LOCAL DE TRABALHO
COMPETÊNCIA
NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
CONTRATO-TIPO
ALTERAÇÃO
PREVISIBILIDADE
Sumário


i) o local de trabalho delimita o espaço geográfico onde o trabalhador está adstrito ao cumprimento da obrigação de prestar a sua atividade e o empregador de a exigir, por um lado, e pelo outro, o espaço onde o empregador está adstrito à obrigação de receber a prestação, sem alteração unilateral, fora dos casos previstos na lei e ao trabalhador organizar a sua vida pessoal e familiar.
ii) o legislador, ao prescrever que o trabalhador deve, em princípio, exercer a atividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, está a dizer claramente que se for acordado um local de trabalho especificamente delimitado, o trabalhador deve exercer a sua atividade nesse espaço, podendo, excecionalmente, prestar a sua atividade fora do local acordado em casos devidamente justificados.
iii) O legislador quis e quer evitar a arbitrariedade ou unilateralidade impositiva do empregador, pelo que a partir do momento que é acordado o local de trabalho, a sua alteração definitiva só pode ser efetuada por acordo.
iv) a extensão geográfica do local de trabalho não se reconduz necessariamente a falta de determinação.
v) no chamado contrato de trabalho tipo ou de adesão, o empregador elabora previamente um contrato de trabalho, que apresenta ao trabalhador sem que este possa negociar ou influenciar as cláusulas contratuais, limitando-se o seu poder negocial a aceitar ou rejeitar. Este tipo de contratos revela um patente desequilíbrio negocial e ficam por isso sob a alçada do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
vi) é proibida e por isso nula, a cláusula inserta nos contratos de trabalho dos trabalhadores em que se estipula: “atenta a natureza da atividade desenvolvida pela primeira contraente, a prestação do trabalho pelo segundo contraente ocorrerá em toda a zona de exploração daquela; para efeitos, meramente administrativos, o segundo contraente ficará afeto, por ora, à zona de tráfego de Ribatejana, podendo, porém, vir a ser afeto a outra, de acordo com o disposto no número anterior”, em virtude de ser de tal modo abrangente, vaga e imprevisível, que a qualquer momento a alteração de local pode comprometer a vida pessoal do trabalhador, sem justificação razoável e atendível (sumário do relator)

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: STRUP - Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (autor).
Apeladas: Barraqueiro Transportes, SA e Ribatejana Verde - Transportes Rodoviários de Passageiros, Unipessoal, Lda (rés).

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Santarém, Juiz 1.

1. O A. veio intentar a ação declarativa, sob a forma de processo comum contra as rés e pede a condenação das rés a:
a) Anular as cláusulas relativas ao local de trabalho inscritas nos contratos individuais de trabalho de todos os trabalhadores motoristas associados do autor por indeterminação do local, demasiada amplitude geográfica, nos termos do artigo 22.º n.º 1 al. n) e artigo 15.º do DL.446/85 de 15/10, artigo 280.º do CC; artigo 105.º do CT e cláusula 16.ª do CCT.
b) Inserir em cada contrato de trabalho de todos os trabalhadores motoristas associados do autor uma cláusula com a indicação de um único local de trabalho concreto e determinado;
c) Cumprir o conteúdo integral da cláusula 16.ª do CCT aplicável à relação de trabalho entre as rés e os associados do autor, publicado no BTE n.º 48 de 29.12.15.
Alegou, em síntese, que nos contratos de trabalho celebrados entre as rés e os seus associados o local de trabalho não se encontra suficientemente determinado, o que leva a que os trabalhadores possam iniciar e terminar o serviço sempre em sítios diferentes, gerando incerteza na organização da vida pessoal e falta de segurança no emprego.
Alega que a ré não disponibiliza transporte aos motoristas para se deslocarem para os locais onde iniciam ou terminam o serviço e não pagam deslocações, pelo que os motoristas são obrigados a fazer deslocações diárias em transportes próprios de dezenas ou mesmo centenas de quilómetr-os às suas custas exclusivas.
Alega ainda que os contratos de trabalho não são negociados, sendo que apenas é admitido a trabalhar com as rés quem aceitar as condições previamente definidas.
Realizada a audiência de partes, não foi possível a obtenção de acordo.
A ré contestou e alegou, em suma, que:
O recrutamento é efetuado pela ré BT em função das necessidades de cada zona operacional, sendo prestada informação aos candidatos da zona (denominação e zona geográfica abrangida).
Até meados de 2015 os contratos celebrados pela ré BT continham uma cláusula onde se mencionava a zona operacional onde o motorista exerceria a sua atividade.
De meados de 2016 até à atualidade, a cláusula relativa ao local de trabalho nos contratos de trabalho que a ré BT tem vindo a celebrar com os motoristas admitidos para as zonas operacionais “Mafrense”, “Boa Viagem” e “Barraqueiro Oeste” com seguinte conteúdo: “O Segundo Contraente é contratado para prestar o trabalho na zona de tráfego denominada “Boa Viagem” cuja atividade se desenvolve com predominância, na área dos municípios de Alenquer, Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira, pelo que ele poderá iniciar, reiniciar ou terminar a sua jornada de trabalho em qualquer ponto dessa zona”.
Relativamente aos motoristas contratados em data anterior a 2016, a ré RBV tem restringido a três estações/bases de tráfego a área geográfica da prestação do trabalho inicialmente contratada, desde que eles nisso manifestem interesse.
O local de trabalho dos motoristas das rés está suficiente e claramente indicado e determinado nos respetivos contratos de trabalho, correspondendo ao centro estável ou predominante do desenvolvimento da atividade laboral de cada um;
A esta forma de definição do local de trabalho tão-pouco pode afirmar-se excessivo e desproporcionado, tendo em atenção, desde logo, o tipo e as caraterísticas da atividade contratada, que não se compadece, nem se ajusta, com a fixação de um local de trabalho limitado a um lugar ou uma localidade, como pretendido pelo autor.
As rés disponibilizam transporte em veículo da empresa e remuneram o tempo necessário às deslocações quando determina a prestação de serviço fora da respetiva área habitual e preponderante.
Foi proferido despacho saneador no qual foi fixado o objeto do litígio, bem como os temas da prova, não tendo havido reclamações.
Realizou-se audiência de julgamento, como consta da respetiva ata.

