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CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CONCURSO DE NORMAS
CONCURSO DE INFRACÇÕES
RESPONSABILIDADE CONTRA-ORDENACIONAL
Sumário
1 - Não se tendo provado os factos integradores do elemento objectivo do tipo de crime de condução perigosa previsto e punido no artº 291º, nºs 1, als. a) e b) do Código Penal, o que conduziu à absolvição do arguido, mas devendo considerar-se provados os factos (constantes na acusação) integradores dos elementos objectivo e subjectivo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artº 292º, do Código Penal, impunha-se a condenação pela prática deste último crime, apesar de na acusação se imputar ao arguido apenas aquele primeiro crime.
2 - Com efeito, das regras e princípios que norteiam a decisão sobre a unidade e pluralidade de infracção e o concurso de crimes não decorre a impossibilidade de condenação nos termos referidos. Pelo contrário, o concurso aparente, a identificação de uma situação de concurso de normas aparente, visa precisamente impedir que o arguido seja condenado por dois crimes em concurso efectivo, o que, a suceder, violaria o princípio do ne bis in idem. Não visa impedir que seja condenado por qualquer deles quando apenas relativamente a um deles a tipicidade deixa de se poder afirmar face à decisão sobre a factualidade e à impossibilidade de realização integral do tipo imputado como norma prevalecente, de acordo com as regras do concurso. Ou seja, o concurso de normas visa resolver situações de concurso; não situações de unidade de infracção. 3 - A partir do momento em que a conduta – agora a conduta apurada em julgamento – deixou de convocar as duas normas (então numa situação de concurso legal ou aparente), passando tão só a convocar uma delas, é à luz desta norma incriminadora (a norma inicialmente preterida) que a situação de facto deve ser resolvida. 4 - Inexiste agora um concurso (aparente) de normas, passando a corresponder à acção do arguido apenas a norma inicialmente preterida. Aquilo que obstava inicialmente à sua aplicação – a existência de um concurso aparente e de uma norma prevalecente – deixou de existir. 5 – Por outro lado, tomada a decisão de absolvição do crime de condução perigosa, o tribunal deveria então ter procedido à apreciação da responsabilidade contra-ordenacional do arguido (referida na acusação em termos de concurso aparente de normas com o indicado crime de condução perigosa), sendo certo que o art. 20.º do RCCO, em respeito ao princípio constitucional do ne bis in idem do art. 29.º, n.º 5, da CRP, visa impedir o duplo julgamento e a dupla condenação. Ora, inexistindo uma situação de concurso (aparente) de normas, impõe-se a apreciação da responsabilidade contra-ordenacional do arguido, face à matéria de facto provada da sentença.
Texto Integral
Processo n.º 446/19.0GHSTC.E1
Acordam na Secção Criminal: 1. No Processo Sumário n.º 446/19.0GHSTC, da Comarca de Setúbal (Santiago de Cacém), foi proferida sentença a absolver o arguido (…) de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, dos artigos 347.º, n.º 2, do Código Penal; um crime de condução perigosa de veículo rodoviário dos artigos 291.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (em concurso aparente com as contra-ordenações dos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 4.º, n.ºs 1 e 3, 13.º, n.ºs 1 e 5, 14.º-A e 16.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 146.º, alínea l) do Código da Estrada). Foi ainda decidido “consignar que não é admissível a convolação do imputado crime de condução perigosa em crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal”.
Inconformado, recorreu o Ministério Público, concluindo:
“1. Por sentença proferida a 25/10/2019, o tribunal a quo decidiu absolver o arguido (…) da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos artigos 291.º, n.º 1 14.º, n.º 1, 26.º e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e de uma contra-ordenação grave e de uma contra-ordenação muito grave, previstas e punidas nos termos dos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 4.º, n.ºs 1 e 3, 13.º, n.º 1 e 5, 14.º-A e 16.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 146.º, alínea l) do Código da Estrada.
2. Não concorda o Ministério Público com tal decisão, porquanto entende que:
- padece de nulidade por existir uma contradição insanável entre os factos provados e os factos não provados, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal;
- deveria o arguido (…) ter sido condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos do artigo 291.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e, caso assim não se entendesse sempre deveria ter sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, ao invés de ter sido absolvido;
- padece a sentença a quo de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, artigo 20.º do Regime Geral das Contra-ordenações e artigo 134.º do Código da Estrada.
3. Em relação à matéria de facto:
3.1 O tribunal a quo deu como provada a factualidade objectiva do crime pelo qual o arguido vinha acusado, ou seja, os factos atinentes aos elementos objectivos e alguns elementos subjectivos do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, a considerar, como a TAS, a ingestão de bebidas alcoólicas, a circunstância de o arguido não ter cumprido a ordem para parar que lhe foi dada pelo senhor militar da GNR, para se esquivar à respectiva acção de fiscalização devido ao facto de ter ingerido bebidas alcoólicas, que constam nos pontos 10, 11 e 12 da matéria de factos dada como provada.
3.2 No entanto, a sentença deu como não provadas as alíneas b), c) e e) que concernem a elementos subjectivos do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos dos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, apesar da prova produzida impor que os mesmos fossem dados como provados.
3.3 Assim, operou o tribunal a quo uma contradição expressa entre factos provados e factos não provados, pois verifica-se uma antinomia entre eles, já que, dá como provados factos atinentes aos elementos objectivos e subjectivos do crime de condução perigosa de veículo e simultaneamente deu como como não provados elementos subjectivos do tipo, o que acarreta uma nulidade, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal.
3.4 Ora, os elementos subjectivos traduzem-se no resultado lógico a extrair da factualidade provada, devendo ser retirados, por presunção judicial, em conjugação com as regras da experiência comum, da prova e da factualidade provada, pelo que, existe erro notório na decisão dos factos não provados, pelo que, violou a sentença ora recorrida o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
3.5 Mais, atenta a factualidade provada e a factualidade não provada, importa concluir que, o Tribunal a quo empreendeu uma verdadeira inversão de raciocínio ao fazer com que a decisão jurídica ditasse o teor da decisão sobre os factos provados e não provados, quando o método judiciário impõe precisamente o inverso, ou seja, a decisão sobre os factos (provados e não provados) é que deve determinar o enquadramento jurídico e a solução de direito a dar ao caso concreto.
