfr. art. 9, n.º 1 al. c) do CSC).
(3) Sobre os requisitos da firma, cfr. art. 10 do CSC.
(4) Acerca dos meios de protecção do direito á firma ou denominação, cfr., entre outros, Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, volume I, 6.ª ed., p. 166 e ss.; Carlos Olavo, Propriedade Industrial, volume I, 2.ª ed., p. 221 e ss.; Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, I volume, 2001, p. 294 e ss.
(5) Dúvida que se poderia levantar seria a de saber se do despacho de indeferimento do pedido de declaração de perda do direito ao uso da firma cabe o recurso hierárquico a que se refere o art. 63 e ss. do Regime do RNPC, face à redacção do n.º 1, parte final daquele artigo. O texto desse número 1 é o seguinte:
“Dos despachos finais que admitam ou indefiram firmas ou denominações, considerem haver ou não obstáculo legal ao registo de nome ou de estabelecimento ou declarem a perda do direito à exclusividade cabe recurso hierárquico para o director-geral dos Registos e do Notariado”.
(6) Em vigor, à data da apresentação do pedido no RNPC.
(7) Como se refere no Parecer aludido no citado Ac. do STJ, a propósito da convocação do preceituado no art. 215 do CPI de 95, para determinar o prazo para o exercício do direito de pedir a anulação da denominação social da ré, “este preceito legal contém um princípio que, expresso apenas para o caso de confronto entre duas marcas, pode, e deve, estender-se ao confronto entre quaisquer outros sinais distintivos. (…) Se a lei admite tal preclusão por tolerância relativamente a marcas (que são, como é sabido, os mais importantes sinais distintivos do comércio), por maioria de razão o há-de admitir relativamente a outros sinais distintivos, como é o caso da firma”.
(8) Propriedade Industrial, volume II, Código da Propriedade Industrial Anotado, p. 482.
(9) Conforme se entendeu no citado Ac. do STJ de 14-10-2004, “no contexto dos sinais distintivos de comércio, a má fé é o conhecimento de que havia marca legitimamente adquirida quando se requereu o registo da denominação social” (ponto 7 do Sumário).