Após, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu as rés do pedido.

2. Inconformado, veio o A. interpor recurso motivado com as conclusões que se seguem:
1. A sentença fez uma incorreta interpretação dos factos provados e uma deficiente aplicação do Direito aos mesmos, (factos provados sob os pontos 6, 7, 10, 11, 15, 16, 17, 18, 28, 29, 33, 34, 35, 37, 38, 39 e 42) e violou o artigo 193.º do CT, artigo 22.º n.º 1 al. n) e artigo 15.º, ambos do DL. 446/85, de 15/10, artigo 280.º do CC, artigo 105.º do CT e Cláusula 16.ª do CCT.

A) Da nulidade das cláusulas dos contratos de trabalho por indeterminabilidade

2. O local de trabalho é o correspondente à “zona de exploração” ou à “zona de tráfego” ou à “zona operacional” das RR., sendo certo que estas zonas são constituídas em função da tipologia dos serviços que visam prestar e da área geográfica que ocupam.
3. A tipologia dos serviços prestados tem a ver com os serviços concessionados, serviços ocasionais e serviços dos transportes públicos, enquadrando-se nas zonas de exploração das RR., sendo certo que, nessa medida, o local de trabalho dos motoristas pode abranger todo o território nacional, pois estas têm como zona de exploração – se somarmos todas as zonas das RR. - praticamente todo o país, podendo mesmo a zona de exploração ser fora de Portugal tendo em conta que os serviços ocasionais podem sair do país.
4. Nunca se pode considerar que o local de trabalho nestes casos seja determinado, pois a indeterminação é a sua caraterística essencial, uma vez que não está especificado um lugar físico concreto e determinado.
5. O ponto 2. da cláusula contratual constante do facto 28 não torna determinado o local de trabalho uma vez que refere que o trabalhador “ficará afeto, por ora, à zona de tráfego da Ribatejana podendo, porém, vir a ser afeto a outra de acordo com o disposto no número anterior”.
6. A referida cláusula considera que a prestação do trabalho ocorrerá em toda a zona de exploração da R., o que é evidentemente indeterminado, mas depois o ponto segundo da mesma cláusula remete de novo para este ponto primeiro, com a agravante de que o ponto segundo refere que o trabalhador só ficará afeto à zona de tráfego da Ribatejana, para efeitos “meramente administrativos”, o que não é manifestamente o caso do local de trabalho uma vez que este não é um aspeto meramente administrativo mas um dos aspetos essenciais do contrato de trabalho.
7. Ora, é a vacuidade, imprecisão e indeterminabilidade das cláusulas indicativas do local de trabalho, e ainda-por-cima abrangendo uma área geográfica indefinida, que verdadeiramente as carateriza e as tornas ilegais.
8. Assim, a única conclusão óbvia e correta a retirar de tais considerações seria a de que o local de trabalho padece de indeterminação, sendo certo que tal indeterminação conduz inevitavelmente à conclusão de que tal é ilegal e por conseguinte ilegais são as cláusulas que o abordam.
9. Nada existe nos autos que invalide ou negue o acerto da interpretação de que é notória e clara a indeterminação do local de trabalho constante das cláusulas em abordagem.
10. O facto de o local de trabalho não estar bem definido, delimitado ou determinado nos contratos de trabalho, atribui às RR. um poder arbitrário prenhe de ilegalidade, sendo que tal indeterminação causa inúmeros e óbvios prejuízos aos trabalhadores, sendo o económico naturalmente o mais evidente.

B) Da conformidade das cláusulas dos contratos de trabalho com o CCT aplicável

11. A cláusula 16.ª n.º 1 do CCT é absolutamente clara quando determina que se considera local de trabalho “aquele para onde o trabalhador foi contratado”, sendo que tal referência explicita a apenas um único local de trabalho não pode ser ignorada ou desvalorizada.
12. Com efeito, a cláusula do CCT refere-se ao local de trabalho, no singular, e não aos locais de trabalho, no plural, sendo certo que a referida cláusula teve em vista a condição dos motoristas e aplica-se a estes.
13. Com efeito, estamos perante um CCT aplicável aos motoristas de autocarros coletivos de passageiros, as RR. são empresas de transportes coletivos de passageiros e os trabalhadores em causa são motoristas de transportes coletivos dessas empresas, os quais são associados do STRUP, sindicato que os representa.
14. Também neste particular só pode concluir-se que as cláusulas dos contratos de trabalho que abordam a matéria do local de trabalho não revestem qualquer coerência ou conformidade com o disposto na cláusula 16.ª do CCT, violando-a.

C) Da invalidade das cláusulas dos contratos de trabalho por serem relativamente proibidas

15. Estamos perante contratos de adesão, sendo que o artigo 22.º n.º 1 al. n) do DL. 446/85 de 15/10 determina que são proibidas as cláusulas contratuais gerais que “fixem locais, horários ou modos de cumprimento despropositados ou inconvenientes”.
16. As cláusulas que abordam o local de trabalho fixam locais de trabalho despropositados uma vez que aqueles são indeterminados, demasiado amplos geograficamente, vagos e imprecisos, e por isso ilegais, atribuindo às RR. um poder arbitrário e ilegal.

3. As rés responderam e concluíram que a sentença recorrida interpretou e aplicou corretamente os factos e o direito.

4. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelas razões apontadas na decisão recorrida, a qual deve ser confirmada.
As partes foram notificadas do parecer referido no ponto anterior e nada disseram.