4. Assim, uma vez, corrigida a matéria de facto, dando como provados os factos constantes das alíneas b), c) e e) da matéria de facto não provada, deveria o arguido (…) ser condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos dos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
4.1 Com efeito, o arguido conduzia com uma TAS de 1,454 g/l, e, nesse estado anímico violou grosseiramente as regras estradais no que tange à velocidade e à circulação em rotundas, conduta que potenciou o perigo que a condução em si mesma configura.
4.2 Com efeito, atento ao comportamento do arguido aliado às regras científicas e de experiência comum, torna-se forçoso e evidente concluir que, o arguido criou efectivamente perigo para a vida ou integridade física de todos aqueles que consigo se cruzaram e circulavam na via pública bem como, ainda, para com bens alheios de valor elevado.
4.3 Assim, a conduta do arguido era susceptível de criar um resultado, um dano, ainda que o mesmo não tenha ocorrido, pois tratando-se de um crime de perigo concreto não é exigível a verificação do resultado, pois a sua verificação agrava o crime, mas não é um pressuposto para a sua prática.
5. Ainda que se entendesse que o arguido não praticou um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos dos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, sempre deveria o arguido ter sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
5.1 Com efeito, os aludidos crimes encontram-se em concurso aparente, sendo o crime de condução de veículo em estado de embriaguez consumido pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário. Porém, uma vez que seja afastada a responsabilidade penal pelo crime mais grave, importará verificar da responsabilidade criminal pelo crime consumido, pois que foi afastada a possibilidade de dupla valoração dos mesmos factos e dupla condenação que se pretende salvaguardar com o princípio “ne bis in idem”.
5.2 Deste modo, o arguido conduzia com uma TAS de 1,454 g/l, na via pública, resultando provados na sentença todos os factos atinentes aos elementos objectivos e aos elementos subjectivos do aludido de crime, pois que, trata-se de um crime de dolo genérico.
6. Importa, então, determinar a pena concreta a aplicar ao arguido. Deste modo, para a determinação concreta da pena relevam os critérios insertos nos artigos 70.º e 40.º, n.º 2 do Código Penal, atinentes às necessidades de prevenção geral especial e à medida da culpa.
6.1 Assim sendo, importa referir que as necessidades de prevenção geral são elevadas, atendendo ao alarme social implícito nos crimes que visam a salvaguarda da segurança rodoviária.
6.2 No que concerne às necessidades de prevenção especial, o arguido tem antecedentes criminais pela prática de um crime da mesma natureza, tendo sido julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a que acresce que a conduta do arguido, no seu conjunto, reveste muita gravidade, atendendo a que, apesar da TAS isoladamente considerada não ser muito alta, a esta alia-se um comportamento em completo alheamento das regras estradais.
6.3 Assim, entende-se que a aplicação de uma pena de multa ao arguido ainda satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial, que contudo, deverá situar-se entre o ponto médio e o ponto máximo da pena abstractamente aplicável. Desta forma, julga-se ser adequada e proporcional a aplicação de uma pena de 250 dias, à taxa diária de 6,50 euros, o que perfaz o montante total de €1.625,00 (mil, seiscentos e vinte cinco euros).
6.4 De qualquer modo, caso se entenda ter o arguido praticado o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, entende-se que deve ser aplicada ao arguido a pena de 85 dias de multa, à taxa diária de €6,50, o que perfaz o montante total de € 552,50 (quinhentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos).
6.5 Prevendo ainda a aplicação de sanção acessória de proibição de conduzir, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, entende o Ministério Público que deve a mesma ser aplicada e fixada pelo período de 6 meses.
7. Acresce, no caso dos autos, entendendo o tribunal a quo que o arguido deveria ser absolvido da prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, sempre teria também de se pronunciar em relação à prática de contra-ordenações graves, previstas e punidas nos termos dos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 4.º, n.ºs 1 e 3, 13.º, n.ºs 1 e 5, 14.º-A e 16.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alíneas e) e f) do Código da Estrada.
7.1 Ora, contrariamente ao que foi sufragado pelo tribunal a quo, mesmo que se entenda existir concurso aparente entre tal crime e a aludida contra-ordenação, tal não faz precludir a acusação pela contra-ordenação.
7.2 Com efeito, importa atender que o artigo 20.º do Regime Geral das Contra-ordenações, decorre do princípio constitucional ínsito no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa “ne bis in idem”, visando com o mesmo evitar não só o duplo julgamento, como a dupla condenação.
7.3 Todavia, caso se conclua que a matéria de facto provada não integra o crime de condução perigosa de veículo rodoviário que se encontra em concurso aparente com a contra-ordenação, sempre permanece para ser objecto de apreciação a factualidade contraordenacional. Termos em que, pelo que, se impunha que fosse apreciada a responsabilidade contra-ordenacional.
7.4 Tal decorre justamente da autonomia do Ilícito da Mera Ordenação Social que assim o exige, por revestir um ramo independente, ainda que intrinsecamente correlacionado com o ramo criminal, podendo os factos ser punidos independentemente da punição do crime.
7.5 Nesta conformidade, exigia-se a apreciação da matéria contra-ordenacional, a qual incumbia ao tribunal que procedeu ao julgamento, nos termos do artigo 77.º do Regime Geral das Contra-ordenações e do artigo 132.º do Código da Estrada. Não o tendo feito, incorreu o mesmo em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
Face ao exposto deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência deve a sentença recorrida:
a) ser declarada nula, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal;
e, em consequência
b) serem considerados provados os factos constantes nas alíneas b), c) e e) da matéria de facto não provada;
c) condenar o arguido (…) pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos dos artigos 291.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena 250 dias, à taxa diária de €6,50, o que perfaz o montante total de €1.625,00 (mil, seiscentos e vinte e cinco euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos pelo período de 8 (oito) meses, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; caso assim não se entenda, sempre deveria a sentença,
d) pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 85 dias de multa à taxa diária de €6,50, o que perfaz o montante total de €552,50 (quinhentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 8 (oito) meses, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; e
e) ser, a sentença, declarada nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, e determinar a reabertura da audiência de julgamento, nos termos do disposto no artigo 371.º do Código de Processo Penal para:
- notificar o arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50.º-A do Regime Geral das Contraordenações;
- solicitar à ANSR o registo individual de condutor para aferir da medida da sanção de inibição de conduzir a
- pronunciar-se sobre a prática das contra-ordenações, previstas e punidas nos termos dos artigos 3.º, n.ºs 1 e 3, 4.º, n.ºs 1 3 e 3, 13.º, n.ºs 1 e 5, 14.º-A e 16.º, n.º 1,145.º, n.º 1, alíneas e) e f) do Código da Estrada.”