5. Dispensados os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso.
Questão a decidir: apurar se as cláusulas dos contratos de trabalho são inválidas por indeterminabilidade.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) O tribunal recorrido considerou provada a matéria de facto a seguinte:
1) A ré Barraqueiro Transportes, SA é uma empresa de transportes rodoviários e urbanos de passageiros, realizando indistintamente serviços regulares, serviços regulares especializados e serviços ocasionais.
2) A ré BT foi constituída em janeiro de 1933, com a firma JOAQUIM JERÓNIMO LIMITADA.
3) Por Escritura Pública de 27 de dezembro de 2007, outorgada no cartório notarial de Lisboa a cargo do Notário Alexandre Gonçalo Oliveira Perdigão, a R. BT1, então denominada JOAQUIM JERÓNIMO, TRANSPORTES RODOVIÁRIOS S.A., incorporou por fusão a sociedade BARRAQUEIRO TRANSPORTES S.A., pessoa coletiva n.º 502514019.
4) Na sequência da fusão a R. BT, sociedade incorporante, alterou a sua denominação social de JOAQUIM JERÓNIMO, TRANSPORTES RODOVIÁRIOS S.A. para BARRAQUEIRO TRANSPORTES S.A., adotando, assim, a denominação da sociedade incorporada.
5) No que concerne ao serviço transporte coletivo regular de passageiros (carreiras) e sem incluir as carreiras Expresso cujo percurso se desenvolve em todo o território continental, a ré BT exerce a sua atividade com predominância nos concelhos de Lisboa, Loures, Mafra, Sintra, Vila Franca de Xira, Sobral de Monte Agraço, Arruda dos Vinhos, Alenquer, Torres Vedras, Cadaval e Lourinhã.
6) A operação de transporte rodoviário de passageiros da ré BT desenvolve-se através de unidades orgânicas, denominadas “Zonas Operacionais”, constituídas em função da tipologia dos serviços que visam prestar e da área geográfica em que operam.
7) As zonas operacionais da ré BT são as seguintes:
i) A “Estremadura”, cuja direção, serviços administrativos e oficina estão localizados na Av. Santos e Castro, em Lisboa, dedica-se em especial aos serviços ocasionais, aos serviços regulares especializados e às carreiras Expresso;
ii) A “Barraqueiro Alugueres”; cuja direção, serviços administrativos e oficina estão localizados em Frielas, Loures, dedica-se em especial aos serviços ocasionais e aos serviços regulares especializados;
iii) A “Frota Azul”, cuja direção, serviços administrativos e oficina estão localizados em Olival de Basto, Odivelas; dedica-se em especial aos serviços ocasionais;
iv) A “Barraqueiro Oeste”, cuja direção, serviços administrativos e oficina estão localizados no lugar de Ameal, Ramalhal, Torres Vedras, dedica-se em especial à prestação dos serviços públicos de transporte cujas partidas e chegadas ocorrem predominantemente na área dos municípios de Torres Vedras, Lourinhã, Cadaval;
v) A “Mafrense”, cuja direção, serviços administrativos e oficina estão localizados em Mafra, dedica-se predominantemente à prestação do serviço público de transporte cujas partidas e chegadas ocorrem predominantemente na área dos municípios de Mafra e de Sintra;
vi) A “Boa Viagem”, cuja direção, serviços administrativos e oficinas estão localizados em Quinta do Bravo, Alenquer, dedica-se predominantemente à prestação do serviço público de transporte cujas partidas e chegadas ocorrem predominantemente na área dos municípios de Alenquer, Vila Franca de Xira, Sobral de Monte Agraço e Arruda dos Vinhos.
8) A ré RBV foi constituída em dezembro de 2014, sendo o seu capital social detido em exclusivo pela ré BT.
9) A ré Ribatejana Verde tem sede operacional em Salvaterra de Magos e tem cerca de 20 carreiras concessionadas e uma frota de 64 viaturas, com cerca de 300 viagens por dia e 73 trabalhadores.
10) A ré RBV dedica-se predominantemente à prestação do serviço público de transporte de passageiros cujas partidas e chegadas ocorrem predominantemente na área geográfica descrita no ponto seguinte, embora, residualmente, também realize serviços regulares especializados e serviços ocasionais
11) A rede da ré Ribatejana Verde compreende uma área de 3.000 km2 e integra vários concelhos situados a sul do rio Tejo, como uma parte do concelho de Almeirim, Benfica do Ribatejo, Cortiçóis, Convento da Serra, Raposa, uma parte do concelho de Benavente como Samora Correia, Porto Alto, Barrosa, Raposeira, Foros do Biscainho, St.º Estevão, Infantado, uma parte do concelho de Coruche como Casal da Caneira, Azerveira, Zebrinho, São José da Lamarosa, Águas Belinhas, Volta do Vale, Couço, Foros da Fonte de Pau, Carregoiceira, Casas Novas, Lavre, Foros de Salgueirinha, São Torcato, Carapuções, Branca, Canha, Foros de Arriça, uma parte do concelho de Vila Franca de Xira e a cidade de Lisboa, mais especificamente Campo Grande.
12) Até à constituição e início de atividade da ré RBV o serviço público de transporte nesta área era assegurado pela ré BT, através de uma zona operacional denominada “Ribatejana”, cuja direção, serviços administrativos e oficina estavam localizados ultimamente em Salvaterra de Magos.
13) Além do mais, a ré RBV adquiriu os veículos e demais ativos que estavam alocados à zona Operacional “Ribatejana” da R. BT e recebeu os contratos de trabalho dos trabalhadores que tinham estado afetos àquela mesma unidade orgânica.
14) Com a constituição e entrada em atividade da ré RBV, a ré BT extinguiu a sua zona operacional “Ribatejana”.
15) A atividade prestada às duas rés pelos associados do autor concretiza-se na condução de veículos pesados de passageiros afetos ao transporte de passageiros, serviços estes que as rés tanto exploram em regime de concessão ou de simples autorização, como prestam em cumprimento de contractos de transporte regular especializado ou de contratos ocasionais.
16) Os serviços concessionados, bem como os que dependem de simples autorização e os serviços regulares especializados, caraterizam-se, além do mais, por estarem sujeitos a itinerários, a frequências, a tarifas e, o que no caso é primordial, a horários predeterminados que o transportador se obriga a cumprir, não só perante os passageiros, como também perante a entidade concedente.
17) Os serviços ocasionais, por seu turno, obedecem a programas de viagem que o transportador se obriga a cumprir e tanto podem durar um como vários dias, sendo que, neste caso, os horários, os itinerários e a frequência e a duração das paragens podem variar de dia para dia.
18) Os serviços de transporte público rodoviário que as rés estão obrigadas a prestar são agrupados segundo critérios de otimização, os quais têm em conta, além de outros parâmetros relativos às caraterísticas dos próprios serviços, as normas legais e convencionais que disciplinam a organização do tempo de trabalho dos motoristas.
19) Cada conjunto de serviços assim agrupado é designado abreviadamente por “Serviço” ou por “Chapa”, sendo cada um deles (“Serviço” ou “Chapa”) identificado por um número.