O arguido não respondeu ao recurso.
Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
2. Na sentença, consideraram-se os seguintes factos provados:
“3. Fundamentação
a. factos provados
i. acusação
1- No dia 05 de outubro 2019, cerca das 04h35, o arguido circulava na Estrada de (…), conduzindo o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula (…) quando o militar (…) da GNR, no âmbito de uma operação de fiscalização, lhe mostrou o bastão luminoso.
2- Então, o arguido, apercebendo-se desse sinal, imprimiu maior velocidade ao veículo que conduzia, continuando a conduzir na direção em que seguia.
3- Ato contínuo, o arguido colocou-se em fuga, sendo sempre seguido pelo veículo da GNR, o qual circulava, em perseguição, com as luzes de marcha de urgência ligadas, fazendo, dessa forma, sinais luminosos.
4- O arguido continuou a conduzir, em direção à rotunda do (…), e chegando à mesma, contornou-a pela esquerda, para ganhar avanço, em relação ao veículo da GNR.
5- O arguido agiu com o propósito de esquivar-se à ação de fiscalização por parte da GNR, porque tinha ingerido bebidas alcoólicas.
6- Durante o percurso, o arguido cruzou-se, pelo menos, com um veículo não identificado, acabando por imobilizar o veículo que conduzia na (…).
7- O arguido circulava com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,454 g/l (um, vírgula, quatro cinco quatro, gramas por litro).
8- O arguido sabia que estava obrigado a parar, o que não fez.
9- O arguido sabia que os senhores militares se encontravam no exercício das suas funções.
10- O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas.
11- O arguido sabia que circulava na rotunda do (…), pela esquerda, e sabia, bem assim, que desse modo incumpria as regras de circulação rodoviária, não se coibindo de o fazer.
12- O arguido agiu sempre livre, esclarecida e deliberadamente, sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.
13- O arguido, por factos praticados a 08 de junho de 2018, no âmbito do processo sumário n.º (…) foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, do Código Penal, por sentença proferida a 9 de julho de 2018, transitada em julgado a 24 de setembro de 2018, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €7,50, perfazendo o montante total de € 450,00(quatrocentos e cinquenta euros), e na pena acessória de proibição de conduz ir veículos motorizados no período de 4 (quatro) meses.
ii. para efeitos de determinação da sanção
14- O arguido trabalha como serralheiro por conta de outrem.
15- Aufere cera de 700€/mês.
16- Vive com a sua mãe a sua esposa e a sua filha.
17- Está a pagar um empréstimo bancário de 180€/mês. .
18- Esporadicamente consome bebidas alcoólicas.
19- Tem o 6.º ano de escolaridade.
20- Possui o antecedente criminal registado assinalado em 13-.
iii. para efeitos de desconto
21- O arguido foi detido entre as 04h54m do dia 5 de outubro de 2019 e restituído à liberdade às 06h40m do mesmo dia.
b. factos não provados
i. acusação
a- Que o arguido continuou a marcha, encontrando-se o senhor militar (…) na faixa de rodagem a mostrar o bastão luminoso, obrigando-o a desviar-se, para não ser atingido no seu corpo, concretamente, na perna esquerda, pelo veículo conduzido pelo arguido.
b- Que o arguido representou que colocava em perigo a vida e a integridade física de quem por ele passasse, o que lhe foi indiferente.
c- Que o arguido sabia que não se encontrava em condições de conduzir veículos com motor em segurança, e que sabia, bem assim, que colocava em perigo a vida e integridade física dos que por ele passavam.
d- Que o arguido sabia que conduzia em excesso de velocidade.
e- Que o arguido, ao proceder nos termos descritos em 4-, sabia que o fazia e conduzia sem que estivesse em condições de o fazer em segurança por se encontrar em estado de embriaguez.
ii. para efeitos de determinação da sanção
Nenhum, com relevo para a decisão.
iii. para efeitos de desconto
Nenhum, com relevo para a decisão.
c. motivos de facto
i. considerações gerais
A prova é apreciada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, de acordo o princípio da «livre apreciação da prova» (cf., artigo 127.º do Código de Processo Penal), princípio que é «direito constitucional concretizado», que há-de traduzir-se numa valoração «racional», «crítica», «lógica» (cf., Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª Ed., UCE, pág. 329).
Em termos gerais, na solução alcançada quanto aos factos provados/não provados, o tribunal procedeu à ponderação da globalidade da prova produzida ou examinada em audi-ência de julgamento:
• testemunhal
Consistente no depoimento de (…), exarado na ata da sessão única de julgamento.
• por declarações do arguido
Consistente nas declarações do arguido quanto às suas condições pessoais, exaradas na ata da sessão única de julgamento, consignando-se que o arguido não prestou declarações quanto aos factos de que vinha acusado.
• documental
Consistente na prova documental indicada na acusação pública – auto de notícia, talão do teste de alcoometria, pesquisa base de dados de SPP e certificado do registo criminal.
Tomou-se em consideração, bem assim, o auto de libertação constante dos autos.
ii. especificação
A convicção do tribunal e as razões que, em concreto, determinaram a decisão da matéria de facto:
• factos provados da acusação
Os factos provados da acusação, começando pelos factos objetivos – ou seja os factos provados 1- a 4-, 6- e 7-, os mesmos nos parecem suficientemente demostrados em face do depoimento de (…), conjugado com ainda com a prova documental dos autos, particularmente o talão do teste de alcoometria no que refere à taxa de álcool no sangue registada pelo arguido O facto provado 5-, entendendo-se que reverte ao motivo da conduta retira-se por mera presunção, em face daqueles factos objetivos apurados.
O que acaba de se dizer é extensível aos factos de índole subjetiva – ou seja, os factos provados 8- a 12- - que, de igual modo, se extraem por mera presunção, à luz das regras da experiência comum, em face da conduta do arguido, na sua objetividade considerada.
O facto provado 13- tem por base o certificado do registo criminal do arguido.