20) Os “Serviços” ou “Chapas” são repartidos pelos motoristas de acordo com escalas de serviço.
21) As escalas mencionam as horas de início e do termo da jornada de trabalho, os intervalos de descanso e os serviços de transporte que o trabalhador deve assegurar, com indicação dos respetivos horários.
22) Os motoristas das rés não são escalados sempre para os mesmos serviços, pelo que não praticam sempre o mesmo horário de trabalho, nem realizam sempre os mesmos serviços de transporte. Além disso,
23) Cada motorista pode realizar diariamente apenas um “Serviço” ou “Chapa”, como pode combinar a realização de serviços de transporte compreendidos em dois ou mais “Serviços” ou “Chapas”.
24) Aliás, a falta de algum ou de alguns motoristas pode ser – e é habitualmente – suprida pelas rés através da alteração das escalas inicialmente comunicadas, distribuindo, na medida do possível, os serviços de transporte atribuídos aos motoristas faltosos por aqueles que se encontram disponíveis.
25) A atividade das rés ocorre em todos os dias da semana, pelo que os dias de descanso semanal dos seus trabalhadores, em especial dos que, como os associados do Sindicato autor, estão adstritos à realização de serviços de transporte, estão repartidos por todos os dias da semana, tendo em atenção as necessidades de transporte que a respetiva empresa tem de satisfazer em cada um dos dias.
26) Aquando da admissão de trabalhadores ao seu serviço as rés celebram com estes contratos individuais de trabalho.
27) Em todos os contratos de trabalho as rés incluem uma cláusula, habitualmente a “Terceira”, que dispõe sobre o “local de trabalho”.
28) Desde há muitos anos, pelo menos desde 2009, que a ré Barraqueiro Transportes, SA faz constar na cláusula sobre o “Local de Trabalho” o seguinte conteúdo:
“TERCEIRA
(Local de Trabalho)
1. Atenta a natureza da atividade desenvolvida pela Primeira Contraente, a prestação do trabalho pelo Segundo Contraente ocorrerá em toda a zona de exploração daquela.
2. Para efeitos, meramente administrativos, o Segundo Contraente ficará afeto, por ora, à zona de tráfego de RIBATEJANA, podendo, porém, vir a ser afeto a outra, de acordo com o disposto no número anterior”.
29) Nos contratos de trabalho mais recentes (do ano de 2016, 2017 ou 2018), ou seja aqueles que foram celebrados após a celebração do novo CCT, a ré Barraqueiro Transportes alterou o conteúdo da cláusula referente ao local de trabalho, fazendo constar em alguns contratos o seguinte texto ou textos de idêntico conteúdo:
“O Segundo Contraente é contratado para prestar o trabalho na zona de tráfego denominada “Boa Viagem” cuja atividade se desenvolve com predominância, na área dos municípios de Alenquer, Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira, pelo que ele poderá iniciar, reiniciar ou terminar a sua jornada de trabalho em qualquer ponto dessa zona”.
30) Às relações de trabalho aplica-se o CCT para o sector dos Transportes Rodoviários de Pesados de Passageiros celebrado entre a ANTROP e a FESTRU (atualmente designada por FECTRANS) publicado no BTE, 1.ª Série n.º 8 de 29.02.80 com alterações publicadas no BTE n.º 14/81; 14/82; 14/83; 10/85, 15/86; 15/87; 23/88; 15/90 e 20/99 tendo sido substituído pelo CCT publicado no BTE, n.º 48 de 29.12.2015 celebrado entre a ANTROP e o STRUP.
31) O autor é associado da FECTRANS a qual por sua vez é celebrante daqueles CCT, com exclusão do último que foi celebrado pelo próprio autor.
32) As rés sempre reconheceram perante o autor a aplicação dos citados CCT.
33) Os contratos de trabalho celebrados entre as rés e os seus trabalhadores são previamente elaborados e redigidos pelas rés.
34) Na sequência de um processo de recrutamento que é feito em função das necessidades de cada zona operacional.
35) No âmbito do qual os candidatos são informados que estão a ser recrutados para uma determinada zona operacional, logo identificada pela sua denominação, bem como a área geográfica que lhe corresponde, cabendo ao candidato decidir se quer aceitar a vaga para trabalhar em tais locais.
36) Por isso, até meados de 2015 os contratos de trabalho celebrados pela ré BT continham uma cláusula respeitante ao local de trabalho, com o teor da reproduzida em 28), mencionando-se expressamente no n.º 2 da cláusula a zona operacional em cuja área iria ser prestada a atividade do motorista.
37) De meados de 2016 até à atualidade, a cláusula relativa ao local de trabalho nos contratos de trabalho que a ré BT tem vindo a celebrar com os motoristas admitidos para as zonas operacionais “Mafrense”, “Boa Viagem” e “Barraqueiro Oeste” tem o teor da reproduzida em 29) e, se tal tiver sido acordado entre a ré e o trabalhador, com o aditamento de um n.º 2 com o seguinte teor:
“O Segundo Contraente realizará, em especial, os serviços de transporte agrupados na escala da estação de (por exemplo, Montelavar), podendo, porém, realizar serviços agrupados nas escalas de outras estações, em cumulação ou com exclusão dos primeiros.”
38) No caso da ré RBV, a partir de 2016, a cláusula dos contratos de trabalho respeitante ao local de trabalho, passou a mencionar expressamente os serviços de transporte que cada motorista ficava obrigado a realizar, por referência a três estações/bases de tráfego da empresa: “O Segundo Outorgante prestará a sua atividade no âmbito dos serviços de transporte agrupados nas escalas das Estações de (por exemplo, Salvaterra de Magos, Coruche e Glória do Ribatejo), pelo que poderá iniciar, reiniciar ou terminar a sua jornada de trabalho em qualquer ponto dessas zonas.”
39) Relativamente aos motoristas contratados em data anterior a 2016, a ré RBV tem restringido a três estações/bases de tráfego a área geográfica da prestação do trabalho inicialmente contratada, desde que eles nisso manifestem interesse.
40) A definição dessas três estações/bases resulta do acordo das partes que procuram, sempre que possível, que as mesmas sejam equidistantes em relação ao local da residência do trabalhador.
41) Quando as rés determinam a prestação de trabalho fora da área habitual e preponderante da prestação da atividade do motorista, o tempo necessário às deslocações da ida e do regresso são remunerados como tempo de trabalho e é disponibilizado transporte em veículo da empresa.
42) As rés não pagam aos trabalhadores as deslocações de casa para os locais de trabalho e dos locais de trabalho para casa, se os mesmos se inserirem no elenco de três referido em 39), tendo os trabalhadores de suportar as mesmas.
43) Com exceção dos trabalhadores aos quais é aplicável o AE da extinta Rodoviária Nacional, os motoristas podem iniciar e terminar o seu serviço diariamente sempre em locais diferentes, sendo que de tal tomam conhecimento na véspera.
44) Sendo, porém, prática das rés, circunscrever tais locais a um, onde os motoristas iniciam e terminam com maior frequência o seu serviço.

B) APRECIAÇÃO

B1) A conformidade com o Código do Trabalho e o CCT

O art.º 193.º do CT prescreve que o trabalhador deve, em princípio, exercer a atividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte (n.º 1).
O trabalhador encontra-se adstrito a deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional (n.º 2).
Por sua vez, a cláusula 16.ª do CCT publicado no BTE, n.º 48, de 29.12.2015, celebrado entre a ANTROP e o STRUP, aplicável ao caso dos autos, estipula:
1. Considera-se local de trabalho aquele para onde o trabalhador foi contratado.
2. O local de início do serviço pode ser alterado para outro(s) desde que a distância entre esse(s) local(ais) e a residência do trabalhador informada à empresa no momento da admissão seja igual ou inferior à distância entre o local de trabalho contratado e a referida residência.
3. Caso da aplicação do previsto no número anterior resulte um acréscimo de custo com a deslocação, devidamente comprovado por meio de documento, tem o trabalhador direito a ser ressarcido de tais custos.
4. O local de início e termo de cada período de trabalho deve, em cada dia, ser o mesmo. Quando assim não suceda, o período de tempo necessário à deslocação entre o local de termo e o local de início é considerado tempo de trabalho.
O local de trabalho delimita o espaço geográfico onde o trabalhador está adstrito ao cumprimento da obrigação de prestar a sua atividade e o empregador de a exigir, por um lado, e pelo outro, o espaço onde o empregador está adstrito à obrigação de receber a prestação, sem alteração unilateral, fora dos casos previstos na lei (art.º 194.º do CT) e ao trabalhador organizar a sua vida pessoal e familiar.
O ponto de equilíbrio entre estes dois interesses nem sempre é fácil de conseguir, dadas as mais variadas circunstâncias que podem interferir com o modo, espaço e o tempo de prestar.
No caso, as empregadoras dedicam-se à prestação do serviço público de transporte de passageiros, essencialmente entre localidades.
A natureza da atividade das empregadoras exige que a prestação de trabalho seja algo flexível em termos de deslocação para fora da zona de residência dos motoristas. O serviço público de transporte de passageiros é essencial para a deslocação das pessoas com as mais diversas finalidades.
Neste contexto, as empregadoras ao contratar os motoristas, devem infirmá-los sobre as condições de prestação da atividade, nomeadamente sobre o local onde a vão exercer, para poderem analisar e decidir se aceitam a proposta de trabalho.
Trata-se de um acordo de vontades, em que ambas não são totalmente livres. A empregadora ao estar obrigada a cumprir a concessão, providenciando os meios para que as pessoas possam ser transportadas para as diferentes partes do país, ou até estrangeiro, a determinadas horas conforme o fluxo de passageiros, tem de contratar motoristas para o exercício dessas funções. Tendo em conta a boa-fé, critérios de racionalidade económica e de necessidade do serviço pelos passageiros, a empresa transportadora não deve propor locais de trabalho arbitrários.
A contratação para a prestação de serviço entre localidades, por vezes distantes, e a falta de algum motorista, implica, pela própria natureza das coisas, que nos foquemos no serviço público que está a ser realizado pela empresa e na sua integral satisfação. Sem transporte as pessoas não podem realizar tarefas diárias essenciais para si e para toda a comunidade.
Todos vivemos em rede, onde todos consumimos e precisamos da prestação de serviços por todos os demais, nem que seja apenas ocasionalmente. Trata-se de uma teia complexa em que cada um de nós é importante, no seu trabalho, para a realização satisfatória das necessidades de todos.
A esta luz, as empresas transportadoras de passageiros entre localidades têm necessidade de alargar o âmbito geográfico do local de trabalho dos motoristas.
A questão está em apurar até que ponto o podem fazer.
O art.º 193.º do CT não define o que é o local de trabalho. O texto legal não estabelece limites espaciais ou geográficos. Tem de se analisar em cada situação concreta se o local de trabalho estipulado viola o justo equilíbrio de interesses entre as partes.
O legislador ao prescrever que o trabalhador deve, em princípio, exercer a atividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, está a dizer claramente que se for acordado um local de trabalho especificamente delimitado, o trabalhador deve exercer a sua atividade nesse espaço, podendo excecionalmente prestar a sua atividade fora do local acordado em casos devidamente justificados.
O legislador quis e quer evitar a arbitrariedade ou unilateralidade impositiva do empregador.
A partir do momento que é acordado o local de trabalho, a sua alteração definitiva só pode ser efetuada por acordo.
Analisados os contratos de trabalho celebrados entre as rés empregadoras e os seus trabalhadores, verificamos que o local de trabalho pode variar entre toda a área de exploração a nível nacional e em alguns casos até internacional e áreas geográficas de menor dimensão.
Contudo, com todo o respeito, não podemos confundir a extensão geográfica do local de trabalho com a falta de determinação.
Os contratos de trabalho celebrados entre as empregadoras aqui rés e os seus trabalhadores delimitam o local de trabalho. Uns casos a nível nacional e internacional e outros a nível regional.
A extensão espacial do local de trabalho, atenta a natureza da atividade desenvolvida pelas empregadoras rés, está devidamente delimitada nos contratos de trabalho. A área de exploração está determinada nos termos legais. As empresas de transportes coletivos de passageiros só estão autorizadas a prestar o serviço público de transporte de passageiros nas áreas concessionadas.
Assim, entendemos que os contratos de trabalho não violam o disposto no art.º 193.º do CT, pois a partir dos mesmos pode determinar-se quais são os locais onde os motoristas vão prestar a sua atividade.
De igual modo, entendemos que os contratos de trabalho celebrados entre os motoristas e as empregadoras não violam a cláusula 16.ª n.º 1 do CCT, onde se estipula que considera-se local de trabalho aquele para onde o trabalhador foi contratado. O CCT também não define o que é local de trabalho. Limita-se a considerar que local de trabalho é o local para onde o trabalhador foi contratado.
Ora, os motoristas são contratados para áreas geográficas determinadas ou facilmente determináveis, pelo que não se mostra violada a cláusula 16.ª n.º do CCT.
O art.º 280.º do Código Civil sanciona com nulidade o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
Como já referimos, o objeto dos contratos de trabalho, quanto ao local, é determinável, e não é contrário à lei referida, pelo que não ocorre a nulidade com fundamento neste artigo.