A acusação contém matéria meramente conclusiva e/ou de direito, que, como tal, não consta do acervo de factos provados/não provados, concreta e especificamente a seguinte:
no artigo 1.º. onde se lê lhe deu ordem de paragem;
no artigo 2.º, onde se lê para se furtar à mesma desobedecendo, dessa forma, à ordem de paragem;
no artigo 3.º, onde se lê dirigindo o veículo que conduzia na direção do senhor militar (…); a dar ordem de paragem; o qual, desse modo, criou perigo para a integridade física e vida do militar;
no artigo 4.º, onde se lê, mandando-o parar; ordem que o arguido não respeitou;
no artigo 6.º, onde se lê, circulou sempre em velocidade excessiva, e violando as mais elementares regras de circulação rodoviária em rotundas;
no artigo 7.º, onde se lê criando perigo para a integridade física e vida dos passageiros que circulavam no mesmo, atenta a sua forma de condução;
no artigo 9.º, onde se lê perante a ordem de paragem dada pelos militares da GNR;
no artigo 10.º, onde se lê atuado da forma descrita precisamente por isso, desobedecendo ao sinal de paragem e dirigindo o veículo contra o senhor militar (…), com a intenção de impedir que fosse submetido ao teste do álcool, e, consequente detenção, pois sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas (sendo que esta alegação em parte é em parte é repetição do alegado no ponto 6.º no artigo 11.º, onde se lê ao conduzir com manifesta falta de prudência e cuidado devidos ao exercício da condução de veículos automóveis, violando de forma grosseira as regras de circulação rodoviária;
no artigo 15.º, onde se lê já foi condenado por crime da mesma natureza.
• factos provados para efeitos de determinação da sanção
Tem por base as declarações do arguido e o certificado do registo criminal.
• factos provados para efeitos de desconto
Tem por base o auto de libertação.
• factos não provados da acusação
A formulação do facto não provado a-/ponto 3. da acusação, como já acima deixamos exposto em sede de factos provados da acusação contém uma formulação conclusiva (aproximada da redação do artigo 347.º, n.º 2, do Código Penal, designadamente onde lê «dirigindo o veículo que conduzia na direção do senhor militar (...)), pelo que esse ato de dirigir o veículo que conduzia na direção do senhor militar não se mostra particularmente densificado, em termos factuais, e tal dificulta, logo à partida, a possibilidade de formar convicção a respeito desta matéria.
Sem prejuízo, segundo retiramos do depoimento de (...) o mesmo estaria na berma ou junto à berma da estrada, numa posição, segundo igualmente depreendemos do seu depoimento, protegida ou acautelada face à faixa de rodagem e aos veículos que na mesma circulavam, e assim não se pode concluir, sendo no geral duvidoso, o reproduzido no facto não provado a-, ainda que saiba que o arguido prosseguiu a marcha não obstante aquele sinal que lhe foi exibido (matéria que demos como provada).
A remanescente factualidade não provada (b- a e-), que é de índole subjetiva, simplesmente não possui o corresponde suporte fáctico objetivo, ou seja, a concreta conduta que permita concluir que era esse o estado subjetivo ou aquilo que o arguido efetivamente representou.
• factos não provados para efeitos de determinação da sanção
(Inexistem factos não provados com relevo para a decisão)
• factos não provados para efeitos de desconto
(Inexistem factos não provados com relevo para a decisão)
d. motivos de direito
i. crime de resistência e coação sobre funcionário
Nos termos do art.º 347.º do Código Penal «1 - Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão de um a cinco anos. 2 - A mesma pena é aplicável a quem desobedecer ao sinal de paragem e dirigir contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, veículo, com ou sem motor, que conduza em via pública ou equiparada, ou embarcação, que pilote em águas interiores fluviais ou marítimas, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.»
No tipo de crime em apreço visa-se tutelar a autonomia intencional do Estado.
O tipo objetivo pressupõe, nos termos do nº 1 do normativo em referência, que o crime de resistência e coação sobre funcionário se exerça por meio de violência, violência que tanto pode ser física como psíquica, sendo que o n.º 2 prevê um caso especial de resistência, diretamente relacionada com o exercício da condução e a desobediência ao sinal de paragem.
No tocante ao tipo subjetivo de ilícito, não se exige qualquer intenção específica, sendo suficiente o dolo genérico (artigo 14.º do Código Penal).
Em face da solução de facto alcançada pelo tribunal não se comprova o crime de resistência e coação sobre funcionário, desde logo em termos da tipicidade objetiva, cumprindo notar, não obstante, que também não nos parece conter a acusação a factualidade referente ao preenchimento da tipicidade subjetiva, ou seja, os factos concretizadores de que o arguido sabia e quis dirigir o seu veículo contra o senhor militar E assim sem necessidade de outras considerações se impõe a absolvição do arguido do crime de resistência e coação sobre funcionário de que vem acusado.
ii. crime de condução perigosa
Nos termos do artigo 291.º do Código Penal «1 - Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada: a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.»
Com tipo penal em apreço visa-se proteger a segurança da circulação rodoviária e bens individuais conexos.
No que diz respeito ao tipo objetivo de ilícito, descrevem-se, em suma, os comportamentos que no âmbito da circulação rodoviária se mostram mais suscetíveis de colocar em perigo os bens jurídicos protegidos, quer a falta de condições para a condução (alínea a), do n.º 1, do normativo em referência), quer ainda a violação grosseira das regras de circulação rodoviária (taxativamente elencadas na alínea b) do mesmo preceito).
É pressuposto objetivo do tipo, bem assim, que a conduta crie perigo – para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado –, e, bem assim, que exista nexo de causalidade entre a falta de condições para a condução ou a violação grosseira de regras estradais e o perigo criado.
Quanto à tipicidade subjetiva, este ilícito tanto pode ser praticado a título de dolo, como de negligência, conforme decorre dos n.ºs 3 e 4 do art.º 291.º Os factos provados da acusação, é patente, não permitem concluir pela prática do ilícito criminal em questão.
Mas independentemente da solução de facto alcançada pelo tribunal é em face da acusação pública que não é possível concluir pela prática deste crime.
Ou seja, e no que é de factual, o arguido circular com uma TAS de 1,454 g/l, de ter contornado uma rotunda pela esquerda e de se ter cruzado com outro veículo, não permite concluir por um crime de condução perigosa. Desde logo, qual o perigo concretamente criado pelo arguido?
E assim também se impõe absolvição do arguido do crime de condução perigosa de que vem acusado.
iii. contraordenações
Remanescem as contraordenações citadas na acusação pública, em relação de concurso aparente com o crime de condução perigosa de veículo rodoviário – as contraordenações previstas e punidas nos termos dos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 4.º, n.ºs 1 e 3, 13.º, n.ºs 1 e 5, 14.º-A e 16.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 146.º, alínea l) do Código da Estrada.