B2) A conformidade com o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais

O apelante conclui ainda que os contratos de trabalho violam o art.º 105.º do CT em conjugação com os art.º 22.º n.º 1, alínea n), e artigo 15.º, ambos do DL. 446/85, de 15/10.
O art.º 105.º do CT prescreve que o regime das cláusulas contratuais gerais aplica-se aos aspetos essenciais do contrato de trabalho que não resultem de prévia negociação específica, mesmo na parte em que o seu conteúdo se determine por remissão para instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Este artigo regula o chamado contrato de trabalho tipo ou de adesão. O empregador elabora previamente um contrato de trabalho, que apresenta ao trabalhador sem que este possa negociar ou influenciar as cláusulas contratuais, limitando-se o seu poder negocial a aceitar ou rejeitar. Este tipo de contratos revela um patente desequilíbrio negocial e ficam por isso sob a alçada do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
O art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 15.10 prescreve que são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé e o art.º 16.º que na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objetivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efetivação à luz do tipo de contrato utilizado.
O art.º 22.º n.º 1, alínea n), do mesmo diploma legal acabado de citar, prescreve que são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que fixem locais, horários ou modos de cumprimento despropositados ou inconvenientes.
Quando a esta matéria, está provado o seguinte:
“28) Desde há muitos anos, pelo menos desde 2009, que a ré Barraqueiro Transportes, SA faz constar na cláusula sobre o “Local de Trabalho” o seguinte conteúdo:
(Local de Trabalho)
1. Atenta a natureza da atividade desenvolvida pela Primeira Contraente, a prestação do trabalho pelo Segundo Contraente ocorrerá em toda a zona de exploração daquela.
2. Para efeitos, meramente administrativos, o Segundo Contraente ficará afeto, por ora, à zona de tráfego de RIBATEJANA, podendo, porém, vir a ser afeto a outra, de acordo com o disposto no número anterior”.
29) Nos contratos de trabalho mais recentes (do ano de 2016, 2017 ou 2018), ou seja aqueles que foram celebrados após a celebração do novo CCT, a ré Barraqueiro Transportes alterou o conteúdo da cláusula referente ao local de trabalho, fazendo constar em alguns contratos o seguinte texto ou textos de idêntico conteúdo:
“O Segundo Contraente é contratado para prestar o trabalho na zona de tráfego denominada “Boa Viagem” cuja atividade se desenvolve com predominância, na área dos municípios de Alenquer, Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira, pelo que ele poderá iniciar, reiniciar ou terminar a sua jornada de trabalho em qualquer ponto dessa zona”.
33) Os contratos de trabalho celebrados entre as rés e os seus trabalhadores são previamente elaborados e redigidos pelas rés.
34) Na sequência de um processo de recrutamento que é feito em função das necessidades de cada zona operacional.
35) No âmbito do qual os candidatos são informados que estão a ser recrutados para uma determinada zona operacional, logo identificada pela sua denominação, bem como a área geográfica que lhe corresponde, cabendo ao candidato decidir se quer aceitar a vaga para trabalhar em tais locais.
36) Por isso, até meados de 2015 os contratos de trabalho celebrados pela ré BT continham uma cláusula respeitante ao local de trabalho, com o teor da reproduzida em 28), mencionando-se expressamente no n.º 2 da cláusula a zona operacional em cuja área iria ser prestada a atividade do motorista.
37) De meados de 2016 até à atualidade, a cláusula relativa ao local de trabalho nos contratos de trabalho que a ré BT tem vindo a celebrar com os motoristas admitidos para as zonas operacionais “Mafrense”, “Boa Viagem” e “Barraqueiro Oeste” tem o teor da reproduzida em 29) e, se tal tiver sido acordado entre a ré e o trabalhador, com o aditamento de um n.º 2 com o seguinte teor:
“O Segundo Contraente realizará, em especial, os serviços de transporte agrupados na escala da estação de (por exemplo, Montelavar), podendo, porém, realizar serviços agrupados nas escalas de outras estações, em cumulação ou com exclusão dos primeiros.”
38) No caso da ré RBV, a partir de 2016, a cláusula dos contratos de trabalho respeitante ao local de trabalho, passou a mencionar expressamente os serviços de transporte que cada motorista ficava obrigado a realizar, por referência a três estações/bases de tráfego da empresa: “O Segundo Outorgante prestará a sua atividade no âmbito dos serviços de transporte agrupados nas escalas das Estações de (por exemplo, Salvaterra de Magos, Coruche e Glória do Ribatejo), pelo que poderá iniciar, reiniciar ou terminar a sua jornada de trabalho em qualquer ponto dessas zonas.”
39) Relativamente aos motoristas contratados em data anterior a 2016, a ré RBV tem restringido a três estações/bases de tráfego a área geográfica da prestação do trabalho inicialmente contratada, desde que eles nisso manifestem interesse.
40) A definição dessas três estações/bases resulta do acordo das partes que procuram, sempre que possível, que as mesmas sejam equidistantes em relação ao local da residência do trabalhador.
41) Quando as rés determinam a prestação de trabalho fora da área habitual e preponderante da prestação da atividade do motorista, o tempo necessário às deslocações da ida e do regresso são remunerados como tempo de trabalho e é disponibilizado transporte em veículo da empresa.
42) As rés não pagam aos trabalhadores as deslocações de casa para os locais de trabalho e dos locais de trabalho para casa, se os mesmos se inserirem no elenco de três referido em 39), tendo os trabalhadores de suportar as mesmas.
43) Com exceção dos trabalhadores aos quais é aplicável o AE da extinta Rodoviária Nacional, os motoristas podem iniciar e terminar o seu serviço diariamente sempre em locais diferentes, sendo que de tal tomam conhecimento na véspera.
44) Sendo, porém, prática das rés, circunscrever tais locais a um, onde os motoristas iniciam e terminam com maior frequência o seu serviço”.
Analisemos cláusula a cláusula:
“(Local de Trabalho)
1. Atenta a natureza da atividade desenvolvida pela Primeira Contraente, a prestação do trabalho pelo Segundo Contraente ocorrerá em toda a zona de exploração daquela.
2. Para efeitos, meramente administrativos, o Segundo Contraente ficará afeto, por ora, à zona de tráfego de RIBATEJANA, podendo, porém, vir a ser afeto a outra, de acordo com o disposto no número anterior”.
Esta cláusula permite à empregadora ordenar ao motorista que preste a sua atividade em toda a sua zona de exploração.
Embora o motorista fique afetado inicialmente a determinada zona de tráfego, a verdade é que a empregadora pode a todo o momento determinar que preste a sua atividade em qualquer outra parte do país, ou até no estrangeiro.
O art.º 59.º n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, preceitua que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito a organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar.
Este preceito constitucional visa estabelecer, além do mais que não está em causa neste caso, o equilíbrio entre a prestação de trabalho e a realização pessoal, nomeadamente familiar.
O local de trabalho não pode ser estipulado de modo tão abrangente, vago e imprevisível, que a qualquer momento a alteração pode comprometer a vida pessoal do trabalhador.
No caso concreto, verificamos que a empregadora Barraqueiro Transportes, SA, tem o serviço de transporte público de passageiros organizado por zonas. Estas já implicam a deslocação do motorista para longe do seu domicílio. É habitual neste tipo de atividade que o motorista ao chegar ao destino, tenha que esperar horas pelo horário em que há mais procura do serviço de transporte, o que implica estar afastado da sua residência. Este tempo considera-se tempo de trabalho ou não, conforme não possa ou possa ausentar-se do local de trabalho.
Esta situação particular implica já para o motorista afastamento relevante da sua residência e família, com a consequente maior dificuldade em prestar assistência ao seu agregado familiar, nomeadamente acompanhar os filhos ou outros familiares que careçam de apoio, além de ficar com menos tempo para as suas atividades de lazer ou outras.
Se a esta maior penosidade acrescentarmos a extensão territorial e a imprevisibilidade do local de trabalho, que poderá alterar-se a cada momento de forma significativa, podemos concluir que esta cláusula se mostra desnecessariamente desproporcionada e inconveniente na parte em que estende a obrigação de prestar por parte do trabalhador a toda a zona de exploração, quando a empregadora tem áreas de negócio territorialmente mais pequenas,
Esta situação é agravada pela possibilidade da empregadora ordenar ao trabalhador que num dia preste a sua atividade em determinada área geográfica e no dia seguinte em área geográfica totalmente diferente, quiçá distante.
Torna-se ainda mais gravosa se tivermos em conta que a cláusula permite também à empregadora a alteração dos horários.
A extensão do local de trabalho, a imprevisibilidade de mudança de local a cada momento, a possibilidade permanente de mudança de horário, quando a empregadora tem áreas geográficas de exploração mais pequenas, não encontra justificação razoável.
Esta cláusula mostra-se assim, nesta parte, proibida, pois dela pode resultar evidente dano para o motorista sem que os factos provados permitam concluir pela necessidade de tão grande incerteza e prejuízo para o motorista.
Assim, declara-se nula a cláusula constante dos contratos de trabalho celebrados entre a ré Barraqueiro Transportes, SA e os trabalhadores na parte em que prevê que a prestação de trabalho ocorra em toda a zona de exploração e que possam ser afetos a outra zona sem o seu acordo.
***
Em relação à cláusula a partir de 2016, esta tem o teor seguinte:
“29) Nos contratos de trabalho mais recentes (do ano de 2016, 2017 ou 2018), ou seja aqueles que foram celebrados após a celebração do novo CCT, a ré Barraqueiro Transportes alterou o conteúdo da cláusula referente ao local de trabalho, fazendo constar em alguns contratos o seguinte texto ou textos de idêntico conteúdo:
“O Segundo Contraente é contratado para prestar o trabalho na zona de tráfego denominada “Boa Viagem” cuja atividade se desenvolve com predominância, na área dos municípios de Alenquer, Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira, pelo que ele poderá iniciar, reiniciar ou terminar a sua jornada de trabalho em qualquer ponto dessa zona”.