Estando em causa uma relação de concurso meramente aparente não é admissível a punição autónoma ou cumulativa a título de crime e de contraordenação, diversamente do que poderia suceder, com efeito, se estivéssemos perante uma situação de concurso real ou efetivo de crime e contraordenação, cf., artigo 38.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações.
Em situações de concurso aparente, como é a situação dos autos, nem mesmo se pode dizer venha o arguido acusado das contraordenações que prefiguram esse concurso, precisamente por ser aparente, pretendendo-se a punição pelo crime e não pelas contraordenações, dito ainda de outra forma, a acusação pelo crime faz precludir a acusação pela contraordenação, posto que, no quadro processual penal, e por exigência do princípio do acusatório, não é admissível a dedução de acusações subsidiárias, atendendo-se a uma na hipótese de improcedência da outra.
Em todo o caso, e para que não exista incerteza ou dúvida neste tocante, deve o arguido ser absolvido, bem assim, das contraordenações de que vem acusado, uma que citadas se mostram na acusação pública, ainda que em relação de concurso aparente com o crime.
iv. da impossibilidade de convolação jurídica para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Ressalta que os factos provados da acusação pública, são enquadráveis num ilícito penal de menor gravidade que o crime de condução perigosa de que o arguido vinha acusado, concretamente o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.
Um parêntesis para notar que não se evidencia a prática de crime de desobediência (artigo 348.º do Código Penal), uma vez que propriamente não está em causa a desobediência a uma ordem no sentido de uma qualquer determinação verbal ou escrita, comunicada ao agente, mas essencialmente, a desobediência a um sinal de paragem o que reverte ao domínio contraordenacional (artigo 4.º do Código da Estrada).
Coloca-se um problema na integração dos pressupostos subjetivos de tal ilícito (do crime de condução de veículo em estado de embriaguez), pois que na acusação não consta que o arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade superior à permitida por lei para o exercício da condução ou em quantidade suficiente para lhe determinar tal taxa de álcool no sangue.
Trata-se de um elemento intelectual do dolo relevante e necessário, e que não pode ser integrado com recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal (nos termos da jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015 (in Diário da República n.º 18/2015, Série I de 2015-01-27).
Mas mesmo que não emergisse esse obstáculo, que efetivamente emerge, o que se disse a respeito das contraordenações citadas na acusação é extensível à possibilidade de condenação por um crime de menor gravidade e que encontra, ele próprio, numa relação de concurso aparente com o crime de condução perigosa. Ou seja, a acusação, materializando a pretensão punitiva do Estado, optou pelo crime mais grave, o que faz precludir a acusação pelo crime menos grave – não é uma questão da mera qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, cumpre deixar claro -, renovando-se o exposto a respeito das contraordenações, que, mutatis mutandis, se aplica igualmente nesta sede.
E assim não é admissível a condenação do arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, por eventual convolação jurídica ou outro termo que se entenda adequado a descrever uma condenação a título subsidiário, que, também por uma questão de certeza e segurança jurídica, importará fazer consignar na presente sentença.
v. custas
Não são devidas custas pelo arguido, nos termos do artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal.
4. Dispositivo
Por todo o exposto, decide-se:
i. absolver o arguido, (…), da totalidade do que vem acusado: da prática, em concurso efetivo e na forma consumada, de: um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido nos termos dos artigos 347.º, n.º 2, do Código Penal; um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos dos artigos 291.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (em concurso aparente com as contra-ordenações, previstas e punidas nos termos dos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 4.º, n.ºs 1 e 3, 13.º, n.ºs 1 e 5, 14.º-A e 16.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 146.º, alínea l) do Código da Estrada);
ii. consignar que não é admissível a convolação do imputado crime de condução perigosa em crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal;.”
3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a apreciar são (a) os vícios da sentença “contradição insanável entre os factos provados, os factos não provados e a decisão” e “erro notório na apreciação da prova” (art. 410.º, n.º 2, al.s b) e c), do CPP) e (b) a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, artigo 20.º do RGCO e artigo 134.º do CE).
Defende o recorrente que a constatação e reparação de tais vícios e nulidade deve redundar, em primeira linha, na procedência da acusação (e consequentemente na condenação do arguido como autor do crime de condução perigosa de veículo rodoviário do art. 291.º, n.º 1, al. a), do CP), e subsidiariamente, no caso de assim não se entender, na condenação do arguido como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (e, neste caso, também das contra-ordenações que lhe haviam sido imputadas na acusação em concurso aparente com o crime de condução perigosa).
Adianta-se que o recorrente tem razão na formulação deste segundo pedido (o subsidiário). A razão acompanha-o, quer quando se insurge contra a absolvição do arguido pelo crime de condução sob o efeito do álcool, quer quando se insurge contra a absolvição do arguido das contra-ordenações imputadas na acusação (então em concurso aparente com o crime de condução perigosa, mas a ausência de condenação por este crime implicaria a autonomização da responsabilidade contra-ordenacional).
A procedência do recurso nos termos ora enunciados decorrerá, no primeiro caso, da constatação e sanação dos apontados vícios da sentença, e no segundo, da constatação da invocada nulidade por omissão de pronúncia.
(a) Dos vícios de sentença: erro notório na apreciação da prova, contradição insanável entre factos provados e factos não provados e entre a fundamentação e a decisão (art. 410.º, n.º 2, als b) e c), do CPP)
Do enunciado introdutório resulta já que a sentença é de confirmar na parte em que absolve o arguido da prática do crime de condução perigosa.
O Ministério Público insurgira-se aqui contra a absolvição, defendendo em recurso que esta decorrera de uma errada decisão sobre a matéria de facto. Este “erro de facto” teria consistido, na visão do recorrente, em o tribunal ter dado como não provados os factos do tipo subjectivo de crime. Factos que, contrariamente ao decidido na sentença, deveriam ter sido dado como provados, pois decorreriam logicamente dos factos objectivos dados já como provados na matéria de facto da mesma sentença.
Assim, e por via da arguição dos vícios de texto (art. 410º, n.2, do CPP), o recorrente impugna a matéria de facto exclusivamente na parte relativa aos factos do dolo (dados como não provados na sentença), nada impugnando quanto a factos (não provados também) que interessariam ao tipo objectivo do mesmo crime.
Refira-se que, quanto a estes (factos do tipo objectivo do crime de condução perigosa), a intervenção da Relação na sindicância da decisão de facto pressuporia sempre uma acção do recorrente, ou seja, uma acção por via da impugnação ampla (art. 412.º, n.º 3, do CPP), já que, oficiosamente, não é aí detectável qualquer vício de texto.
Mas sucede que os factos objectivos dados como provados na sentença não tipificam suficientemente o elemento objectivo do crime em causa. Desde logo, porque foi considerado como não provado um facto essencial à realização do tipo (“Não provado (…) Que o arguido continuou a marcha, encontrando-se o senhor militar (...) na faixa de rodagem a mostrar o bastão luminoso, obrigando-o a desviar-se, para não ser atingido no seu corpo, concretamente, na perna esquerda, pelo veículo conduzido pelo arguido”). E não tendo o recorrente impugnado especificamente o ponto de facto em causa, de nada serve insurgir-se (apenas) contra o juízo de não provado formulado pelo tribunal relativamente aos factos subjectivos. Pois aqui, e na ausência dos primeiros (os objectivos), sempre seria de concluir, como se fez na sentença, que não se tendo provado factos que realizem plenamente o tipo objectivo de crime, fica consequentemente também por demonstrar o querer e o saber de tais factos.
Na verdade, como se mencionou na sentença e como o recorrente também sinaliza, o crime de condução perigosa é um crime de perigo concreto. O art. 291º, n.º1, do CP exige assim a criação de um “perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado”. Impõe a efectiva criação de um perigo, de um perigo em concreto, e não apenas a possibilidade abstracta dessa criação, face a um determinado modo de condução de veículo descrito no tipo.
Assim, sendo de confirmar factualmente a sentença na parte que interessaria ao crime em causa, é também de confirmar juridicamente a decisão de absolvição do arguido, da prática do mesmo crime. Mas de tal não resulta que se mostre acertada a decisão de absolvição total, como, aqui erradamente, se considerou na sentença.
Adiantou-se que o recorrente tem razão quando se insurge contra a absolvição pelo crime de condução sob o efeito do álcool.
Nesta parte, resulta com clareza da sentença que os factos objectivos provados o realizam plenamente. E resulta então, também coerente e logicamente, que factos subjectivos dados como não provados – como seja o de “e- Que o arguido, ao proceder nos termos descritos em 4-, sabia que o fazia e conduzia sem que estivesse em condições de o fazer em segurança por se encontrar em estado de embriaguez” – deveriam ter sido considerados como suficientemente demonstrados, uma vez que se retiram, de acordo com regras de racionalidade, de lógica e de normal acontecer, dos factos objectivos dados já como assentes. E, nesta parte, ocorreu erro notório na apreciação da prova.
Adite-se que, para além deste erro, a sentença é também de corrigir no que respeita a outros enunciados de facto, que se apelidaram como meramente “conclusivos ou de direito”.
E merece ainda correcção na parte em que considerou que os factos necessários à realização do tipo subjectivo de crime “condução sob o efeito do álcool” não se encontravam suficientemente imputados na acusação. Estes factos não só se encontravam suficientemente articulados na acusação, como até foram já, na quase totalidade, dados como provados na sentença. E na parte ainda não dada nem como provada nem como não provada, foram ali impropriamente considerados como conclusivos, abstendo-se o tribunal de os apreciar. A sentença é pois de censurar nesta parte, e é-o duplamente.
Por um lado, conclusivos ou não, inexiste qualquer proibição legal de inserção de “factos conclusivos” na matéria de facto da sentença, os quais se mostram por vezes necessários à melhor compreensão do episódio de vida que se apreia. Despir a matéria de facto de tais “enunciados linguísticos descritivos de acções” (que é o que são os factos da sentença, na expressão de Perfecto Inabnez) pode, em concreto, redundar até num prejuízo para a compreensão dos factos na sua globalidade e, depois, para a melhor aplicação do direito do caso. O que a matéria de facto não deve e não pode é incluir apenas factos conclusivos, ou seja, conclusões retiradas de descrições de realidade a que não se procedeu previamente. Em suma, à ponderação, selecção e redacção dos factos em concreto subjaz sempre um princípio de bom senso, transversal a toda a decisão.
Também no que respeita a matéria de facto da acusação não apreciada factualmente por alegadamente conter “matéria de direito”, a sentença merece censura. Mais uma vez, impunha-se uma avaliação em concreto e sempre com a noção de que inexistem espartilhos rígidos na definição da fronteira entre “facto” e direito” (fronteira difícil de delimitar, como ensina Castanheira Neves na lição mestra “Questão de facto, Questão de direito”). E ainda com a noção de que a linguagem jurídica e a linguagem comum se intercomunicam em muitos pontos, contagiando também a terminologia jurídica a linguagem comum, com repercussões na própria descrição da realidade que se julga, nos factos da sentença.
Na sentença fez-se constar que: “A acusação contém matéria meramente conclusiva e/ou de direito, que, como tal, não consta do acervo de factos provados/não provados, concreta e especificamente a seguinte: no artigo 1.º. onde se lê lhe deu ordem de paragem” – mas “dar ordem de paragem” não significa a acção de mandar parar, a qual se encontra minimamente descrita deste modo na acusação e pode ser melhor concretizada na sentença, se o tribunal o entender necessário (por via do mecanismo previsto no art. 358º do CPP)? – “no artigo 3.º, onde se lê dirigindo o veículo que conduzia na direção do senhor militar (...)” – mas tal não representa claramente a descrição de uma acção? – “o artigo 4.º, onde se lê, mandando-o parar, ordem que o arguido não respeitou” – idem, e o mesmo se diga relativamente ao “artigo 10.º, onde se lê actuado da forma descrita precisamente por isso, desobedecendo ao sinal de paragem e dirigindo o veículo contra o senhor militar (...), com a intenção de impedir que fosse submetido ao teste do álcool, e, consequente detenção, pois sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas (sendo que esta alegação em parte é em parte é repetição do alegado no ponto 6.º no artigo 11.º, onde se lê ao conduzir com manifesta falta de prudência e cuidado devidos ao exercício da condução de veículos automóveis, violando de forma grosseira as regras de circulação rodoviária.”
Estes enunciados linguísticos desconsiderados pelo tribunal num pretenso rigor injustificado, encontravam-se precedidos e suportados por outros enunciados linguísticos descritivos de acções (estes, factos em sentido mais “puro”), completando-os num concreto encadeamento lógico, e tornando-os mais perceptíveis até.
Vejamos então a matéria de facto dada já como provada na sentença, completada depois com os dois pontos de facto “novos”, a integrar também a matéria de facto provada por via da sanação do erro notório na apreciação da prova ora detectado.
Consta da matéria de facto provada que:
“7- O arguido circulava com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,454 g/l (um, vírgula, quatro cinco quatro, gramas por litro).
8- O arguido sabia que estava obrigado a parar, o que não fez.
9- O arguido sabia que os senhores militares se encontravam no exercício das suas funções.
10- O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas.
11- O arguido sabia que circulava na rotunda do (…), pela esquerda, e sabia, bem assim, que desse modo incumpria as regras de circulação rodoviária, não se coibindo de o fazer.
12- O arguido agiu sempre livre, esclarecida e deliberadamente, sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.”
A estes pontos de facto da sentença (7. a 12.) deve aditar-se o enunciado indevidamente dado como não provado “e- Que o arguido (…) sabia que conduzia sem que estivesse em condições de o fazer em segurança por se encontrar em estado de embriaguez” e o enunciado indevidamente não apreciado “com a intenção de impedir que fosse submetido ao teste do álcool”, aditamentos que ora se determinam, por corresponderem à realidade da prova, de acordo com o texto da própria sentença. Note-se que estes aditamentos nem seriam imprescindíveis à correcta decisão de direito, ou seja, à realização plena do tipo de crime condução sob o efeito do álcool, pois os factos do dolo já integravam minimamente (e suficientemente) a matéria de facto provada.
Da análise do texto da sentença, do modo exposto, justifica-se que os dois pontos novos passem a integrar a matéria de facto provada. Pois resulta claramente de todos os factos ali dados como provados (designadamente os acabados de transcrever) que o arguido agiu objectivamente como agiu, para evitar ser submetido ao teste do álcool. E resulta também dos factos provados que subjectivamente sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que, por essa razão que conhecia, sabia estar influenciado pelo álcool. Sabia que não se encontrava em condições de conduzir, tendo querido agir da forma como agiu. Por último, lê-se também nos factos provados que “o arguido agiu sempre livre, esclarecida e deliberadamente, sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei penal” .
Tem, por tudo, inteira razão o Ministério Público quando se insurge contra a decisão de absolvição do crime de condução sob o efeito do álcool, uma vez que os factos provados o realizam plenamente.
Aliás, já o realizavam, como se disse, pois na sentença já se dera como provado que “o arguido circulava com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,454 g/l” ou seja, que o arguido conduzia um veículo automóvel na via pública com uma taxa de alcoolemia superior a 1,20 gramas/litro. E que sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que, por esse motivo, sabia não se encontrava em condições de conduzir veículos com motor em segurança,mais sabendo que o fazia e conduzia sem que estivesse em condições de o fazer em segurança por se encontrar em estado de embriaguez, que agiu sempre livre, esclarecida e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.
Face a estas conclusões retiradas pelo tribunal a quo ao nível da factualidade (e ainda reforçadas factualmente agora também por via da sanação do erro notório na apreciação da prova), impunha-se a condenação por crime de condução sob o efeito do álcool. O que, a não ter ocorrido, tendo antes sido proferida absolvição, revela contradição entre os factos provados e a fundamentação e a decisão.
Note-se que as duas justificações de direito apresentadas também não colhem Foram elas a de que do AUJ do STJ n.º 1/2015 decorreria a impossibilidade de recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do CPP para aditamento dos factos do dolo e a de que do concurso aparente entre os dois crimes (de condução perigosa e de condução sob o efeito do álcool) decorreria a impossibilidade de condenação pelo crime imputado em “segunda linha” na acusação, em caso de absolvição pelo primeiro.
Na verdade, por um lado, o dolo (e todo o tipo subjectivo da condução sob o efeito do álcool), embora factualmente descrito de um modo mais orientado para o crime de condução perigosa, encontrava-se já suficientemente descrito, factualmente, na acusação do Ministério Público. E a acusação incluía também os factos subjectivos da condução sob o efeito do álcool. Logo, não faz sentido a referência ao AUJ do STJ em causa, pois a situação ali censurada era precisamente a oposta à que, concretamente, ocorria aqui.
Por outro lado, das regras e princípios que norteiam a decisão sobre a unidade e pluralidade de infracção e o concurso de crimes não decorre a impossibilidade de condenação nos termos propalados na sentença. Pelo contrário, o concurso aparente, a identificação de uma situação de concurso de normas aparente, visa precisamente impedir que o arguido seja condenado por dois crimes em concurso efectivo, o que, a suceder, violaria o princípio do ne bis in idem. Não visa impedir que seja condenado por qualquer deles quando apenas relativamente a um deles a tipicidade deixa de se poder afirmar face à decisão sobre a factualidade e à impossibilidade de realização integral do tipo imputado como norma prevalecente, de acordo com as regras do concurso. Ou seja, o concurso de normas visa resolver situações de concurso; não situações de unidade de infracção.
Na acusação, a conduta descrita e ali imputada era susceptível de, em abstracto, convocar os dois tipos de crime: crime de condução perigosa e crime de condução sob o efeito do álcool. Ao comportamento imputado eram, em abstracto, aplicáveis duas normas incriminadoras que, encontrando-se numa determinada relação logico-jurídica, exigia que só uma delas fosse aplicável, excluindo a aplicação da outra. A norma prevalecente afastava então a aplicação da norma preterida, pois aquela já avaliava esgotantemente a concreta ilicitude e culpa do arguido. E daí configurar-se uma situação de concurso legal ou aparente. De acordo com o art. 30.º do CP, cumpria determinar o crime efectivamente cometido pelo arguido, e as regras do concurso determinaram, correctamente, a opção tomada pelo acusador na acusação.
A partir do momento em que a conduta – agora a conduta apurada em julgamento – deixou de convocar as duas normas (então numa situação de concurso legal ou aparente), passando tão só a convocar uma delas, é à luz desta norma incriminadora (a norma inicialmente preterida) que a situação de facto deve ser resolvida.
Inexiste agora um concurso (aparente) de normas, passando a corresponder à acção do arguido apenas a norma inicialmente preterida. Aquilo que obstava inicialmente à sua aplicação – a existência de um concurso aparente e de uma norma prevalecente – deixou de existir.
Consigna-se, por último, que se encontram amplamente salvaguardados os princípios do acusatório, do contraditório e os direitos de defesa do arguido. Não só a identificação do tipo de crime de condução sob o efeito do álcool constava já da acusação, como, em recurso, o Ministério Público renovou a sua “imputação”, tendo sido dada ao arguido a possibilidade de sobre ela se pronunciar.
Realizando a conduta do arguido o crime do art. 292.º, n.º 1, do CP, importa então determinar a pena adequada à ilicitude e à culpa.
No pensamento de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005), acompanhado por Anabela Rodrigues (A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995), toda a pena prossegue finalidades exclusivamente preventivas.
“Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial; a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral I, Coimbra Editora, 2004, p.81).
A prevenção geral positiva ou de integração apresenta-se como a finalidade primordial a prosseguir com as penas, não podendo a prevenção especial positiva pôr em causa o mínimo de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, tendo a culpa como limite.
O Ministério Público defende em recurso a aplicação de uma pena principal de 85 dias de multa, à taxa diária de €6,50, o que perfaz o montante total de € 552,50, atentas as necessidades de prevenção geral, que considera elevadas. No que respeita à prevenção especial, destaca os antecedentes criminais pela prática de um crime da mesma natureza (tendo o arguido sido julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez do art. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do CP), e a conduta no seu conjunto, com a gravidade acrescida pelo comportamento geral de alheamento de outras regras estradais. Em seu entender, a aplicação de uma pena de multa ainda satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial, e deverá situar-se entre o ponto médio e o ponto máximo da pena abstractamente aplicável. No que respeita à pena acessória de proibição de conduzir, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, entende o Ministério Público que deve a mesma ser aplicada e fixada pelo período de 6 meses.
Não se vê razão para não acompanhar a proposta de pena apresentada pelo recorrente, a qual satisfaz as exigências de prevenção geral e especial e contém-se no limite da culpa do arguido.
Assim, perante pena abstracta compósita alternativa – prisão ou multa –, justifica-se a opção multa, respeitando o dispositivo nuclear do art. 70º do CP, e uma vez que esta realiza no caso, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Também o quantum se revela adequado à situação económica do arguido.
O mesmo se diga relativamente à medida da pena acessória, justificando-se a aplicação do período temporal de seis meses de proibição, tendo designadamente em conta que na condenação anterior pela prática de crime da mesma natureza fora já fixada ao arguido uma proibição de conduzir por quatro meses, período de tempo que se revelou insuficiente para prevenir a recidiva.
Tendo em conta que, por um lado, “à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa” e que “deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português II, As consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 165); e que, pelo outro, a moldura (da proibição de conduzir veículos com motor) é, no caso, de três meses a três anos, a pena agora fixada ainda se situa bastante próximo do mínimo.
(b) Da nulidade de sentença por omissão de pronúncia e da responsabilidade contra-ordenacional (art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, artigo 20.º do RGCO e artigo 134.º do CE).
Esgotado o conhecimento da responsabilidade penal do arguido, agora conhecida, nessa parte, em definitivo, não se encontra, porém, esgotado o conhecimento do objecto do processo.
O Ministério Público recorrente argui a nulidade de sentença por omissão de pronúncia argumentando que “entendendo o tribunal a quo que o arguido deveria ser absolvido da prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, sempre teria de se pronunciar em relação à prática de contra-ordenações graves, previstas e punidas nos termos dos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 4.º, n.ºs 1 e 3, 13.º, n.ºs 1 e 5, 14.º-A e 16.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alíneas e) e f) do Código da Estrada”. E que, “contrariamente ao que foi sufragado pelo tribunal a quo, mesmo que se entenda existir concurso aparente entre tal crime e a aludida contra-ordenação, tal não faz precluir a acusação pela contra-ordenação”.
Como se adiantou de início, e como resulta do explanado a propósito do concurso aparente entre os dois crimes tratados supra, tomada a decisão de absolvição do crime de condução perigosa, o tribunal deveria então ter procedido à apreciação da responsabilidade contra-ordenacional do arguido. Apreciação a que não procedeu, mas indevidamente.
Com efeito, e como refere o recorrente, o art. 20.º do RCCO, em respeito ao princípio constitucional do ne bis in idem do art. 29.º, n.º 5, da CRP, visa impedir o duplo julgamento e a dupla condenação. Ora, inexistindo uma situação de concurso (aparente) de normas, impõe-se a apreciação da responsabilidade contra-ordenacional do arguido, face à matéria de facto provada da sentença. Ora, a factualidade contraordenacional. Termos em que, pelo que, se impunha que fosse apreciada a responsabilidade contra-ordenacional. Como o recorrente também referiu, tal decorre da autonomia do ilícito da mera ordenação social que assim o exige, podendo (e, em concreto, ) os factos ser punidos independentemente da punição do crime.
É, pois, de acompanhar o Ministério Público na conclusão que formula, de que “exigia-se a apreciação da matéria contra-ordenacional, a qual incumbia ao tribunal que procedeu ao julgamento, nos termos do artigo 77.º do Regime Geral das Contra-ordenações e do artigo 132.º do Código da Estrada. Não o tendo feito, incorreu o mesmo em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.”
Nesta parte, a sentença é, pois, nula, nulidade que a Relação não se encontra em condições de suprir de imediato, devendo haver lugar ao cumprimento do art. 172.º do CE.
Deverão assim os autos prosseguir na primeira instância, para conhecimento da responsabilidade contra-ordenacional do arguido, assim se suprindo a nulidade detectada na sentença.
4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso, e em consequência, decidem: a) em matéria crime
- alterar a matéria de facto, passando a integrar os factos provados da sentença os enunciados “com a intenção de impedir que fosse submetido ao teste do álcool” e “o arguido sabia que conduzia sem que estivesse em condições de o fazer em segurança por se encontrar em estado de embriaguez”;
- condenar o arguido como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez do art. 292.º, n.º 1, do CP, na pena de 85 dias de multa, à taxa diária de €6,50 (total de € 552,50) e na pena acessória de 6 meses de proibição de conduzir ( art. 69.º, n.º 1, al. c), do CP); b) em matéria contra-ordenacional
- anular a sentença por omissão de pronúncia na parte relativa ao conhecimento da responsabilidade contra-ordenacional;
- determinar que os autos prossigam nessa parte (para conhecimento da responsabilidade contra-ordenacional), dando-se designadamente cumprimento ao art. 172º do CE.
Custas pelo arguido, que se fixam em 4UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP)
Évora, 14.07.2020 (Ana Barata Brito)
(Carlos Berguete)