“37) De meados de 2016 até à atualidade, a cláusula relativa ao local de trabalho nos contratos de trabalho que a ré BT tem vindo a celebrar com os motoristas admitidos para as zonas operacionais “Mafrense”, “Boa Viagem” e “Barraqueiro Oeste” tem o teor da reproduzida em 29) e, se tal tiver sido acordado entre a ré e o trabalhador, com o aditamento de um n.º 2 com o seguinte teor:
“O Segundo Contraente realizará, em especial, os serviços de transporte agrupados na escala da estação de (por exemplo, Montelavar), podendo, porém, realizar serviços agrupados nas escalas de outras estações, em cumulação ou com exclusão dos primeiros.”
Estas duas cláusulas delimitam geograficamente a prestação de trabalho numa área de exploração específica.
A alteração só pode ocorrer por acordo.
Tendo ainda presente o que dissemos a respeito da apreciação da cláusula anterior, verificamos que, atendendo à natureza da atividade desenvolvida pela empregadora, estas duas cláusulas mostram-se razoavelmente justificadas.
Os motoristas têm um local de trabalho delimitado pela zona operacional e só são transferidos para outra se derem o seu acordo.
Em relação à possibilidade do motorista iniciar, reiniciar ou terminar a sua jornada de trabalho em qualquer ponto dessa zona, devem as partes ter em conta o estipulado no n.º 4 da cláusula 16.ª: “O local de início e termo de cada período de trabalho deve, em cada dia, ser o mesmo. Quando assim não suceda, o período de tempo necessário à deslocação entre o local de termo e o local de início é considerado tempo de trabalho”, sempre de acordo com o princípio da boa-fé.
Neste contexto, entendemos que estas duas cláusulas não são proibidas, por não se mostrarem desnecessariamente desproporcionadas e inconvenientes.
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Em relação aos contratos de trabalho celebrados pela ré Ribatejana Verde, a cláusula era a seguinte:
“38) No caso da ré RBV, a partir de 2016, a cláusula dos contratos de trabalho respeitante ao local de trabalho, passou a mencionar expressamente os serviços de transporte que cada motorista ficava obrigado a realizar, por referência a três estações/bases de tráfego da empresa:
“O Segundo Outorgante prestará a sua atividade no âmbito dos serviços de transporte agrupados nas escalas das Estações de (por exemplo, Salvaterra de Magos, Coruche e Glória do Ribatejo), pelo que poderá iniciar, reiniciar ou terminar a sua jornada de trabalho em qualquer ponto dessas zonas.”
Está ainda provado que:
“39) Relativamente aos motoristas contratados em data anterior a 2016, a ré RBV tem restringido a três estações/bases de tráfego a área geográfica da prestação do trabalho inicialmente contratada, desde que eles nisso manifestem interesse.
40) A definição dessas três estações/bases resulta do acordo das partes que procuram, sempre que possível, que as mesmas sejam equidistantes em relação ao local da residência do trabalhador.
41) Quando as rés determinam a prestação de trabalho fora da área habitual e preponderante da prestação da atividade do motorista, o tempo necessário às deslocações da ida e do regresso são remunerados como tempo de trabalho e é disponibilizado transporte em veículo da empresa.
42) As rés não pagam aos trabalhadores as deslocações de casa para os locais de trabalho e dos locais de trabalho para casa, se os mesmos se inserirem no elenco de três referido em 39), tendo os trabalhadores de suportar as mesmas.
43) Com exceção dos trabalhadores aos quais é aplicável o AE da extinta Rodoviária Nacional, os motoristas podem iniciar e terminar o seu serviço diariamente sempre em locais diferentes, sendo que de tal tomam conhecimento na véspera.
44) Sendo, porém, prática das rés, circunscrever tais locais a um, onde os motoristas iniciam e terminam com maior frequência o seu serviço”.
Tal como referimos em relação à cláusula anterior, a estipulação do local de trabalho não se mostra discricionário e sem justificação.
Dada a natureza da atividade da ré empregadora, justifica-se alguma flexibilidade na fixação do local de trabalho. Os factos provados que acabamos de enunciar mostram que tem havido uma boa execução da cláusula.
A cláusula em si não é proibida. A sua boa execução já depende da boa-fé das partes, mas extravasa o âmbito deste recurso.
Nestes termos, entendemos que esta última cláusula não é proibida.
Nesta conformidade, julgamos a apelação parcialmente procedente e confirmamos quanto ao mais a sentença recorrida.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência:
1. Declarar nula a cláusula constante dos contratos de trabalho celebrados entre a ré Barraqueiro Transportes, SA e os trabalhadores, na parte em que prevê que a prestação de trabalho ocorra em toda a zona de exploração e que possam ser afetos a outra zona sem o seu acordo.
2. Confirmar quanto ao mais a sentença recorrida.
Custas pelo apelante e pela ré Barraqueiro Transportes, SA, na mesma proporção.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 14 de julho de 2020.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço